Os modelos mentais

Os consumidores compartilham modelos mentais que determinam como percebem os produtos, as marcas e as empresas.

Em entrevista, Gerald Zaltman, da Harvard Business School, explica que o que emerge à superfície da consciência e se expressa em palavras é apenas um fragmento de uma complexa trama de associações, redes de conceitos e representações.

No filme “Do que as Mulheres Gostam”, Mel Gibson faz o papel de um diretor de criação de uma agência de publicidade que, por causa de um acidente doméstico, adquire a capacidade de ler o pensamento das mulheres. Como ele capta o que elas calam, torna-se um irresistível sedutor, um chefe compreensivo e um publicitário extraordinário.

No entanto, se os roteiristas tivessem lido as pesquisas recentes sobre a mente do consumidor, a história teria sido outra. Eles saberiam, por exemplo, que, na realidade, 95% dos pensamentos são inconscientes – em outras palavras, um mistério para a própria pessoa. O que emerge na superfície da consciência e pode ser expresso em palavras é apenas um fragmento de uma complexa trama de associações, redes de conceitos e representações. Então, para entender o que elas (e eles) querem, ler o pensamento não é sufi ciente; é preciso saber interpretá-lo.

Longe de Hollywood, na costa leste dos Estados Unidos, Gerald Zaltman estuda a mente do consumidor, faz pesquisas no laboratório de mente, cérebro e comportamento da Harvard University. Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, ele comenta os resultados de seus estudos.

De que forma é realizada a pesquisa de algo tão complexo como os processos mentais do consumidor?

O fundamental é beber em diferentes disciplinas. Todas as que têm algo a dizer sobre como funciona a mente: a sociologia, a antropologia, a neurociência, a semiótica e até o teatro. Por isso trabalhamos com especialistas de várias áreas. Às vezes estudamos o que as pessoas pensam sobre os produtos de determinada categoria; outras, sua experiência com uma marca específica. Se uma empresa busca novas idéias de produtos ou quer mudar a apresentação e a embalagem de um artigo existente, sondamos os sentimentos e pensamentos dos consumidores.

Quais foram suas principais descobertas?

O mais importante é que os consumidores, como tais e independentemente das diferenças culturais e de qualquer outro tipo, possuem um modelo mental que tende a ser compartilhado e determina como vêem um produto, categoria ou problema. Seu modelo mental sobre as empresas que se preocupam com o cliente, por exemplo, é formado por um conjunto de idéias, entre as quais estão as seguintes: se são inovadoras, se tratam bem seus funcionários, se fazem com que os compradores se sintam confortáveis em suas lojas, se atendem bem quando ligam para colocar algum problema, se respeitam o meio ambiente.

Todas essas idéias estão interconectadas. Formam uma rede que se transforma em um modelo mental para avaliar as intenções da empresa. A grande maioria das redes de idéias é comum a todos os indivíduos. Descobrimos que, muito além das diferenças entre as pessoas, se analisarmos o que é importante para elas, encontraremos modelos mentais muito parecidos.

Por que pessoas de diferentes culturas ou comunidades têm modelos mentais similares?

Em parte porque estamos expostos aos mesmos estímulos, anúncios publicitários e produtos, mas principalmente porque temos necessidades similares. E também é similar a forma de satisfazê-las. Freqüentemente encontramos diferenças e as exageramos; porém, nos níveis mais profundos, existem coincidências. É nesses níveis que temos de nos concentrar para servir bem o cliente.

Por exemplo, em pesquisas realizadas entre consumidores da França, Japão, Índia, Egito e Estados Unidos, entre outros, descobrimos que eles descrevem o processo de compra como uma “viagem”. Apesar de o ambiente cultural ser radicalmente distinto, os consumidores desses países têm os mesmos objetivos e sentem frustrações, surpresas e satisfações idênticas ao sair para as compras.

A propósito da descrição do processo de compra como uma viagem, em seu último livro o sr. sublinha a importância das metáforas para entender a mente do consumidor. Que papel elas desempenham?

Eu gostaria de esclarecer que, quando falei de metáforas, eu o fiz em um sentido amplo: incluo toda linguagem não-literal, as analogias e as expressões idiomáticas. As metáforas são fundamentais no pensamento. Estima-se que usamos seis delas por minuto em nosso discurso oral. Em poucas palavras, são o motor da imaginação. Elas nos ajudam a expressar o que sentimos ou pensamos e estimulam a atividade mental.

Além disso, incidem em nossa percepção do mundo, na compreensão de novos conceitos e na interpretação das experiências. Por tudo isso, quando entrevistam os consumidores, os pesquisadores lhes pedem que usem metáforas para se referir aos produtos ou serviços. O que buscam é conseguir trazer à luz pensamentos e sentimentos inconscientes.

Parece difícil alcançar esse objetivo, uma vez que, como o sr. aponta, 95% dos pensamentos do consumidor não chegam ao nível da consciência. Que regras governam a mente inconsciente?

Existem padrões de atividade neurais em diferentes regiões de nosso cérebro que representam conceitos e produzem pensamentos, mas percebemos apenas alguns deles. Se, por exemplo, uma criança atravessa na frente de seu carro enquanto você dirige, você vai frear imediatamente. Embora pareça uma ação quase reflexa, envolve um complexo conjunto de decisões: reconhecer que se trata de uma criança e não de um pedaço de papel, manter o volante firme ou virar, pisar no freio. Essas decisões levam aproximadamente 150 milésimos de segundo.

Ao mesmo tempo, várias pesquisas demonstram que são necessários cerca de 500 milésimos de segundo para que percebamos o que acabamos de fazer: pisar no freio. Ou seja, muitas decisões cotidianas são resultado de processos mentais que não percebemos. Não há diferenças cruciais entre o pensamento consciente e o inconsciente; o que acontece é que não percebemos o último. Por isso não podemos explicar racionalmente que a mesma comida pareça mais saborosa se compartilhada com um amigo do que com um desconhecido, ou que se vendam mais produtos por US$ 9,99 do que por US$ 10,00, quando é evidente que a diferença de um centavo em produtos idênticos não é significativa.

Quais são as melhores táticas para mergulhar na mente do consumidor?

Cada método implica uma encruzilhada, porque nenhum aborda todos os problemas. Às vezes as pesquisas são úteis, mas também podem nos levar por caminhos errados. Em um levantamento realizado por um fabricante de automóveis europeu com seus clientes no Japão, uma pergunta sobre satisfação do consumidor, que precedia outra sobre freqüência dos consertos, dava um alto índice positivo. Ao mudar a ordem –primeiro a do conserto e depois a da satisfação–, a taxa de satisfação diminuiu significativamente. Geralmente, os métodos tradicionais, como as pesquisas e os focus groups, funcionam quando os gerentes têm conhecimentos substanciais da marca e da categoria do produto, quando os consumidores podem expressar facilmente o que pensam e quando as lembranças não são tão importantes. No entanto, são insuficientes para responder a perguntas como:

  • Que marcos de referência usam as pessoas quando pensam numa marca?
  • Por que os consumidores preferem um conjunto de atributos a outro?
  • Que papel desempenha um produto na vida dos compradores?
  • Por que são leais a uma marca em especial?

Nesses casos são necessários métodos que também possam identificar aquilo que os consumidores sabem sem ter consciência de que sabem. Quanto mais inovador é o produto, mais importante é a mente inconsciente.

O sr. poderia dar um exemplo de como faz suas pesquisas?

Se tivesse de avaliar o atrativo de um design de automóvel esportivo, pediria para algumas pessoas que buscassem imagens de objetos que lhes parecessem atraentes e que guardam relação com o design interior e exterior de um veículo esportivo. Eu lhes daria uma semana para encontrar fotografias ou desenhos que expressassem seus pensamentos e sentimentos. Depois, em entrevistas individuais –habitualmente de duas horas– eu lhes perguntaria por que os escolheram. Um entrevistado poderia explicar que escolheu a foto de um diamante porque, para ele, dirigir um automóvel esportivo o faz sentir valioso e brilhante. Outro diria que optou pela imagem de uma navalha, pois o fio da navalha sugere velocidade.

De tudo o que o entrevistado diz, como são selecionadas as metáforas mais importantes?

Buscamos os arquétipos. Para o caso dos automóveis, uma das metáforas centrais é a potência, a força. Em uma pesquisa sobre o tratamento da indigestão, por exemplo, um dos consumidores trouxe uma nota de um dólar, pois disse que, quando comia alimentos com muita gordura, mais tarde ele pagava com juros. Outro comentou, a respeito de uma fotografia de um chef, que a moderação era a chave e que devia aprender qual era a quantidade exata de comida a ingerir e que alimentos eram combináveis.

O primeiro aludia a um equilíbrio moral, o pecado de se exceder na comida se paga; no segundo caso estava implícita a idéia de um equilíbrio material: a quantidade exata. Embora nenhum dos dois o tenha mencionado explicitamente, o equilíbrio era o denominador comum de seus comentários, o arquétipo.

Que lugar ocupam as emoções em sua teoria?

Embora sejam centrais no comportamento do consumidor e muitos falem delas, poucos as entendem. Em essência, as emoções são respostas inconscientes a determinados estímulos. Ainda que no cérebro haja sistemas separados para processar as emoções e o raciocínio lógico, ambos se comunicam e, em conjunto, afetam o comportamento. Mais ainda, o sistema emocional exerce a primeira impressão em nosso pensamento em nosso comportamento. Uma barra de cereais estimula os sentidos por meio do sabor e da textura e gera emoções relacionadas com lembranças da infância e sensações de proteção e segurança que muitos de nós experimentamos nessa fase. Portanto, se um fabricante de barras de cereal quer aumentar as vendas, suas iniciativas de marketing devem direcionar-se não apenas para os estímulos sensoriais do produto, mas também para as emoções.

As lembranças, conforme o sr. explica em seu livro, não são representações fiéis ou estáticas do passado. Por que se modificam? É possível mudar as lembranças de um consumidor?

Nem toda informação é guardada na memória; tendemos a armazenar os eventos e dados que têm um significado emocional e a recuperá-los ou lembrá-los a partir de algum estímulo. O anúncio publicitário de sapatos elegantes, por exemplo, poderia trazer à mente cenas de uma festa recente. Tecnicamente, cada vez que lembramos algo, um conjunto diferente de neurônios é ativado. Às vezes, a diferença é trivial; outras, mais significativa. Se um amigo conta que comeu muito mal em um restaurante onde você teve uma experiência regular, você se lembrará dela como ruim; mas, se ele fala que a comida foi excelente, será o contrário. Da mesma forma, a lembrança de uma experiência com um vendedor depende de que o estímulo que a trouxe à superfície seja positivo ou negativo. A imaginação também tem papel importante na reconstrução das lembranças; é por isso que as campanhas de marketing podem influenciar a memória e, em última instância, alterar o que os consumidores lembram dos produtos e da marca.

Em que medida pode-se mudar a opinião dos clientes?

A publicidade é potente porque ativa as emoções. Não digo que todos os anúncios o façam, mas alguns conseguem “disparar” uma história, um relato na mente dos consumidores, e modificam suas lembranças e emoções. Pesquisa recente comprovou que o que os entrevistados pensavam sobre um carro esporte mudava depois de terem visto um comercial dele. As respostas que deram antes e depois de vê-lo foram diferentes.

É possível prever se um anúncio vai influenciar a mente do consumidor?

Sim. Nos testes prévios ao lançamento, que geralmente se fazem com um grupo de pessoas representativas do público-alvo, é preciso detectar se a partir do anúncio essas pessoas criam sentidos e histórias facilmente, se diversos segmentos desse grupo tecem histórias diferentes baseadas na mesma metáfora e se essas histórias são coerentes com a mensagem que se tenta transmitir.


Fonte: A entrevista é de Viviana Alonso e foi publicada na revista HSM Management.

O entrevistado, Gerald Zaltman, foi eleito uma das cinco personalidades mais relevantes do marketing em inúmeras pesquisas realizadas pela American Marketing Association. Gerald Zaltman destaca-se por sua trajetória acadêmica: doutor em sociologia, é professor da Harvard Business School, sediada em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos. Antes de ingressar no corpo docente de Harvard, Zaltman fez parte das universidades Northwestern e Pittsburgh. Escreveu 14 livros, entre eles How Customers Think e o best-seller Hearing the Voice of the Market, com V. Barabba (ambos, ed. Harvard Business School Press), e editou ou co-editou outras 12 obras. Também é sócio da firma de consultoria empresarial Olson Zaltman Associates e foi presidente da Association of Consumer Research.