O marketing Pós Tesarac

Nessa entrevista de 2008, Walter Longo, Evangelista da maior agência de publicidade brasileira e empreendedor digital, afirma que o novo marketing se baseará no tripé “informação, interatividade e entretenimento”

Quem mora em São Paulo deve preparar-se. O caos de trânsito, poluição e violência na cidade vai piorar muito nos próximos anos e, depois, melhorará sensivelmente, quando os sobreviventes usufruirão as adaptações à nova realidade, como maior número de pessoas trabalhando remotamente, “via digital”. E o mesmo vai ocorrer com o mundo dos negócios.

Quando acabar o tesarac atual, período em que todos os paradigmas são questionados e modelos de negócio destruídos da noite para o dia, os sobreviventes usufruirão um mar de oportunidades. Quem faz essa comparação é Walter Longo, o evangelista da maior agência de publicidade brasileira, a Young & Rubicam.

“Evangelista”, termo ainda mais conhecido entre as empresas norte-americanas, designa um mentor de estratégia e inovação. Na prática, o que Longo faz é ajudar a Y&R e seus clientes a atravessar esse período de tesarac. O dito “Depois da tempestade vem a bonança” também deve valer para o tesarac, sim, ainda que não para todos.

A seguir, Longo faz uma reflexão sobre paradigmas de marketing emergentes. Certo de que a mensagem “Compre isso” está morrendo, ele projeta o que funcionará de agora em diante para atrair e reter a “atenção” dos clientes do século 21: o tripé informação–entretenimento– interatividade. Tudo passará por aí, garante, em entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes, editora executiva de HSM Management.

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Imagine que um empresário de sucesso nos anos 80 e 90 tenha ficado em coma nos primeiros anos desta década. De repente ele acorda e volta aos negócios. Ele logo perguntaria: “Que diabos está acontecendo no marketing?”. O que você responderia?

Eu diria que estamos vivendo um tesarac, palavra criada pelo escritor Shel Silverstein para descrever uma espécie de dobra na história, um momento em que se destroem os paradigmas –sociais, culturais, econômicos– e colocam-se outros no lugar. Enquanto o tesarac está ocorrendo, a sociedade mergulha no caos e na confusão, até que uma nova ordem a recomponha. A Renascença e a Revolução Industrial são dois exemplos de tesaracs anteriores.

No mundo business, os paradigmas de modelos de negócio em geral e especificamente de marketing – de como atrair e reter clientes – estão sendo profundamente questionados, daí a dificuldade desse empresário que acordou do coma. Falo de paradigmas como “o cliente tem sempre razão”, “promoção vende, propaganda cria imagem”, “mídia nova não mata mídia velha”, entre outros.

Hoje o cliente não sabe o que quer, porque não sabe tudo que pode querer. Hoje há promoções que criam imagem, como a do Club Jack Daniel’s, em que os participantes ganham um centímetro quadrado de posse na destilaria desse whisky. Hoje surgiu a internet, uma mídia que reúne as vantagens da mídia impressa –o fato de ser editável pelo cliente, ou seja, consumida no momento e da maneira que ele quiser, e de ser mais qualificada– e da eletrônica –o fato de ser instantânea e abrangente.

Até hoje um profissional de comunicação precisava escolher, conforme o objetivo do anunciante, entre abrangência e qualificação. Se quisesse alcançar milhões de pessoas com mensagens genéricas e impessoais, escolhia uma mídia abrangente como TV, rádio, jornal ou revista. Se quisesse falar com milhares de pessoas com um conteúdo mais específico, preferia as mídias segmentadas, como marketing direto, patrocínio de eventos etc. Era a chamada “escolha de Sofia” em mídia. Com a internet, dá para ser abrangente na primeira camada e específico na terceira. Então, talvez essa nova mídia quebre esse paradigma e reduza drasticamente a relevância dos demais.

A internet tem mais uma vantagem impensável em qualquer outra mídia. Só ela permite ter informação, comunicação e transação num mesmo veículo.

E isso é inédito na história da comunicação. Esse tripé também é a promessa da TV digital no futuro, que pode reanimar a TV…

Eu acho que a TV digital chegou dez anos atrasada ao Brasil para criar o hábito. Quando estão na frente da televisão, as pessoas preferem interagir com a geladeira. Já quando estão na frente do computador, elas gostam de interagir com ele e vêm aprendendo a fazer isso cada vez mais rápido.

E brasileiro tem muita experiência com caixa automático de banco… Os executivos que não estiveram em coma já entenderam essas mudanças de paradigma?

Há consciência, mas em graus variados. Acredito que as empresas anunciantes sejam as mais avançadas nessa conscientização, seguidas dos veículos de comunicação; as agências de publicidade, embora não todas, são as retardatárias do processo. Varia também a projeção que cada um faz em relação à entrada em vigor dos novos paradigmas. Alguns acham que isso é para já e outros crêem que podem esperar dez anos –e tentam retardar ao máximo a mudança para não sair de sua zona de conforto.

Mas acho que quase todos já entendem que mudou o problema principal do marketing, que não é mais chegar aos consumidores, e sim obter sua atenção. Isso faz, por exemplo, com que um anúncio veiculado na TV Globo dispute não só com o da TV Record, mas também com o DVD, o game e até o barzinho da esquina.

Você acha que é esse medo da mudança que está retardando a decolagem definitiva da publicidade na internet? Afinal de contas, apenas 2,8% do bolo publicitário total vai para a internet…

Pode ser um dos fatores, mas há outro: a grande maioria está tratando da internet apenas como uma mídia adicional, usando nela as mesmas premissas das mídias tradicionais. Por exemplo, estão criando banners, que são mini-outdoors invasivos, em vez de gerar novos formatos interativos. Ainda não existe, com raras e honrosas exceções, competência criativa para a internet. É um desperdício de potencial.

Como seriam os novos formatos publicitários para a internet? No que vocês apostam na Young & Rubicam, por exemplo?

Aqui nós apostamos na abordagem MVV, que junta publicidade –o M é de Madison Avenue, a meca das agências, em Nova York–, entretenimento –o V é de Vine Street, rua dos grandes estúdios de TV e cinema em Hollywood– e interatividade –o V é de Valley, Silicon Valley [Vale do Silício], coração de toda a tecnologia da internet. Tanto que no comando da Young temos Roberto Justus [CEO] e Marcos Quintela [COO, executivo-chefe de operações], muito ligados ao universo do entretenimento; Tomás Lorente, um dos ícones criativos da publicidade; e eu, que sou um especialista em inovação digital, representando a interatividade. Não dá mais para primeiro fazer a propaganda e depois ver o que acontece. A gente vai ter de pensar, desde o princípio, nas formas de conquistar a atenção do consumidor com base nesse tripé.

Você falou do Roberto Justus, que se tornou celebridade e, por isso, alvo das críticas de alguns. Ser celebridade é tão importante assim para o marketing?

Acho que sim. Para atuar nessas três áreas de maneira sinérgica, é preciso ter, mais que know-how, knowwho. E essa é uma enorme vantagem competitiva que possuímos.

Informação fica fora do MVV?

É justamente a parte da publicidade. A propaganda nasceu para informar pessoas e auxiliá-las em suas decisões de consumo. Com o passar do tempo, a mensagem foi ficando cada vez mais curta e a propaganda passou a ter as funções de posicionar marca, criar imagem, de lançar novidade, abandonando a função informativa.

A propaganda está trilhando um caminho cada vez mais minimalista com uma foto estourada, quase nenhum texto e o logo do cliente bem no cantinho, onde o goleiro não pega. Acontece que nós estamos inundados por dados e famintos por informação. Por isso, várias coisas vão ter de acontecer: primeiro, a propaganda, de alguma forma, vai ter que se integrar ao conteúdo. A segunda é o crescimento dos documercials e advertorials, respectivamente programas e artigos feitos por empresas para dar todas as informações sobre seus produtos. E a terceira coisa é a inclusão de conteúdo nos intervalos de TV, rádio, revista, financiada por anunciantes. A sinergia entre publicidade e conteúdo deve crescer muito.

Mas é importante dizer isso com todas as letras, jamais enganando o consumidor. Não é propaganda disfarçada de conteúdo; tem de deixar claro o emissor da mensagem. O que importa é a integração com o ambiente editorial em que o material será inserido. Nesse caso, o meio também é a mensagem.

Agora, também sou contra escrever “informe publicitário” em um anúncio informativo. É melhor colocar “Empresa Tal Apresenta”, porque o sujeito lê e pensa: “Se esse cara fez questão de colocar isso é porque não é verdadeira a informação”. Prejudica a marca e denigre a imagem do veículo que deixou publicar aquilo.

Quando você fala em interatividade, pensa em co-criação, em CGM (sigla em inglês de mídia gerada pelo consumidor)?

O CGM significa duas coisas: o consumidor criando mensagens e o consumidor como mídia. Eu acho que ambas as tendências vieram para ficar. Tem um modismo agora a impulsioná-las, mas é uma ferramenta para ocasiões muito especiais, ou, então, para as marcas denominadas Yoda Brands, como Apple ou Virgin, cujos clientes são realmente apaixonados e criativos.

Então, os perfis profissionais mais desejados nas empresas pós tesarac, ao menos na área de marketing, são esses três? O sujeito do entretenimento, o da informação e o da interatividade. É isso?

E tem um quarto tipo, particularmente difícil de se achar: o nexialista. O termo “nexialismo” foi criado na década de 50 pelo escritor Van Vogt no livro A Viagem do Space Beagle. A nave foi procurar vida em outros planetas e levou cientistas de várias áreas do conhecimento humano –psicólogo, paleontólogo, químico, físico, biólogo, matemático etc.– e mais o nexialista, que não era especialista em nada. Todas as vezes que havia um problema sério, que punha em risco a vida de todo mundo, a única pessoa que conseguia resolvê-lo era o nexialista, porque, não sendo especialista, sabia onde buscar as respostas para as questões e aparecia com soluções inéditas e integradas.

Howard Gardner, de Harvard, fala da mente sintetizadora…

Sim, é o integrador, capaz de promover a sinergia entre as várias áreas de determinado conhecimento para que tenham nexo.

E você vê esses profissionais disponíveis no mercado? Não faltam pessoas mais velhas reclamando da falta de foco dos jovens…

Estamos numa sociedade que padece de déficit de atenção, decorrência natural do paradoxo da escolha: toda vez que eu estou fazendo alguma coisa, sinto que deveria estar fazendo outras dez. Portanto, há uma tendência à distração. Mas não acho que não se consiga atenção. A geração de nativos da internet, que está chegando aos 30 anos e estará no poder nos próximos dez anos, é mesmo capaz de prestar atenção em cinco coisas ao mesmo tempo. E, se estiver interessada, fica horas; tem gente passando 12 horas no Orkut.

Ao definir esse tripé, parece-me que você está se opondo a uma linha de agências que se reposicionam como agências de comunicação. Ou muda só o nome?

Eu acho que agência de publicidade tem de parar de pensar apenas em comunicação e passar a pensar um pouco mais no negócio. A agência tem de ser parceira dos negócios do cliente e, para ajudá-lo a conquistar corações e mentes, deve trabalhar esse tripé. Agora, para acionar esse tripé, você precisa ter as pessoas certas. Não basta uma empresa de propaganda decidir no dia seguinte trabalhar com entretenimento interativo para conseguir fazer isso. Se ela tem só publicitários, sairá só publicidade.

Para trabalhar no universo MVV, a primeira coisa que a agência precisa ter é gente MVV. E também tem de alimentar o espírito MVV na organização, fazendo as pessoas vivenciá-lo. Para isso, temos aulas quinzenais de filosofia, gravamos programa de televisão interno, somos blogueiros, cultivamos uma série de ritos de passagem e liturgias. Fora o ambiente de trabalho: a Y&R foi recentemente a única agência de publicidade eleita uma das cem melhores empresas do Brasil para se trabalhar. Tem uma infinidade de benefícios criativos e personalizados. Só gente feliz produz um trabalho memorável.

Quando descreve esse ambiente, você me lembra do Google. É esse o modelo de ambiente empresarial pós-tesarac, a seu ver?

Visitei o Google em 2007. O que mais me marcou é o que eles chamam de exacerbação dos fringe benefits [benefícios indiretos]. Por exemplo, no campus do Google você tem vários restaurantes onde almoça ou janta a qualquer hora grátis e sem ter de preencher fichinha –e com todas as verduras sem agrotóxicos. Você pega qualquer bicicleta do campus e passeia. Quem quiser pode pedir US$ 5 mil de bônus para comprar um carro Toyota Prius, o carro híbrido movido por eletricidade e gasolina: você chega lá, pluga seu carro na tomada e à noite ele está carregado –com energia solar. Você dá sua roupa na lavanderia e eles lavam com produtos biodegradáveis. Você joga vôlei às três da tarde, leva seu cachorro para o trabalho, brinca de autorama, acampa.

Também me impressionou o espírito autêntico de coopetição, onde as pessoas cooperam e competem ao mesmo tempo. Elas desenvolvem um sistema de motivação e compensação cruzada que propicia esse ambiente “coopetitivo”. Não sei se esse é o modelo da empresa do futuro, mas certamente é uma experiência de vida única.

Voltando ao início do começo do princípio: como o tripé vem funcionando na Young?

Nós produzimos todo o entretenimento de bordo dos aviões da TAM, da publicidade à revista e à televisão. Cada prova de O Aprendiz [reality show comandado por Justus e com participação de Longo] envolve uma marca, um produto, e a gente desenvolve ações internas nos clientes sobre a participação deles no programa.

Fizemos um novo comercial para a cerveja NovaSchin, colocamos a música para baixar grátis na internet e houve 120 mil downloads. Dá para mensurar isso? Sim, embora nem sempre dê para quantificar.

Aliás, precisamos entender a diferença entre mensurar e quantificar. Comunicação é um negócio de envolvimento, é mais fazer amor do que sexo. Precisamos mensurar tudo, mas não necessariamente quantificar tudo.

A mensuração está, por exemplo, no fato de a Young ter a conta da Casas Bahia já há oito anos e com verba sempre crescente?

Acho que sim.

Você acha que a internet vai mesmo substituir as mídias tradicionais em sua eficiência?

Ela ainda não oferece a mesma eficiência, mas pode ser uma questão de tempo. O processo de substituição será cada vez mais rápido e maior. Será a mídia majoritária um dia. Os blogs e redes sociais vêm atraindo uma quantidade brutal de recursos de anunciantes, por exemplo.

Eram uma atividade pessoa física e agora estão se tornando uma atividade pessoa jurídica. Mas ainda não viraram uma mídia eficiente para propaganda, porque falta achar os formatos. O marketing mobile [móvel] está se tornando cada vez mais eficiente, à medida que avança e se dissemina a tecnologia. O iPhone, antes do 3G, já corresponde a metade do uso de internet móvel no Brasil, com apenas 300 mil aparelhos na praça. A possibilidade tecnológica aumenta o uso e a eficiência.

É importante dizer, no entanto, que não estou falando só da internet. Falo dela e de seus filhotes, outras mídias com igual capacidade de serem abrangentes e qualificadas ao mesmo tempo, como outernet, podcasting, advergames e outras. Todas elas são baseadas na internet, mas com o passar do tempo estão se fortalecendo e tomando o lugar de veículos tradicionais. Já são as mídias que mais crescem hoje em receita [entre 45% e 80% ao ano, ante 5% a 10% da mídia convencional].

Vamos falar um pouco, então, das mídias emergentes e das que você vê no horizonte…

Tem a outernet, que são essas telas de plasma colocadas em ambientes de espera forçada como elevadores e check-outs de supermercado no Brasil inteiro. Ela permite que eu faça uma propaganda de um automóvel em todo o País, mas que em cada ponto eu inclua o endereço da revenda mais próxima. O podcasting tem a mesma capacidade, mas por uma razão diferente: se eu quisesse hoje fazer numa rádio AM um programa sobre tartarugas às oito da manhã na segunda-feira, provavelmente teria uma centena de ouvintes. No entanto, há talvez 120 mil pessoas que criam tartaruga neste País e, se o podcast ficar disponibilizado na internet, provavelmente 50 mil vão ouvir o programa –uma vai ouvir na terça-feira à tarde no iPod dela, outra vai ouvir no computador dela na quinta de manhã, outra vai gravar em CD e ouvir no carro no sábado durante a viagem.

Seus custos são atraentes?

Por se tratar de mídias muito novas, ainda não possuem preço médio. Depende de fatores que vão de formato de distribuição a valores de produção e target visado. Um podcast semanal costuma custar de R$ 10 mil a R$ 20 mil mensais. Cada tela de outernet instalada em elevadores ou shoppings tem custo semanal médio de R$ 85 –para quase 2 mil inserções de 15 segundos no período.

O crescimento das novas mídias no Brasil é similar ao que ocorre em outros mercados?

Como elas começaram mais tarde no Brasil, lá fora estão mais disseminadas. Mas estão crescendo aqui no mesmo ritmo que no exterior, sim [o investimento publicitário na internet cresceu 45% em 2007 em relação a 2006, segundo pesquisa Inter-Meios, ante 9% da média de crescimento do mercado em geral]. Isso tem a ver principalmente com o acesso das pessoas às tecnologias.

Três anos atrás muita gente não possuía celular com MP3 e, então, não podia ouvir um podcast no celular, mas hoje é enorme a quantidade de celulares com MP3 lançados. O mesmo vale para o MP3 no carro, presente nos novos modelos. Alguns gostam de comparar nossa internet com a dos Estados Unidos, argumentando que aqui a penetração é muito menor.

Se olharmos apenas os números, de fato, a internet está presente em 20% ou 25% dos lares brasileiros, ante 60% dos lares americanos. Mas não podemos esquecer que o que importa sob a ótica do anunciante é o potencial de consumo e, como esses 20% da população com internet respondem por 60% do consumo de tudo que é anunciado neste País –fruto de uma distribuição de renda obscenamente desigual–, já temos uma “penetração” em pé de igualdade com a verificada nos Estados Unidos.

E o celular com MP3 vem se espalhando inclusive pelas classes mais baixas, assim como os computadores crescem na classe C –e esta se expande…

Sim, é muito importante observar isso. Mas é importante também comentar duas características dos brasileiros. Embora sejamos um povo muito inovador e “adotador” de novas tendências –o que explica a presença de lan houses em favelas, por exemplo–, também somos monotemáticos. Em esportes, a gente só pensa em futebol. Em lazer, em TV. E por aí vai. Talvez a internet entre rapidamente nos lares porque ela parece uma televisão, mas não se sabe. Um fato concreto é que 2007 foi o primeiro ano em que se venderam mais computadores do que aparelhos de televisão –foram cerca de 10,5 milhões de máquinas.

Não dá para se basear só na pesquisa de usuários ativos residenciais, dá? Existem 22 milhões de lares com acesso a internet, mas são contabilizados 40 milhões de internautas, porque há os que navegam em lan houses…

Sim. E os que acessam no trabalho. De qualquer modo, precisamos prestar atenção na disputa entre as duas características do povo brasileiro –inovador e monotemático–, pois é daí que sairá o caldo de cultura do futuro.

E as pesquisas de mercado conseguem acompanhar esse tesarac?

Elas vão ter de acelerar para correr atrás do atraso. A pesquisa tradicional está, como os meios de comunicação tradicionais, perdendo relevância. Mas já tenho visto outros formatos muito interessantes e inovadores que geram insights valiosos.

Um levantamento recente da McKinsey, realizado com executivos de marketing do mundo inteiro, revelou que 11% das empresas esperam estar investindo, em 2010, a maior parte de seu orçamento publicitário em meios on-line, tanto em sites convencionais como blogs, games on-line, podcasts, redes sociais, mundos virtuais, wikis etc. Parece muito, não? Faz sentido para você?

Totalmente, e eu diria que se fossem entrevistados apenas executivos brasileiros, essa porcentagem poderia ser ainda mais alta, porque os executivos sabem que o brasileiro é o povo que mais horas mensais navega na internet. Embora falte pouco mais de um ano para 2010, lembre que estamos vivendo um tesarac, onde os crescimentos são exponenciais. Em vez de pensarmos em progressão aritmética –2, 4, 6, 8–, temos de pensar em progressão geométrica –2, 4, 8, 16. O link patrocinado já mostra eficiência de modo geral, pela sincronicidade que proporciona e pelo fato de o anunciante só pagar pelo consumidor interessado.

Agora, entre o que esses executivos falam e como agem há uma diferença. Eles temem correr o risco do ineditismo e se preocupam em trabalhar de maneira segura. Então, na hora de decidir transferir o dinheiro da TV para a internet, as pessoas podem hesitar. Ou seja, isso vai ocorrer, mas não se sabe quando nem como –se num softlanding ou num hardlanding [aterrissagem suave ou brusca].

Você arrisca um palpite sobre como isso pode acontecer?

Acho que na hora em que cinco ou dez grandes anunciantes fizerem seu dinheiro migrar para o meio digital, haverá uma corrida para o digital. Mas não será nem a catástrofe de que os “profetas do apocalipse” falam, nem vai demorar tanto como querem crer os mais tranqüilos. Talvez varie conforme a atividade; algumas áreas serão pegas de surpresa, como aconteceu com os mercados de CDs, livros e agências de turismo –nesses casos, ninguém esperava uma mudança tão radical.

No Brasil, particularmente, enfrentaremos um desafio imenso nessa mudança: a falta de mão-de-obra. Tem muita gente entrando no setor, mas poucos talentos.

Você falou na preocupação do executivo em trabalhar de maneira segura. Trata-se de um tipo de profissional conservador por definição, em sua opinião?

Infelizmente – e há raras e honrosas exceções ao que vou dizer –, organizações do mundo inteiro trocaram os homens “do” negócio, que as comandavam, por homens “de” negócio. Até pouco tempo atrás, se o sujeito fazia revista, ele era revisteiro; se fazia bicicleta, era um bicicleteiro, e assim por diante. Aí chegaram os “executivos de carreira”, pessoas preocupadas com seu bônus e com Wall Street. Esses executivos de agenda própria não se comprometem com a empresa no longo prazo, porque dali a dois anos estarão fazendo outra coisa. Então, eles têm uma visão de resultados de curto prazo, porque não querem arriscar seus bônus. Eles pensam coisas como “vou tentar arrancar a pele do fornecedor para gastar menos porque com isso terei um resultado melhor”, mas nunca pensam em mudar parâmetros, porque, “se der errado, eu fiz o que sempre se fez”. Só que, na minha opinião, o que eles fazem é conservador quanto ao curto prazo, mas muito mais arriscado no que diz respeito ao destino da empresa.

Infelizmente há uma confusão e as pessoas acham que você não precisa agir estrategicamente no curto prazo, porque estratégia teria a ver apenas com longo prazo. O resultado da confusão é que muitas organizações hoje são comandadas por táticos que só pensam nos números de curto prazo, que chamamos de homens do “matemarketing”.

Como mudar essa mentalidade?

É preciso ter novamente pessoas “amadoras” no sentido de amarem o que fazem. Elas é que conseguirão quebrar paradigmas, o que requer duas coisas: coragem e visão de longo prazo. Gerimos as empresas mais preocupados com o fim do mês do que com o fim do mundo. Essa visão até se justificava no Brasil na época em que a inflação era de 80% ao mês, mas hoje não. E a principal culpa por isso é das escolas de administração, que continuam formando executivos para resolver problemas, quando precisamos de executivos para criar problemas e, depois, liderar a busca de soluções.

Esse temor é um fenômeno mundial e parece irreversível, pelo menos no curto prazo…

Sim, sem dúvida. O mundo inteiro se acovardou. Se você pensa nas décadas de 60 e 70, o homem ia para a Lua. Hoje ninguém mais se arrisca. Parece que a aventura humana chegou ao fim, né? Agora se pensa assim: em vez de eu fazer uma obra grandiosa, vou construir tantas casas populares. Estou apenas constatando, sem pensar no que é politicamente correto, que o mundo é guiado hoje por uma visão utilitarista, em vez do empreendedorismo de antigamente. E eu me pergunto: o que nós estamos construindo para que as pessoas admirem daqui a 500 anos? Com exceção de Dubai [veja página 108], eu não tenho visto mais nada acontecendo no mundo. E isso caberia a governos e a empresas.

Falando em responsabilidade empresarial, incentivar o consumo num momento em que se percebeu a gravidade das agressões ao meio ambiente não pode ser considerado irresponsável? Você trabalha com o cenário “redução de consumo”?

O consumo não precisa baixar. Acho injusto dizer “pare de consumir” para as pessoas que estão começando a fazê-lo agora. O que precisamos fazer é reduzir o desastre promovido pelo consumo, com a ajuda da tecnologia.

o Entrevistado: WALTER LONGO

Mentor de estratégia e inovação do Grupo Newcomm – holding formada pela associação de Roberto Justus e do Grupo WPP –, além de vice-presidente de planejamento da Young & Rubicam, Walter Longo talvez se definisse em primeiro lugar como um “imigrante”, alguém que nasceu na era analógica e migrou para a era digital. Afinal, é esse movimento que lhe vem dando a direção profissional atualmente, como evangelista do grupo publicitário ao qual pertence e seu “pé” interativo.

Malcolm Gladwell, autor de Blink, tenderia a defini-lo também como conector, um dos profissionais mais necessários a qualquer negócio atual, cuja grande habilidade reside no poder social. Navegando no Brasil e no exterior por diversos setores, Longo parece estar sempre a colher insights, processá-los e formatá-los em imagens fortes, facilmente compreensíveis por todos – como convém a um grande publicitário.

Empresários e executivos prefeririam defini-lo, talvez, como empreendedor, dado o número de empreendimentos próprios que ele possui, o que só é possível, provavelmente, graças a uma rotina de poucas horas de sono por dia e a um apetite por risco. A massa dos espectadores de televisão o definiriam como o homem de O Aprendiz, o reality show da TV Record comandado por Roberto Justus, que costuma registrar elevados índices de audiência e que tanto estimula o empreendedorismo no Brasil. Longo ajuda Justus a decidir quem vai ser demitido. Quando o programa está em uma de suas temporadas na TV, até autógrafos Longo distribui.

E os internautas? Estes não hesitariam em reconhecer Longo como um colega blogueiro, por seus posts no Update or Die, que sempre trazem novidades, como a da walkstation, estação de trabalho associada a uma esteira ergométrica. Essas múltiplas facetas se explicam quando observamos o histórico desse publicitário. Entre outras funções, Longo foi presidente no Brasil da Wunderman, agência especializada em marketing direto e de relacionamento; presidente da TVA, empresa de TV por assinatura do Grupo Abril em sua fase pioneira de lançamento e consolidação; sócio-fundador da primeira agência de advertainment da América Latina, a Synapsys; Já viveu na ponte aérea Caracas–Los Angeles quando montou uma empresa de eventos corporativos. Encontrou tempo até para escrever um livro –Tudo que Você Queria Saber sobre Propaganda e Ninguém Teve Paciência de Explicar (ed. Atlas)– e prepara o segundo, sobre “nexo”.


Fonte: Revista HSM Management