Agronegocio com ciência e arte

Costumamos fazer severa autocrítica pelo fato de o Brasil investir tanto em agronegocio, preferindo commodities a produtos de maior valor agregado, com pouca ciência e pouca arte, certo? Pois o ex-ministro da Agricultura, engenheiro agrônomo e coordenador do GV-Agro, o Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Roberto Rodrigues, rebateu essa idéia enfaticamente.

O discurso ocorreu numa palestra no ciclo paralelo da ExpoManagement em 2007: “A visão existente no Brasil é que o segmento do agronegócio aqui é velho e atrasado. Mas não é: é altamente competitivo e tecnológico. Ao contrário de países europeus, que, por causa da fome vivenciada no passado, adotaram uma política de segurança alimentar que inclui subsídios estatais de até 34% da renda dos agricultores e fez com que não houvesse a menor competitividade lá, o Brasil é extremamente competitivo”.

E há espaço para ampliar essa competitividade com ciência e arte. Segundo Rodrigues, os países desenvolvidos estão sofisticando suas demandas por produtos agrícolas e exigindo que a produção se preocupe com questões de sustentabilidade, econômicas, sociais e ambientais. Isso requererá uma busca constante por certificações, com a conquista de selos de qualidade que podem agregar valor aos produtos. A questão demográfica mundial também pressiona pela produção de alimentos. “Entre 2000 e 2030, a população deve ganhar mais 2 bilhões de pessoas, somando 8 bilhões no mundo, 62% das quais habitantes de cidades. Com isso, mudará ainda mais a forma como as pessoas se alimentam.” Rodrigues deixou claro o caminho a ser seguido pelo Brasil ao lembrar que, nas cidades, mais mulheres trabalham fora, e os alimentos precisam ser industrializados. Em sua palestra, o biólogo Juan Enriquez foi além: “O agronegócio será indústria. Por exemplo, 60 cabras poderão produzir, em seu leite, todo o remédio necessário para tratar determinado tipo de câncer nos Estados Unidos”.

Some-se a tudo o fato de que o maior crescimento populacional é esperado em regiões como África e Ásia, que gastam a maior parte de suas rendas em alimentos, e pode-se perceber que o que é commodity hoje talvez realmente passe a representar maior valor amanhã. Citando o prêmio Nobel de Química Alan Diarmid, Rodrigues reforçou: “Dos dez maiores problemas que afligem e afligirão a humanidade em curto prazo, cinco têm a ver com a agricultura”. Juan Enriquez corroborou essa idéia: em 40 anos, a participação do agronegócio na atividade mundial vai avançar de 30% para 40% da atividade mundial e indústria e serviços devem descrescer para 20% cada. Hoje as participações se equivalem.

Entre as previsões do ex-ministro, está a de que “o fluxo de comércio sul-sul vai crescer muito. Em 2006, 60% das exportações brasileiras agrícolas foram para a União Européia, China, Estados Unidos, Irã e Rússia. Ainda temos todo o mercado da África para explorar”. Ele também discutiu muito a importância que a agricultura terá para resolver a crise energética e os problemas ambientais associados aos gases de efeito estufa (veja quadro na página 7). “A agricultura já está sendo e continuará sendo alavanca do desenvolvimento no Brasil”, sentenciou.

Comparando com os resultados 6 anos depois
O texto acima era uma previsão projetada antes da crise de 2008. Agora vamos comparar as previsões em 2008 com os resultados de 2014, publicados em março de 2015 pelo Cepea.
O agronegócio encerrou 2014 com resultados abaixo do que se esperava. Cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, com apoio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), mostram que a expansão no ano foi de 1,59%, significativa frente aos resultados que devem ser divulgados para a economia como um todo, mas bem abaixo dos 5,22% estimados para o agronegócio em 2013. A preços reais, o PIB do agronegócio foi de R$ 1.178,87 milhões (1 trilhão, 178 bilhões e 870 milhões de reais).

Pesquisadores do Cepea explicam que as expectativas de maior crescimento foram frustradas pela sucessão de resultados negativos no ramo formado pelas cadeias produtivas baseadas na agricultura ao longo do segundo semestre. O único segmento deste setor que acumulou modesto crescimento, de 0,15%, foi o primário ou “dentro da porteira”, impulsionado pelo aumento de 3% do volume de produção, uma vez que, os preços recuaram 2,23% na comparação com 2013. É justamente na diminuição dos preços de culturas como soja, milho, trigo, cana e algodão que se encontra a explicação para a queda de 0,75% faturamento da agricultura como um todo (compreendendo os segmentos de insumos, primário, processamento e de serviços). A preços reais, o PIB do ramo agrícola em 2014 foi de R$ 800,57 bilhões, contra R$ 806,59 bilhões em 2013.

Em situação bem diferente, a pecuária se manteve em ritmo firme, com expansão sucessiva de todos os seus segmentos. O crescimento do PIB do segmento primário chegou a 8,33%, motivado em especial pelo aumento dos preços. Somente a avicultura teve preços médios inferiores aos de 2013, mas contou com algum crescimento do volume produzido. No ano, o PIB do ramo pecuário (abrangendo os segmentos de insumos, primário, industrial e de serviços) chegou a R$ 378,30 bilhões, avanço de 6,9% diante dos R$ 353,84 bilhões do ano anterior.

Com variações mensais negativas e/ou pouco expressivas, a agroindústria nacional (abrangendo a indústria de processamento dos ramos pecuário e agrícola) acumulou baixa de 0,32% em 2014. Conforme pesquisadores do Cepea, esse resultado ruim refletiu o desempenho das atividades de processamento vegetal (-0,96%), já que, para a indústria da pecuária, o cenário foi bastante favorável (+3,88%). No caso da agroindústria agrícola, das dez atividades acompanhadas, apenas três acumularam alta no ano: celulose, papel e gráfica, etanol e café. Para as demais, recuos de preços e/ou produção pesaram sobre o faturamento no período, sendo que as indústrias de óleos vegetais e açucareira apresentaram os piores resultados. Na indústria de base pecuária, a significativa valorização das carnes bovina e suína favoreceu o bom desempenho do segmento.

A equipe Cepea lembra que o contexto macroeconômico de 2014 foi marcado por inflação em alta e baixo crescimento econômico. As expectativas de movimentação monetária em relação à Copa do Mundo não se confirmaram e, no segundo semestre, as incertezas se acentuaram, requerendo constantes revisões para baixo das expectativas de crescimento do PIB. A perda de confiança foi marcante em todos os setores, comentam os pesquisadores.

Na avaliação do professor Geraldo Barros, coordenador do Cepea e responsável pelos cálculos do PIB do Agronegócio Cepea/CNA, “os desafios que o País enfrentará em 2015 vão se mostrando maiores do que se imaginava até pouco tempo atrás, e o agronegócio pode ser o grande condicionante do desempenho da economia brasileira. Representando 23% do PIB nacional, ele pode ser o único setor com crescimento mais expressivo diante da indústria claudicante e dos serviços em processo de exaustão.” No dia 27 de março, o IBGE deve divulgar nova série do PIB brasileiro e, com isso, deve ser alterada a participação do agronegócio.


Fontes: Revista HSM Management 66 (2008) e Cepea (2015)