Unilever – Marcas e Transformação Empresarial

A maioria dos negócios não sobrevive além de períodos curtos. Mas, algumas das mais bem sucedidas empresas de hoje nasceram da revolução industrial. Sua longevidade resulta de empreendedorismo determinado, administração eficaz, transformação empresarial constante e marcas atualizadas com foco nas mudanças do consumidor. O novo ambiente, de concorrência acirrada num mundo globalizado e a crescente exigência de responsabilidade social das empresas, acentuaram o valor daquelas competências e exigem respostas com estratégias inovadoras, mudanças corajosas, rápidas e radicais. O Grupo Unilever é um exemplo paradigmático desse tipo de organização. A partir de suas raízes no século XIX, nunca cessou de evoluir com transformações organizacionais e estratégias de marcas, em certos momentos melhor caracterizadas como revoluções, algumas ainda em andamento.

INTRODUÇÃO

A maioria dos negócios não sobrevive além de períodos curtos. No entanto, algumas das maiores e mais bem sucedidas empresas da atualidade têm sua origem na revolução industrial. Superaram as inevitáveis tormentas periodicamente provocadas por fatores ambientais fora do seu controle e as também inevitáveis pressões internas decorrentes da expansão do negócio.

Sua longevidade resultou de uma aliança de empreendedorismo e administração eficaz com a disposição para a inovação, para a constante transformação empresarial e para a competência na gestão de marcas. No caso de empresas de produtos de consumo, as marcas são seu potencialmente mais valioso patrimônio.

logotipo unilever

Aquela longevidade requereu que a identidade diferenciadora de cada marca estivesse sempre sintonizada com as percepções e os comportamentos das pessoas, que evoluem com velocidade crescente. Nas últimas décadas, a globalização, o acirramento da concorrência e a nova consciência da responsabilidade social das empresas introduziram importantes considerações para gestão das empresas e suas marcas. Algumas estão respondendo ao novo ambiente com atitudes e estratégias inovadoras que lhes exige mudanças corajosamente rápidas e radicais.

O Grupo Unilever é um exemplo paradigmático desse tipo de organização. Embora constituído em 1929 pela fusão de empresas britânicas e holandesas, suas raízes estão em empreendimentos pioneiros de meio século antes. Desde então, viveu uma continuada evolução, em certos momentos melhor caracterizada como revoluções. Algumas estão, agora mesmo, em andamento e mostram que a disposição inovadora dos fundadores continua a revitalizar a empresa e suas marcas. Este estudo de caso dá uma visão dos ambientes em que ocorreram as continuadas mudanças organizacionais da Unilever, aponta para alguns fatores que permitiram o êxito nessas mudanças e dá ênfase ao papel da gestão de marcas nesse processo. Embora discuta o Grupo como um todo, ressalta, com exemplos e um capítulo especial, o impacto da transformação no que, hoje, é a Unilever Brasil Ltda.

A HISTÓRIA DA UNILEVER

As origens: o impacto da revolução industrial

Nos anos 1880, a Inglaterra rural vivia o impacto da revolução industrial. Suas cidadezinhas, descritas liricamente como “pequenas e brancas e limpas”, nos versos de William Morris, tornavam-se urbanas, cinzentas e sujas com a fumaça carregada de cinzas do carvão que energizava as novas máquinas. As pessoas descobriam que as roupas e o próprio corpo precisavam de lavagem freqüente e abandonavam o receio, difundido em toda a Europa, de que o banho diário fazia mal à saúde, “expondo os incautos [que utilizavam a prática] à febre reumática, problemas pulmonares e outras doenças”, como lembra o historiador Charles Wilson. Esse ambiente levou a um rápido crescimento do mercado de sabões.

As origens: William Hesketh Lever e a Lever Brothers Limited

William Hesketh Lever era o filho mais velho de uma família de bem sucedidos comerciantes atacadistas. Competente administrador e trabalhador dedicado, enriquecera cedo e considerara seriamente se aposentar aos 33 anos de idade. Mas, como disse um contemporâneo seu, citado pelo biógrafo Adam Maqueen, “O Sr. Lever não costuma fazer as coisas do mesmo jeito que as outras pessoas”. James Lever, o pai de William, trabalhara no comércio desde os quatorze anos e era um disciplinador estrito. Quando iniciou seu próprio negócio, recrutou os filhos William e James e lhes deu o árduo aprendizado das tarefas manuais. William gostava de ler e encantou-se com um livro, famoso na época, que ganhou no seu aniversário de 16 anos, “Self Help” (Auto Ajuda) de Samuel Smiley, sobre a fórmula para o sucesso nos negócios. O ambiente familiar, esse pendor pelo aprendizado e a dura vivência no comércio ajudam a compreender sua vocação empreendedora, sua competência como gestor e a aguda capacidade de compreender a natureza humana e divisar oportunidades inovadoras. E explicam porque, ao voltar de tranqüilas férias num passeio de barco pelos mares da Escócia, a perspectiva de calmaria inquietou seu espírito.

Desistiu de se aposentar e liderou a família na construção da Lever Brothers, para fabricar sabões. Era 1885.

As origens: as famílias Jurgens e Van den Bergh

Do outro lado do Canal da Mancha, na Holanda, os Jurgens, disputavam o valioso mercado de manteiga, principalmente com os Van den Bergh. Foram os Jurgens que primeiro notaram a importância da invenção do francês Mège Mouriès, um substituto da manteiga à base de gordura bovina e leite, e que podia ser produzido mais facilmente, em maior abundância e a menor custo. O produto lembrava pequenas pérolas, em grego “margarites”. Logo, os Jurgens estavam produzindo grandes quantidades de margarina. Foram imediatamente seguidos pelos Van den Bergh e, a partir de 1872, as duas famílias competiam fortemente no crescente mercado de margarina. Em pouco tempo, o produto holandês espalhou-se pelo continente europeu e a Grã Bretanha.

Daí para frente, a história dessas duas empresas rivais é complexa, até às vezes turbulenta, dado o conturbado ambiente político e econômico da Europa de então. Seus êxitos têm a ver com determinação empreendedora, garra competitiva e hábil gestão financeira.

A expansão da Lever Brothers: mercados e marcas

A importância que Lever deu às marcas como fator estratégico para a empresa aparece desde quando decidiu registrar um nome, como permitia, desde 1875, o “British Trademark Act”. Em vez de utilizar o nome da família, recurso comum na época, Lever escolheu Sunlight, a “luz do sol”, marca distintiva, fortemente evocativa de uma combinação de benefícios funcionais, emocionais e de auto-expressão da mulher. E registrável no mundo todo. No início, a marca foi utilizada como “own brand” – marca própria – para diversos tipos de sabão que Lever encomendou a vários fabricantes para vender no comércio da família (ou alguém pensa que “marca própria” foi um invenção de algum supermercado moderno?). Lever se entusiasmou com uma variante, baseada em óleos vegetais mais do que na então usual gordura animal. Só que o novo sabão rancidificava e, com isso, cheirava mal.

A usual atenção de Lever para com o consumidor (hoje diríamos que era um praticante ativo de CRM) aparece num episódio engraçado. Quando, conversando com uma freguesa da sua loja, ela lhe pediu “um pouco daquele sabão fedorento” Lever descobriu que a água dissolvia o ranço e transformava o “sabão fedorento” num Sunlight eficaz, macio e perfumado. O próximo passo de William Lever foi iniciar sua própria fabricação, restringindo o uso da marca Sunlight a apenas aquele sabão diferente e envolvendo-o num tipo de pergaminho, inovação desenvolvida nos Estados Unidos, mas nova na Inglaterra. A embalagem, além disso, tornava a marca visível nos pontos de venda. Em 1886, observando uma vitrina, Lever teve outra idéia inovadora. Disse ele, “… nossos tabletes de sabão estavam próximos do vidro, o que prejudicava sua boa visibilidade (…) e decidi colocá-los em caixinhas de papelão. Eu nunca tinha ouvido falar de um sabão (…) em qualquer parte do mundo, embalado em papelão”.

A importância da publicidade

“Porque as mulheres parecem mais velhas mais cedo do que os homens?” Esse anúncio de Sunlight, do final do século XIX, revela a intuição pioneira de Lever sobre o papel das emoções na escolha das marcas. Lever usou agressivamente a publicidade, um instrumento visto com grandes reservas pelos concorrentes e críticos da época. Era preciso criar demanda primária para o sabão, convencendo as “donas-de-casa” de menor renda, com anúncios nos jornais e cartazes, de que o produto não era um luxo, mas uma necessidade do cotidiano – e tornar conhecida e desejada a marca Sunlight. Referindo-se a um folheto que ele mesmo redigiu, chamado “O Sabão Sunlight e Como Usá-lo”, Lever diz, “… tudo era trazido ao nível das necessidades de um trabalhador.” Com o crescimento dos imitadores, foi preciso afirmar Sunlight como a marca líder na consciência das consumidoras, líder na sua percepção de qualidade, e líder nas associações com os sentimentos relevantes e positivos.

A importância da comunicação para a marca Sunlight aparecia de outras formas. “Nós mesmos escolhíamos as posições para as placas de propaganda nas ferrovias”, disse Lever. Para grande irritação dos concorrentes, num segundo momento, ele utilizou promoções e premiações. Lever liderava, de longe, os investimentos em comunicação. O resultado foi um crescimento explosivo, que o obrigou a multiplicar a capacidade de produção, com novas instalações e inovadores sistemas.

As raízes da responsabilidade social

Quando construiu sua nova fábrica, perto de Liverpool, na verdade, criou uma comunidade que incluía confortáveis casas para os empregados, que ele mesmo arquitetou e que alugava a preço acessível, com prejuízo para a empresa. Port Sunlight incluía outras considerações sociais inéditas – escola, hospital, academia de ginástica, salão de festas, teatro. A taxa de mortalidade infantil na comunidade era metade da usual. Para um gerente de filial que se gabara por superar suas metas, Lever retrucou “Mas como anda a limpeza dos banheiros dos empregados de que me queixei no ano passado?” Nos verões, levava seus milhares de colaboradores em viagens de trem e navio pela Grã Bretanha – e a Bruxelas e Paris. Foi defensor ardoroso dos direitos das mulheres. Feito nobre por decreto real, homenageou a esposa, Elizabeth Hulme, a quem as regras recusavam um título, escolhendo o nome Visconde Leverhulme.

Expansão: os desafios da multinacionalização e da gestão de marcas independentes

A explosão industrial levou a um rápido crescimento da força de trabalho e da demanda por produtos como o sabão e a margarina. A seqüência de desenvolvimentos até os anos 1920 mostra bem o que empreendedorismo determinado, visão inovadora, superação de rivalidades em benefício de resultados e gestão competente podem fazer pelas empresas. Na busca por matérias-primas, Lever instalou-se nos Estados Unidos, na Austrália, nas ilhas do Pacífico, na África. A expansão dos mercados em que atuava foi um passo lógico e a Lever Brothers tornou-se um negócio mundial. Lógica, também, foi sua decisão de competir em outras categorias de produto de consumo doméstico freqüente, como alimentos.

Nessa expansão, Lever adotou a estratégia de marcas independentes, isto é, diferentes marcas para diferentes produtos, o que permite criar identidades fortes para cada uma, combinando vantagens competitivas baseadas em desempenho com a evocação de associações de caráter funcional, emocional e de auto-expressão bastante distintivas para cada marca.

Meio século antes da “revolução de marketing”, do aprofundamento do conhecimento dos motivos e atitudes permitidos pela “pesquisa motivacional” (hoje mais abrangente como “qualitativa”), a partir de 1958, e oito décadas antes da “era das marcas”, é notável sua percepção da importância do significado das marcas para a empresa. Para citar apenas três marcas que, anos depois, vieram a ter um razoável sucesso no Brasil, em 1894 Lever lançou Lifebuoy, um sabão desinfetante, que ficou conhecido entre nós pela sua publicidade que prometia combater o “CC” – o cheiro de corpo; em 1899, Flocos Lux, uma inovadora forma de sabão em pedacinhos com formatos de pétalas, apropriada para lavar tecidos delicados; em 1904, o abrasivo Vim, para limpeza doméstica. Num tempo surpreendentemente curto para a época, suas marcas se espalharam pela Europa, pelos Estados Unidos e pelo mundo todo. Não surpreende, então, que Lever tenha decidido entrar no mercado de margarinas, em 1914, competindo com os holandeses.

A expansão dos Jurgens e Van den Berghs: competição e cooperação

Mas, ainda que Lever tivesse uma compreensão do significado das marcas, rara entre seus contemporâneos, e os holandeses se concentrassem em outros fatores do negócio, os Van den Bergh, na sua disputa pelo atraente mercado alemão, lançaram uma margarina com marca, a Vitello, em 1898, no que foram seguidos pelos Jurgens, com a margarina Solo, em 1899. Entraram com sucesso em outros mercados europeus, inclusive no Reino Unido. No processo, ambas as famílias aplicaram estratégias e táticas de marketing – como a venda direta ao varejo e o uso mais intenso da publicidade – semelhantes às que tinham tornado Lever vitorioso no ramo de sabões.

Os dois negócios familiares holandeses percorreram caminhos semelhantes. O mercado de margarinas tornara-se extremamente competitivo, as matérias-primas escassas e caras. As fortes rivalidades entre as duas famílias não resistiram ao apelo dos bons resultados advindos de uma inteligente cooperação. Num primeiro momento, juntaram-se na produção de matérias primas. Finalmente, em 2 de agosto de 1927, sob a liderança de Samuel Van den Bergh e Anton Jurgens, fundiram-se num grupo com duas empresas, a Margarine Unie, na Holanda e a Margarine Union, na Inglaterra, uma solução que levava em conta as diferentes regras legais e tributárias do Continente e do Reino Unido e que era regida por um acordo de equalização de dividendos.

A formação da Unilever

William Hesketh Lever, Lord Leverhulme, faleceu em 1925. A concorrência endurecera, com cada vez mais atores nos mercados de sabões e margarinas. Os dois grupos, o inglês e o holandês, embora disputando arduamente mercados consumidores e fontes de matéria-prima, aos poucos reconheciam que, cessado o “boom” que se seguira à I Guerra Mundial, o ambiente requeria soluções mais produtivas e inovadoras. Ambos buscavam as mesmas matérias-primas – óleos e gorduras – nas mesmas fontes; usavam muitos dos mesmos processos, de refino e moagem; atuavam em vários territórios comuns; utilizavam os mesmos canais de distribuição; visavam conquistar os mesmos consumidores. Foi natural que os dois negócios eventualmente encontrassem oportunidades de parceria e William Lever participou pessoalmente desse processo.

Mas foi já sob a direção do seu sucessor, Francis D´Arcy Cooper, que a Lever Brothers, em 2 de setembro de 1929, assinou o acordo com a Margarine Unie e a Margarine Union para criar o que hoje são a Unilever PLC, com sede em Londres, e a Unilever NV, em Rotterdam. Duas empresas continuaram a ser necessárias, pelas mesmas razões legais e tributárias dos dois países e prevaleceu o acordo de equalização de dividendos. Para garantir uma estratégia empresarial unida, ambas tinham a mesma diretoria; e o Chairman de uma, tradicionalmente um britânico em Londres e um holandês em Rotterdam, era o Vice Chairman da outra.

A consolidação da Unilever e a entrada no Brasil

Como lembrou num discurso recente Patrick Cescau, que na nova estrutura do Grupo, adiante discutida, ocupa a posição de CEO, “A partir das suas raízes no século dezenove ela [Unilever] se tornou um negócio genuinamente multinacional, bem antes que o termo multinacional fosse usado”. Além de ter sido uma das primeiras fusões de empresas oriundas de países diferentes, a Unilever expandiu-se, e rápido, para praticamente o mundo todo.

No Brasil, com o nome de Sociedade Anônima Irmãos Lever, chegou no dia 4 de outubro de 1929, apenas um mês depois da criação da Unilever o que denota, obviamente, uma decisão anterior. Vinte dias depois, o “crash” da bolsa de Nova York derrubou a economia mundial – e a brasileira sofreu o impacto com o despencamento do preço do café. Foram anos difíceis. Mas, a despeito da crise, a Lever Irmãos não somente começou a atuar importando marcas como Sunlight e Flocos Lux como, já em 1930, inaugurou sua primeira fábrica, em São Paulo.

Expansão no mundo e no Brasil

Além da expansão geográfica, que a trouxe, além do Brasil, para outros países da América Latina, a Unilever cresceu com a atuação em novas categorias de produtos de consumo e, em várias categorias, com produtos desenhados para uso institucional (B2B). A longa lista de produtos veio a incluir de sorvetes a cosméticos, de alimentos congelados a produtos químicos, papel e plásticos, de cremes dentais a sopas, molhos e temperos, de amido de milho a atomatados.

Parte dessa expansão foi conseguida com a introdução de novas marcas. Na senda aberta por seus fundadores, muitas dessas marcas se diferenciavam por inovações de desempenho; outras, por inovações no plano do intangível – das emoções, do simbólico, da oprtunidade de auto-expressão. Para citar exemplos pertinentes ao Brasil:

  • em 1953, com Rinso, a Unilever introduziu os lares brasileiros ao uso do sabão em pó, uma forma de lavar menos trabalhosa do que o sabão em barra – e adequada para as novas máquinas de lavar roupa;
  • em 1957, ao detergente sintético em pó, com OMO;
  • em 1970, à margarina cremosa, com Doriana;
  • em 1995, ao chá gelado, com o Lipton Ice Tea (a Unilever tinha trazido o chá Lipton tradicional em 1978).

O sabonete, uma evolução para uso pessoal do sabão, mas que ainda era muito utilizado para o banho em 1932, ganhou naquele ano um diferencial no plano das emoções quando a Unilever lançou aqui “o sabonete das estrelas”, primeiro com a marca Lever e só depois com Lux, antes registrado no Brasil por outra empresa. Na Argentina e no Brasil, a empresa inovou tornando popular um produto originalmente restrito, o suco de soja, com a marca AdeS.

Outra parte da vigorosa e continuada expansão foi conseguida com a aquisição de empresas com marcas fortes, já estabelecidas em alguma categoria de produto – ou em mercados – que a Unilever pretendia conquistar. O custo para construir marcas em mercados competitivos pode ser tão alto, e o tempo tão longo, que, com crescente freqüência, as empresas recorrem à compra de empresas proprietárias de marcas líderes.

Para continuarmos com exemplos do Brasil, a Unilever adquiriu a Companhia Gessy Industrial, em 1960, fundindo-a com a Lever Irmãos para criar a Gessy Lever. No processo, vieram marcas como Gessy e Minerva. Entrou no mercado de sorvetes em 1973, com a compra da Gelato – e passou a dominar o mercado quando, em 1997, adquiriu a Kibon, da General Foods, já então parte do Grupo Philip Morris (hoje Grupo Altria, “holding” da Philip Morris e da Kraft).

Essa foi a maior aquisição da Unilever, fora dos Estados Unidos, o que revela a importância do Brasil para o Grupo. Em 1986, foi a vez da Anderson Clayton, com suas margarinas Saúde e Claybom. A Cica, famosa pelos atomatados, foi incorporada em 1993. E a RMB – Refinações de Milho Brasil, resultante da aquisição pelo Grupo Unilever da americana Bestfoods, proprietária da RMB, trouxe, em 2000, marcas fortíssimas como Maizena, Hellman´s, Knorr e Arisco.

Evoluções semelhantes aconteceram em outros mercados e, no final do século XX, a Unilever acumulava cerca de 1.600 marcas diferentes, num número enorme de categorias de produto.

Em 2005, o Grupo Unilever atuava em 150 países. A receita total de €39,7 bilhões provinha, numa reveladora “multinacionalidade”, 41% da Europa, 33% das Americas e 26% da Ásia e África – as três regiões que o Grupo divide o mundo para efeitos de gestão. Do ponto de vista da variedade de categorias, os produtos para uso doméstico contribuíam com 18%; os de cuidados pessoais, com 26%; sorvetes e congelados, com 16%; os outros tipos de alimentos, incluindo bebidas, com 40%. A abrangência geográfica, a integração verdadeiramente transnacional e o desenvolvimento de marcas apropriadas para os segmentos de menor renda, aparecem na proporção das vendas nos países em desenvolvimento e emergentes (D&E), que cresceram de 20% para 38% das vendas totais, em quinze anos.

NOVA MISSÃO: O INÍCIO DE PROFUNDAS MUDANÇAS

O novo ambiente

Nas últimas décadas, o ambiente mudara, e aceleradamente. A democracia política e econômica sobrepujara regimes estatizantes de direita e esquerda. Aconteceu no Brasil, no Chile, em Portugal e na Espanha, na extinta União Soviética e em outros países. Começava a contaminar até a China continental. Os resultados foram um surto de empreendedorismo, a permeabilização das fronteiras, a formação de uniões continentais, como a União Européia e a NAFTA, a globalização. É o “Mundo Plano”, de Thomas Friedman.

A geografia das mudanças impactou fortemente – e impactará mais ainda – as empresas transnacionais. Por exemplo, a população mundial deve crescer em 800 milhões e chegar a 6,8 bilhões em 2010. Dessa população, 90% estarão em países D&E. Os gastos com consumo, nesses países, já superou os dos desenvolvidos. E há um aumento significativo de consumo per capita, justamente nas categorias de produto comercializadas pela Unilever e alguns dos seus concorrentes.

Nesse ambiente, foi natural o crescimento do número de empresas transnacionais e a sua entrada, em novos mercados, com marcas já fortes em outros. Como foi natural a multiplicação de marcas locais e guerrilheiras – as “talibãs” – de pequenos empreendedores locais. A concentração do varejo generalizou e fortaleceu marcas próprias. Empresas antes centradas nos segmentos de mais alta renda, começaram a buscar alternativas para crescimento com marcas voltadas para mercados regionais, segmentos de menor renda, nichos atitudinais e comportamentais. Em suma, acirrava-se a competitividade e fala-se em “darwinismo competitivo”, na sobrevivência dos mais capazes.

Nesse ambiente, com múltiplas opções ao seu dispor, o poder de decisão dos consumidores se fortalece. Outros fatores, como a consciência da sua capacidade de decisão sobre os destinos da sociedade, como escolhedores dos governantes pelo voto, sinergizam aquele poder. A evolução dos costumes não mais condena, até valoriza, a individualidade e torna aceitável como motivos legítimos a satisfação da auto-estima e da busca do “luxo”. As pessoas interagem como nunca antes, ainda que seja pela simples observação do comportamento dos outros, propiciada por transportes rápidos, shopping-centers, supermercados, clubes, cursos, turismo, centros de entretenimento, sem falar na popularidade da TV e da progressiva inclusão digital.

Para uma empresa que tem a inovação e a mudança no seu DNA e, também desde suas origens, compreendeu a importância do foco nas pessoas – consumidores e colaboradores – o ambiente descrito apontava para a necessidade de algo mais do que uma evolução. Sugeria uma mudança descontínua, aquela em que se rompe radicalmente com o status quo e pula-se para um novo patamar, a partir do qual se reinicia a evolução. As decisões que a Unilever tomou a partir de 2000 envolveram a missão empresarial, a gestão do seu complexo de marcas e a estrutura corporativa.

A racionalização do complexo de marcas

A primeira decisão foi a de simplificar e racionalizar o complexo de marcas do Grupo, reduzindo-o em 75% para cerca de 400. Esse corajoso passo foi tomado sob a liderança de Niall FitzGerald, então Chairman da Unilever PLC, e de Antony Burgmans, então Chairman da Unilever NV. Ter sido esse o primeiro passo da transformação faz sentido. A re-estruturação precisaria levar em conta as categorias de produto e as marcas que o Grupo optasse por continuar a produzir e comercializar. Naquele cenário de intensa competição em que o mundo globalizado se transformara, a gestão de marcas se torna um fator chave de sucesso empresarial, merecedor de uma estratégia formulada no alto da hierarquia das decisões empresariais – e os custos e despesas necessários para gerir 1.600 marcas em 150 países, no novo ambiente, não faziam mais sentido. Ademais, nem todas as marcas de uma empresa têm o mesmo valor estratégico. E umas, mais do que outras, são as que se prestam à extensão para outras categorias de produto, o que multiplica seu valor patrimonial com investimento signifcativamente menor do que lançar marcas novas.

Essa redução drástica preservou marcas já verdadeiramente globais ou muito geograficamente abrangentes assim como outras, com força apenas em certos grandes mercados, e ainda outras que, embora com nomes diferentes em diferentes países, são reconhecidas por um símbolo que, imediatamente as relaciona. Outro fator que se observa nas que foram mantidas é a perpetuação de marcas tradicionais mas radicalmente renovadas. E marcas mais recentes, em categorias de produto bastante conhecidas da Unilever, com inovações derivadas das novas necessidades como apontadas pela medicina. Marca é um conceito que inclui uma amálgama, em proporções muito variáveis, de características funcionais – de desempenho – com outras, fundadas na cultura do grupo consumidor visado e em sentimentos derivados de experiências e emoções íntimas das pessoas desse grupo. A idéia de uma marca absolutamente global, com todos os ingredientes da sua identidade imutáveis, de Seoul a Buenos Aires, de Seattle a Johanesburg, de Oslo a Manaus, de São Paulo a Bombaim é irrealista e aquela flexibilidade faz sentido.

Exemplos reveladores são Dove, Lifebuoy, Becel, Axe, Knorr e Kibon. Nascida como um sabonete que continha um quarto de creme hidratante, Dove estendeu-se para uma longa linha de produtos ligados, no desempenho, à hidratação, um benefício bastante universal; e, no lado dos intangíveis, ao reconhecimento de que a beleza vem em muitas formas e tamanhos – não é só o que uma pessoa parece mas como ela se sente. Lifebuoy – sim, aquele sabonete desinfetante lançado em 1894 – é líder de mercado na Índia e em todos os mercados asiáticos em que está à venda. Mas, sua formulação atual, segundo testes de laboratório, é 100% mais eficaz do que qualquer concorrente para eliminar germes.

O antigo bloco vermelho com cheiro de ácido carbólico evoluiu para um design funcional e moderno, com odor agradável e cores atraentes, mas evocativas de saudabilidade, não de sensualidade. As margarinas estão nas raízes mesmas da Unilever e Becel, desenvolvido por sugestão de médicos à Uniever, é composta com altas doses de gordura poliinsaturada, de forma a ajudar a reduzir o colesterol.

Em alguns mercados, a marca foi estendida para bebidas à base de leite e para iogurtes. Axe, lançado como um desodorante, estendeu-se para outras categorias, como gels para chuveiro e cabelo – e aliou-se ao consumidor jovem, na sua busca por parcerias com o sexo oposto. Quando Carl Knorr, em 1838, fazia suas pesquisas sobre desidratação de vegetais e temperos, certamente não imaginava que, 170 anos depois, seu nome significaria uma marca internacional, englobando de tabletes de caldo a sopas, molhos e até pratos prontos. Kibon, a partir de sua compra pela Unilever em 1997, acrecentou um símbolo expressivo – um coração espiralado – ao seu nome. Como Kibon era uma marca estritamente local, esse foi o inovador recurso para torná-la parte de uma marca global, o mesmo símbolo unindo os sorvetes Wall´s, no Reino Unido e partes da Ásia, Algida na Itália, Langenese na Alemanha e Ola na Holanda. A Unilever refere-se a essa marca como “Heartbrand”, literalmente, a Marca Coração. O mais interessante é que os produtos vendidos sob essa “marca família” têm as mesmas “sub-marcas” em muitos mercados por exemplo, Magnum, Cornetto e Carte d´Or.

No processo de racionalização das marcas, a Unilever, evidentemente, levou em conta as categorias de produto em que decidira permanecer. Na sua apresentação para a Assembléia Geral dos acionistas, em maio deste ano, Patrick Cescau mencionou que “[…] partes do nosso portfólio não se adequavam mais à nossa estratégia […]” e que “[…] em meados de 2005 nós vendemos nosso prestigioso negócio de perfumes […]”. Lembrou que, no mesmo ano, “[…] nós decidimos colocar à venda a mair parte do nosso negócio europeu de alimentos congelados […]”.Ao falar para o 50th World Food Business Summit, em junho, ele resumiu o que chamamos aqui do primeiro dos três grandes passos da mais recente transformação do Grupo dizendo “[…] nosso negócio voltou a se focalizar dramaticamente no âmago do seu território, os FMCG [“fast moving consumer goods” – bens de consumo de compra freqüente]”.

A redefinição da missão e a marca corporativa

Em 2004, a Unilever, ainda sob a liderança de Fitzgerald e Burgmans, redefiniu sua missão e, ao mesmo tempo, corporificou-a, adotando uma nova marca corporativa. Essa marca é o nome Unilever escrito de uma forma moderna e encimado por uma letra U formada por 25 pequenos símbolos, expressivos dos produtos que comercializa, das matérias-primas que utiliza, dos benefícios que proporciona e, mais significativo, de metáforas ligadas à nova missão. O “logo” corporativo seria, como realmente aconteceu, colocado nas embalagens e outras formas de contato com o consumidor, para endossar todos os produtos do Grupo, no mundo inteiro, até meados de 2005, em comemoração aos 75 anos da formação efetiva do Grupo Unilever. Para um grupo que, desde a fundação das empresas que vieram a constituí-lo, adotara a estratégia de marcas independentes – e se tornara líder em muitas categorias e países com essa estratégia – uma marca corporativa representava uma mudança radical. E, até, um risco. Até que ponto a marca corporativa reduziria a identidade diferenciadora das marcas independentes, comprometendo uma parte daqueles diferenciais intangíveis, tão vitais para as marcas de consumo?

A missão da Unilever foi definida como “acrescentar vitalidade à vida”. Diz um documento do Grupo: “Nós satisfazemos as necessidades diárias de nutrição, higiene e cuidados pessoais com marcas que ajudam as pessoas a parecer bem, sentir-se bem e obter o melhor da vida. Vitalidade significa coisas diferentes para diferentes pessoas. Alguns à vêem como energia, outras, mais amplamente, como um estado saudável de corpo e mente – sentir-se vivo. Qualquer que seja a definição de vitalidade, milhões de pessoas usam nossos produtos diariamente para acrescentar vitalidade às suas vidas”. O documento exemplifica a vitalidade num sorriso brilhante, num lar limpo, ou numa refeição saudável e apetitosa.

Importante, o documento estende a missão de vitalidade para definir os valores da empresa, como o que a faz diferente, como sua contrbuição à sociedade de uma forma “única, pelo mundo todo”.

O possível enfraquecimento dos objetivos das várias marcas pela presença na sua comunicação da marca corporativa é abordado num outro documento. “O mundo em que operamos está mudando. Os consumidores exigem mais e mais das empresas por trás das marcas, cada vez mais trazendo suas percepções de cidadãos para as decisões de compra. Querem marcas em que possam confiar. A Unilever sempre adotou altos padrões de governança corporativa e qualidade de produtos, e tem uma longa história de relações com comunidades e o ambiente. Aparecer com clareza como Unilever, por trás dos nossos produtos, nos permitirá um novo passo em transparência e responsabilidade (…) A Unilever se dedica a construir grandes marcas que ajudem as pessoas a sentir-se bem, parecer bem e tirar mais da vida. E, na verdade, muitas marcas da Unilever já cumprem essa promessa”.

Em outras palavras, mesmo admitindo alguma perda para a identidade das marcas, tão importante para ligar emocionalmente o consumidor, ela deve ser mais do que compensada pelo reconhecimento da responsabilidade social que a marca corporativa representa. O endosso da marca corporativa explicita o “pacto” da corporação com o consumidor que, na vastíssima maioria dos casos, não sabe qual é a empresa responsável pela marca de produto que compra, escrita em letra miúda no verso da embalagem.

A transformação organizacional

A redução do portfólio de marcas permitiu – e a definição de uma nova missão empresarial requereu – uma mudança organizacional igualmente revolucionária.

A nova estrutura, novamente citando a apresentação de Patrick Cescau à Assembléia Geral de Acionistas, “É mais simples. Tem menos camadas hierárquicas. E permite tomadas de decisão mais rápidas com um grupo executivo aerodinâmico”. O adjetivo é apropriado para refletir a necessidade de fluidez e velocidade no processo de lidar com decisões de um grupo que sabe que suas marcas são utlizadas 150 milhões de vezes por dia no mundo inteiro. Acrescentou Cescau: “Mas a mudança realmente significativa é que nós temos, agora, uma organização mais próxima do consumidor.”

A mudança, efetivada em fevereiro de 2005, afetou todos os níveis da organização. No topo, embora as duas empresas, Unilever PLC e Unilever NV, tenham sido mantidas como entidades legais distintas, elas operam como uma só. A dualidade de Chairmen foi eliminada. Neste momento, Antony Burgmans, antes Chairman da NV, é o Chairman do Grupo Unilever. Patrick Cescau que, com a aposentadoria de Fitzgerald, passara a Chairman da PLC, assumiu a nova posição de CEO do Grupo. Nessa posição, ele lidera uma Equipe Executiva (“Executive Team”), que substitui os antigos Comitê Executivo e Diretorias de Divisão. Esse “Team” é formado por três Presidentes Regionais (Europa, Américas e Ásia / Africa), dois Presidentes de Categorias de Produtos (um, alimentos e, outro, cuidados pessoais / cuidados domésticos), um Executivo Chefe de Finanças e um Executivo Chefe de Recursos Humanos. A essa equipe reportam tanto as empresas legalmente afiliadas à PLC quanto à NV.

“O que não mudou”

Quando relatou essas mudanças para os acionistas, Cescau fez questão de relacionar “o que não mudou”. Disse ele: “[…] nossa herança, nossos valores Unilever, nossa maneira singular de fazer negócios”. Ele frisou os muitos anos de comércio responsável, o compromisso com as comunidades, o ambiente e o empenho e profissionalismo das pessoas da organização. Cescau lembrou que partilha esses valores com os fornecedores e terceirizados, exigindo integridade nos negócios, altos padrões na área trabalhista, segurança para o consumidor e o ambiente. A Unilever, disse ele, tem parcerias com a UNICEF para o desenvolvimento e a saúde das crianças; com Federação Mundial do Coração, para saúde cardiovascular; com a Federação Dental Mundial, para saúde e higiene bucal; com a WHO, a Organização Mundal de Saúde para o combate a moléstias crônicas.

“Como produtores líderes de alimentos”, disse, nós podemos fazer a diferença nas dietas de milhões de pessoas no mundo inteiro”.

Finalmente, Cescau mostrou como a diferenciação das marcas pode ser conseguida ao longo de caminhos socialmente responsáveis. Na Índia, Lifebuoy, o tradicional sabonete desinfetante, patrocina uma campanha de “mãos limpas”. Em várias parte do mundo, o Brasil inclusive, OMO lembra como “se sujar faz bem”, porque a sujeira vem da brincadeira, do experimento, e é uma parte importante do crescimento das crianças. Mas ele enfatizou, nessa ligação de marcas com responsabilidade social, o que Dove está fazendo: mostrar que uma marca pode se posicionar como algo mais do que a sua função como produto e tomar uma posição em relação a questões sociais. A campanha pela “real beleza” rompe com preconceitos sobre o que a beleza significa para a mulher. A resposta do consumidor sugere que esse casamento de diferenciação de marcas com responsabilidade social, realmente, responda àquelas considerações sobre a expectativa das pessoas em relação às empresas, feitas na análise da nova missão da Unilever. Dove tornou-se a maior marca de higiene pessoal do mundo e continua crescendo aceleradamente.

A transformação da Unilever no Brasil

O mercado brasileiro sempre foi atraente para as empresas de produto de consumo. Isso ficou aparente desde que a própria Unilever escolheu o Brasil para sediar sua primeira fábrica na América Latina, em 1930. De lá para cá, mesmo com os períodos de turbulência política e econômica por que passamos, a empresa só fez saltar vários patamares no seu crescimento. As seguidas aquisições de empresas, a introdução de produtos inovadores, a renovação de marcas tradicionais – já relatadas – só acentuaram essa escalada. As três mudanças que compõem a transformação da Unilever no século XXI permearam para o Brasil, como para todos os outros países. Mas, é preciso notar, para avaliar a complexidade do processo, o tamanho do Grupo no Brasil, as mudanças anteriores, a variedade de produtos e as mais de cinqüenta marcas e sub-marcas que comercializa.

O Grupo Unilever no Brasil empregava, em 2005, cerca de 13.000 colaboradores e teve uma receita de mais de R$ 9 bilhões. Atuava em alimentos, sorvetes, produtos de higiene pessoal e limpeza doméstica com um total de mais de cinqüenta marcas e sub-marcas, liderando o mercado em muitas das categorias. As aquisições de empresas como a Kibon e a Refinações de Milho Brasil tinham tornado a organização por categorias bastante complexa. Atuava, também, em certos segmentos B2B. A decisão básica foi unificar o grupo no que ficou conhecido, dentro da empresa brasileira, como One Unilever, para enfatizar – analogamente ao que acontecera na cúpula da Unilever – a unidade em torno da missão, a simplificação e a “aerodinâmica” das decisões. Essa simplificação foi levada ao rigor de uma mudança todas as várias divisões para um mesmo endereço, em setembro de 2006.

A presidência da Unilever Brasil foi confiada a Vinícius Prianti, um brasileiro que, ainda enquanto estudava economia na PUC, em São Paulo, foi atraído pelo programa de trainees da então Gessy Lever. Selecionado, ingressou na empresa em 1971. Vinícius é apenas o segundo brasileiro a ocupar a presidência de uma empresa da Unilever no Brasil. Pode-se interpretar essa tendência de elevar nacionais à posição de comando das suas empresas é uma das conseqüências da aplicação do conceito de vitalidade também à gestão de pessoas. Na reestruturação, Prianti passou a fazer parte do “Board” da “Americas Leadership Team” que, liderado pelo Presidente Regional John Rice, da Unilever Americas, é responsável pelos negócios nos Estados Unidos, Canadá e America Latina.

A direção da “One Unilever”, em linha com a “deshierarquização”, o estímulo à interação das pessoas e a importância da gestão de categorias e marcas, fundamentais na transformação mundial do Grupo, passou a ser composta por três vice-presidentes para categorias de produtos: um para sorvetes, um para alimentos e um para cuidados pessoais e domésticos; vice-presidentes financeiro, jurídico, de recursos humanos, de assuntos corporativos, da cadeia de suprimentos, de vendas de alimentos e sorvetes e de vendas de cuidados pessoais e domésticos. Significativamente, nas comunicações internas com os colaboradores, as áreas de vendas aparecem como “customer development” – desenvolvimento de clientes; e as vice-presidências de categorias, como “brand building” – construção de marcas.

Outra inovação é que os especialistas de RH estão entrosados com os gestores de categorias e os gestores das outra áreas, de quem se tornam “parceiros de negócios”. A razão é que, como diz um comunicado sobre o assunto, “são as pessoas que colocam as mudanças em prática e o papel da área [de RH] é justamente oferecer o suporte para que tudo aconteça da melhor forma. Sai a figura do RH de cada divisão para dar lugar aos RHs das áreas que irão impulsionar o processo em cada uma delas”. A questão da responsabilidade social, tão enfatizada na nova missão da Unilever, também tem uma resposta ativa na Unilever Brasil.

A empresa se estruturou com uma diretoria para o assunto, ligada à vice-presidência de assuntos corporativos. No relatório de 2006, são destacados vários projetos. Um, o “Mais Vida”, é um conjunto de ações que que objetivam melhorar a qualidade de vida dos moradores de Araçoiaba, uma pequena cidade de Pernambuco, com 15.000 habitantes, e um IDH – índice de desenvolvimento humano – de apenas 0,637, um dos piores daquele Estado. O objetivo é elevar o índice para 0,7 e colocar a cidade no grupo dos 5% melhores de Pernambuco. Outro, é o Infância Protegida e Rural Responsável. Um terceiro, é o do Centro Rexona AdeS de Voleibol. Outro ainda, o das Estações de Reciclagem, uma parceria Unilever – Pão de Açúcar.

CONCLUSÃO

Transformação organizacional não é um episódio. É uma filosofia. Um modo de ser. Não deve acontecer apenas em resposta a problemas, reativamente, mas proativamente, em antecipação a tendências percebidas por gestores conectados ao ambiente e ao consumidor. E continuadamente. Os autores deste estudo de caso das transformações por que passa uma das maiores empresas do mundo entenderam que a história do Grupo Unilever, no mundo e no Brasil, e suas constantes mudanças deveriam ser um motivo de reflexão e debate sobre esse tema fascinante que é a mudança organizacional sempre necessária, embora sempre inquietante. No caso da Unilever, atraiu-nos a combinação de uma história de contínuas e profundas mudanças a partir da revolução industrial, culminando com uma ainda mais radical transformação no século recém iniciado. E o fato de que as marcas, que para uma empresa de produtos de consumo são o seu mais valioso patrimônio, estavam na raiz da empresa e, agora, no centro mesmo desta última transformação. Consideramos fascinante ver como os novos tempos foram compreendidos por uma empresa centenária, a ponto de levá-la a rever uma estratégia que a colocou como uma das líderes do mundo dos negócios. E como a consciência da responsabilidade social da empresa está ligada de forma inextricavel à corajosa decisão de adotar uma marca corporativa endossante tanto das suas marcas globais quanto das tantas “jóias” locais de que é proprietária em vários países.

Fascinante, também, é o pensamento do novo CEO do Grupo Unilever. Disse Patrck Cescau, na sua apresentação recente, de junho passado, “Nós, da Unilever, estamos no meio, não no fim, de uma transformação”.

Mais uma vez, os sucessores de William Lever, dos Jurgens e dos Van den Berghs repetem sua receita de sucesso: entender o mundo que vem por aí e inovar, não apenas para acompanhá-lo, mas para liderá-lo.

Fonte: Youtube e Central de Cases da ESPM

Autores: Prof. Ivan Pinto – Diretor da Central de Cases ESPM e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Comunicação com o Mercado da ESPM Prof. Dr. Alexandre Gracioso – Diretor Acadêmico da ESPM

Nota do Autor: Todas as informações mencionadas neste trabalho, tanto sobre o Grupo Unilever quanto sobre a Unilever Brasil, são públicas e foram obtidas pelos autores nas publicações e sites indicados nas referências bibliogáficas. Quaisquer opiniões e reflexões sobre os significados daquelas informações, não constantes da bibliografia, são de inteira responsabilidade dos autores.