Furando a bolha das marcas

A maioria das marcas voltadas aos consumidores não está criando valor. As exceções possuem em comum um conjunto de qualidades “energizadoras” que as empresas podem identificar e explorar, como analisam os especialistas em branding John Gerzema, da Young & Rubicam, e Ed Lebar, da BrandAsset Consulting.   

Muitas empresas que atuam no mercado de consumo de massa, oferecendo produtos e serviços, enfrentam um sério dilema, que não tem relação com os efeitos da crise econômica mundial mais recente. Nos últimos cinco anos, as fórmulas comprovadas para impulsionar as vendas e aumentar a participação de mercado têm se tornado cada vez mais irrelevantes. Em todos os lugares, o valor agregado que as marcas proporcionam ao consumidor está caindo e esse declínio começou muito antes da derrubada das bolsas de valores. Chegamos a essa conclusão após pesquisas exaustivas sobre as marcas.

Percebemos, desde meados de 2004, tendências importantes, como a mudança de atitude do consumidor em relação aos tipos e aos segmentos de marcas. Em todos os setores –do de aviação ao automobilístico, passando pelos de bebidas, companhias de seguro, turismo e varejo– constatamos queda significativa nos principais indicadores de valor de marca, como percepção do tipo top of mind, confiança e admiração.

Muitas marcas não estavam aumentando o valor intangível da empresa como costumavam fazer. Em vez disso, grande parte delas parece estar marcando passo no mercado. No entanto, outra pesquisa que realizamos sobre o desempenho financeiro de empresas voltadas para o mercado de consumo revelou que as marcas estavam criando mais e mais valor para as companhias e seus acionistas.

A evidência disso estava no preço crescente das ações, impulsionado pelo valor intangível que os mercados acionários estavam implicitamente atribuindo às marcas. Mesmo depois do colapso das bolsas de valores no final de 2008, nossos estudos demonstraram que o valor da marca ainda representa cerca de um terço do valor da empresa no mercado acionário.

Analisando todos os dados juntos, descobrimos que havia um aumento do valor que os mercados financeiros atribuem às marcas, mas esse crescimento as beneficia cada vez menos.

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Para gigantes como Google, Apple e Nike, o valor da marca continua aumentando fortemente, mas a quantidade de casos de alto desempenho, de marcas criadoras de valor como essas, tem diminuído em todos os setores.

Ao mesmo tempo, o valor real criado pela vasta maioria das marcas está estagnado ou em franco declínio. Esse descompasso entre o comportamento dos consumidores em relação às marcas e o valor de mercado das empresas é a receita do desastre em dois níveis.

No plano macroeconômico, significa que o preço das ações da maioria das empresas voltadas para o mercado de consumo está sobrevalorizado: há uma “bolha de marca”. Uma vez que ela murche, ou pior, estoure, pode afetar o mercado acionário em todo o mundo. Para os líderes das organizações, esse descompasso indica um sério e contínuo problema de gestão da marca.

O que as empresas podem fazer para assegurar que suas marcas não estão entre as perdedoras? Nossa pesquisa revelou que as marcas mais bem-sucedidas atualmente –entre elas Adidas, iPhone, Pixar e Wikipedia– soam para os consumidores de uma forma especial: transmitem entusiasmo, dinamismo e criatividade de um modo que a grande maioria das marcas não consegue fazer.

Chamamos essa qualidade de “diferenciação energizadora” e conseguimos identificar, entre muitos atributos de marca, os indicadores que medem essa qualidade.

As marcas despencam

Para avaliar como as marcas afetam o desempenho financeiro, presente e futuro, das empresas, comparamos nossas bases de dados de marcas com 15 anos de dados financeiros, fornecidos pela Compustat da Standard & Poor e pelo Center for Research in Security Prices, da University of Chicago, que estuda um universo específico de 900 “monomarcas” multinacionais.

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Essas empresas apostam seu prestígio em uma marca única e poderosa, da qual provém 80% de seu faturamento. Entre elas estão Intel, McDonald’s e Microsoft. Apesar de a valorização das marcas nas bolsas de valores ter sido crescente desde que iniciamos nossa coleta de dados, o índice de confiabilidade nas marcas caiu mais de 50%; o de percepção de qualidade, 24%; o de conhecimento das marcas, 20%; e o de estima e consideração, 12%.

Vimos milhares de marcas respeitadas com notas tão baixas nesses quesitos que se poderia dizer que os consumidores as conheciam bem, mas não se sentiam inspirados para comprá-las.

Era o caso de marcas famosas nos Estados Unidos como Century 21, Alpo e Prudential, ligadas respectivamente a corretagem imobiliária, ração para cachorros, e seguros e previdência privada. A discrepância nos intrigava. Esperávamos encontrar uma correlação positiva entre valor de mercado e métricas tradicionais de desempenho e vendas. Em vez disso, encontramos uma correlação negativa.

A pergunta a ser respondida, portanto, era: o que está causando tal deterioração? Por que os consumidores perderam confiança nas marcas e respeito por elas? O que os gestores deveriam fazer sobre a queda dos indicadores de desempenho e vendas, os mais significativos para o futuro das marcas? A questão é complexa; são diversos os fatores que sugam a percepção sobre as marcas entre os consumidores.

Acreditamos, no entanto, que o problema possa ser sintetizado em três causas fundamentais, que vêm reduzindo o desejo dos consumidores pelas marcas, e cada uma delas intensifica as demais. Embora nenhum desses fenômenos seja novo, nunca haviam aparecido de forma simultânea e com tanta intensidade:

Causa nº 1 – Quantidade excessiva.

Há uma nova realidade com a qual as empresas deparam: o mundo foi inundado por marcas e está mais difícil para os consumidores avaliar as diferenças entre elas. Em 2006, o Patent and Trademark Office, instituto de propriedade industrial dos Estados Unidos, registrou 196,4 mil novos produtos, 100 mil acima do que fora registrado em 1990. Um supermercado médio hoje conta com 30 mil marcas diferentes, três vezes mais do que há 30 anos. A globalização e a concorrência crescente contribuem ainda mais para o grande número de marcas.

Causa nº 2 – Falta de criatividade.

Em um mundo com Hulu, YouTube e Twitter, os consumidores estão constantemente expostos a conteúdos brilhantes e podem compartilhá-los. O resultado é o aumento do “coeficiente de criatividade” do consumidor, que espera sempre grandes ideias das marcas e que venham rapidamente.

Causa nº 3 – Perda de confiança.

Hoje o grau de confiança que os consumidores depositam nas marcas é muito pequeno em comparação com 10 anos atrás. A fé da sociedade nas instituições, nas empresas e nos líderes foi seriamente afetada pelos escândalos políticos e corporativos. Para enfrentar esses problemas, não adianta voltar aos velhos métodos de marketing e esperar melhores resultados.

Anatomia da diferenciação energizadora

Em nossos estudos, observamos que os consumidores concentram sua paixão, devoção e poder de compra em um conjunto de marcas cada vez menor. Constatamos, portanto, uma correlação entre essas marcas bem-sucedidas e um conjunto de indicadores inter-relacionados que se somam para oferecer ao consumidor uma experiência mais emocionante, dinâmica e criativa. Em outras palavras, uma experiência que reflete a energia da marca. Três fatores contribuem para essa energia:

  • A visão que a marca apresenta aos consumidores, geralmente proveniente da liderança, dos valores e do prestígio da empresa que está por trás dela.
  • O grau de inventividade que os consumidores percebem na marca, por meio da inovação, do design e do conteúdo dos produtos ou serviços.
  • O dinamismo que o consumidor sente na marca, ou seja, como esta cria sua imagem, como gera emoção e lealdade e como evangeliza os consumidores por meio do marketing e outras formas de diálogo com as pessoas.

Entre as marcas bem posicionadas de acordo com nossos indicadores de energia estão Adidas, iPhone, Nike e Microsoft.

Os dados revelam que a energia não é uma função da maturidade da marca: muitas das estabelecidas possuem tanta energia quanto as mais jovens. McDonald’s e Walmart, por exemplo, demonstram muita energia. Esse fator desempenha papel particularmente importante nos setores de atividade comoditizados, em que as marcas têm de lutar muito para desenvolver atributos como lealdade.

Entre as linhas aéreas comerciais, as de maior energia são Southwest, JetBlue e Virgin Atlantic, que estabelecem relações mais leais que as tradicionais British Airways e Delta.

Ao analisar 48 diferentes atributos de marca, para isolar os indicadores que captam melhor a energia, encontramos explicações para a anomalia que havíamos descoberto e também uma forma de os gestores de marca serem bem-sucedidos no enfrentamento do atual ambiente em constante transformação.

Agora sabemos, e podemos demonstrar, que a energia é o que mantém as marcas em constante movimento e que é fundamental para assegurar o apelo, a lealdade e o sucesso entre os consumidores. Nosso “avaliador do ativo da marca” (BAV, na sigla em inglês) é um modelo empírico que desenvolvemos a partir de nossa base de dados com informações de pesquisas com consumidores.

O BAV é composto por duas categorias de indicadores. A reputação da marca capta o que ela conseguiu até a época da pesquisa. Inclui parâmetros como estima (percepções de qualidade e lealdade) e conhecimento (conhecimento da marca e experiência com ela). Isso reflete a posição atual no mercado e seu valor; é um indicador de resultado: tende a ser afetado depois que a marca muda.

A força da marca mede o potencial de crescimento da marca. Inclui sua relevância (percepção dos consumidores sobre quanto a marca é adequada para eles) e sua diferenciação (percepção dos consumidores sobre o significado único da marca para eles). A força reflete o valor futuro e é um indicador de tendência, um sinal precoce e visível da mudança.

Uma vez identificados os atributos e a importância da energia da marca, descobrimos que esta possui estreita correlação com a diferenciação, e combinamos tudo em um indicador conjunto de diferenciação energizadora.

O impacto dessa diferenciação energizadora sobre a relevância que se atribui a uma marca é extremamente importante. E vale lembrar que, se não tem relevância, a marca pode ser esquecida, mesmo se destacando por sua energia, porque não tem significado para os consumidores.

A relevância é o caminho para um sentimento de consideração forte, para a tendência a experimentar, para a preferência. Em outras palavras, a relevância é o caminho para conquistar uma fatia dos gastos do consumidor.

O indicador da diferenciação energizadora estabelece um vínculo direto entre o ímpeto e a criatividade da marca, os ganhos financeiros e o desempenho no mercado acionário. Exemplos de marcas com grande diferenciação energizadora são Amazon, Axe, Facebook, Innocent, Ikea, Land Rover, LG, Lego, Tata Nano, Twitter, Whole Foods e Zappos.

logotipo logomarca amazon

Dada a importância desse aspecto para determinar a força geral da marca, é útil analisar detalhadamente seus componentes. A diferenciação não representa apenas o ponto em que a marca se distingue das demais, mas também cria margem e vantagem competitiva. A diferenciação se constrói a partir da forma como os consumidores percebem três atributos: a oferta (características especiais de produtos, serviços e outros conteúdos), a natureza única (essência, posicionamento e brand equity) e a distinção (a reputação que a marca ganhou por meio da publicidade e imagem criada até hoje).

Mas a energia está onde há ação. Reflete a percepção do consumidor sobre o movimento e a direção da marca. As com elevada energia criam uma sensação constante de interesse e entusiasmo, e as pessoas sentem que elas respondem melhor a suas necessidades.

Encontramos um padrão definido nas marcas energizadas: quanto mais energia, maiores a consideração e a lealdade do consumidor, maiores o poder da empresa para fixar preços e o valor da marca. Os três grupos de atributos que compõem a energia são os seguintes:

1. Visão

As marcas com visão possuem uma direção e um ponto de vista claros sobre o mundo. Elas mostram a que vieram. Algumas prometem mudar a forma de pensar das pessoas; outras buscam modificar as expectativas sobre a maneira de fazer as coisas. Essas marcas inspiram os consumidores para que se juntem a sua visão e, com isso, entram em novas categorias e criam outros significados.

A reputação da empresa-mãe pode desempenhar papel significativo no direcionamento da visão da marca:

Como ela atua e se comporta em relação aos clientes, aos funcionários e ao mundo que está além das fronteiras de seu negócio?

  • É um bom lugar para trabalhar?
  • Está preocupada com os problemas sociais?
  • Possui uma cultura única e forte?

Numa sociedade transparente, os consumidores não separam a percepção sobre a marca dos valores e da conduta da empresa. Entre as empresas que pontuam muito bem no quesito visão estão General Electric, Walmart e Toyota, líderes em seus setores quanto à economia de energia; Southwest Airlines, que diz “os funcionários são nossos primeiros clientes” e leva a sério isso [veja entrevista na página 8]; Ikea, considerada uma das empresas mais éticas do mundo em 2007, pela forma de tratar os funcionários e pelas ações em favor das questões ambientais e dos cuidados com as crianças; e Subway, que inventou uma categoria de restaurantes fast-food baseada em comida rápida e saudável.

2. Inventividade

As marcas muito bem classificadas nesse atributo mudam a forma como as pessoas se sentem e se comportam. Como o elemento mais funcional da energia, a inventividade é desenvolvida com base em associações sensoriais e táteis, provenientes das experiências com o produto ou serviço, além de outras interações físicas com a marca.

Pode ser traduzida por meio da inovação, da iconografia, do design da embalagem, da tecnologia utilizada, do ambiente do varejo e do serviço ao cliente. A inventividade da marca nunca pode ser estática. Requer compromisso com a inovação constante, excelência nos serviços e novas formas de experiência da marca. Entre as empresas com forte inventividade estão:

  • W Hotels, que oferecem a seus hóspedes conexão Wi-Fi no lobby;
  • Diane von Furstenberg, com seus “kits de emergência para estar na moda”;
  • Bliss Spa, com sua linha completa de produtos de beleza;
  • Zappos, que se destaca no serviço ao cliente;
  • Nike e Apple, que se juntaram para criar o Nike+, tecnologia que permite transferir dados sobre exercícios físicos do tênis para um iPod Nano;
  • Kidfresh, que lançou comidas rápidas nutritivas para as crianças com apresentação e embalagem divertidas.

3. Dinamismo

As marcas dinâmicas despertam entusiasmo no mercado pela forma como se apresentam aos consumidores. Dos três componentes da energia, o dinamismo é o mais emocional e visível. Reflete a capacidade da marca de motivar a afinidade do consumidor.

Tradicionalmente, é o resultado de uma grande campanha publicitária, de um evento de marketing de guerrilha ou muito visível no mercado; produz uma imagem, percepção de comunidade e evangelização dos clientes, além de gerar boca a boca. Exemplos de marcas dinâmicas:

  • Harley- Davidson, com seus eventos para motoqueiros;
  • Twitter, que converteu as mensagens de texto em rede social;
  • Design Barcode, de Tóquio, que patenteou sua ideia de transformar os códigos de barra dos produtos em formas de comunicação visual.

Indicadores em funcionamento

Se representarmos graficamente os indicadores de força e reputação de uma marca, teremos um panorama preciso e integral de seu desempenho futuro. Quando uma marca gera muita energia, torna-se irresistível, qualidade que leva a maior preferência e uso, o que, por sua vez, faz com que atraia novos usuários.

  • Construa uma empresa impulsionada pela energia

Agora sabemos que as marcas que prosperam se diferenciam das demais por sua energia. Por meio de nosso modelo de cinco passos, sua empresa também pode desenvolver uma marca irresistível.

1. Realize uma “auditoria de energia” na marca. O objetivo é identificar as fontes de energia atuais, assim como o nível de energia, para que possa entender as forças e as fraquezas da marca, e detectar o grau de alinhamento da gestão da marca com as dinâmicas do novo mercado.

2. Faça da marca o princípio organizador de seu negócio. Encontre um conceito essencial sobre a marca que todos aceitem. A esse processo chamamos “construção do núcleo energético”, e ele deveria ser o filtro a partir do qual são definidos os produtos, os serviços e a comunicação. Um núcleo forte permite segmentar os clientes de acordo com seu comportamento e os valores e reorganizar produtos e serviços levando em consideração o conhecimento e as necessidades emocionais mais profundas do cliente.

3. Crie uma cadeia de valor de alta energia. Os objetivos organizacionais em relação à marca devem se tornar algo real para todos; cada participante precisa entender como suas ações alimentam o nível de energia da marca e seu núcleo. Esse processo começa na cúpula da organização e se estende a todos os níveis.

4. Torne-se uma organização impulsionada pela energia. Os gestores devem se concentrar, em seguida, em formalizar essa forma de trabalhar por toda a empresa. Os grupos de interesse devem transferir seus esforços e sua paixão para as unidades funcionais e de negócios.

5. Crie um ciclo virtuoso de reinvenção constante. A etapa final consiste em garantir que a organização e sua marca estejam em estado de renovação constante. Atentas às mudanças nas percepções e valores dos consumidores, as empresas podem contribuir para a sobrevivência de suas marcas e até para que elas se tornem irresistíveis.


Fontes: Revista HSM Management & Strategy+Business – John Gerzema ocupa o cargo de chief insights officer (principal responsável por insights) da Young & Rubicam, parte do WPP Group. Entre as marcas mundiais que passaram por suas mãos estão Coca-Cola, McDonald’s, Microsoft, SABMiller, Nikon e Sony.
Ed Lebar é CEO da firma de consultoria Brand Asset e supervisiona a área de estratégia e pesquisa de marcas da Y&R. Este artigo reúne os highlights do livro A Bolha das Marcas (ed. Campus/Elsevier), que os dois escreveram em coautoria com Peter Stringham.