O “x” da expansão no varejo

Alguns varejistas planejam a expansão de seus serviços e produtos para além do portifolio tradicional. Tudo bem para um supermercado vender livros e cafés, mas e quanto a consertar carros? Por mais absurdo que pareça, muitas empresas varejistas planejam sua expansão fugindo de seu núcleo central. Como mostra estudo Bain & Company, apenas 29% das companhias que fizeram isso obtiveram crescimento lucrativo.

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Em busca de estratégias de crescimento que satisfaçam os acionistas, muitas empresas de varejo mundo afora estão apostando em migrar para atividades, áreas geográficas ou formatos fora de seu núcleo básico original. Na análise feita pela Bain & Company de quase 300 tentativas de mais de 60 varejistas norte-americanos de entrar em negócios “nada a ver” durante o período de 1989 a 2004, constatamos que somente 29% dessas iniciativas contribuíram para um crescimento lucrativo. Além disso, apenas 15% atingiram a “sorte grande” –elas não só tiveram um valor presente líquido positivo, mas também acrescentaram mais de 5% às receitas e aos lucros.

Descobrimos três princípios que poderiam alavancar o sucesso de um varejista ao dobrar a média geral de êxito de seu setor. E verificamos que os varejistas que repetidamente tentaram iniciativas nesse sentido tiveram um histórico melhor do que o resto. A abordagem vencedora engloba três pontos:

  • As organizações bem-sucedidas entram em novos negócios que estão perto de seu núcleo básico, com taxa de sucesso que aumenta acentuadamente para as iniciativas que envolvem mercados adjacentes –ou seja, negócios fora do núcleo básico– com poucas variantes em relação às estruturas de custo, consumidores-alvo ou capacitações atuais das empresas.
  • As iniciativas bem-sucedidas em mercados adjacentes concentram os esforços em negócios de alto potencial de rentabilidade, partindo do princípio de que os mercados com as maiores margens são os melhores.
  • As companhias de maior êxito estimam com exatidão o potencial de crescimento no mercado em que estão entrando, visando idealmente mercados sem um líder estabelecido.

Um dado interessante é que, das iniciativas malsucedidas tentadas em mercados adjacentes que estudamos, quase metade não seguiu nenhum desses princípios, como mostra a figura superior da página ao lado.

Ocasionalmente, as organizações que não atenderam aos princípios até conseguiram obter sucesso, porém sua taxa de sucesso foi de meros 6%, entendendo-se o sucesso mínimo como “criar certo grau de novas receitas e lucros”. Quando um dos princípios foi seguido, a taxa de sucesso subiu para 27%. Atender a dois deles resultou em média de sucesso de 53%, e três, uma taxa ligeiramente mais alta.

Vale a pena analisar mais atentamente como as empresas de varejo podem triar com sucesso suas iniciativas em mercados adjacentes e desenvolver capacitação para repetidamente tomar as iniciativas corretas.

Questão de princípio

Quase metade das iniciativas malsucedidas fora do núcleo básico não atende a nenhum dos três princípios de triagem da Bain & Company:

Observações O gráfico superior inclui apenas as iniciativas classificadas como fracassos claros; n = 83. O gráfico inferior inclui tanto sucessos totais como pequenos sucessos.

Fique perto do núcleo básico

A relação com o núcleo básico é o primeiro –e talvez mais crítico– princípio na geração e triagem de oportunidades de mercados adjacentes. Tais oportunidades podem incluir iniciativas em direção a novos locais, produtos ou serviços, segmentos de clientes, canais, etapas da cadeia de valor ou formatos. Entender o núcleo básico é importantíssimo; isso decorre da análise sobre as áreas em que você ganha da concorrência, tem clientes extremamente fiéis e obtém lucros acima da média do setor. Os principais trunfos no núcleo básico podem ser um modelo de negócio singular, como a Dell em computadores, uma marca forte, como a American Express em cartões de crédito, ou uma posição de baixo custo, como a Tesco em mercearia. Quando avaliamos as 293 iniciativas tomadas em nosso estudo, o sucesso foi de 42% a um passo de distância do núcleo básico, 23% a dois passos e 18% a três passos. A distância do núcleo básico é medida de acordo com três dimensões: a distância tem a mesma estrutura de custos que o núcleo básico? Aumenta a atual base de clientes do núcleo básico? Alavanca as capacitações do núcleo básico? Uma empresa se desloca mais longe de seu núcleo básico à medida que mais dimensões mudam.

O exemplo clássico de um varejista que perdeu visão de seu núcleo básico é o Kmart, que começou no início da década de 1960 e posteriormente serviu como benchmark para o Wal-Mart, de Sam Walton, que o chamou de “o laboratório” que ele copiou. No fim dos anos 80, porém, o Wal-Mart alcançou o Kmart e assumiu a liderança em toda a década seguinte. Buscando uma vantagem, o Kmart começou a fazer experiências em mercados adjacentes múltiplos, mas sem um plano bem pensado, comprando negócios tão desconexos como Borders, Office Max, Sports Authority e Builders Square. Cada um deles se tornou uma distração importante para a direção do Kmart, uma vez que a empresa enfrentava varejistas de peso com foco mais concentrado. Os negócios tiveram de ser divididos ou vendidos quando o Kmart pediu concordata no início de 2002.

Há também outros fatores de risco relativos às iniciativas em mercados adjacentes. A taxa de sucesso das iniciativas geográficas cai uniformemente à medida que aumentam as dessemelhanças –80% para as companhias norte-americanas que mudaram para o Canadá, 60% para as que se expandiram para a Europa, menos de 40% para as que se deslocaram para a Ásia. Entretanto, esse padrão histórico não deveria necessariamente dissuadir as empresas de entrarem em lugares como a China, onde os mercados adjacentes podem exigir um investimento de mais longo prazo, mas também onde o potencial é grande. Nesse caso, os três princípios se tornam ainda mais importantes.

A Claire’s Stores, varejista internacional líder em produtos especiais que oferece semijóias de preço acessível, acessórios e cosméticos para adolescentes e adultos jovens, teve sucesso ao se concentrar na expansão geográfica. Sediada nos Estados Unidos, ela tem um conceito de negócio básico que “visa as adolescentes com estilos de acessórios amplamente promovidos pela mídia”. A companhia não necessariamente conhecia muito sobre as adolescentes estrangeiras, mas ao comprar em série pequenas empresas locais, como a Bow Bangles, do Reino Unido, em 1996, adquiriu a clientela local e a experiência do canal que necessitava. A Claire’s começou uma bemsucedida expansão na Europa que incluiu Áustria, Suíça, Alemanha, França e Irlanda. Sua abordagem, segundo ela, “foi comprar uma rede de varejo com uma estrutura administrativa já existente, experiência de compra local e conhecimento dos costumes do lugar. A Claire’s Stores então converte as lojas adquiridas para o conceito da Claire’s Stores e aplica as melhores práticas da Claire’s Stores”. A estratégia de expansão da Claire’s foi um sucesso significativo. Entre 1989 e 2004, a companhia adquiriu lojas em toda a Europa. Sua expansão atualmente abrange mais de 700 lojas, e as vendas fora da América do Norte contribuem com 29% da receita total.

Meça a rentabilidade em toda a cadeia de valor

Certificar-se de que se pode ganhar um bom dinheiro em um mercado adjacente parece simples, mas não é. Em geral, a menos que sejam cuidadosos, os varejistas acabam ficando com um negócio menor. Considere a investida de um varejista de moda no mercado de roupas femininas de “tamanho grande”. Com base nos dados demográficos e nas tendências à obesidade, a empresa comprou uma rede de lojas voltada para esse setor, supondo que tinha entrado em um negócio próspero. Contudo, apesar do crescente número de clientes potenciais, surgiram diversos fatores limitantes. A companhia descobriu tardiamente que as clientes com peso acima da média compram roupas com freqüência muito menor do que as mulheres mais magras, e muitas não gostam de comprar em lojas que as rotulam de “grandes”. A rentabilidade de roupas de “tamanho grande” parecia estar diminuindo. Em contraposição, outro varejista decidiu aumentar os tamanhos das roupas, levando em consideração as silhuetas mais maduras. Ele fazia as mulheres maiores se sentirem menores. Oferecia também modelos e acessórios mais elegantes para mulheres grandes e suas lojas ficavam próximas a redes de roupas descoladas. Esse varejista efetivamente usou seu núcleo básico para abordar um pool de lucro novo e crescente nos Estados Unidos.

Determine exatamente de que tamanho você quer ser

Um mercado de varejo deve ser não apenas grande, mas também suficientemente aberto, de forma que os novatos possam colocar mais do que um dedão na porta. Os mercados com líderes claros e estabelecidos são difíceis de penetrar sem um fortíssimo valor de diferenciação para os clientes. Contudo, ser líder em um país não significa necessariamente ter participação importante em outra localidade. O líder evidente de leilões pela internet nos Estados Unidos, o eBay, aprendeu essa lição ao chegar ao Japão em 2000 para enfrentar um líder estabelecido. O Yahoo! Japan, o maior portal do país, já controlava 95% do mercado de leilão on-line. Nos dois anos seguintes, o eBay viu que aumentavam os problemas com sua política de preços e posicionamento –como vendedor de mercadoria usada, em vez de provedor de “itens colecionáveis”, tão ao gosto dos japoneses– e acabou abandonando o mercado no início de 2002.

Embora nossa análise tenha se concentrado em varejistas norte-americanos, detectamos tendência semelhante nas taxas de sucesso em negócios adjacentes na Europa e o mesmo pode se repetir em outras regiões do mundo. Constatamos que os varejistas que repetiram certo tipo de mercado adjacente venceram 23% das vezes, enquanto os novatos conseguiram só 5% –uma diferença de 18 pontos, que não deve ser ignorada. Em suma, a prática leva à perfeição.


Fonte: Bain & Company, traduzido e publicado no Brasil pela revista HSM Management

Sobre a autoria do estudo:

O estudo é de autoria de Michael Collins, sócio-gerente do escritório da Bain & Company em Chicago, Illinois, EUA, Marc-André Kamel, sócio do escritório de Paris, França, e Kristine Miller, sócia do escritório de São Francisco, Califórnia.