TAM: a diferenciação como estratégia de sobrevivência

A trajetória da TAM é de forte crescimento, que levou a companhia, fundada em 1961, a obter cerca de 20% do mercado brasileiro de aviação civil em 2000 e, finalmente, à liderança absoluta desse mercado em 2007, em que atingiu mais de 50% de participação.

Agora em parceria com a empresa aérea chilena Lan, a TAM ganhou projeção internacional e usa a nova marca LATAM. Mesmo assim, em 2018 ainda vemos muitas aeronaves voando com a bandeira TAM, pois gradualmente todas elas receberão a nova pintura da LATAM.

Essa trajetória de crescimento foi marcada por uma oferta de serviços diferenciados dos seus competidores. A evolução do mercado também foi marcada pela falência de alguns competidores importantes (Transbrasil, VASP e, finalmente, VARIG) e novos competidores passaram a oferecer um pacote de serviços diferente, focado em baixo custo e serviço básico.

O crescimento da GOL e a entrada da AZUL Linhas Aéreas no mercado coloca uma questão estratégica para a TAM: como oferecer um pacote de serviços que atenda às necessidades dos consumidores e ainda permita à companhia manter sua posição dominante e ter lucratividade?

aeronave logotipo tam a350

Caso TAM: a diferenciação como estratégia de sobrevivência

É impossível dissociar a TAM Linhas Aéreas de seu fundador e principal executivo, morto num acidente aéreo em 2001. O pensamento e o estilo de liderança do Comandante Rolim Amaro permanecem na cultura e nos valores da TAM, mesmo anos após sua morte.

O então presidente da TAM, Comandante David Barioni Neto, se mostra mais sensível a essa realidade e não tenta, como seus antecessores, recriar o estilo e o modo de ser da empresa. Um exemplo do resgate desses valores aconteceu durante um feriado no primeiro semestre de 2008: o comandante Barioni foi visto no balcão de check in da TAM cumprimentando passageiros e tentando ajudar os funcionários a resolver o caos que se instala nos aeroportos brasileiros nos momentos de pico, como o próprio Comandante Rolim fazia em sua época.

Apesar de sofrer com a infraestrutura precária dos aeroportos e sistemas de controles brasileiros, o mercado de aviação civil do Brasil não é lugar de gente pequena. Quarto maior mercado de aviação doméstica, com 38 milhões de passageiros transportados em 2005 e dono de uma das pontes aéreas mais movimentadas do mundo, a aviação civil brasileira segue os mais elevados padrões de segurança, sendo classificada na Categoria 1 de padrões de segurança de voo estabelecidos pela International Civil Aviation Organization – mesma classificação atribuída aos Estados Unidos e ao Canadá.

Dividido em Linhas Aéreas Domésticas, Linhas Aéreas Regionais, Linhas Aéreas Internacionais e Voos Fretados (charters), apesar de ter vivido momentos de intensa competição, o mercado hoje é dominado por duas companhias aéreas, que respondem por mais de 80% do total de passageiros transportados – a Gol e a TAM.

Fundada em 1961 na cidade de Marília por dez jovens pilotos, a empresa surgiu como uma companhia aérea que fazia voos transportando pessoas e cargas entre os Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso, com o nome de “Transportes Aéreos Marília”.

Em 1971, o comandante Rolim Amaro passa a integrar a sociedade da empresa e no ano seguinte compra metade das ações da empresa e passa a ser o seu principal executivo. Em 1976, ele funda a TAM (Transportes Aéreos Regionais).

O grande crescimento da empresa passa a acontecer a partir dos anos 80, com a substituição dos antigos aviões bimotores por modelos Fokker 27. A TAM adquire a empresa Votec, assume suas linhas e começa a voar também para as regiões centrooeste e norte do País.

Em 1989, a empresa passa a fazer duas ações que iriam se tornar sua marca registrada nos anos seguintes – estender o tapete vermelho para os passageiros e ter os seus comandantes os recepcionando na porta de embarque. Essa medida simples agrada aos passageiros, que se sentem mais prestigiados e seguros ao entrar nos aviões da TAM.

Ganhar a credibilidade nesse momento da expansão era essencial para a consolidação dos planos de crescimento da TAM. Num mercado que nunca foi de fácil gestão, a entrada da TAM viria a ser confrontada por competidores importantes já estabelecidos no mercado, como Varig, Vasp e Transbrasil.

Diferenciar-se pela excelência operacional era essencial para conseguir aumentar o valor de sua proposta, construir sua marca e construir o seu espaço no cenário da aviação civil nacional.

A próxima fase de expansão dos negócios da TAM dá-se a partir da aquisição de sua frota de Fokker 100 e a implementação, em 1993, o primeiro programa de milhagens da aviação brasileira. Sua diferenciação? Regras claras e simples – voe 10 vezes e ganhe uma – e a não previsão de uma cota de assentos para os passageiros que iriam adquirir suas passagens com pontos – uma garantia real do uso de pontos acumulados.

Essa medida agradou o público executivo, uma vez que ao voar pela companhia ele podia preparar suas próximas férias. Junto com isso, criou outras maneiras de se diferenciar através da oferta de serviços: a criação de salas VIP em aeroportos chave, o serviço de bordo diferenciado incluindo, inclusive, happy hour e sorteios de prêmios das empresas parceiras. Estas ferramentas, que melhoram a experiência de consumo se caracterizavam por uma proposta claramente diferenciada, pela qual valia a pena pagar um pouco mais.

A TAM inicia sua expansão internacional com a aquisição da LAPSA, antes pertencente ao governo paraguaio, e cria a TAM Mercosul. Em 1998, com a aquisição dos Airbus A330, a empresa passa a ter uma atuação mais marcante no mercado de voos internacionais, começando a operar a rota São Paulo – Miami. Em 1999, voa para a Europa, com uma parceria com a Air France, estabelecendo a rota São Paulo – Paris e iniciando uma forte presença nas rotas internacionais, que teve o seu maior período de crescimento nos últimos três anos, se apoiando especialmente na falência da Varig.

grafico participacao do mercado tam

O início da década de 2000 foi de um começo difícil para a empresa. Em 2001 morreu o seu presidente e fundador, ao mesmo tempo em que a GOL anunciou sua entrada na aviação nacional trazendo o conceito de “low cost, low fare” – um novo sistema de gerenciar despesas como maneiras de oferecer preços mais baixos que estava mudando o panorama do mercado nos Estados Unidos e Europa. Outro fato relevante durante esse ano foram os atentados de 11 de setembro, que fizeram diminuir significativamente o número de viagens aéreas no período.

No entanto, com a entrada da GOL, o posicionamento de marca da TAM se tornou ainda mais diferenciado. Enquanto a TAM primava por oferecer “mais” aos seus consumidores que, por isso, estariam até dispostos a pagar um pouco mais, a GOL seguia pela via oposta: oferecer menos – um serviço mais simples – como forma de poder oferecer tarifas menores.

Mesmo neste ano adverso, a TAM cresceu cerca de 31% em relação ao ano anterior, especialmente pela expansão de rotas e compra de aeronaves que já estavam previstas anteriormente. Nesse ano ela recebe 15 aeronaves Airbus A 320 e dois Airbus A 330.

No entanto, apesar da liderança da TAM em relação ao share de mercado, vemos que a Gol foi a companhia que mais cresceu nos últimos anos no mercado doméstico, abocanhando a maior fatia da perda de mercado da Varig, que diminui suas operações a partir de 2005.

No contexto do crescimento da GOL e da falência da VARIG, a TAM foi perdendo parte do seu posicionamento e sua comunicação publicitária tornou-se mais abrangente e popular.

Um dos esforços feitos durante esse período foi a criação de um sistema de segmentação com tarifas variadas, para atender a um maior segmento de consumidores. Assim, existem agora cinco classes de tarifas: Promo, Light, Flex, Max e Top. Os preços seguem esta escala, de forma crescente, e cada perfil possui características particulares. Assim, a tarifa Promo é voltada para quem busca desconto e, portanto, não oferece flexibilidade quanto à mudança de data ou horário, não oferece grande pontuação no programa de milhagem, nem serviços adicionais como embarque preferencial ou internet no aeroporto, e também não oferece desconto para crianças.

Já a tarifa Flex, por exemplo, destina-se a quem precisa de flexibilidade e está disposto a pagar mais por isso – mudanças de data e horário são mais fáceis, há acesso à internet no aeroporto e demais serviços antes considerados padrão para os que voavam TAM. Este fator mostra que desde a morte do comandante Rolim, em 2001, a TAM mostrou certa dificuldade em manter o seu posicionamento estratégico e sua diferenciação perante a concorrência.

Entre 2001 e 2004, a presidência da empresa foi ocupada por Daniel Mandelli Martin, que teve a difícil tarefa de suceder o empreendedor que criou a companhia e imprimiu nela grande parte de sua personalidade e estilo. Com uma gestão tipicamente financeira para suportar ao momento de crise, a TAM passou a perder a sua conexão com o consumidor. Com a não concretização da fusão entre a TAM e a VARIG, Daniel Mandelli Martin deixa a companhia e em seu lugar assume Marco Antonio Bologna, que teve como principal papel sanear a companhia para poder abrir o seu capital na bolsa de valores.

Finalmente, no final de 2007, assume a TAM o executivo David Barioni Neto, que havia vindo da GOL e ocupava o cargo de VP de operações na TAM. Se os esforços promocionais feitos pela TAM puderam levar a empresa a aumentar a sua taxa de ocupação nos últimos anos, o mesmo não se pode dizer sobre o Yield (faturamento por assento), que teve queda acentuada, muito em função das promoções feitas pela empresa para se contrapor à sua principal concorrente.

grafico - crescimento de receita voos internacionais

Nesse contexto, entendemos que hoje a diferenciação clara que existia entre as propostas de valor da TAM e da GOL enfraqueceu. No quase duopólio deste setor, as empresas têm se aproximado em alguns aspectos importantes. O preço, por exemplo, que deveria ser muito diferente, já se tornou bastante similar – fato, talvez, que só não esteja tão aparente ainda para os consumidores por conta da dificuldade de se fazer uma comparação direta nesse segmento, que depende de data, rota e horário.

Da mesma maneira, a GOL começa a mudar sua estratégia – o plano de milhagem, antes oferecido só pela TAM, passará a ser oferecido também pela GOL. Nenhuma das campanhas acima remete à diferenciação que levou a TAM ao sucesso. Nessa tentativa de atender a todos os tipos de consumidores, parece-nos que ela enfraquece sua proposta – “quem quer ser tudo para todos, acaba não sendo nada para ninguém”.

Será que os consumidores conseguem entender as diferenças entre cada uma das propostas? David Barioni Neto assumiu com a missão de resgatar os antigos valores da TAM, reconectar a marca com os seus consumidores e garantir que os pensamentos do fundados continuem impregnados na companhia. E mais do que isso, se questionar se esse posicionamento pode levar a retornos maiores do que os de suas rivais. Afinal, se essa estratégia manteve a TAM viva e operando enquanto todos os seus principais concorrentes na época de sua fundação já não estão mais no mercado, os dados atuais não mostram uma empresa claramente mais saudável do que a sua principal concorrente?

Questões para discussão

  1. Quais fatores levaram à diferenciação da proposta de valor da TAM?
  2. Como a TAM pode manter sua diferenciação como fonte de vantagem competitiva no novo cenário competitivo da indústria?

Fonte: Central de Cases da ESPM

Nota do Autor:
Preparado pelo Prof. Marcos Henrique Bedendo, da ESPM-SP. Publicado com a autorização da empresa. Não é intenção do autor avaliar ou julgar o movimento estratégico da empresa em questão. Este texto é destinado exclusivamente ao estudo e à discussão acadêmica.
Observação: Este caso contempla as informações e movimentações de mercado apenas até o ano de 2008.