À medida que se aproximam da aposentadoria, os fundadores de empresas enfrentam uma escolha crítica: quem será o próximo dono do negócio? Essa decisão terá repercussões por muitos anos, afetando não apenas eles e suas famílias, mas também todas as pessoas cujas vidas são impactadas pela empresa. Embora possa consolidar ou desfazer o legado de um empreendedor, muitos proprietários adiam ou evitam tomá-la. Mais adiante, isso pode gerar enormes consequências tributárias, brigas familiares e instabilidade que podem prejudicar ou até destruir o negócio.
Este artigo descreve um processo estruturado que os empreendedores podem seguir para escolher quem assumirá a empresa depois deles, baseando-se nas experiências dos fundadores da Patagonia, John Lewis, Vanguard, Rolex e outros. O primeiro passo é pensar nos resultados que você deseja para si mesmo, sua família, seus funcionários, seus parceiros de negócios e sua comunidade — e priorizá-los. Depois vem a exploração das opções possíveis: transferir o negócio para familiares; abrir o capital ou vendê-lo a investidores; entregá-lo aos funcionários ou clientes; ou doá-lo para uma instituição de caridade. Cada uma dessas escolhas tem pontos fortes e fracos, por isso é necessário avaliar como elas se alinham às suas prioridades. Em algum momento será preciso tomar a decisão, mas antes é recomendável elaborar um plano detalhado que possa ser ajustado conforme necessário.
O planejamento sucessório já foi chamado de “o último ato de um grande CEO”. Esse ato é infinitamente mais complexo quando o CEO também é o proprietário e fundador da empresa. Nesse caso, a decisão sobre quem será o próximo dono é profunda e terá efeitos duradouros, afetando não apenas o fundador e sua família, mas também todos aqueles que têm suas vidas ligadas ao negócio, incluindo funcionários, clientes e a comunidade. A escolha pode consolidar — ou desfazer — o legado de um empreendedor bem-sucedido.
No entanto, muitos fundadores tomam essa decisão muito tarde na vida — ou simplesmente não a tomam. Alguns mantêm o poder até o fim, reduzindo suas opções. Outros transferem o negócio de forma passiva para os filhos, deixando-os decidir o que fazer com ele. Muitos ficam tão paralisados que não fazem nada. Mas quando a empresa é passada para a geração seguinte sem planejamento adequado, isso pode levar a enormes impactos tributários, além de tensões familiares, conflitos de gestão e instabilidade que podem prejudicar o negócio, forçando sua venda ou liquidação. Os mesmos problemas afetam empresas comandadas por líderes com perfil de fundador, como donos de segunda geração que construíram o negócio até o que ele é hoje (por exemplo, Rupert Murdoch) ou pessoas que ingressaram cedo na empresa e se tornaram sinônimo dela.
Abordar a sucessão empresarial é particularmente relevante atualmente, diante da enorme onda de transição de propriedade que atinge negócios liderados por fundadores — parte do chamado “tsunami prateado” da aposentadoria. Mais da metade de todas as empresas privadas com empregados nos Estados Unidos têm proprietários com mais de 55 anos, representando cerca de 2,9 milhões de negócios, 32,1 milhões de trabalhadores, 1,3 trilhão de dólares em folha de pagamento e 6,5 trilhões de dólares em receita. Esses números podem ser ainda maiores fora dos Estados Unidos, onde empresas familiares representam uma fatia maior da economia. Não se trata apenas de negócios pequenos e familiares. Nas últimas duas décadas, algumas das empresas mais conhecidas do mundo foram lideradas por seus fundadores, incluindo companhias privadas como Chick-fil-A, Menards, Enterprise e Love’s, além de empresas de capital aberto como Meta e Nike. Uma geração inteira de fundadores agora se depara com a questão-chave: quem será o dono do meu negócio depois de mim? Apesar das consequências de longo prazo dessa decisão, até 70% dos CEOs de empresas familiares em todo o mundo não têm um plano sucessório, segundo a pesquisa STEP Global Family Business de 2019.
Neste artigo, ofereceremos uma explicação clara sobre as opções de sucessão disponíveis aos fundadores e delinearemos as etapas que devem ser seguidas para tomar as melhores decisões. Não existe uma solução única que sirva para todos, portanto é crucial que os fundadores passem pelo processo de definir o que significa sucesso para eles, compreender e explorar os caminhos possíveis para alcançá-lo e, por fim, decidir por um plano. Ao iniciar essa jornada cedo, os fundadores podem aproveitar ao máximo seu ato final.
O desafio da escolha
Pode parecer óbvio que fundadores que se importam profundamente com seus negócios e com todos os afetados por eles deveriam começar o processo de transição de propriedade bem antes de ele ser necessário, em vez de deixar tanto ao acaso. Mas, além da dificuldade de que os donos de empresas estão sempre ocupados, planejar a transição pode ser complicado por duas razões principais.
Primeiro, o processo desperta emoções muito humanas. Abrir mão da propriedade significa contemplar a mortalidade. Planejar uma transição também desafia o senso de identidade do fundador. Para pessoas que se definiram como líderes de suas empresas, desapegar pode ser doloroso.
Segundo, as decisões de propriedade têm grandes consequências para as famílias, com desdobramentos importantes. Um fundador pode querer passar a empresa para os filhos, mas isso pode ser mais complicado do que parece. Por exemplo, se um dos filhos atua na empresa como o “herdeiro aparente” ao cargo de CEO, enquanto os outros seguem suas próprias paixões, como isso deve afetar a decisão de propriedade? Se o fundador decidir dar uma fatia maior da empresa ao futuro CEO, os outros filhos pensarão que houve favorecimento e sentirão ressentimento? Se não conceder uma participação maior ao sucessor evidente, esse poderá se sentir insuficientemente recompensado? E se gestores profissionais e outros funcionários estiverem aguardando para ver se terão chance de assumir a propriedade? Eles irão embora após a escolha ser feita?
Embora entendamos as dificuldades de decidir, acreditamos que é vital que os fundadores se envolvam ativamente no planejamento sucessório. Em nossa experiência de assessoria a empresas familiares, descobrimos que os melhores resultados surgem de uma abordagem estruturada e intencional, que avança por quatro fases principais: definir o legado, explorar as opções, experimentar e aprender, e executar o plano.
Passo 1
Defina Seu Legado
Inicie a transição de propriedade pensando no que você mais valoriza e em como deseja priorizar os resultados para cinco categorias principais de partes interessadas: você, sua família, seus funcionários, seus parceiros de negócios (clientes e fornecedores) e a sociedade (tanto local quanto global). Claro, descobrir isso não é necessariamente simples. Mas, ao identificar seus objetivos específicos para cada grupo, você pode começar a avaliar as compensações de diversos caminhos possíveis.
Alguns objetivos são relativamente complementares. Por exemplo, garantir que seus funcionários tenham condições de trabalho estáveis também pode trazer benefícios para a comunidade. Outros objetivos são mais de soma zero. Você pode maximizar a segurança financeira de longo prazo de sua família vendendo o negócio, mas, ao fazer isso, pode reduzir seu próprio prestígio como fundador da empresa. Se você transferir o negócio para uma instituição de caridade, não poderá usar os recursos da venda para apoiar sua aposentadoria. E vender a empresa para seus funcionários limitará a capacidade de seus filhos participarem dela.
Para esclarecer suas prioridades, sugerimos que você trabalhe a partir da seguinte lista de perguntas, que desenvolvemos em nossa experiência de aconselhamento a empresas lideradas por fundadores. Consideramos particularmente útil identificar primeiro o que não é essencial para o seu legado e riscar os resultados que não são importantes para você. Depois, você pode pegar sua lista refinada e dividir os resultados para as partes interessadas em três categorias: indispensável, desejável e menos importante.
1. O que eu quero para mim?
- Maximizar minha riqueza pessoal
- Ser reconhecido pelas minhas conquistas
- Manter informações sobre meu negócio em sigilo
- Manter controle ou influência sobre o futuro da empresa
- Ter uma transição fácil
- Poder mudar o plano
2. O que eu quero para minha família?
- Manter o controle da empresa nas mãos da família
- Garantir riqueza e segurança financeira ao longo das gerações
- Permitir que minha família ou herdeiros participem e moldem o negócio
- Tratar meus herdeiros de forma equitativa
3. O que eu quero para meus funcionários?
- Garantir segurança no emprego e continuidade no longo prazo
- Transferir riqueza e benefícios financeiros para eles
- Preservar a cultura e as tradições da empresa
- Dar aos funcionários leais a chance de liderar
4. O que eu quero para meus relacionamentos de negócios?
- Manter relacionamentos fortes e duradouros com parceiros-chave
- Sustentar a reputação e a marca da empresa junto aos clientes
- Proteger a capacidade da empresa de se adaptar e evoluir
- Deixar uma marca duradoura na indústria por meio de liderança intelectual, influência e inovação
5. O que eu quero para a comunidade e a sociedade?
- Garantir a presença contínua da empresa na comunidade local
- Contribuir para a força econômica, social ou cultural de longo prazo da região
- Posicionar a empresa como um pilar duradouro da comunidade
- Fazer uma grande doação pontual para uma causa social ou comunitária
- Avançar causas sociais por meio das operações ou de apoio financeiro contínuo
Ser proprietário de uma empresa permite que você defina seu legado em seus próprios termos, mas é necessário ser intencional ao determinar e priorizar seus valores para que não se afaste deles ao longo do caminho.
Passo 2
Explore suas opções
Depois de determinar seus objetivos, você precisa decidir se a melhor forma de alcançá-los é transferindo a empresa para outro proprietário de longo prazo ou por meio de uma liquidação ou venda. Embora isso possa parecer contra-intuitivo, para alguns fundadores a continuidade da empresa pode ser um obstáculo para a realização de seu legado. Eles podem não ter confiança de que o negócio prospere sem as habilidades específicas que trazem. Podem não querer sobrecarregar a família com as demandas da empresa. Talvez temam que, sem sua orientação, o negócio se torne algo muito diferente, com o qual não gostariam de ter seu nome associado. Se algo disso for verdadeiro para você, seu objetivo provavelmente deve ser encerrar ou liquidar a empresa.
Com mais frequência, porém, os fundadores veem o negócio como uma alavanca para atingir objetivos que não dependem de sua ligação contínua com a empresa. Eles podem considerar a empresa como uma fonte de valor que pode ser liberada para financiar a aposentadoria, preparar a família para o longo prazo ou apoiar causas beneficentes. Se você vê sua empresa dessa forma, seu plano de sucessão deve se concentrar em como maximizar seu valor de venda.
O crescimento acelerado do mercado de private equity (PE) tornou comum vender para uma firma de PE como solução para quem deseja encerrar sua participação. Mas é importante compreender que a firma de PE não será a proprietária final do negócio. Para devolver capital a seus investidores, ela abrirá o capital da empresa ou a venderá para um investidor estratégico ou financeiro. Para maximizar o retorno do investimento, uma firma de PE frequentemente faz mudanças significativas na empresa, incluindo em sua estratégia e operações. Uma vez vendida, os fundadores têm pouca ou nenhuma influência sobre essas decisões ou sobre em cujas mãos a empresa acabará. Se seu objetivo é encontrar um proprietário de longo prazo que leve adiante a missão e as operações da sua empresa, é recomendável buscar outra alternativa.
Por fim, muitos fundadores veem a continuidade do negócio como um veículo para realizar seus objetivos de legado. Podem considerar suas empresas como monumentos ao trabalho árduo ou um meio de criar oportunidades para gerações futuras. Podem enxergar suas firmas como parte essencial da comunidade, como fontes de empregos ou como exemplos de como fazer negócios do jeito certo. Se você enxerga sua empresa dessa forma, sua prioridade deve ser encontrar um proprietário de longo prazo para ela.
Para esse grupo de fundadores, existem cinco opções principais, listadas aqui em ordem aproximada de frequência:
Passar a empresa para membros da família.
Muitas empresas conhecidas ao redor do mundo — incluindo Mars, Chanel, Enterprise e Aldi — são totalmente controladas pelos descendentes de seus fundadores. A sucessão familiar é a escolha padrão para muitos proprietários que querem ver sua empresa continuar além de sua própria vida ou prover para as próximas gerações. Legar uma empresa, em vez dos recursos obtidos com sua venda, pode ser uma maneira de lidar com uma preocupação comum de fundadores: de que a riqueza corrompa seus filhos com “afluenza” e prejudique sua ética de trabalho. Dar aos herdeiros uma empresa em funcionamento, na qual o valor está investido em fábricas, salários e ativos — em vez de disponível para gastar — os tornará ricos no papel, sem fornecer liquidez que pode gerar ociosidade. O principal risco dessa opção é que conflitos entre sucessores podem destruir tanto a empresa quanto os relacionamentos familiares.
Abrir o capital da empresa ou vender participação a investidores.
Exigências de relatórios e normas de governança corporativa garantem supervisão sobre o desempenho das empresas públicas. A propriedade pública também ajuda os negócios a acessar capital para continuar crescendo e permite oferecer incentivos a funcionários por meio de ações. Por outro lado, empresas públicas enfrentam pressão para focar no curto prazo e podem não manter a missão do negócio se as condições mudarem ou se a opinião pública se voltar contra elas.
A venda para investidores privados, como um family office, também é uma opção. Mas é importante considerar que os interesses dos investidores privados podem divergir dos objetivos dos fundadores, assim como acontece com firmas de private equity tradicionais.
Transferir a propriedade para os funcionários.
Isso pode significar que líderes seniores assumam a propriedade, como normalmente ocorre em firmas de serviços profissionais. Ou pode envolver um grupo mais amplo, como todos os empregados da empresa. John Spedan Lewis, filho do fundador da loja de departamentos britânica John Lewis, criou um fundo em benefício de todos os funcionários atuais e futuros e transferiu 100% da propriedade da empresa para ele.
Em 2024, a John Lewis Partnership — que opera no Reino Unido sob as marcas John Lewis e Waitrose — contava com mais de 70 mil funcionários-proprietários e receita de mais de 12 bilhões de libras esterlinas. Nos Estados Unidos, existem quase 11 milhões de funcionários-proprietários em mais de 6 mil empresas, segundo pesquisa conjunta do Aspen Institute e do Rutgers University Institute for the Study of Employee Ownership and Profit Sharing. A principal razão para buscar a propriedade por funcionários é que o negócio pode permanecer privado e fiel ao seu propósito, permitindo ao fundador compartilhar o valor criado com a equipe. Também podem existir benefícios fiscais em certos tipos de estrutura. Os principais riscos são que a empresa pode precisar assumir dívidas para comprar as ações do fundador, enfrentar exigências regulatórias adicionais e sofrer tensões entre funcionários que querem liquidar suas ações na aposentadoria e aqueles que querem investir no futuro.
Colocar a propriedade nas mãos dos clientes.
John Bogle criou a Vanguard, pioneira em investimentos passivos, como uma empresa mútua pertencente aos indivíduos que investem em seus fundos. A REI, varejista de artigos esportivos e roupas para atividades ao ar livre, é uma cooperativa de consumidores, pertencente a seus membros. Muitas outras empresas também são cooperativas, incluindo uma das mais antigas dos Estados Unidos, a Philadelphia Contributionship, empresa de seguros residenciais fundada por Benjamin Franklin em 1752.
Cooperativas e empresas mútuas (como State Farm e Northwestern Mutual) podem alinhar os interesses de executivos e clientes, permitindo uma abordagem orientada por valores nas decisões. No entanto, o número de setores em que a propriedade pelos clientes é viável é relativamente pequeno. Além disso, empresas controladas por clientes podem ter dificuldades para captar recursos e estagnar devido à menor pressão financeira por desempenho.
Doar a propriedade para uma instituição de caridade.
O fundador da Rolex, Hans Wilsdorf, doou todas as suas ações para uma fundação que detém 100% da empresa. A cada ano, a fundação distribui cerca de 300 milhões de francos suíços (aproximadamente 360 milhões de dólares) para causas beneficentes. Paul Newman doou 100% da empresa que fundou, Newman’s Own, para uma fundação que apoia crianças em necessidade. Embora a propriedade caritativa seja desafiadora nos Estados Unidos, a “exceção Newman’s Own” permite que fundadores doem uma empresa inteira para uma instituição de caridade. Em outros países, a propriedade empresarial por entidades beneficentes é muito mais comum e viável.
A propriedade filantrópica pode criar um lar permanente para uma empresa motivada a gerar valor para os stakeholders, e não a maximizar lucros. Os lucros não reinvestidos podem ser direcionados a causas importantes para o fundador. Fora das opções limitadas nos Estados Unidos, a principal desvantagem dessa abordagem é que uma instituição de caridade pode não estar suficientemente motivada pelo desempenho financeiro para fornecer uma gestão eficaz em um ambiente de negócios dinâmico.
Cada uma dessas escolhas tem pontos fortes e fracos. Alguns fundadores descobrirão que nenhuma se alinha perfeitamente com o legado desejado e, portanto, precisarão combinar opções. Por exemplo, 80% do supermercado Publix pertence aos funcionários por meio de um plano de participação acionária (ESOP), enquanto cerca de 20% continua nas mãos da família do fundador. A Hershey Company é listada em bolsa, mas 80% de seu controle pertence ao Hershey Trust, criado por Milton Hershey para financiar uma escola que ele fundou. Uma participação de controle na Novo Nordisk, fabricante dos medicamentos de sucesso Ozempic e Wegovy, também é detida por uma fundação.
Propriedade filantrópica pode criar um lar permanente para um negócio orientado a gerar valor para os stakeholders em vez de simplesmente maximizar lucros.
Yvon Chouinard, fundador da Patagonia — cuja missão é “Estamos no negócio para salvar o nosso planeta” — acreditava que a empresa precisava continuar operando de forma independente para demonstrar que é possível ser lucrativa ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e serve de modelo para uma forma melhor de fazer negócios. No entanto, seu maior patrimônio, as ações da empresa, não tinha liquidez, o que dificultava colocá-lo em uso. Ele considerou seriamente vender a Patagonia para outro proprietário ou abrir o capital com uma classe de ações de controle para realizar os ganhos e usar os recursos no combate às crises ambientais. Mas, como explicou em uma carta publicada, decidiu não seguir esse caminho porque “não poderíamos ter certeza de que um novo dono manteria nossos valores ou manteria nossa equipe de pessoas ao redor do mundo empregada”. Quanto à opção de um IPO, afirmou que “mesmo empresas de capital aberto com boas intenções sofrem muita pressão para gerar ganhos de curto prazo em detrimento da vitalidade e responsabilidade de longo prazo”. Ele também concluiu cedo que não queria sobrecarregar seus filhos adultos com a posse da empresa, em parte porque eles, por sua vez, não queriam um dia sobrecarregar os próprios filhos.
Com essas opções descartadas, Chouinard precisava descobrir como a empresa poderia continuar sob a administração de proprietários que compartilhassem seus valores. Ele acabou optando por criar um perpetual purpose trust (PPT), uma nova estrutura de propriedade empresarial que vem ganhando popularidade nos Estados Unidos. Esse modelo consiste em colocar as ações com direito a voto em um fundo fiduciário, que no caso da Patagonia é supervisionado pela família, com o único objetivo de garantir que a empresa continue cumprindo sua missão. As ações sem direito a voto foram transferidas para uma organização sem fins lucrativos (501), que permite doações para causas sociais e políticas, mas que não proporcionou dedução fiscal à família. Os lucros da Patagonia, descontados os destinados à reinversão para o crescimento, passam da fundação para financiar causas ambientais.
Passo 3
Experimente, aprenda e formule seu plano
Depois de definir como será a sucessão, você pode testar sua hipótese sobre como um futuro modelo de propriedade ajudará a alcançá-lo. Não existe uma solução única que sirva para todos. Dois fundadores que desejam o mesmo tipo de legado podem escolher modelos muito diferentes. Doug Tompkins, fundador da The North Face, compartilhava do desejo de Chouinard de ajudar a salvar o meio ambiente quando estava saindo da empresa de vestuário Esprit, mas optou por vender suas ações para um grupo de investidores. Isso lhe permitiu aplicar imediatamente todo o valor da venda na conservação de terras. Até hoje, grande parte da região da Patagônia, na América do Sul, é protegida pelas áreas de conservação de Tompkins.
Com uma visão mais clara das possíveis estruturas de propriedade, você pode explorar opções estratégicas, avaliando diferentes caminhos em relação às suas prioridades. Essa fase é iterativa: pode levar anos para investigar completamente opções viáveis, garantindo ao mesmo tempo que o negócio permaneça sólido. Ela envolve dois esforços distintos: primeiro, o teste de cenários, no qual você analisa o potencial de cada opção para atingir os resultados financeiros, operacionais e de propriedade desejados; e segundo, uma avaliação de viabilidade, em que você considera restrições do mundo real, como impostos, avaliações, estruturas de negócios, governança e riscos legais. Mesmo os planos mais bem elaborados podem ser prejudicados por fatores externos, por isso é necessário equilibrar a ambição estratégica com as realidades da execução.
Quando David Weekley, fundador de uma das maiores construtoras residenciais privadas dos Estados Unidos, se aproximava da aposentadoria, começou a se afastar da empresa em fases. Primeiro entregou a liderança do dia a dia a uma equipe que havia formado, mantendo um “botão de emergência” — a capacidade de anular grandes decisões que considerasse contrárias à essência da companhia. Ao mesmo tempo, Weekley começou a estudar cuidadosamente outras empresas familiares, participar de conferências sobre negócios familiares e aprender o que funcionava e o que não funcionava. Ele encontrou modelos de transição que pareciam desalinhados com seus valores — como famílias que davam a um único herdeiro controle total do negócio, deixando os outros filhos sem papel algum, ou aquelas que sofriam com a “dispersão de dividendos”, em que dezenas de proprietários passivos recebiam cheques sem contribuir com a empresa. Em vez disso, ele elaborou um plano que equilibrava a participação da família, a propriedade pelos funcionários e o impacto comunitário.
Para David Seaton, fundador da LiveOak, que administra comunidades residenciais para adultos com deficiências cognitivas no Texas, o processo de criar seu plano de sucessão consolidou a visão sobre o legado que queria deixar. “Quanto mais os advogados com quem me reunia falavam sobre quanto dinheiro eu poderia ganhar, mais deprimido eu ficava com aquele resultado, porque simplesmente não correspondia aos meus valores e objetivos”, afirma. “Eu acabaria com a carteira cheia e o coração partido.” Seaton começou a explorar opções que garantissem que seus funcionários fossem recompensados pelo trabalho árduo e pela dedicação aos residentes. Ele acabou criando um fundo que assegurou que os lucros da empresa sempre beneficiariam seus empregados.
Passo 4
Execute o plano — e adapte conforme necessário
Em algum momento, a fase de exploração deve ceder lugar a decisões e ações. Diferentes caminhos de transição exigem diferentes cronogramas. Por exemplo, pode levar de 12 a 24 meses para que os fundadores otimizem o desempenho, garantam consultores e encontrem um comprador. E nem sempre as coisas saem como esperado: menos de um terço das pequenas empresas encontram um comprador, segundo pesquisas do Project Equity. Transferir a propriedade para herdeiros, funcionários ou fundos de caridade frequentemente leva ainda mais tempo devido à necessidade de planejamento patrimonial e de sucessão na liderança.
Para garantir uma transição tranquila, você deve elaborar um plano detalhado que descreva os marcos principais, responsabilidades, riscos potenciais e métricas para acompanhar o progresso. Um bom plano evita que elementos críticos passem despercebidos e permite ajustes necessários ao longo do caminho. Em seguida, estabeleça pontos de verificação regulares:
- Seus marcos estão sendo atingidos?
- As condições externas mudaram?
- A empresa está respondendo bem às mudanças na liderança?
Se o plano não estiver entregando os resultados esperados, ajustes — seja na estrutura de propriedade, na governança ou na estratégia financeira — devem ser feitos antes da transição efetiva da propriedade.
Weekley eventualmente dividiu a propriedade em terços: um terço para os funcionários, um terço para a comunidade por meio de um fundo de caridade que ele havia criado, e um terço para sua família, que mantém o controle com direito a voto. Ele se mudou para um “escritório do fundador” recém-criado, ao lado da sede, e, no momento da redação deste artigo, ainda está se afastando gradualmente das reuniões. Uma década após esse processo, como ele sabe que tomou a decisão certa sobre o futuro de longo prazo da empresa? “Isso se reafirma diariamente”, diz ele. “Não somos uma empresa glamourosa, mas nosso propósito é ‘construir sonhos e melhorar vidas’ para nossa equipe, nossos clientes e nossa comunidade. Acho que fizemos exatamente isso.”
Nunca é cedo demais para começar a pensar sobre seu legado. As escolhas sobre o ato final de um fundador devem ser tão intencionais quanto aquelas feitas durante o lançamento e crescimento de uma empresa. Elas devem ser tomadas estrategicamente, com pesquisa e reflexão. Ao definir o sucesso cedo, explorar suas opções, aprender e experimentar, e finalmente executar um plano com flexibilidade incorporada, você, como fundador, pode ser o principal arquiteto do seu legado. Depois de muitos anos de trabalho árduo construindo seu negócio, você deve isso não apenas aos outros, mas a si mesmo: fazer da maneira certa.
Fonte:
Uma versão deste artigo foi publicada na edição de setembro–outubro de 2025 do periódico Harvard Business Review.
Sobre os autores:
Josh Baron é professor sênior da Harvard Business School, coautor do livro Harvard Business Review Family Business Handbook (Harvard Business Review Press, 2021) e cofundador da BanyanGlobal Family Business Advisors.
Ben Francois é sócio-diretor da BanyanGlobal Family Business Advisors, onde orienta empresas familiares em estratégia, governança, estrutura e transições geracionais.
Tony Guidotti é pesquisador sênior do Ownership Project na Harvard Business School, onde lidera projetos que investigam como a estrutura de propriedade pode ajudar comunidades a promover o bem comum e apoiar valores humanos.
Nien-hê Hsieh é Professor de Administração de Empresas na Harvard Business School, onde co-dirige o Ownership Project.