Valor com valor se paga

Bate papo com os grandes especialistas Philip Kotler, Al Ries, Chuck Martin e John Stanton debate a responsabilidade do marketing na geração de valor.

Promissor como todos os inícios, o ano 2000 parece ser uma ótima oportunidade para explorar as tendências que marcarão o novo milênio. Num mundo caracterizado pela globalização e pela Internet, qual tende a ser o comportamento dos mercados?

Com o cliente como protagonista e o acionista como tesoureiro, qual a responsabilidade do marketing na geração de valor? Para discutir essas grandes questões, HSM Management promoveu uma mesa-redonda inédita com espectadores privilegiados, autoridades como Philip Kotler, Al Ries, Chuck Martin e John Stanton, sob coordenação do diretor editorial da revista, José Salibi Neto.

Enquanto Kotler e Ries são mais generalistas, Martin é um dos pioneiros do marketing interativo e Stanton especializado em marketing de nichos.

Os especialistas discorreram, entre outros assuntos, sobre empresas locais versus companhias globais, o “vender experiências”, a necessidade de os países se avaliarem como negócios, o sucesso obtido sem despesas com publicidade e promoção, as marcas de produtos tecnológicos, a diferença entre os empresários da Internet e os tradicionais etc., citando exemplos reais de marcas famosas e grandes empresas, de Gillette a Frito Lay, de Amazon a WalMart.

supermercado walmart

A década de 1990 trouxe grandes impulsionadores de mudanças radicais na forma de fazer negócios. De que maneira fatores como a globalização ou a Internet influem no marketing dessa nova Era Digital?

Al Ries – O grande desafio atual do marketing está em passar do que é hoje para o que quer ser. É publicidade, promoção, desenvolvimento e projeto de produtos, estratégia de preços, vendas. Isso é marketing, embora na prática perca de vista seu objetivo: construir uma marca na mente do consumidor. Com essa finalidade, é preciso definir o preço, programar a campanha publicitária, desenvolver novos produtos. Por isso, creio que o principal desafio nessa área está em desligar-se do “fazer” para se concentrar na meta, porque, nessa superestrutura de complexidades que o processo de marketing gera, perde-se de vista o objetivo de construir a marca. É muito fácil cair na armadilha e fazer exatamente o contrário, isto é, prejudicar ou destruir a marca.

Philip Kotler – Concordo, mas creio que por trás desse objetivo há outro: ganhar dinheiro. Estamos mais interessados em fazer com que os consumidores comprem uma grande quantidade de nossos produtos, em conseguir participar do mercado, do que na marca. Falamos da arte de obter clientes fiéis, que durante toda a vida comprem os produtos que vendemos. Não creio que uma empresa possa ficar satisfeita com o que vende, mesmo num nicho, ou quando sua superioridade sobre o resto for notória. Por isso estou convencido de que um dos desafios está, antes de mais nada, em transformar os homens de marketing em planejadores financeiros, porque fazer marketing não significa planejar valor, mas sim lucros. A Colgate, por exemplo, propõe- se a atender todas as necessidades relacionadas com os dentes: fio dental, pasta de dentes, escovas. O que o marketing tem de fazer é converter a Colgate na autoridade nesse assunto. Sua imagem deve ser a de referência para qualquer problema dentário. A arte do marketing, sem dúvida, está em construir uma marca. Contudo, mais do que a da construção em si, é a arte de dar-lhe vida em torno de categorias e estilos de vida.

Ries – Sua objeção é válida, mas o que me preocupa é o alcance. Será que isso significa que no futuro será preciso sempre depender dessa marca? Eu acredito nas marcas múltiplas, e é isso que sugiro às empresas que me confessam que não querem ficar amarradas a um só produto ou serviço. O exemplo da Colgate envolve um conflito. A Colgate poderia ser a líder com marcas múltiplas.

Kotler – Não faz sentido todos os produtos levarem a marca Colgate? Lembro-me do caso da Johnson e do creme de barbear Edge. Pouco depois apareceu a loção pós-barba, também Edge. Não há problema, nem que lancem as lâminas de barbear Edge; seriam tão donos do barbear como a Gillette, e em plena concorrência. Por outro lado, não poderiam levar essa marca para uma pasta de dentes, porque não tem nada a ver com o ato de se barbear. Principalmente quando se entra na área de supermercados, o que se quer é ser o dono da categoria. Como a Procter & Gamble em detergentes: não podem faltar em nenhuma gôndola. É muito melhor ser dono de uma categoria.

Ries – São duas questões distintas. Posso concordar com ser dono de uma categoria. A Frito Lay é um bom exemplo: é a dona dessa categoria, mas não com uma marca, e sim com muitas.

Se escolhermos a opção das marcas múltiplas no lugar da ampliação da linha, o processo de globalização se complica?

Chuck Martin – Creio que em marketing deparamos com outro desafio, muito mais amplo que o da marca e do posicionamento. Estou totalmente de acordo com o conceito de marcas múltiplas. No entanto, parece-me que a questão mais premente é definir em que ponto o marketing constrói a cadeia de valor na nova era da economia de redes. Antigamente a proposição de valor estava na concepção do produto, em sua criação, fabricação, distribuição, marketing e promoção. No final, por meio de pesquisa de mercado, melhorava-se o produto e iniciavase novamente o processo. No novo cenário, esse esquema entra em curto, e a proposição de valor se transforma.

O consumidor diz: “Sr. Michael Dell, faça este computador para mim”, e o computador é feito segundo seu pedido. O mesmo ocorre com outros produtos. As calças jeans, por exemplo: eu não quero ter um jeans Levi’s, quero ter “o meu” jeans Levi’s. Do nada, a Amazon se transformou em uma marca mundial em quatro anos; fez apenas marketing de vendas com tecnologia de informática. Hoje se consegue avaliar os resultados do marketing imediatamente. As funções de marketing estão indo para a parte superior da empresa, onde está o orçamento real. Por sua vez, esse orçamento real está tentando ingressar na área de marketing. Portanto, creio que o grande desafio dos responsáveis pelo marketing é obter mais controle sobre esse processo do que possuem hoje.

John Stanton – Em minha opinião, as possibilidades que a tecnologia dá são impressionantes. Quem sintetiza bem isso é o anúncio da IBM em que se vê um casal de Cleveland em uma lojinha nos Alpes italianos; quando a dona do local comenta que tem outros clientes de Cleveland, o casal reage com a pergunta lógica: “Também vieram até aqui?” “Não, compram pela Internet” é a resposta, também lógica nos dias de hoje.

Kotler – O que me intriga é saber que volume de negócios passará para a Internet.

Martin – Segundo estimativas do Forrester Group e do Gartner Group para o ano 2003, o comércio eletrônico movimentará um pouco mais de US$ 360 bilhões, e no setor de business-to-business, por volta de US$ 1,7 trilhão em 2002.

Stanton – Tomemos como exemplo a Amazon.com, que atualmente possui 2,5% do negócio de venda de livros. Quanto pode chegar a crescer?

Martin – O que muda é a forma de se determinar o valor. Este ano, a Amazon venderá mais de US$ 1 bilhão. Isso não representa muito em relação ao total de livros vendidos.

No entanto, ela vende também remédios, produtos para animais de estimação, entrou no negócio de leilões, coleta dados, constrói perfis de hábitos de consumo e bancos de dados.

Possui 9 milhões de usuários registrados e todas as informações sobre cartões de crédito, hábitos de compra, preferências pessoais. Ao cruzar essas informações com seus bancos de dados, elaborou o perfil de 20 milhões de pessoas. Esse é o ponto: não se trata apenas de livros.

Kotler – Não creio que possa crescer da mesma maneira na venda de remédios. Eu não compraria remédios na Amazon. Martin – Mas compraria da Drugstore.com, empresa da qual a Amazon possui 40%.

Stanton – De qualquer forma, a questão não é determinar o tamanho da Internet, porque nenhum de nós conseguiria fazê-lo. O tema é marketing. Será diferente na Internet? Deduz-se, pelo que foi dito, que o departamento de marketing terá uma posição diferente.

Martin – Está mudando o critério para se designar o responsável. Os presidentes esxecutivos, de Jack Welch para baixo, limitam-se a observar o panorama de tarefas –o site, a intranet, a extranet– e a pedir que se contrate um “czar” que se encarregará de tudo. Aparece essa pessoa que controla o marketing no cyberspace; algo muito diferente do gerenciamento tradicional da marca. Trata-se de reposicionar o marketing, como entidade, dentro da empresa.

Kotler – Não concordo com essa visão “departamental” do marketing. Para mim, o departamento de marketing não tem sentido nenhum. A empresa, no conjunto, deveria fazer marketing, porque o marketing é uma função. O problema que vejo no fenômeno da Internet é que cada vez mais empresas se unem e querem cobrir o maior território possível, o que as levará a perder o foco. Como no caso de suas marcas. No princípio, a Amazon era sinônimo de livros; agora significa muito mais. O Quicken era somente um software de gerenciamento; hoje também inclui fundos de investimento e outras aplicações financeiras.

Ries – Creio que cada negócio diferente exige uma marca diferente. A mim não incomoda a Drugstore.com; o que me preocupa, sim, é a Amazon.com, que vende medicamentos.

Martin – Mas na Drugstore.com não há nenhum indício de que a empresa que vende seja a Amazon.com.

Kotler – Suponhamos que, nesse caso, se tenha feito o correto. Então, vale a pena analisar o negócio de música da Amazon. Aí não se mudou a marca e vende-se mais que todos os selos de gravadoras juntos na Internet. Além disso, desbancou uma antecessora especializada como a CDNow. Neste caso, trabalha sob o guardachuva do valor da marca.

Martin – Na realidade, debaixo do guarda-chuva de seu público. Possuem milhões de compradores.

Ries – Isso pode funcionar na Internet, mas não funcionou com a Blockbuster quando tentou fazê-lo. A idéia era a mesma: se as pessoas que alugam fitas de vídeo também compram discos, por que então não vender discos também?

Stanton – Creio que estamos falando de níveis distintos. A Amazon é a empresa, o nível mais abrangente. Por baixo deveria haver uma marca para cada negócio novo: Drugstore.com, Music.com e assim sucessivamente.

Ries – A questão é que a Amazon já é uma marca que significa livros.

Stanton – Não vejo em que o fato de a Amazon ser a proprietária afeta as pessoas que compram medicamentos na Drugstore.com. Neste ponto poderíamos relacionar a idéia de marca, mundial e virtual, e o fato de que o marketing está se integrando ao planejamento financeiro das empresas, interessadas em gerar tanto valor como lucro.

ge general electric logotipo

Martin – A General Electric está nesse processo. Não quer arriscar a reputação de seu nome, por isso procura obter a convivência pacífica dos padrões de qualidade e lucratividade com a Internet. Simplesmente, busca a forma de manter seus padrões em tudo que faz e, por sua vez, transformar a base que a sustenta. O desafio é o mesmo que a Amazon traçou para os negócios estabelecidos em sua seara. Ser a primeira fez com que a Amazon se tornasse “a marca”, e que a Barnes & Noble, por exemplo, fosse uma empresa que vende livros em lojas; sua presença na Internet não é transcendente. O erro da Barnes & Noble foi apegar- se ao modelo antigo. Assim, enquanto ela avaliava que parte do orçamento destinaria à Internet, a Amazon investia US$ 40 milhões em publicidade e ganhava a parada, e a Barnes & Noble continuava projetando cenários. As fórmulas do passado não funcionam nesse novo meio. Talvez funcionem no futuro, mas no momento não servem.

Kotler – É possível construir uma marca na Internet sem gastar US$ 30 milhões ou US$ 40 milhões?

Martin – Creio que já não se consegue mais. Contudo, a Mirabilis, empresa israelense, fez isso com o ICQ. Possui 11 milhões de assinantes sem haver gasto um centavo em promoção e publicidade.

Stanton – Como as pessoas ficaram sabendo?

Martin – Pela Internet.

A publicidade na Internet se tornou uma questão polêmica. Como reagem as empresas (e as agências) a essa nova possibilidade?

Martin – O habitual é que, quando decidem fazer publicidade na Internet, saiam comprando banners. Entretanto, o sucesso da publicidade não está nos banners: está na televisão, nas revistas, na imprensa, que faz com que as pessoas entrem na Internet. Fazer publicidade na Internet é trivial, a tal ponto que uma agência de publicidade propôs a um cliente disposto a mudar suas campanhas na rede: “Se deixarem em nossas mãos o orçamento de publicidade, criaremos para vocês algo mais que banners”. A resposta não demorou: “Criem algo mais do que banners e terão o orçamento”.

Kotler – Espero que essa fórmula superior não sejam os anúncios. Cada vez que visitamos uma página na Internet, somos obrigados a passar por uma série de páginas cheias de anúncios, que é o que a America Online fazia no começo. De qualquer forma, independentemente do meio em que estiverem colocando seus investimentos publicitários, é bom lembrar que um grande número de empresas começou a tomar consciência de que está gastando dinheiro demais em publicidade.

Stanton – A propaganda, no sentido mais abrangente, é a menos aproveitada das ferramentas. Também os patrocínios são subexplorados.

portifolio produtos p&g

Kotler – Muitos começaram a mudar de critério na hora de encarar novas campanhas publicitárias. A Heinz, na Grã-Bretanha, decidiu enxugar o orçamento publicitário e ampliar o marketing direto e outros recursos para construir uma relação com sua base de clientes. A Procter & Gamble está pensando em destinar mais dinheiro para a Internet.

Como crêem que será esse panorama dentro de cinco anos?

Martin – As empresas já começaram a repensar suas linhas de produtos para transformá-los segundo as possibilidades que a tecnologia proporciona.

Kotler – Em que direção? Estão trabalhando mais em e-business ouem e-commerce?

Martin – Na realidade, na construção da infra-estrutura mundial necessária para ambos; na identificação e na associação com fornecedores que possam responder em tempo real; na logística da atenção ao cliente, do gerenciamento dos pedidos e da cobrança.

Ries – Minha conclusão é que, na Internet, tudo depende do produto ou do serviço. Creio que a Procter & Gamble cometeu um erro quando resolveu entrar na Internet só porque muitas empresas estavam fazendo isso. Afirmar que a Internet será o veículo para todos os produtos me parece um erro. É bastante simples, quase óbvio, determinar quais produtos e serviços estão padronizados e são bons para a Internet e quais não são. Creio que tanto uns como outros vão conviver, cada qual com sua mídia.

Stanton – Como ocorreu com a venda por catálogo. No início, alguns disseram: “É o fim dos varejistas. Ninguém mais vai sair de casa para fazer compras”.

Ries – Mas a realidade demonstrou o contrário: os negócios de varejo continuam bem e seguem construindo marcas no estilo tradicional, convivendo com os catálogos.

Stanton – O que significa, a meu ver, que existirão negócios pela Internet e haverá comunicação com os clientes por outras vias. Continuarão construindo marcas à moda antiga. Até os catálogos sobreviverão, porém o mix poderia evoluir e, por sua vez, configurarse de maneira diferente, conforme a categoria. Apesar das dúvidas e das opiniões conflitantes, a Internet se tornou um tema inexorável e, para muitos, uma expectativa mais que valiosa.

Em que estão apostando os investidores?

Kotler – Creio que se trata de uma bolha. Warren Buffet disse que, em poucos anos, de cada dez empresas que existem hoje, apenas uma sobreviverá. De maneira alguma é fácil prever qual delas será. Acho que, de certa forma, joga-se com a ilusão de se enriquecer rapidamente. As pessoas vêem que as ações das empresas de tecnologia estão subindo, e querem comprar. É um impulso do qual ninguém escapa com facilidade. Algo muito parecido com o que aconteceu com as tulipas na Holanda no século XVI ou com o preço do metro quadrado em Tóquio.

Stanton – Ou como essa insólita proposta de negócio que está circulando pelo mundo: um convite para ficar rico em uma semana criando avestruzes sem investir muito; basta comprar os ovos.

Ries – Não creio que seja justo colocar no mesmo saco o negócio da Internet e o dos avestruzes. A Internet veio para ficar. É um meio de comunicação, como a televisão ou o rádio, porém com características próprias.

Stanton – Nisso estamos de acordo.

Embora existam marcas fortes e com potencial para se globalizar, ou pelo menos se regionalizar, os empresários latino-americanos nem sempre o fazem. Como se globaliza uma marca a partir de um país emergente?

Kotler – Algo que sempre defendo é que os governos façam um levantamento das melhores empresas do país, daquelas que realmente tenham algo fora do comum, e Philip Kotler que as apóiem e promovam regionalmente, dos países vizinhos para o mundo.

Ries – Minha reflexão se refere às empresas que se conformam em ser bem-sucedidas em seu país de origem. Parece-me oportuno adverti-las de que, se não saírem para o exterior, se não decidirem tornar-se internacionais imediatamente, as de fora serão as que vão entrar e destruir seu negócio local.

Martin – A StarMedia (veja também página 132) está fazendo exatamente isso. Visa toda a América Latina a partir de Nova York. Com US$ 100 milhões de financiamento, está trabalhando para fortalecer sua posição na região.

coca-cola mini garrafinhas

Ries – De qualquer forma, é certo que as marcas, embora sejam mundiais, têm uma identidade nacional. Coca-Cola é uma marca internacional, mas o mundo a percebe como uma marca norteamericana. Não seria estranho que as pessoas preferissem Coca-Cola ou Levi’s justamente por serem originárias dos Estados Unidos. Segundo esse critério, se pensássemos em construir uma marca mundial na Argentina, por exemplo, teríamos de escolher produtos e categorias que consideramos de muito boa qualidade, como o couro, as roupas, a carne, todos aqueles produtos de alta qualidade identificados com a Argentina.

Stanton – Embora não se trate de uma marca mundial, refletem esse conceito as churrascarias, que se multiplicaram nos Estados Unidos e na Europa; algo semelhante às parrilladas argentinas, onde a carne assada é o carro-chefe do cardápio. Em Tampa também copiaram uma forma diferente de preparar a carne, que ficou consagrada como o “churrasco brasileiro”. O que me interessa frisar –e nisso concordo com Ries– é que o que possui identidade nacional, como os restaurantes e as comidas típicas, pode sair e percorrer o mundo.

Quando se fala em países emergentes, costuma-se associá-los a categorias em vez de marcas: vinho chileno, carne argentina, fruta brasileira. Essa associação faz parte de um processo evolutivo ou é decorrência de uma questão cultural?

Stanton – A Colômbia é um excelente exemplo de um país que fez de seu café uma marca com identidade nacional. O café da Colômbia é bom, porém não melhor do que outros, como, por exemplo, o do Brasil. Apesar disso, quando fiz degustações, pude constatar que a legenda de maior impacto que se podia pôr num rótulo era “100% café da Colômbia”. É lógico, na região não se repetiu essa estratégia. O Brasil continua vendendo laranjas como commodities. Quanto ao café, limita-se a vendê-lo em grande volume. Tinham um bom modelo, porém preferiram não segui-lo.

Ries – Sem dúvida, não faz sentido falar de marcas. Os países têm de falar de categorias e de produtos. Isso significa que a marca, a meu ver, deve ser o último passo. Para começar, deveriam pensar nos atributos característicos do país. Volto ao exemplo da Argentina: o couro, por exemplo; especificamente, a roupa de couro. É preciso definir a estratégia para se diferenciar da Itália e de outros produtores de renome. Como? Poderiam criar um estilo característico: o estilo gaúcho, digamos, sem colocar nome até chegar ao produto final. Depois se trabalham o produto, a categoria, a identidade, no processo completo de marketing. A marca mundial é a última aspiração. Os australianos são conhecidos por seu amor à vida ao ar livre, à diversão em espaços abertos. E nada reflete melhor isso do que Outback, sinônimo do sertão australiano. Foi por isso que escolheram esse nome para a cadeia de restaurantes.

Kotler – Cada nação deveria autoavaliar- se como negócio, descobrir seus pontos fortes reais e potenciais e construir em cima disso. Países como o Brasil ou a Argentina deveriam fazer um trabalho de identificação de seus setores-chave. Isso não significa afirmar que eu acredito em planejamento nacional. Em seu nome podem ser feitos maus investimentos em setores equivocados. Creio, porém, que a análise destes quatro fatores –pontos fortes, oportunidades, pontos fracos, ameaças– aplica-se aos países e que os países deveriam começar a gerenciar a si próprios como empresas potencialmente rentáveis.

Ries – Nesse ponto surge um grande tema. Não se pode fazer o marketing de um produto ou serviço global de dentro de um país para outro. Se não se conhece o cliente, é impossível satisfazê-lo; são poucos os empresários cientes disso. O grupo mais numeroso que assistiu à conferência de Chicago sobre marketing de alimentos foi o dos brasileiros. Em segundo veio a delegação japonesa.

Kotler – Sim, mas para importar tecnologias novas, não com o objetivo de levar o Brasil ao mundo.

Stanton – Pergunto-me se é necessário ter presença nos Estados Unidos para se ter uma marca mundial…

Martin – Creio que o realmente necessário é ser internacional a longo prazo, e é aí que aparece a importância da Internet. Se as empresas não se projetarem no mundo, a Internet as vai eliminar. Precisamente, é uma excelente ferramenta para as pequenas empresas.

Como se pode usar a Internet para vender uma “experiência” como a do Hard Rock Café?

Martin – Creio que a Internet pode, de fato, criar a forma de fazê-lo. As empresas on-line verdadeiramente bem-sucedidas são as que souberam oferecer valor, e não só publicidade. O valor da Amazon é seu serviço de “um clique”: com um clique do mouse, o comprador evita fornecer novamente seus dados, o número do cartão de crédito, as condições e o lugar de entrega. Foram os pioneiros na geração desse tipo de vantagem. O segredo não está no livro, mas, sim, no que envolve a compra: criaram um valor que se percebe imediatamente. Converteram-se numa organização que merece credibilidade imediata.

Kotler – A propósito, Chuck, para onde as pequenas empresas locais que enfrentam as grandes multinacionais deverão dirigir seu marketing? Como a Internet poderia ajudá-las? Minha impressão é que –e espero não estar enganado– a empresa local está mais perto culturalmente. As grandes multinacionais são obrigadas a gerar valor, mas, na realidade, não podem oferecer coisas muito especiais. Por exemplo, no caso de jardinagem. Uma empresa pequena pode cuidar de seus clientes como se cuida de bebês. Aproximar-se da casa do cliente, estudar o terreno, a luz, a umidade, os costumes da família e logo apresentar sugestões alternativas para o projeto do jardim. O Wal-Mart não poderia fazer isso.

Martin – As grandes empresas também podem fazê-lo. A Home Depot, por exemplo, fez da construção sua especialidade e se tornou uma referência. Podem chegar, com a mesma facilidade, à residência do cliente ou à obra. O Wal-Mart poderia terceirizar esse serviço de atendimento e fazer com que seus clientes de jardinagem recebessem orientação de especialistas sobre o projeto de seus canteiros ou as variedades de trepadeiras.

Kotler – Então, as grandes empresas sempre vão ganhar.

Ries – Depende da categoria. Basta observar o que ocorreu com os postos de gasolina. Nos Estados Unidos, quando eu era criança, a grande maioria dos postos era independente; não tinham marca. Atualmente, a situação é o oposto.

Kotler – Então, deveriam reconhecer a derrota de imediato e vender antes do golpe final?

Stanton – Alguns desses empresários, com resignação, me confessaram: “O Wal-Mart não nos tirou do negócio; nós o perdemos”. Na verdade, admitiam um erro estratégico: desafiaram o Wal-Mart em preço, o único terreno em que o Wal-Mart sempre ganha. A idéia é, precisamente, fazer aquilo que os grandes não querem fazer. Alguns supermercados tentaram. É verdade que seu volume de negócios caiu de 10% a 15%, porém continuam em atividade: a única coisa que fizeram foi concentrar-se naquilo que o Wal-Mart e similares não podiam imitar com a mesma rentabilidade que os pequenos.

Ries – E os médicos e os dentistas? A clínica independente sobreviverá? Insisto: depende da categoria.

Stanton – Muitos ficarão pelo caminho; não por incapacidade, mas por terem escolhido mal o campo de jogo, a categoria na qual travar a batalha.

Ries – Esses são fatores determinantes. Não só a Internet. Pareceme exagero afirmar –alguém disse isso– que quem não estiver na rede no ano que vem deixará de existir.

Martin – Nenhuma afirmação se aplica a todos. Isso nos leva ao tema da segmentação. Ninguém vai muito longe se for se movimentar sempre em apenas uma direção.

Kotler – Voltemos aos livros. Poderíamos dizer que a Barnes & Noble afetou o negócio das pequenas livrarias. Elas costumavam entulhar o estabelecimento de livros; não se podia andar sem ter de tirar algo do chão. Quando alguém tomou consciência de que, na verdade, as pessoas deveriam curtir a compra de livros, as livrarias tradicionais perderam a guerra. Tudo porque a Barnes & Noble mudou seu campo de batalha quando decidiu fazer com que as pessoas se sentissem à vontade em suas lojas. Não creio que muitas das livrarias “clássicas” consigam fazer a mudança de estrutura mental que necessitam para alcançar isso. Ainda há livrarias que enviam cartas com novidades para seus clientes para poupar-lhes uma viagem até o centro, mesmo que os clientes estejam esperando que lhes dêem boas razões para ir até lá.

Stanton – Sem dúvida, estou de acordo com a idéia de categoria; no entanto, continuo pensando que há espaço em cada uma delas para que alguém jogue contra os “mata-categorias” (category-killers, em inglês).

Ries – Como consultores de marketing e marcas, frequentemente constatamos que muitos executivos reagem com prudência excessiva –até com medo– a propostas inovadoras. Por exemplo, fizemos com que a General Foods notasse que, com sua política de ampliação de linha, o crescimento era paulatino demais. Há 28 anos no mercado, precisava fazer algo; não podia se preocupar tanto em “cuidar do negócio”. Era preciso fazer algo grande. Bill Gates não é um gênio; fez o que tinha de fazer. Embora algumas vezes se engane, e muito, como quando disse que a Amazon poderia vender qualquer coisa.

Já que Ries menciona os empreendedores da Internet, em que eles se diferenciam dos empresários tradicionais? Poderão conviver uns com os outros?

Martin – Não creio que a relação se coloque no sentido de luta. Sem dúvida, os empresários “tecnológicos” estão convencidos de que os empresários tradicionais trazem valor, mas cumprem um papel diferente na organização, mais operacional e funcional que estratégico. A verdade é que a maioria dos novos números 1, embora pais de grandes idéias, não possuem o perfil egocêntrico de seus antecessores, para quem era quase impensável perder a posição dominante. Para eles, não é problema vender 90% da participação na empresa se a meta for crescer.

Stanton – Entretanto, a vida de uma empresa não deveria girar exclusivamente em torno de seu valor na Bolsa. Creio que para o mundo dos negócios –não só de marketing– o grande desafio é conseguir que as empresas mantenham o foco no consumidor, nos lucros reais, e não na opinião de Wall Street. Essa pressão da Bolsa é que as está impelindo a vender marcas, a liquidá-las, exclusivamente para satisfazer os acionistas.

Kotler – O resultado dessa pressão é um horizonte de curto prazo. Não se pensa em construir uma empresa.

Stanton – É hora de pensar mais nas velhas áreas centrais das cidades, na vida e nos costumes das pessoas, e menos na “city” financeira. Senão, o orientador da estratégia não será o valor para o cliente, e sim o valor das ações.

Saiba mais sobre os debatedores

Philip Kotler. É reconhecido como referência mundial máxima em marketing. Acaba de publicar Marketing para o Século XXI (ed. Futura), um apanhado sobre as tendências atuais nessa área.

Chuck Martin. Foi um dos primeiros do marketing no novo mundo interativo. Fundador e presidente da revista Interactive Age, propõe em seu livro O Futuro da Internet (ed. Makron Books) a melhor maneira de aproveitar a força da rede mundial para garantir um lugar privilegiado no futuro. Também é autor de O Patrimônio Digital, publicado pela mesma editora.

Al Ries. Consagrado especialista em marketing e marcas, retrata em seus livros –desde Posicionamento (ed. Pioneira) até As 22 Consagradas Leis de Marcas (ed. Makron Books)– o interesse permanente pela exploração e reformulação dos conceitos tradicionais.

John Stanton. Doutorado em marketing pela Syracuse University, é um reconhecido especialista em marketing de nichos. É consultor e autor de vários livros, como o best seller Marketing de Nichos: Uma Estratégia Vencedora (ed. Makron Books), escrito com Robert Linneman.


Fonte: Revista HSM Management