Esforços de marketing em tempos de crise

Em virtude dos ciclos econômicos, sempre haverá períodos de crise, como o de 2008-2010, em muitas partes do mundo. Apesar da redução nos investimentos de marketing e uma pressão intensa para justificar a relação custo-benefício, algumas empresas sobreviveram — ou até prosperaram — em tempos de recessão. Veja a seguir cinco diretrizes para aumentar as chances de sucesso diante de uma crise econômica.  

Explore a vantagem de aumentar o investimento

Será que compensa investir durante uma recessão? Embora a gravidade da crise recente tenha levado as empresas a um território desconhecido, 40 anos de evidências indicam que aquelas que se dispuseram a investir durante uma recessão conseguiram, em média, melhores resultados se comparadas com outras que optaram pela retração.

O valor do investimento não é o único fator a se considerar. As empresas que extraíram o maior benefício do aumento dos investimentos de marketing durante um período de recessão foram frequentemente aquelas mais capacitadas a explorar uma vantagem competitiva, como um novo produto atrativo, um rival debilitado ou o desenvolvimento de um mercado-alvo negligenciado.

Diante de evidências tão fortes, os profissionais de marketing devem considerar a vantagem potencial e o retorno positivo de um investimento maior para tirar proveito das oportunidades de mercado. As duas empresas apresentadas a seguir tomaram tal decisão.

No ano fiscal de 2009, a General Mills aumentou os gastos de marketing em 16 por cento, aumentou a receita em 8 por cento, atingindo a marca dos US$ 14,7 bilhões, e aumentou seu lucro operacional em 4 por cento. Como o CEO da empresa, Ken Powell, explicou: “Em um cenário no qual os consumidores vão ao supermercado com mais frequência e pensam mais em refeições feitas em casa, acreditamos que existe uma grande oportunidade de construção da marca, de lembrar os consumidores da existência de nossos produtos”.

A gigante do ramo de supermercados no Reino Unido, Sainsbury’s, lançou uma propaganda e uma campanha nos pontos de venda com o tema “Feed your family for a fiver” (“Alimente sua família com uma nota de cinco libras”), que substituiu seu slogan corporativo “Try something new today” (“Experimente algo novo hoje”), para induzir os consumidores a experimentar novas receitas que alimentassem toda a família por apenas £ 5.

Aproxime-se dos clientes

Em tempos difíceis, os consumidores provavelmente mudarão aquilo que desejam e podem pagar, onde e como compram e até mesmo o que querem ver e ouvir sobre uma empresa. Uma crise deve ser encarada pelos profissionais de marketing como uma oportunidade de aprender ainda mais sobre o que os consumidores pensam, sentem e fazem, especialmente a base de clientes fiéis que gera grande parte da rentabilidade de uma marca.

As empresas devem caracterizar quaisquer mudanças como ajustes temporários em vez de alterações permanentes. Ao explicar por que é importante olhar para a frente durante uma recessão, o CEO da Eaton, Alex Cutler, observou: “É um momento em que as empresas não devem pressupor que o futuro será como o passado. E eu me refiro a praticamente todas as dimensões, seja ela crescimento econômico, propostas de valor ou nível de regulamentação e envolvimento governamental”.

No pico — ou fundo — de uma recessão, uma pesquisa da Booz & Company feita em 1.000 domicílios nos Estados Unidos constatou que 43 por cento estavam comendo mais em casa e 25 por cento estavam cortando gastos com hobbies e atividades esportivas. Em ambos os casos, os entrevistados disseram que provavelmente continuariam a fazer isso depois que a economia melhorasse.

Com a confiança do consumidor atingindo seu nível mais baixo em décadas, o comportamento de gasto mudou de muitas maneiras. Como um analista de varejo comentou: “As mães que costumavam comprar uma marca de shampoo para cada membro da família passaram a comprar uma embalagem grande de uma marca barata”.

O potencial de valor e rentabilidade de alguns consumidores-alvo pode mudar. Os profissionais de marketing devem avaliar esse fator para afinar seu plano de marketing e capitalizar novas oportunidades.

Após perseguir, sem sucesso, o público de vinte e poucos anos com roupas mais modernas, a Old Navy redirecionou sua mensagem para mães com orçamento restrito que fazem compras para si e para a família.

Revise a alocação orçamentária

Alocações orçamentárias podem ser aderentes e não mudar o bastante para refletir a fluidez de um ambiente de marketing. Temos visto repetidas vezes que a vasta penetração da Internet, a melhor funcionalidade dos celulares e a importância cada vez maior de eventos, experiências e emoções como oportunidades de marketing mudaram drasticamente o cenário das comunicações e dos canais de marketing em apenas cinco anos.

Uma recessão representa uma oportunidade para que os profissionais de marketing acompanhem de perto o quanto e de que maneira eles estão gastando sua verba. Realocações orçamentárias podem abrir novas opções promissoras e eliminar abordagens de “vaca sagrada” que já não oferecem benefícios suficientes de receita. Distribuidores de baixo desempenho podem ser eliminados, e incentivos podem ser oferecidos para motivar os vendedores mais eficazes. Comunicações de marketing permitem muita experimentação.

Em Londres, a T-Mobile criou “acontecimentos” espontâneos, em larga escala e interativos para transmitir seu posicionamento de marca “Life’s for Sharing” (“A vida é para ser compartilhada”) e gerar publicidade maciça. Seu vídeo Dance, com 400 bailarinos fazendo toda a estação de metrô Liverpool dançar, foi acessado milhões de vezes no YouTube. Empresas tão diversas quanto a imobiliária Century 21 e a hamburgueria gourmet Red Robin aumentaram suas atividades de marketing na Internet durante a recessão.

Os 120 mil atendimentos dentários nos Estados Unidos não ficaram imunes à crise econômica, pois os pacientes optaram por adiar o tratamento dentário e até mesmo pular limpezas de rotina. Muitos dentistas recorreram ao marketing e intensificaram as comunicações pessoais com pacientes via informativos por e-mail, telefonemas para agendar consultas e até mesmo mensagens no Twitter para compartilhar novos bens ou serviços.

Apresente a proposta de valor mais convincente

Em um cenário de recessão, é um erro focar excessivamente as reduções e os descontos de preços, que podem prejudicar o brand equity e a integridade de preço de longo prazo. Os profissionais de marketing devem aumentar — e comunicar claramente — o valor que suas marcas oferecem, assegurando que os consumidores aproveitem todos os benefícios financeiros, logísticos e psicológicos em comparação com a concorrência.

Quanto mais caro o item, mais importante essa estrutura de valor. Na recente recessão, a GE mudou a propaganda da lavadora e secadora Profile de US$ 3.500, passando a enfatizar sua praticidade — essa máquina otimiza o uso de sabão e água por lavagem, reduzindo o desperdício, e gera economia aos clientes agindo suavemente sobre as roupas e, assim, ampliando sua vida útil.

Os profissionais de marketing também devem analisar seus preços para garantir que não aumentaram ao longo do tempo e já não refletem um valor adequado.

portifolio produtos p&g

A Procter & Gamble adotou uma abordagem “cirúrgica” de redução de preços em categorias específicas nas quais suas marcas eram percebidas como caras demais em comparação com produtos concorrentes. Ao mesmo tempo, divulgou comunicações sobre o caráter inovador e o valor de suas muitas outras marcas para ajudar a assegurar que os consumidores continuariam a pagar seus preços premium.

A propaganda da Bounty alegava que ela era mais absorvente do que uma “marca de pechincha” de toalhas de papel; chamadas em anúncios impressos da Olay Professional Pro-X Intensive Wrinkle Protocol proclamavam que era “tão eficaz na redução de rugas quanto o que o médico prescreve. Pela metade do preço”.

Ajuste a marca e as ofertas de produtos

Os profissionais de marketing devem garantir que têm o produto certo para vender aos consumidores certos nos lugares e momentos certos. Eles podem rever os portfólios de produtos e a arquitetura da marca para confirmar que as marcas e as submarcas são claramente diferenciadas, segmentadas e sustentadas com base em suas perspectivas. Marcas de luxo podem se beneficiar de marcas ou submarcas de preços mais baixos em seus portfólios. Veja o exemplo da Armani.

A Armani diferencia sua linha de produtos em três níveis que se distinguem quanto a estilo, luxo, personalização e preço. O mais caro, Nível I, comercializa as linhas Giorgio Armani e Giorgio Armani Privé, com produtos que são costurados sob medida e custam milhares de dólares.

No Nível II, estão o Emporio Armani — de estilo jovem, moderno e mais acessível — e os jeans Armani, que se caracterizam por tecnologia e ecologia. No Nível III, de menor preço, estão versões mais jovens e da moda usada nas ruas do estilo Armani, a A|X Armani Exchange, vendidas em lojas de varejo urbanas e em shopping centers afastados do centro.

A arquitetura da marca foi cuidadosamente planejada de modo que cada extensão faça jus à promessa central da marca Armani sem diluir a imagem-mãe. Mas também existe uma diferenciação clara, minimizando as possibilidades de confusão entre os consumidores e de canibalizar a marca.

Em tempos econômicos difíceis, a faixa de produtos mais baratos compensa a redução nas vendas e ajuda a manter a rentabilidade. Visto que cada marca ou submarca atrai diferentes segmentos econômicos, aquelas dirigidas à faixa de preço baixo do espectro socioeconômico podem ser particularmente importantes em períodos de crise econômica.

Empresas orientadas para o valor, como McDonald’s, Walmart, Costco, Aldi, Dell, E*TRADE, Southwest Airlines e IKEA provavelmente se beneficiarão mais. O Spam, presunto temperado prensado em uma lata de formato retangular, viu suas vendas crescerem durante a recessão. De preço acessível e sem neccessidade de refrigeração, o Spam é, segundo seu fabricante Hormel, “como carne com um botão de pausa”.

Momentos críticos também são uma oportunidade para podar marcas ou produtos com perspectivas em declínio. Na recessão que se seguiu à tragédia dos ataques terroristas de 11 de setembro, a Procter & Gamble alienou diversas marcas estagnadas, como o produto de limpeza Comet, o café Folgers, a pasta de amendoim Jif e a gordura hidrogenada Crisco, para se concentrar em oportunidades de alto crescimento com muito sucesso.


Gerenciando uma marca em crise de imagem

Gerentes de marketing devem pressupor que suas marcas passarão por uma crise algum dia. Whole Foods, Taco Bell e JetBlue, além de marcas de brinquedos e ração animal, passaram por crises de marca potencialmente debilitantes enquanto AIG, Merrill Lynch e Citi foram abaladas por escândalos financeiros que corroeram a confiança do consumidor.

Repercussões generalizadas implicam:

  1. vendas perdidas,
  2. menor eficácia das atividades de marketing do produto,
  3. maior sensibilidade às atividades de marketing dos rivais e
  4. impacto reduzido das atividades de marketing da empresa sobre marcas concorrentes.

De modo geral, quanto mais fortes forem o brand equity e a imagem corporativa — especialmente de credibilidade e confiabilidade —, maior será a capacidade de resistência da empresa a uma tempestade. Contudo, uma preparação cuidadosa e um programa de gerenciamento de crises bem elaborado também são cruciais.

Como revelou o tratamento quase impecável da Johnson & Johnson ao incidente de adulteração de seu produto Tylenol, é fundamental que os consumidores considerem a resposta da empresa tão ágil quanto sincera. Eles devem ter uma sensação imediata de que a empresa realmente se importa.

Ouvir não é o suficiente.

Quanto mais a empresa demora em reagir, mais os consumidores ficam propensos a formar impressões negativas com base em uma cobertura da mídia ou um boca a boca desfavorável. Pior ainda, eles podem concluir que não gostam mesmo da marca e trocá-la para sempre. Antecipar-se a um problema com ações de relações públicas, e talvez até de propaganda, pode ajudar a evitar esses incidentes.

Veja o caso da Perrier. Em 1994, a Perrier foi forçada a suspender a produção em todo o mundo e fazer o recall de todos os produtos existentes quando traços de benzeno, um conhecido cancerígeno, foram encontrados em quantidade excessiva em suas garrafas de água. Nas semanas que se seguiram ao fato, a empresa apresentou várias explicações, criou confusão e gerou ceticismo.

Pior ainda foi o produto ficar fora das prateleiras por mais de três meses. Apesar de um oneroso relançamento com anúncios e promoções, a marca teve dificuldade em recuperar a participação de mercado perdida, e um ano depois do incidente as vendas representavam menos da metade do que haviam sido. Com a associação-chave à sua “pureza” manchada, a Perrier não tinha nenhum outro ponto de diferença convincente. Consumidores e varejistas encontraram substitutos satisfatórios e a marca jamais se recuperou. Por fim, foi assumida pela Nestlé S/A.

Em segundo lugar, quanto mais sincera for a reação da empresa — reconhecendo publicamente o impacto sobre os consumidores e se mostrando disposta a adotar as medidas necessárias —, menos provável será que os consumidores formem impressões negativas.

Quando clientes relataram ter encontrado cacos de vidro em potes de seu alimento para bebês, a Gerber tentou tranquilizar o público de que não havia problemas em suas fábricas, mas se recusou categoricamente a retirar os produtos das lojas. Após a participação de mercado ter caído de 66 por cento para 52 por cento em dois meses, um funcionário da empresa admitiu: “Não retirar nossa comida para bebês das prateleiras deu a impressão de que não somos uma empresa preocupada com o bem-estar de nossos clientes”.


Fontes: Livro Administração de Marketing, por Philip Kotler; KLEIN, Norman; GREYSER, Stephen A. The Perrier recall: a source of trouble. Harvard Business School Case #9-590-104. The Perrier relaunch. Harvard Business School Case #9-590-130; HEERDE, Harald Van; HELSEN, Kristiaan; DEKIMPE, Marnik G. The impact of a product-harm crisis on marketing effectiveness. Marketing Science, 26, p. 230-45, mar./abr. 2007; ROEHM, Michelle L.; TYBOUT, Alice M. When will a brand scandal spill over and how should competitors respond? Journal of Marketing Research, 43, p. 366-73, ago. 2006; ROEHM, Michelle L.; BRADY, Michael K. Consumer responses to performance failures by high equity brands. Journal of Consumer Research, 34, p. 537/45, dez. 2007; TYBOUT, Alice M.; ROEHM, Michelle. Let the response fit the scandal. Harvard Business Review, p. 82-88, dez. 2009; PIERCE, Andrew. Managing reputation to rebuild battered brands. Marketing News, p. 19, 15 mar. 2009; O’DONNELL, Kevin. In a crisis actions matter. Marketing News, p. 22, 15 abr. 2009.