A experiência da Seventh Generation

Nessa entrevista, Jeffrey Hollender, fundador da Seventh Generation (fabricante de produtos para o lar), explica por que o compromisso das empresas com o planeta e a comunidade vai muito além do desenvolvimento de produto ou processo que prejudique menos o meio ambiente.

A Seventh Generation é uma das poucas empresas inquestionavelmente de vanguarda no movimento verde. Fundada há mais de 20 anos com missão centrada na responsabilidade social antes até que o próprio conceito de produto verde existisse, hoje é líder na fabricação de produtos naturais para o lar.

Na entrevista a seguir, concedida para a revista HSM Management, seu fundador Jeffrey Hollender, explica os principais desafios que enfrentam as empresas interessadas em tornar-se “socialmente responsáveis” com sinceridade.

Há maior valorização dos produtos verdes hoje que 20 anos atrás?

Na década passada, o negócio de produtos verdes cresceu a uma média de 30% ao ano. É inquestionável que haja maior demanda. Agora vendemos ao mercado de massa em grandes lojas como a Target.

Talvez o maior sinal do impacto e influência que temos é o fato de que grandes empresas de produtos de consumo, como a Clorox e a S.C. Johnson, estejam entrando no mercado com seus produtos verdes.

Fazem-no porque veem que aumenta a demanda e também porque os grupos de interesse lhes pedem uma atitude mais responsável.

O posicionamento é o de “empresa verde”, não de dona de produtos verdes?

Somos uma empresa verde com tudo o que isso implica, porque ser sustentável depende dos produtos que se vendem, de sua cultura interna, do sentimento de propriedade que têm os funcionários e da transparência corporativa.

Mas os consumidores diferenciam a empresa que faz “greenwashing” [pintar algo, “marketeiramente”, de verde] da empresa comprometida com a sustentabilidade?

Se não diferenciam, vão diferenciar algum dia. Os consumidores têm de tomar uma decisão: querem uma opção autêntica, na qual os valores do produto se vejam refletidos nos valores da companhia, ou preferem o produto verde de uma empresa que o faz porque há consumidores interessados em comprá-lo?

Como o consumidor reconhece a Seventh Generation verdadeiramente verde?

A maior parte é difícil de ver. O visível é que estamos em um edifício cuja sustentabilidade foi certificada: ninguém tem um escritório, há cachorros correndo por lá, todos têm acesso a luz natural e a garagem está cheia de automóveis bicombustíveis. Mas esses são símbolos de sustentabilidade apenas; não constituem prova de que a empresa seja verdadeiramente sustentável. Para enxergar isso, é preciso observar em profundidade desde a qualidade dos relacionamentos interpessoais ali até a relação total que, como organização, temos com o planeta.

Fale um pouco mais sobre essas características ocultas, por favor…

Algumas dizem respeito à noção de transparência. Você pode obter informação sobre as coisas boas que fazemos, mas também sobre as más. Se você nos pergunta em que falhamos como empresa, que produtos não são tão bons como deveriam e onde temos impacto negativo não desejado, falaremos sobre todas as dimensões desses efeitos negativos. Diremos de onde provém nossa matéria-prima. Contaremos que, para elaborar todos nossos produtos, usamos óleo de palmeira, que, em sua maior parte, se extrai de maneira terrivelmente não sustentável, e que o fato de usar um produto vegetal e não um derivado de petróleo não necessariamente implica algo bom. Estamos dispostos a falar sobre qualquer aspecto do que fazemos, sobretudo se for um problema, porque é conversando sobre o que não estamos fazendo que podemos encontrar soluções e inovações necessárias para superar esses desafios.

Transparência, recursos renováveis, fornecedores de matérias-primas e impacto sobre a mão de obra em todo o mundo. Além dessas, há outras dimensões para levar em conta?

Digamos que haja mão de obra em um sentido muito específico, porque acreditamos no sentimento de propriedade, não no emprego. Cada uma das pessoas que trabalham na Seventh Generation é dona da empresa. Cremos que é desigual e injusto que o empregado não participe do valor que a empresa está criando. Outra coisa que vocês verão é que meu salário tem um limite: equivale a 14 vezes o salário mais baixo da empresa. Hoje, nos Estados Unidos, essa relação costuma ser de 500 para um.

Que desafios o sr. enfrentou e o que aconselha aos interessados em imitá-lo?

Criar uma cultura que alimente esses valores é uma das coisas mais difíceis, porque todos adquirimos hábitos terríveis em outros lugares. A própria inovação é um desafio. Uma coisa é criar produtos cada vez mais sustentáveis, mediante um pouco mais de produto reciclado ou um pouco menos de materiais tóxicos. Outra é mudar o paradigma de “menos ruim” para “bom”. Noventa e nove por cento dos produtos verdes encaixam-se no paradigma de “menos ruim”. Assim, não se resolverão a mudança climática, a fome ou a injustiça. As coisas realmente boas são encontradas mais nos serviços.

Por quê? Produtos são um problema?

Sim, produtos são um problema, porque construímos essa sociedade de consumo sobre um modelo muito ruim, que não valoriza apropriadamente os recursos usados na produção, gera enorme volume de desperdício e usa materiais e processos que têm efeitos tóxicos. Além disso, as empresas não assumem sua responsabilidade por tudo isso. Se alguém cultiva cenouras e usa pesticidas que contaminam o lençol freático, não se exige que se encarregue da limpeza. Temos de criar um ambiente econômico e um sistema de regulamentação que tornem a empresa responsável por suas externalidades, para que os bons produtos sejam mais baratos e os maus, mais caros.

O sr. disse que a pergunta-chave é se, dadas a informação e as evidências que temos, agiremos ou adiaremos as decisões difíceis – talvez até que seja tarde demais. O que o sr. acha?

Creio que cairemos no meio. Já se demonstrou que não estamos atuando com a rapidez necessária. Basta observar a mudança climática global ou a profusão de produtos tóxicos no ambiente. O que acontecerá, acho, é que evitaremos o desastre total, porque temos forte instinto de sobrevivência, mas sofreremos alguma dor, por consequências de que já estamos padecendo. Impomos o resultado dessa revolução industrial a nosso corpo, e já estamos pagando o preço por isso.

Mas foi essa mesma revolução industrial que duplicou a expectativa de vida…

Sim, pode-se viver uma vida mais longa, se não se importar de passar parte dela com câncer. Os indicadores que usamos para mostrar o sucesso de nossa economia estão mal orientados. Um grande livro, O espírito da igualdade, de Richard Wilkinson e Kate Pickett [ed. Presença], compara as economias mais equitativas com as menos.

Em sociedades como Noruega, Finlândia, Suécia ou Dinamarca, veem-se menos depressão, menos obesidade, mais contribuições benéficas e mais reciclagem do que em sociedades menos equitativas, como as dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha.

Ou seja, sociedades que imitam os Estados Unidos e seus indicadores de sucesso, como parece ser o caso do Brasil, não são tão promissoras assim…

Sucesso passa por ganhar dinheiro, sim, mas sucesso não nos faz felizes. O que nos torna felizes são nossos relacionamentos, nosso envolvimento com a comunidade, é fazer coisas satisfatórias. No entanto, criamos uma sociedade na qual a medida do sucesso é o crescimento de renda, sem levar em conta outros indicadores, como a depressão ou a incidência de câncer nas crianças. Para mim, esse é o sinal de uma sociedade falida, que está enchendo seus filhos de tóxicos, que aumentam a ocorrência de doenças.

Analisando o invisível por trás de um produto ou uma empresa, que bons exemplos o sr. pode nos dar, ainda que não sejam perfeitos?

Muitas das empresas que constituem os melhores modelos são as que decidiram elaborar os denominados “produtos orgânicos naturais”. É o caso da empresa de produtos lácteos Organic Valley, de US$ 500 milhões, que vende produtos orgânicos provenientes de pequenas propriedades rurais familiares. À medida que cresce, constrói suporte econômico para mais famílias de fazendeiros e tem impacto positivo sobre suas comunidades. Seus métodos são mais sustentáveis, preservam a terra e aplicam um sistema de negócio que está conseguindo coisas muito positivas. Há outra empresa, a New Chapter, que desenvolve vitaminas. Muitos dos ingredientes são cultivados na Costa Rica de maneira biodinâmica, e essa propriedade contribui para recuperar parte da floresta tropical. Felizmente, há muitos exemplos inspiradores.

Qual é sua definição de responsabilidade social empresarial?

Não é ter um produto verde, fazer caridade ou oferecer muitos benefícios aos funcionários, mas olhar o negócio de uma perspectiva sistêmica, para entender como impacta a sociedade e o planeta, e garantir que a missão dela se oriente pela criação de um mundo mais sustentável e justo –tudo isso ao mesmo tempo que se busca o sucesso pelos indicadores tradicionais. Em certo sentido, é uma rebelião contra a visão compartimentada da responsabilidade que muitas empresas têm.

O chamado “greenwashing”, que eu já citei, é outra expressão desse padrão duplo? Poderia explicar- -nos exatamente de que se trata?

Fazer greenwashing é comercializar, posicionar ou comunicar um produto ou serviço como se tivesse um benefício para o meio ambiente, quando isso é falso, enganoso ou inexato. É oferecer um produto cancerígeno em embalagem de plástico reciclado, ou exibir uma garrafa d’água anunciando que a água é biodegradável, o que é irrelevante, ou dizer que o plástico elaborado a partir de fécula de milho é biodegradável, quando somente o é em compostagem, não em lixo comum.

Empresas que fazem greenwashing exageram e se concentram em um atributo positivo, ignorando muitos outros negativos. Por exemplo, só querem falar de seus três grandes programas que têm efeitos positivos sobre o planeta, e não das 50 coisas que estão fazendo e têm efeito ambiental negativo. Portanto, o greenwashing pode existir tanto no nível do produto como em um informe de responsabilidade social que ofereça uma imagem incompleta ou inexata da empresa.

O sr. diria que, para a maioria das empresas, a iniciativa de elaborar produtos mais verdes não é mais do que um jogo de marketing?

Creio que muitas vezes começa assim. Mas cheguei à conclusão de que todas as empresas terão de avançar nessa direção para sobreviver e ter sucesso. A sustentabilidade deve ser parte fundamental de todos os aspectos da estratégia corporativa, e não apenas uma estratégia que afeta um produto ou atividade. Só é bom lembrar que é um processo que requer transparência e disposição para escutar todos os stakeholders.

Como as companhias podem se tornar mais sustentáveis de um modo realista?

Sugiro um processo de melhores práticas que utiliza os padrões GRI [Global Reporting Initiative]. Começa por saber em que ponto se parou; segue com benchmarking para encontrar o foco de melhoria – por exemplo, o Walmart se concentrou muito mais agressivamente no foco ambiental do que nos desafios sociais e, de certa maneira, é bom a empresa ser seletiva mesmo. E ainda inclui mudança de mentalidade; missão coerente –se a missão for vender ao preço mais baixo possível, a prática da sustentabilidade pode ser inviável; criação de uma comunidade que libere o potencial das pessoas; repensar a prática de demitir funcionários; e colaborar com stakeholders de fora da empresa.

O sr. mencionou a questão do menor preço. Os custos ambientais devem ser levados em conta na fixação de preços?

Sim. Uma das queixas que sempre tive acerca do Walmart é que quase metade de seus funcionários não conta com plano de saúde e usa os prontos-socorros do Estado da Califórnia. Por que os contribuintes da Califórnia devem pagar custos de saúde do Walmart? A empresa que aumente os preços, mas cuide disso.

Saiba mais sobre HOLLENDER e a empresa Seventh Generation:

A Seventh Generation vende desde toalhas de papel até sacos de lixo, detergentes para roupa, fraldas e produtos para higiene feminina, criados para minimizar os efeitos perigosos sobre o meio ambiente e a saúde das pessoas.

Pretende converter-se na “marca mais confiável de produtos ambientalmente responsáveis para um lar saudável”. Fatura em torno de US$ 200 milhões e emprega cerca de 130 pessoas. Seu nome foi inspirado na Grande Lei do povo indígena iroquês, que estabelece que, para cada decisão que tomamos, devemos considerar o impacto que haverá sobre as próximas sete gerações.

Após seu início como empreendedor no setor de educação para adultos, Jeffrey Hollender, que se define como chief inspired protagonist (algo como protagonista-chefe inspirado), adquiriu uma empresa de vendas por catálogo de produtos que economizam energia, que acabou se tornando a Seventh Generation. Seu blog, Inspired Protagonist, constitui um guia de práticas socialmente responsáveis.


Fonte: Revista HSM Management