Para ser mais produtivo, liberte-se da tecnologia. Sério, da tecnologia?

Em meio ao caos, oportunidades também podem ser encontradas, pois a maior produtividade depende de escolhas, e uma das mais importantes tem a ver com o uso da tecnologia. E é preciso tomar decisões muito específicas em relação ao uso da tecnologia para alavancar a produtividade.

Em 1967, o futurista Herman Kahn previu um cenário no qual, até o ano 2000, um de nossos desafios culturais seria o impacto do maior tempo de lazer possibilitado pelas tecnologias voltadas para aumentar a produtividade. Ele acreditava que a maioria das pessoas poderia trabalhar apenas cerca de 30 horas por semana e tirar 13 semanas de férias.

Nas quatro décadas que se passaram desde que Kahn previu isso, inventamos as mais diversas tecnologias de produtividade, que incluem post-its, computadores pessoais, e-mails, videoconferências, internet, celulares, mensagens de texto, redes sem fio, roupas tecnológicas que nos dizem onde estamos e para onde ir, e-books, HDTVs e até luvas que produzem música!

Pergunta: essas tecnologias aumentaram nossa produtividade e nos aproximaram do tipo de liberdade e flexibilidade descritas por Herman Kahn?

A TECNOLOGIA É UMA FORMA DE VÍCIO

Todos sabemos que a resposta é não. Na verdade, a maioria de nós se sente ainda mais escravizada pelas vibrações e pelos toques sonoros dos smartphones, e-mails e tablets, não é?

Até os que já compreendem que o importante deve ser priorizado em relação ao urgente em nome da produtividade podem sentir isso, porque a tecnologia tende a multiplicar por dez o poder viciante da urgência. É como fumar crack, droga mais imediatamente estimulante e viciante do que a cocaína… e também consideravelmente mais perigosa. Isso porque os sons e vibrações de nosso smartphone, e as coisas “clicáveis” em geral, são mais estimulantes para nosso cérebro do que aquilo que não o é.

As tecnologias atuais proporcionam tamanha agilidade de resposta a nossas ações que podemos nos perder respondendo a mensagens de texto e tuítes infindáveis achando que estamos sendo produtivos – na verdade, só estamos distraídos.

O maior problema é que podemos estar deixando passar as coisas realmente importantes da vida, como desenvolver sólidos relacionamentos, colaborar para resolver questões relevantes ou nos engajar em algum trabalho equilibrado e concentrado.

Quer um exemplo? Uma gerente de nível médio nos contou a história de como ela e o marido usavam a tecnologia perto da filha de 4 anos de idade. Eles começaram a achar que precisavam mudar seu comportamento, porque, assim que chegavam em casa do trabalho, rapidamente pegavam os smartphones e se perdiam, cada um imerso no próprio mundo. Chegaram à conclusão de que aquele não era o exemplo a dar para a menina e perceberam que o tempo estava voando e que a filha logo deixaria de ser bebê.

Sabendo que seria difícil largar o vício, fizeram um plano. Deixaram uma cesta ao lado da porta da frente e combinaram que, quando chegassem em casa, jogariam seus smartphones ali. A cesta proporcionava um pequeno sistema de prestação de contas, porque os celulares ficariam visíveis e seria fácil notar se fossem retirados.

Alguns dias depois de adotado esse novo comportamento, foram pegar seus smartphones de manhã ao sair para o trabalho. Surpresa: ao lado dos celulares estava o pequeno iPod da filha. Eles não pediram que ela deixasse o iPod na cesta; por conta própria, ela decidiu abrir mão da tecnologia para fazer parte da família.

Isso pode significar que a criança estava faminta pela atenção dos pais, sentindo que competia com os smartphones pela afeição deles, não é?

O fato é que a mudança no comportamento em relação à tecnologia revolucionou a vida da família, mas a necessidade de dar atenção aos relacionamentos não se restringe ao âmbito familiar. Um homem de 30 e poucos anos nos contou que, quando ele e os amigos vão a um restaurante, todos colocam os celulares em uma cesta e o primeiro a pegar o aparelho durante a refeição paga a conta.

Para eles, essa é uma excelente maneira de encorajar a interação direta e reforçar os laços de amizade. E isso vale muito para reuniões de trabalho, relações com clientes, grandes projetos etc.

ANALISE A RELAÇÃO

O primeiro passo para fazer com que a tecnologia seja seu servo e não seu mestre é reconciliar-se com seu comportamento em relação à própria tecnologia.

Reflita um pouco a respeito. No trabalho e em casa, você é seduzido pela urgência das vibrações e toques sonoros e se vê reagindo a coisas que, em última análise, não são importantes? Você se deixa levar jogando em excesso determinado jogo que não é nem urgente nem importante, mas de algum modo ocupa horas de seu tempo, atenção e energia que, obviamente, seriam mais bem utilizadas em outro lugar?

Tendo analisado sua relação com a tecnologia, você estará em posição de usá-la como ferramenta poderosa para ajudá-lo a ser mais produtivo.

Afinal, a tecnologia não é o problema. A questão é até que ponto somos conscientes em sua utilização. Nosso cérebro pode adorar a novidade, mas, ao esclarecermos o que realmente importa para nós e ao aplicarmos com ponderação nossa capacidade de discernimento, temos muitas chances de usar nossas ferramentas com sabedoria para atingir alta produtividade todos os dias.

É extremamente difícil lidar com a volumosa torrente de novas tarefas e demandas enquanto tentamos vencer a sedução da tecnologia. Requer um enorme esforço defender nossas prioridades mais importantes e lhes dedicar nossa melhor atenção e energia, não é? É uma verdadeira batalha. O que fazer de prático?

GESTÃO DOS 4 NÚCLEOS

Há muito a fazer a esse respeito, mas neste artigo trataremos da primeira e essencial providência a tomar, que é organizar todas as nossas informações – as que chegam por meio da tecnologia e as outras. Se você for como a maioria das pessoas, é submetido o dia inteiro a uma torrente de cascalho de informações vindas de todas as direções.

Seu smartphone recebe mensagens instantâneas e tuítes. Sua caixa de entrada de e-mails transborda como uma pia entupida. Você atende uma ligação e anota a mensagem em qualquer pedaço de papel que encontra à mão. Pilhas de documentos e post-its lotam sua mesa. Você faz anotações no celular, no computador, na agenda e em qualquer bloco de notas disponível… Você vive prometendo que vai organizar tudo isso um dia, mas a tarefa sempre parece hercúlea e é adiada.

Agora não será mais. O primeiro passo é entender que há basicamente quatro categorias de informação que você precisa administrar: duas delas levam a ações e as outras duas se referem a informações que você deve arquivar para futura referência.

  1. Compromissos. Coisas que você precisa fazer em horários específicos.
  2. Tarefas. Coisas que você precisa fazer e que ainda não estão agendadas.
  3. Contatos. Informações sobre pessoas com as quais você interage.
  4. Anotações/documentos. As outras informações que você tem de administrar, mas que não se enquadram nas outras três categorias.

Chamamos essas categorias de “4 Núcleos”, e o primeiro passo para organizar o caos é aprender a ver as novas informações segundo eles.

O passo seguinte é criar um sistema para administrar as informações importantes e saber exatamente onde e como acessá-las em qualquer lugar e a qualquer momento. Como parâmetro geral, recomendamos a “Regra do Um”, que implica ter as informações pessoais e profissionais em um mesmo lugar, correspondendo aos núcleos (1) agenda, (2) lista mestra de tarefas, (3) lista de contatos e (4) sistema para organizar suas anotações ou documentos. Você pode fazer isso usando um sistema só em papel, só eletrônico ou uma combinação de ambos.

Sistema só em papel.

É fácil de carregar e agrada às pessoas que gostam de anotar as coisas, além de ter uma representação mais tangível e analógica das informações. Nunca fica sem bateria também. A desvantagem é que o sistema não está conectado com nada, dando trabalho para coletar informações e não tendo um backup – ou seja, se você perder a agenda, com ela irão todas as suas informações.

Então, se preferir usar um sistema em papel, você terá menos dores de cabeça se mantiver todas as anotações pessoais em uma única agenda, em vez de escrevê-las no primeiro pedaço de papel que encontrar por perto. Para organizar com eficácia os 4 Núcleos em um sistema em papel, a regra fundamental é “manter tudo em um só lugar”.

Sistema só eletrônico.

O outro extremo do espectro é reunir todas as suas informações importantes em algum meio digital. Nesse caso, a regra fundamental é “ter tudo em todo lugar”. Isso significa manter seus 4 Núcleos em um sistema que lhe permita acessar qualquer informação em todos os seus dispositivos, não importa onde estiver.

Por exemplo, você pode incluir as informações de contato de um amigo e imediatamente tê-las disponíveis em seu smartphone, tablet, laptop ou qualquer computador com acesso à internet – ou seja, as informações ficam armazenadas em um servidor (na nuvem) e podem ser acessadas em qualquer lugar com conexão à web.

A vantagem dessa abordagem é a possibilidade de você ter acesso a suas informações mais importantes sempre que desejar, no dispositivo que estiver à mão no momento. Também fica mais fácil pegar as novas informações que já chegam em formato digital e arquivá-las rapidamente.

O sistema digital costuma ser mais seguro e cria um backup imediatamente. Por fim, o sistema lhe permite acesso fácil a essas informações enquanto você interage e se comunica com os outros. A desvantagem é a possibilidade de você se perder sob a montanha de cascalho de novas informações digitais que entram, criando um território digital improdutivo, um entulho que sufoca.

O melhor seria que cada um dos 4 Núcleos tivesse um sistema de sincronização em todos os dispositivos. Use a tecnologia que quiser, mas sincronize.

Por exemplo, não se ponha a incluir tarefas sem pensar em uma lista de tarefas isolada em seu smartphone (só porque ela está lá) se sua lista mestra de tarefas estiver no computador. Em vez disso, encontre um app que sincronize as informações no smartphone e no computador para incluí-las apenas uma vez, podendo acessá-las nos dois dispositivos. Vários aplicativos são capazes de fazer isso.

Sabemos que nem todo mundo tem liberdade de escolher os serviços que utiliza. Por exemplo, você pode ser obrigado a usar uma plataforma corporativa, como o Microsoft Exchange, o Google ou outro software. Ou então pode se ver diante de uma profusão de firewalls, políticas de segurança etc. que restringem sua capacidade de sincronizar os dados nesses sistemas. Nesse caso, você pode ter de diferenciar os dados pessoais dos profissionais de algum modo.

Abordagem mista.

Você pode utilizar um sistema misto, desde que tenha um meio para cada um dos 4 Núcleos. Por exemplo, é possível optar por manter sua agenda de compromissos e seus contatos em um sistema digital, pela facilidade de sincronização em todos os dispositivos, e registrar sua lista de tarefas e anotações mais importantes em um caderno ou agenda de papel.

Escolher o sistema em papel ou o digital não faz muita diferença, contanto que a abordagem seja adequada a suas necessidades e que você siga os princípios para manter a ordem no sistema escolhido.

EXEMPLO PRÁTICO, ANTES E DEPOIS

Falemos de uma gestora chamada Sherry. Ela avaliou onde efetivamente mantinha seus 4 Núcleos para depois fazer melhorias na distribuição:

• Compromissos.

Ela mantém os compromissos pessoais em uma pequena agenda de papel na bolsa e os profissionais no sistema da empresa. Isso viola a Regra do Um, podendo levá-la a marcar dois compromissos, um pessoal e um profissional, no mesmo horário e deixar passar compromissos profissionais importantes durante seu planejamento semanal. Às vezes, Sherry anota rapidamente eventos importantes do trabalho em sua agenda de papel, mas, como não gosta de perder tempo passando tudo a limpo, suas duas agendas acabam ficando incompletas.

• Tarefas.

Sherry mantém as tarefas em uma lista em sua agenda de papel. Trata-se de um bom uso da Regra do Um, mas ela constatou que não está se beneficiando das vantagens de administrar as tarefas usando um sistema informatizado.

• Contatos.

Sherry tem duas listas de contatos. Uma delas inclui todos os contatos no celular; a outra, os contatos profissionais no computador. Como os dois sistemas não podem ser sincronizados, contudo, ela não raro tem informações duplicadas ou desatualizadas de contatos profissionais no celular.

• Anotações/documentos.

Sherry faz anotações em um bloco de notas de papel e armazena os documentos no computador. Ela acha que esse esquema funciona bem.

Melhorias

Depois de refletir a respeito, Sherry criou um sistema integrado para ajudá-la a administrar melhor seus 4 Núcleos. Veja o que ela fez:

• Compromissos.

Ao conversar com o pessoal do departamento de informática de sua empresa, Sherry soube que poderia configurar facilmente seu celular para acessar as informações profissionais e pessoais e ter uma visão completa de sua agenda de compromissos em qualquer lugar, sem correr o risco de marcar mais de um compromisso no mesmo horário. Ela transferiu sua agenda pessoal para um serviço online e agora leva uma agenda integrada consigo o tempo todo.

• Tarefas.

Sherry encontrou um serviço de tarefas na internet com apps simples que lhe permitem armazenar todas as tarefas na nuvem e visualizá-las de maneira unificada. Ela continua mantendo suas tarefas profissionais e pessoais em categorias separadas, porém todas são visualizadas no mesmo programa, o que constitui uma boa aplicação da Regra do Um.

• Contatos.

Sherry usou a mesma solução que a ajudou a unificar suas agendas de compromissos para organizar os contatos. Seus contatos pessoais já estavam no celular, de modo que ela só precisou eliminar algumas duplicidades.

• Anotações/documentos.

Como gosta de fazer anotações no papel e não encontrou uma solução eletrônica de seu agrado, Sherry praticamente não alterou esse sistema. Suas anotações pessoais são mantidas em um caderno e todos os seus documentos eletrônicos mais pesados ficam no computador.

Com apenas algumas alterações, Sherry passou a ter um sistema muito mais integrado para administrar seus 4 Núcleos. Orientando-se pela Regra do Um, seus compromissos e tarefas agora são sincronizados no celular e no laptop. Suas informações mais importantes estão sempre disponíveis para todos os papéis de sua vida.

Sherry ainda não tem um tablet, mas está pensando em comprar um para se dar de presente de aniversário. Nesse caso, ela sabe que, com apenas algumas configurações, terá acesso imediato a todas as informações também no novo dispositivo.

A LUTA SEM ESPADA

Às vezes, achamos que, se ao menos tivéssemos a ferramenta correta – o aplicativo certo, o modelo de smartphone mais recente e assim por diante –, todos os nossos problemas de produtividade estariam resolvidos. Porém isso não passa de ilusão.

Quando aceitamos a ideia de que nenhuma ferramenta vai nos salvar, agimos com base no que Yagyū Munenori, mestre espadachim japonês do século 16, chamou de “primeiro princípio”, que implica ser independente de todas as maneiras possíveis e manter a presença de espírito em todas as circunstâncias.

O primeiro princípio de Munenori também envolve adotar o ideal da luta sem espada, o que significa que temos a liberdade de usar todas as ferramentas para vencer a batalha. A ideia é que, quando nos prendemos a alguma ferramenta específica, criamos em nossa mente um apego que nos impede de agir com naturalidade e reagir adequadamente às diferentes circunstâncias à medida que surgem. É importante entender isso hoje, porque as ferramentas e as tecnologias estão sempre mudando; o primeiro princípio da escolha consciente é que se mantém inalterado.

Conta-se a história de um soldado no campo de batalha, cansado, exausto, que perdeu a espada. Avançando com dificuldade, ele vê o punho de outra espada no chão. Exultante, pega a arma, mas descobre que a lâmina está quebrada pela metade. Desanimado, joga a espada no chão e diz para si mesmo: “Se ao menos eu tivesse a espada reluzente do Imperador, feita de ouro e do melhor aço, eu poderia lutar a batalha e ganhar!”. Perdendo todas as esperanças, o soldado abandona a batalha, contrariado.

Poucos minutos depois, outro soldado fatigado passa pelo mesmo lugar e pega a mesma espada. Ao ver a lâmina quebrada, levanta a arma em sinal de triunfo na direção do céu e, com vigor renovado e um brado, retorna à batalha. Liderando seus exércitos com a espada quebrada, o Imperador reverte o curso da história e conquista a vitória.

A gestão dos 4 Núcleos, sob a Regra de Um, pode torná-lo um soldado energizado, que ganha a luta com espada inteira ou quebrada. Reservar um tempo para avaliar o que você tem e transferir cada item para um único lugar são as duas medidas fundamentais para quem quer ter mais produtividade.


Fonte: Revista HSM Management, por Paulo Kretly, Kory Kogon e Adam Merrill. Eles são consultores da Franklin Covey no Brasil e nos EUA e autores do livro 5 Escolhas: O Caminho para uma Produtividade Extraordinária (ed. HSM), em cujos highlights este artigo se baseia.