A origem da força das marcas regionais

As marcas regionais são fortes por fatores que variam da proximidade e da identidade cultural à facilidade logística e, segundo pesquisa, continuarão fortes por muito tempo, como provam o crescimento e a penetração das marcas regionais (brasileiras) Giraffas, Aymoré, Banorte e Beach Park.

Segundo dados do Instituto Nielsen, 34% do faturamento das redes de varejo brasileiras provém de marcas regionais nas categorias de alimentos, limpeza, higiene e bazar. Observadores sugerem que essa presença maciça está com os dias contados, devido à concorrência global cada vez mais acirrada e a limitações como ter de vender mais para o mesmo público e a dificuldade de atrair os maiores talentos de marketing. Mas… será verdade mesmo?

A resposta é não. Se, em Minas Gerais, 99% dos lares têm algum produto da marca regional Aymoré, segundo pesquisa do Ibope, esse percentual seguirá alto. Segundo estudo do Grupo Troiano de Branding, as marcas regionais vão resistir aos gigantes do mercado, porque são fortes e continuarão a sê-lo por muito tempo. E as explicações para tal êxito são cinco.

A primeira razão diz respeito às dimensões continentais do Brasil e a seus tão conhecidos gargalos logísticos. A infraestrutura precária do País dificulta as operações de distribuição. “Uma marca produzida perto de onde será comercializada tem uma virtude incontestável, pois, assim, ela opera com muito menos complexidade logística”, explica Jaime Troiano, presidente do grupo de branding que leva seu nome. E, mesmo quando houver um salto de qualidade em rodovias, portos e ferrovias, o tamanho do País ainda garantirá vantagem às regionais, ao menos em custos de transporte.

A segunda razão tem a ver com a proximidade humana –a relação dos consumidores com pessoas envolvidas na produção da marca faz com que esta seja vista quase como uma companheira. O exemplo da Vitarella, marca pernambucana de biscoitos e massas criada em 1993, hoje pertencente ao grupo cearense M. Dias Branco, ilustra bem isso. De acordo com Troiano, ainda é difícil encontrar alguém em Recife que não tenha um conhecido trabalhando na fábrica da Vitarella em Jaboatão dos Guararapes, cidade vizinha à capital.

identidade cultural é o terceiro fator a justificar o fenômeno: ser algo “da terra” constitui um valor em si. Troiano cita como exemplo a rede de farmácias PanVel, de Porto Alegre (RS), que, para um porto-alegrense, é quase sinônimo de farmácia. Outras fortes nesse quesito são a mineira Santa Amália –de massas, com sede em Machado, fundada em 1954– e a cearense Água Indaiá –do Grupo Edson Queiroz, existente desde 1967.

Não à toa, o orgulho cultural em torno da marca maranhense Guaraná Jesus atraiu a atenção da Coca-Cola, que a adquiriu há mais de dez anos. “O poeta Fernando Pessoa traduziu esse orgulho quando disse que ‘o Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia’.”

A quarta razão para a força dessas marcas vem de sua tradição e antiguidade; chegam a atravessar várias gerações. Não há maranhense que não conheça a história do Guaraná Jesus, porque ela é contada e recontada desde que, em 1927, o farmacêutico Jesus Norberto Gomes tentou fazer um remédio e não deu certo. Seus netos beberam o líquido resultante, apreciaram e a tradição começou.

Outros bons exemplos são a Fortaleza, de biscoitos e massas alimentícias do Grupo M. Dias Branco, da década de 1950; o mineiro leite Itambé, de 1940; e os biscoitos cariocas Aymoré, de 1922, e Globo, de 1953.

A quinta explicação para a força sustentável é que o consumidor sente que pode quase tocar a marca. “Trata-se de uma síntese dos outros quatro fatores, que o faz sentir-se tão perto da marca que poderia tocá-la. Em vez de ‘high tech’, como as grandes rivais, é ‘high touch’. Na verdade, as marcas regionais têm muito a ensinar às nacionais, que deveriam ter a humildade de estudá-las para incorporar características locais, buscando proximidade com o consumidor”, afirma Troiano, para quem a vaidade corporativa pode ser uma barreira nisso.

A marca regional Indaiá tem 58% da preferência como marca idealizada em seu mercado de origem, ante 1% de competidores nacionais como a Água Schin e 2% da Crystal. Da mesma forma, a PanVel é a idealizada em 45% de seu mercado, onde a rede nacional Droga Raia obtém 1%. Esses dados aparecem na pesquisa do Grupo Troiano.

Estudando quatro casos

As marcas fortes regionais são uma ameaça às nacionais e globais? A resposta é novamente negativa, no sentido de que só 10% das marcas regionais planejam avançar para outros mercados, sempre no Brasil. Entre esses 10% estão as marcas Giraffas, Aymoré, Banorte e Beach Park, cujo sucesso regional permitiu a expansão.

Giraffas: identidade cultural

Essa rede de fast-food nasceu no Distrito Federal em 1981 e, dez anos depois, cruzou as fronteiras. Seu desenvolvimento foi impressionante. “Carlos Guerra, meu pai, transformou a pequena lanchonete de bairro de Brasília em uma multinacional brasileira, com 410 restaurantes, inclusive nos Estados Unidos, oferecendo comida brasileira, caseira e criativa”, conta Ricardo Guerra, diretor de marketing do Giraffas e um dos filhos do fundador.

A adoção do sistema de franchising, em 1991, foi essencial para o fortalecimento e a expansão da marca, iniciativa que contou com o apoio de investidores locais. “Carlos Guerra morou nos Estados Unidos, em meados dos anos 1970, e ficou fascinado com o sistema de franquia”, comenta Ricardo. Assim veio a expansão para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Goiás, Paraíba, Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Paraná. Hoje, a rede está presente em todos os estados do País, com 55 unidades próprias e 355 franquias, e estreou em 2011 nos Estados Unidos, com 10 restaurantes próprios –a meta é inaugurar a primeira franquia naquele país em 2015.

O Giraffas tornou-se uma marca nacional, mas não perdeu o apego à identidade cultural característico de uma marca regional. E até combinou isso com a capacidade de inovação. “Temos uma equipe com 20 pessoas, de todas as áreas, desenvolvendo produtos e insumos em cima da nossa base de comida brasileira, caseira e criativa. Já somamos mais de mil receitas de feijão, arroz e farofa. Trocamos o cardápio constantemente; só na última alteração, mais de 15% do mix de vendas foi de novos itens”, pontua Ricardo.
Conceito da identidade cultural mantém-se no giraffas multinacional: comida brasileira é o diferencial

Aymoré: antiguidade e tradição

A Aymoré está comemorando, em 2014, 90 anos de história. O fato de ter passado por vários donos –hoje pertence à Arcor Brasil– sem perder a tradição regional é particularmente impressionante e confirmado por sua liderança no mercado mineiro, com 27% de market share no estado e 41% na Grande Belo Horizonte.

Eduardo Rizzo, gerente de marketing de biscoitos da Arcor Brasil, conta que a marca foi idealizada em 1922, na fábrica Moinho Inglez, no Rio de Janeiro, para ser comercializada a partir de 1924; em 1930, inaugurava uma fábrica de massas em Belo Horizonte. Dez anos depois, a paulista Refinações de Milho Brasil a adquiriu e, em 1975, caiu nas mãos da Produtos Alimentícios Cardoso, de Contagem (MG). “A Cardoso começou a vender todos os seus produtos com a tradicional marca Aymoré, até que, em 1996, associou-se com a Danone. Em 2005, com a aliança entre Danone e Arcor, a Arcor Brasil tornou-se a responsável pela Aymoré.”

A fábrica e o centro de distribuição da Aymoré continuam na cidade de Contagem, com 600 colaboradores. “A marca está presente em 96% dos lares de Minas, e as pesquisas mostram que os mineiros têm conhecimento sobre sua trajetória de mercado e uma relação de carinho e gratidão com a marca”, informa Rizzo. Por passar de geração para geração, a Aymoré se posiciona como marca parceira e transmite tradição, valor e confiança.

Hoje, ela tem um largo portfólio e se atualiza com uma linha como a Grãos da Terra, lançada em 2012, fruto de pesquisa e desenvolvimento de produto. “Entramos com a marca no mercado de saudabilidade, renovamos as embalagens, investimos em mídia e promoção”, diz o gestor. A Aymoré também está presente na região Centro-Oeste e no Rio. O fato de a aymoré trocar de comando foi diluído por sua tradição.

Banorte: logística

O Banco Nacional do Norte S.A. (Banorte) foi fundado em 1942 pelo industrial e médico Manoel Mendes Baptista da Silva, sócio e diretor da Empresa Mendes Lima, com outros empresários, para financiar safras agrícolas em Pernambuco. A primeira agência remonta a 1952, na capital, Recife, e o slogan “Um amigo na praça” foi usado até a marca ser descontinuada, em 1996.

Só que, em 2009, também em Pernambuco, nasceu o Banco Gerador, com o objetivo de atender a uma demanda reprimida de crédito nas regiões Norte e Nordeste, por uma questão logística –a oferta de crédito estava no Sul, não lá. Metade dos municípios do Norte e Nordeste não tinha acesso a nenhuma agência bancária e, enquanto o valor médio de crédito tomado por habitante no Brasil situava-se pouco acima de R$ 4,5 mil, ali era inferior a R$ 1 mil.

Além de oferecer crédito consignado, sobretudo para o público ainda não bancarizado –as classes D e E–, o Banco Gerador se propôs fomentar empresas com faturamento entre R$ 50 milhões e R$ 250 milhões. Só lhe faltava uma marca forte.

Então, os sócios do Gerador –Paulo Dalla Nora, Severino José Carneiro de Mendonça, Antonio Lavareda e Paulo Sérgio Freire Macedo– adquiriram, em 2011, a marca Banorte, que estava em poder do Itaú. Foi sábia a jogada do Gerador de adquirir uma marca com tanto recall na região apesar de desativada havia 15 anos, como analisa Ademir Cossiello, presidente do Banco Gerador e ex-diretor do Bradesco, e, assim, seu avanço em três anos foi extraordinário.

“Com o nome Banorte e o atendimento a uma demanda que estava órfã, nosso crescimento foi rápido. Iniciou-se em Pernambuco e agora está presente também na Paraíba e em Alagoas, além das três lojas que estão sendo inauguradas na Bahia. Logo, parceiros em estados como Amapá, Mato Grosso e Amazonas devem virar franqueados Banorte”, avisa ele. Esse esquema de crescer por franquias, em sua opinião, deve ser feito loja a loja, para que o franqueado tenha todo o suporte do Gerador, que repassa o know-how.

Hoje, o Banorte atende cerca de 1,1 milhão de pessoas por mês. O sucesso resulta de uma questão logística, por conta da presença nas periferias das grandes cidades e nos pequenos municípios do interior, e com acesso fácil: inexistem portas giratórias em suas lojas e o horário de funcionamento é ampliado, de segunda a sábado. A marca banorte permitiu ao banco gerador crescer rápido suprindo uma demanda órfã.

Beach Park: proximidade

Na década de 1980, era difícil imaginar que a instalação de um parque aquático em um local à beira-mar poderia dar certo. “Foi um projeto ousado”, reconhece Murilo Pascoal, diretor-geral do Beach Park. Mas, inicialmente visto como uma estrutura que era parte de um empreendimento imobiliário da família Gentil, ele surgiu em 1987 e foi sendo expandido em área e atrações até chegar ao complexo aquático atual, consagrado em 2014 como o segundo melhor do mundo pelo site TripAdvisor, atrás somente do espanhol Siam Park, de Tenerife, nas Ilhas Canárias.

Atualmente, o Beach Park é uma marca conhecida em todo o Brasil e um complexo que possui 18 atrações, por onde correm 7,79 mil litros de água, e quatro resorts, reunindo 2,5 mil colaboradores na alta temporada. Um ponto forte da marca é sua relação próxima com os cearenses, por conta da geração de empregos e também pelo respeito ao meio ambiente –o parque é autossustentável, incluindo estação de tratamento de esgoto própria, cuja água tratada serve para a irrigação dos canteiros paisagísticos, e reciclagem de lixo, pilhas e lâmpadas.

O Beach Park fica situado na Região Metropolitana de Fortaleza, na praia de Porto das Dunas, município de Aquiraz, a 26 km da capital. Seu parque aquático é considerado o maior da América Latina, distribuído numa área total de 13 km² de área específica do parque aquático. Há, ainda, no complexo, além de praias, quatro resorts e ampla rede de lounges e restaurantes. O parque possui atrações entre radicais, moderadas e infantis.

Na visão de Pascoal, contudo, a força da marca se deve a uma somatória de fatores. Se precisasse destacar somente um, o executivo apontaria a qualidade nos serviços prestados, incluindo aí as atrações, atendimento, segurança e alimentação. Para ele, a qualidade do serviço traz alto nível de satisfação dos clientes, que gira em torno de 90% a 95%, segundo pesquisa realizada pela empresa. “A decorrência disso é a propaganda boca a boca, que é fundamental para uma marca”, diz.

Outras alavancas importantes, contudo, foram o fato de o parque ter sido cenário da novela Tropicaliente, em 1994, e o investimento na atração Insano –toboágua com extensão de 41 metros, que são percorridos em 5 segundos em queda livre, atingindo 105 km/h. “O Insano ajudou a divulgar a marca em todo o Brasil e também no exterior”, conta o diretor-geral.

O branding do Beach Park também se ancorou em forte presença na mídia, com destaque para TV paga, e ações de relações públicas com celebridades que visitam o parque, gerando mídia espontânea. Colecionador de prêmios, como o Impact Award 2011, da International Association of Amusement Parks and Attractions pelo playground Acqua Circo, o Beach Park fez recentemente um grande investimento em rebranding, com um escritório de Lisboa. “Queríamos comunicar que éramos mais do que um parque e que tínhamos resorts, o que fizemos em 2013”, diz Pascoal. A beach park é um orgulho local; foi cenário de novela.

Esforço local

A maioria das empresas regionais não faz branding ativo como o do Beach Park. Seus principais investimentos costumam ser em apoios e patrocínios de eventos locais. “O próprio fundador presente nas atividades locais promove a marca”, resume Andréa Russo, diretora do Grupo Troiano de Branding.


Fonte: Revista HSM Management, por Sandra Regina da Silva