ACHÉ – Deveria um laboratório nacional fazer diferente?

Este case fala sobre a indústria farmacêutica e aborda a decisão do Laboratório Aché de desenvolver o antiinflamatório Acheflan®, o primeiro medicamento totalmente pesquisado e desenvolvido no Brasil.

Introdução

Já se ouviu e leu diversas versões de como o empresário Victor Siaulys, um dos donos do Laboratório Aché, pensou e resolveu desenvolver o antiinflamatório Acheflan®, primeiro medicamento totalmente pesquisado e desenvolvido no Brasil. Uma delas conta que, por causa de uma lesão recorrente no joelho, um colega do time de futebol de areia de Monguaguá no litoral paulista, lhe recomendou passar no local machucado uma erva milagrosa capaz de curar qualquer contusão.

Outra fala de uma contusão no ombro jogando tênis no Guarujá, também no litoral paulista, onde aplicou uma solução caseira de erva-baleeira ou maria milagrosa encontrada originalmente nas regiões de Mata Atlântica, ou que comprou anos antes, de índios Caiçaras, uma garrafa que continha um líquido que curava inflamações. O fato é que, em 2001, o Aché encontrou o princípio ativo da Cordia Verbenácea, nome científico da planta que serviu de base para o remédio o Acheflan®, lançado em 2005.

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Filho de imigrantes lituanos em São Paulo, e movido pela demissão injusta de seu pai, então operário da Matarazzo, resolveu, menino ainda, ser advogado trabalhista, como de fato o é, quando crescesse. Na pós-adolescência, dos 15 aos 18 anos, trabalhou na banca de peixe do pai e sonhou também em ser um empreendedor. Em 1965, criou a sua primeira empresa, a Prodoctor, especializada na comercialização de produtos farmacêuticos. Um ano depois, com mais dois sócios, adquiriu o Laboratório Aché.

Além do Aché, Victor Siaulys possui o Hotel Unique em São Paulo, o Spa Unique Gardens de Atibaia no interior do estado e a Laramara, menina de seus olhos, uma instituição para deficientes visuais que fundou depois da experiência de ter se tornado pai de uma menina cega, terceira filha depois de dois meninos.

Perfil e características da indústria farmacêutica

A indústria farmacêutica é um segmento intensivo em tecnologia, voltado essencialmente ao setor de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Algumas estimativas dão conta de que, no mundo, para cada US$ 1,3 mil alocados em pesquisa farmacêutica, aumenta-se um ano na expectativa de vida dos pacientes. Da mesma forma, a cada dólar gasto na aquisição de medicamentos, poupam-se cerca de US$ 3,65 em despesas hospitalares.

No Brasil, o setor reúne cerca de 700 estabelecimentos produtores de medicamentos para uso humano(1), dos quais 55% estão voltados à produção de medicamentos alopáticos e 45% à produção de medicamentos fitoterápicos. Da quantidade vendida em 2005, 45,3% foi produzida por laboratórios de capital nacional, significando 39,2% do faturamento total da indústria.

Estes resultados apresentam um avanço frente ao ano de 2001, quando a participação dos produtores de capital nacional na quantidade vendida era de 34,1% e, no faturamento, de 31,8% . Mesmo com a oscilação das quantidades vendidas, o faturamento da indústria farmacêutica vem crescendo nos últimos anos, mostrando a existência de um forte potencial de crescimento, tanto no mercado interno quanto no externo.

Na indústria farmacêutica, os investimentos em P&D são significativos, podendo chegar a mais de um quinto das receitas totais dos laboratórios, enquanto a média dos investimentos das demais indústrias nessa área geralmente se situa abaixo de 5% das receitas.

A complexidade dos processos envolvidos em P&D de novas drogas justifica o alto investimento, onde está embutido igualmente o custo dos insucessos. Geralmente, de cada 5.000 a 10.000 moléculas sintetizadas, apenas uma é aprovada por ano. Um estudo feito no começo dos anos oitenta mostrou que somente 30% das drogas lançadas tinham retorno maior que os custos médios de P&D, evidenciando o risco envolvido neste negócio.

Na cadeia produtiva da indústria farmacêutica, o Brasil agrega relativamente pouco valor, pois seu parque industrial se concentra principalmente nas duas etapas finais, a de produção de especialidades farmacêuticas e a de marketing e comercialização dessas especialidades farmacêuticas. A produção de fármacos, a segunda etapa, tem baixo desenvolvimento, e a primeira, que demanda forte investimento em P&D, é a que está em estágio menos avançado no Brasil.

Estes resultados estão ligados ao fato das multinacionais concentrarem seus esforços nas duas últimas etapas, dado o tamanho do mercado brasileiro, e que apesar de operarem em todas as etapas, concentram as duas primeiras em seu país-sede. Por outro lado, as empresas nacionais, bem como as subsidiárias brasileiras das multinacionais, não dispõem de escala nem de capacidade financeira para a realização de P&D no país, não dominando a tecnologia de produção dos fármacos de maior valor agregado. Por isso, o país importa mais de US$ 2 bilhões ao ano na área farmacêutica, enquanto exporta apenas US$ 0,5 bilhão, sendo que boa parte de seu déficit comercial se refere à aquisição de fármacos junto ao mercado internacional, sendo que muitos laboratórios que produzem no Brasil adquirem os fármacos de suas próprias matrizes que os produzem de forma centralizada, com elevadas economias de escala e de escopo.

Em consequência, as empresas nacionais do setor se voltam para as linhas de produção com patentes expiradas ou licenças para produção de medicamentos originalmente desenvolvidos por multinacionais. Recentemente, a introdução dos medicamentos genéricos deu novo fôlego a alguns laboratórios nacionais. Entretanto, os genéricos são baseados em princípios ativos com patente expirada e têm menor intensidade de P&D. Alguns esforços governamentais desde a década passada vêm incentivando um crescimento das atividades de P&D no país, inclusive no segmento de pesquisa clínica de novas substâncias desenvolvidas em outros países, mas estes segmentos são relativamente menos importantes no conjunto do setor, no país.

Uma cadeia verticalmente integrada

A cadeia da indústria farmacêutica se inicia com a atividade de P&D que corresponde essencialmente ao desenvolvimento de novas moléculas ou princípios ativos, também chamados de fármacos. O passo seguinte é a produção destes fármacos que são a essência dos remédios, ou seja, constituem a parte do medicamento que efetivamente apresenta efeito terapêutico. Em seguida, a produção de especialidades farmacêuticas, os medicamentos finais, ocorre a partir dos fármacos. A cadeia termina com a comercialização destas especialidades farmacêuticas. A figura ilustra esta cadeia.

Nesta indústria, a empresa típica aproveita grandes economias de escala na atividade de P&D, assim como na produção centralizada de alguns fármacos de alto valor agregado. A etapa de P&D é justamente o segmento de maior valor agregado na cadeia farmacêutica e está altamente concentrada em grandes empresas multinacionais. Como segunda maior fonte de valor nesta cadeia, está a produção dos fármacos e quanto mais se avança nesta cadeia, se vai “para frente” até o consumidor, menor o valor agregado.

Dessa forma, a importância do desenvolvimento de novos princípios ativos é fator-chave para o sucesso dos negócios farmacêuticos, fazendo com que a integração “para trás” seja fundamental na agregação de valor para qualquer laboratório farmacêutico que opere e atue nas últimas etapas da cadeia produtiva desta indústria.

O lançamento de novas drogas chega a ser um imperativo de sobrevivência, assim como constitui a fonte principal dos lucros das empresas bem sucedidas. Entretanto, este sucesso é quase um privilégio dos grandes laboratórios internacionais, pois além de exigir grandes investimentos, a atividade de P&D envolve elevado risco. Os valores necessários para o lançamento de um único novo medicamento são, em geral, da ordem de centenas de milhões de dólares, e muitas vezes o investimento é perdido por resultados insatisfatórios dos estudos clínicos, baixa segurança ou eficácia no uso do medicamento resultante, elevada probabilidade de efeitos colaterais, entre outras causas de insucesso.

Há uma tendência a desintegração vertical?

Tradicionalmente as farmacêuticas costumam ser empresas fortemente integradas na dimensão vertical, envolvidas com toda a cadeia de valor desde a geração dos fármacos até a produção dos medicamentos e marketing. Algumas empresas, no entanto, como a Pfizer e Eli Lilly, terceirizaram parte de suas funções, criando uma mudança de paradigma da indústria.

Estas duas farmacêuticas transformaram seus negócios em três objetivos fundamentais:

  • um negócio de relação com o cliente, responsável por encontrar clientes e criar relacionamento com eles. Inclui marketing e venda dos medicamentos;
  • um de inovação de produtos, responsável por criar novos produtos e serviços e os levar ao mercado e;
  • um de infra-estrutura, que cria e gerencia as instalações para tarefas repetitivas de grande volume tais como manufatura e comunicação.

A atividade de negócio passou a ser o foco dessas empresas farmacêuticas.

A terceirização de parte importante de sua cadeia permite aos laboratórios multinacionais uma maior especialização num determinado segmento. Por outro lado, abriu a possibilidade que um maior número de empresas especializadas, de menor porte, reaja à constante mudança dos cenários de negócios e permitam uma melhor administração de riscos pelo laboratório. As principais áreas que têm sido objeto de contratação externa têm sido o desenvolvimento de novas drogas e o processo de testes clínicos.

Note-se que a decisão não é trivial. Estas duas áreas são justamente os elementos- chave da cadeia farmacêutica, exatamente aquelas áreas onde os erros podem se revelar fatais para a saúde do laboratório!

Na área de desenvolvimento, a inovação, nos casos Pfizer e Eli Lilly, a contratação externa envolveu as empresas de biotecnologia Millenium Pharmaceuticals e Human Genome Science. Estas têm como foco o desenvolvimento de tecnologias que apressem o processo de descoberta de novas drogas para as farmacêuticas.

Antes, estas empresas tradicionalmente totalmente integradas, se utilizavam do processo de tentativo e erro de desenvolvimento de drogas líderes, o que impõe riscos importantes. A terceirização abre a possibilidade de transferência e de controle desses riscos, permitindo novas descobertas, progressos tecnológicos que, paradoxalmente, aumentam a própria complexidade. Uma importante razão é que as empresas menores de biotecnologias se adaptam mais facilmente às mudanças tecnológicas do que as gigantes farmacêuticas. Não por outro motivo, muitas destas empresas crescem a taxas superiores a 20% ao ano e vêm conquistando espaço nos orçamentos de desenvolvimento farmacêutico dos grandes laboratórios.

A separação da fase de teste das drogas teve intenção de ganhar escala e escopo. O grande volume de capital exigido para esta fase pode ser redirecionado para outras atividades. Enquanto isto, empresas altamente especializadas, as chamadas CRO – Contract Research Organizations ou organizações de pesquisa, concentram suas energias no teste clínico da droga. Algumas das principais CRO internacionais mantêm operações importantes no Brasil, já que o país hoje participa dos testes clínicos realizados por grandes laboratórios em âmbito internacional. Entre estas, podem ser citadas a Pharmaceutical Product Development (PPD) e a Quintiles.

Com esses novos desdobramentos, o modelo tradicional, quase totalmente integrado, tornou-se menos vital para as empresas farmacêuticas, permitindo que recorram à empresa de biotecnologia, acelerando seus processos de descoberta de novos fármacos, além de reduzir os custos da descoberta, e também às CRO para os testes clínicos. Essa mudança de paradigma na cadeia também permitiu que as empresas focassem em suas competências essenciais, criando valor no longo prazo.

Aché integra para trás

Na contramão do que tem sido apontado como uma tendência internacional, em um mercado onde a integração vertical pode ser muito importante para o sucesso do negócio, o Aché aproveitou a oportunidade de “integração para trás” no mercado farmacêutico a partir de uma vantagem tipicamente brasileira: os fitoterápicos.

Muitos defendem que há uma grande oportunidade para que a indústria farmacêutica brasileira, que nunca foi integrada desde os processos de P&D, realize uma “integração para trás”, verticalizando-se na cadeia como as típicas empresas internacionais. Esta oportunidade seriam os medicamentos fitoterápicos, à base de plantas. Estes têm menor custo de desenvolvimento e, no Brasil, podem se beneficiar da grande biodiversidade que caracteriza o país. A próxima seção contextualiza esses medicamentos na indústria farmacêutica local e internacional.

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O setor farmacêutico e os fitoterápicos

Breve histórico do setor farmacêutico no Brasil O uso de plantas medicinais com finalidade terapêutica remonta à China, em 3000 a.C, quando os recursos da flora já eram utilizados no tratamento de diversas doenças. No Brasil, o uso de plantas medicinais pela população indígena foi descrito pelos portugueses logo em sua chegada ao continente sul-americano.

Já no século XIX, algumas plantas passaram a compor as farmacopéias alopáticas e homeopáticas. Com o desenvolvimento da química orgânica, no período da revolução industrial, possibilitou-se o uso de substâncias sintetizadas quimicamente que passaram a ganhar espaço nas escolhas terapêuticas. Assim, os extratos vegetais foram substituídos por fármacos sintéticos, produzidos por grandes conglomerados a partir de vultosos investimentos em P&D.

No início do século XX, a indústria farmacêutica se resumia às boticas e farmácias locais, sem grandes esforços de pesquisa. As empresas evoluíram inicialmente como empresas familiares, passando, após a Segunda Guerra Mundial para a expansão das principais indústrias farmacêuticas internacionais.

A indústria que floresceu no pós-guerra contava com o volume de capital necessário ao desenvolvimento de tecnologia de produção em escala industrial de medicamentos de fármacos sintéticos, notadamente os antibióticos e, em particular, a penicilina. Neste período, ingressaram no mercado brasileiro, através de aquisições de empresas já existentes ou instalação de filiais, uma vez que, no país, faltavam investimentos em pesquisa no setor. Em 1949, o Instituto Medicamenta Fontoura associouse à norte-americana Wyeth International e à Bristol-Myers, passando a distribuir seus produtos no Brasil através de associação com a Laborterápica.

No final da década de 70, a indústria farmacêutica nacional ganhou impulso no momento em que empresas brasileiras compraram multinacionais:

• a Quimiofarma foi vendida a Darrow Laboratórios;

• a Panquímica ao Laboratório Gross e;

• a italiana Bracco-Novoterápica ao Aché Laboratórios. Este é um caso notório de sucesso de laboratórios farmacêuticos de capital nacional.

No que tange os medicamentos fitoterápicos, estes tinham sido substituídos por fármacos sintéticos e permaneciam apenas como tratamento alternativo. Mas a partir dos anos 80, praticamente como uma volta ao passado, ressurge o interesse pela pesquisa de substâncias naturais, como base para o desenvolvimento de novos fármacos.

Estes passaram a desempenhar importante papel na medicina moderna, fornecendo fármacos importantes e de difícil obtenção via síntese química. Atualmente, o mercado mundial de medicamentos fitoterápicos representa US$ 43 bilhões por ano, sendo US$ 5 bilhões só nos Estados Unidos.

Fitoterápicos e o Aché

Os principais e grandes laboratórios multinacionais concentram suas atividades de P&D em seus países de origem. No entanto, o segmento de fitoterápicos pode ser promissor para o desenvolvimento de tecnologia brasileira, a partir de vantagens de localização que pode tanto atrair atividades de pesquisa de empresas internacionais para o país quanto viabilizar empresas de capital nacional. O Brasil apresenta uma singular biodiversidade natural e a produção destes fármacos é mais barata que a dos sintéticos, por resultarem de processos produtivos mais simples.

A oportunidade de realizar uma “integração para trás” na indústria farmacêutica brasileira sem realizar os investimentos tipicamente elevados em P&D aparece de forma marcante no segmento de medicamentos fitoterápicos. Foi explorada pelo Aché,um laboratório de capital nacional, hoje sediado em Guarulhos, nascido em 1922, em Ribeirão Preto-SP, resultado de uma parceria entre o médico francês Philip Aché e o farmacêutico João Palma Travassos, e que, em 1966, foi adquirido pela Prodoctor, mantendo o nome Aché. Em 1973, o Aché figurava entre os 10 maiores laboratórios do país.

Em 1978, criou a Química Aché, concretizando seu projeto de controle de qualidade do laboratório. Mais tarde, em 1987, em uma joint venture, se uniu à Merck Sharp & Dohme, resultando na constituição da binacional Prodome. Em 1988, adquiriu a Bracco-Novoterápica e em 2002, a alemã Asta Médica. Foi sua estratégia para se consolidar com a obtenção de licenças de produtos provenientes de pesquisas dos grandes laboratórios farmacêuticos internacionais. Anos antes, em 1996, passou a ocupar posição de liderança entre as farmacêuticas do Mercosul, posição esta que dura até hoje, com 240 opções terapêuticas.

Recentemente, investiu na divisão de Fitomedicamentos e apesar de serem poucos laboratórios nacionais que o fizeram, contribuiu desta forma, juntamente com a Biobrás S.A e Quiral Química do Brasil, com o avanço do país em P&D no setor. Entre seus concorrentes neste segmento, estão o Herbarium, igualmente de capital nacional.

Para isso, paralelamente ao seu crescimento, em meados da década de 90, o Aché formou seu Núcleo Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento, que comporta o estudo das plantas para o desenvolvimento de novos medicamentos fitoterápicos. Esse esforço permitiu o lançamento, em 2003, o Soyfemme®, um medicamento à base de soja.

O primeiro medicamento 100% nacional, totalmente pesquisado e desenvolvido no país, veio a ser lançado em 2005. O antiinflamatório Acheflan® foi desenvolvido a partir de sete anos de estudos em parceria com universidades nacionais, com um investimento de R$ 15 milhões, que pode ser considerado baixo frente aos investimentos em novas drogas realizados pelos grandes laboratórios internacionais.

A idéia de desenvolvê-lo resulta de experiência pessoal positiva de um dos principais acionistas do Aché, Victor Siaulys, que resolveu pesquisar e desenvolver medicamentos a partir do aproveitamento da extensa flora nacional. O Acheflan®, no entanto, seguiu as mesmas etapas de P&D de um medicamento sintético, sendo desenvolvido desde a identificação da molécula na própria planta, a Cordia verbenácea, passando pela descoberta do princípio ativo, até a criação do medicamento. Foi depois comparada a drogas sintéticas para que se pudesse avaliar sua eficácia. Foram depositados as patentes do extrato oleoso e do princípio ativo e logo será apresentada a versão por via sistêmica.

Descobrir uma droga cujo princípio ativo é uma planta e não uma molécula sintética permitiu ao Aché se situar e se destacar num mercado novo e inovador, o dos fitomedicamentos, mercado este desconhecido ainda pelas multinacionais do setor. Esse mercado pode chegar a movimentar no mundo algo como US$ 22 bilhões.

Hoje, o laboratório fatura e possui um portfólio de medicamentos com cerca de 250 opções terapêuticas. Em 2005, seu faturamento foi de R$ 1,1 bilhão e obteve um lucro líquido de R$ 87 milhões, quase o dobro do auferido no ano anterior. Neste ano, após a compra da Biosintética Farmacêutica Ltda, o Aché alcançou a primeira posição no ranking farmacêutico nacional, com aproximadamente 7% de participação.

Não só o Acheflan®, mas as etapas de produção de P&D de todo medicamento fitoterápico são as mesmas que as de um medicamento sintético. Ao todo, a divisão de fitoterápicos, a Phytomédica, possui 7 produtos no mercado:

  • Acheflan® creme, (lançado em 2005) e aerosol (lançado em 2007) elaborado com o extrato oleoso de Cordia verbenacea e indicado no tratamento de tendinite crônica e dores miofasciais (musculares);
  • Soyfemme® (lançado em 2003), a base de isoflavonas da soja, para tratamento dos sintomas do climatério;
  • Remilev® (lançado em 2006), composto de Valeriana officinalis e Humulus lupulus para o tratamento de distúrbios do sono;
  • Remotiv® (lançado em 2005), a base de Hypericum perforatum e indicado para o tratamento de depressão leve a moderada;
  • Antilerg® (lançado em 2006) feito a partir de Petasites hybridus e utilizado no tratamento da rinite alérgica;
  • Dinaton® (lançado em 2000), a base de Gingko biloba, para problemas vasculares- cerebrais;
  • Kamillosan® (lançado em 1996), a base de camomila, para tratamento de dermatites.

Razões da integração vertical

Em qualquer indústria, o processo de produção começa com a aquisição de matériasprimas e termina com a distribuição e venda de bens e serviços acabados: é a cadeia vertical. A questão fundamental na estratégia do negócio é como organizar esta cadeia. Geralmente, as fronteiras verticais de uma empresa definem as atividades que ela mesma executa, em oposição às aquisições e encomendas demandadas a outras empresas independentes do mercado. A necessidade de definição dessas fronteiras verticais para uma empresa é fundamental, tomando a forma da decisão de comprar determinada atividade ou de produzir internamente.

Assim, existe a opção da empresa comprar uma atividade produtiva, ou terceirizá- la, significando que a empresa se torna dependente de uma empresa independente para executar uma atividade de sua cadeia produtiva, mesmo que seja sob contrato. A decisão de produção ou de compra implica o desenvolvimento da própria fonte de matéria-prima ou de provimento de seus serviços de distribuição. Num meio termo entre empresas integradas ou terceirizações, haveria as joint ventures e alianças estratégicas onde duas ou mais empresas criam uma entidade independente, porém com recursos de ambas.

Há riscos de se cair em lugares comuns e em diversos sofismas. Por exemplo, é comum pensar que uma empresa deve comprar ao invés de produzir para não incorrer em custos, quando na verdade pagará por eles da mesma forma na aquisição do bem ou serviço. Ou mesmo, tomar a decisão de produzir ao invés de comprar, pois supostamente lhe possibilitaria auferir os lucros daquela atividade. Os lucros representam o retorno necessário para atrair investimento, tanto faz se para a empresa que produz ou para a outra de quem compra. Ainda, pensa-se comumente, que as empresas verticalmente integradas são capazes de produzir seus insumos a preços de custo, obtendo vantagens sobre suas concorrentes cuja estrutura não é integrada e que pagam o preço de mercado pela atividade. Isso não considera os custos de oportunidade, como o mercado aberto, por exemplo.

Assim, a decisão final deve depender de qual solução tornará mais eficiente a produção. Deve-se avaliar também os custos e benefícios de utilizar o mercado, pois as empresas independentes podem atingir as economias de escala necessárias na atividades terceirizadas, o que a internalização não permitiria, por exemplo. A internalização poderia, por sua vez, camuflar ineficiências de administração, encorajando eficiência e inovação nas independentes.

A decisão envolve, ainda, um balanceamento calculado e preciso de diversos benefícios e custos de integração. Primeiro, é importante analisar se o mercado oferece alternativas à integração vertical. No caso de resposta negativa, deve assumir a atividade. Se sim, deve determinar se há possibilidade de impedimento das relações com a empresa independente por problemas de informação, coordenação ou mesmo apropriação de renda. No caso de não haver impedimentos, deve-se usar o mercado. No caso deles existirem, ainda é necessária a avaliação de esse risco ser evitado através de contratos ou governança interna.

Faz-se importante notar que, a empresa integrada, ao replicar simplesmente os incentivos de mercado, pode se deparar com problemas motivacionais e de mediação interna por recursos, que resultam em mais custos. Por sua vez, a terceirização pode apresentar problemas de coordenação, em produtos de design, por exemplo, ou custos de transação. Mais, as empresas integradas podem se tornar relutantes em adquirir suas atividades, se isto envolver o risco de perda de controle de informação valiosa ou sigilosa.

As razões para aquisição das atividades no mercado podem trazer benefícios tangíveis, como produção a custos mais baixos, benefícios de economias de escala e economias de aprendizagem. No entanto, aspectos intangíveis se constituem de efeitos ou custos da agência, como negligência profissional ou contratação de mais funcionários que o necessário, entre outros. Há igualmente os custos de influência que se dão em função da alocação dos recursos financeiros, i.e, gera um gasto da empresa em atividades de influência do mercado de capital interno de alocação de capital para um ou outro setor, além dos corriqueiros custos dos contratos das transações, do tempo e despesa das negociações e vazamento de informações privativas.

O Aché e a última etapa da cadeia produtiva

A fase dos testes pré-clínicos e clínicos, que deve ser realizada com absoluta precisão, constitui etapa delicada da cadeia produtiva da indústria farmacêutica. No Brasil, há que se enviar um dossiê à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o objetivo de aprovar o medicamento. Para que um medicamento seja aprovado, além da fase de testes chamada de pré-clínica onde pode ser testado em animais, há mais três etapas com testes em humanos.

Na fase 1, se analisa a toxicidade do produto. Nas fases 2 e 3, o que se procura é testar a eficácia e a tolerância ao medicamento. E, no caso do Acheflan®, apesar de diversos voluntários para os testes, o teste de comparação do medicamento com placebos quase inviabilizou o projeto, por estarem tratando de pacientes com dor. O impasse foi resolvido comparando-o com outro antiinflamatório do mercado.

O cuidado do Aché, no entanto, não se resume à P&D dos seus medicamentos. As embalagens dos remédios são igualmente fabricadas e comercializadas de acordo com normas e padrões de segurança e qualidade impostos pelas leis e órgãos brasileiros. Para evitar falsificações de medicamentos, está desenvolvendo um projeto de sistema de identificação através de rastreabilidade de sistema eletrônico.

A embalagem certamente é componente de marketing, mas o Aché se viu compelido a trabalhar melhor este aspecto com o aumento do volume de medicamentos isentos de prescrição (MIP). Além disso, desde 1996, todas as embalagens dos medicamentos do Laboratório são comercializados com as informações no método braille. Em 2006, foi lançada a bula em áudio, com o intuito de atender aos pacientes com deficiência visual, idosos e portadores de necessidades especiais.

O Aché não fabrica, no entanto, suas embalagens, mas tem fornecedores, todos parceiros do Laboratório e contratados com base em critérios técnicos, profissionais e éticos, que incluem desde o cumprimento da legislação trabalhista e do Estatuto da Criança e do Adolescente, até as normas ambientais e de segurança. Para isso, promoveu a capacitação dos seus principais fornecedores.

Perspectivas

Por ser um mercado pulverizado e extremamente competitivo, com a participação de diversas empresas nacionais e estrangeiras, o Aché segue um novo modelo de gestão dividido por unidades de negócio: Prescrição Médica, Genéricos, MIP, Industrial, Centro de Serviços Compartilhados e P&D.

O faturamento do laboratório em 2006, comparado ao de 2005, cresceu 54%, totalizando uma receita operacional bruta de R$ 1.772 milhões. Sua receita líquida foi de R$ 1 bilhão, 34% acima do ano anterior. Este crescimento se deveu ao crescimento nas vendas, do efeito cambial sobre a importação de matérias-primas, além da contabilização dos resultados da Biosintética adquirida em 2005. Esta, no entanto, por causa das despesas com sua compra, fez o lucro líquido cair 18%, para R$ 71 milhões em 2006. Já seu lucro operacional aumentou 29% em 2006, para R$ 702 milhões.

O Aché continua investindo fortemente em P&D de novos produtos e tem 22 projetos em andamento de associações de moléculas e pesquisa de fitomedicamentos e biotecnológicos. Os investimentos alcançaram R$ 11,9 milhões em 2006. Para 2007, esse valor deverá chegar a R$ 20 milhões, valor irrisório se comparado ao R$ 1,7 bilhão de faturamento da empresa e aos da média das grandes farmacêuticas internacionais, que dedicam à área de P&D, de 6% a 20% do faturamento líquido. O Centro de P&D do Aché visa a pesquisa e desenvolvimento de medicamentos inovadores, com estudos próprios e em parceria com universidades brasileiras. O Aché conta hoje com 90 patentes e 1126 marcas registradas.

Os planos para este ano de 2007 incluem investimentos de R$ 150 milhões em um novo complexo produtivo de líquidos em Guarulhos, com o objetivo de adequar a produção do laboratório aos padrões de qualidade e às normas regulatórias internacionais e com vistas à ampliação do mercado externo. Para o futuro próximo, entre 2008 e 2009, serão 68 milhões investidos na linha de sólidos e semi-sólidos. Assim, esta nova unidade terá capacidade produtiva de 250 milhões de unidades/ano.

O Aché pretende também ampliar suas exportações que, em 2006, ficaram em R$ 5 milhões e que, por ora, respondem por uma pequena parcela do seu faturamento e basicamente para países latino-americanos. Quer entrar nos mercados americano, europeu e japonês, além de fechar parcerias com laboratórios estrangeiros, como uma concluída recentemente com uma das maiores farmacêuticas mexicanas, a Silanes.

De modo geral, além do crescimento das exportações e da ampliação da internacionalização através de aquisições, os planos de crescimento da empresa incluem o aumento de seu portfólio de medicamentos com desenvolvimento próprio, dos licenciamentos decorrentes e da entrada em novos mercados, como o de dermocosméticos com o grupo alemão Beiersdorf. Para isso, serão necessários cerca de R$ 100 milhões investidos este ano, o dobro de 2006.

Um dos focos de expansão é a área de negócios dos MIP, que em 2006 movimentou entre R$ 5 e 6 bilhões somente no Brasil e respondeu por 15% das receitas do Laboratório. A de prescrição foi responsável por 70% e a unidade de genéricos, pelos 15% restantes.

Uma das alternativas encontradas por José Ricardo Mendes da Silva, Diretor Geral de Operações do Aché desde 2001 e principal executivo da empresa, para para financiar o crescimento na área de fitomedicamentos, é abrir o capital da empresa e lançar ações na bolsa de valores de São Paulo. Estratégia que está sendo estudada com extremo zelo.

Questões para discussão

1. Uma questão importante a partir da experiência do Aché é se outros laboratórios nacionais deveriam seguir a mesma estratégia de realizar seu próprio esforço de desenvolvimento de novos medicamentos, na contramão do que vêm fazendo alguns importantes laboratórios internacionais. Por exemplo, ManteCorp é um laboratório nacional, oriundo de uma joint venture com o Schering Plough. A joint venture foi desfeita em 2006, e o laboratório passou a atuar isoladamente. O faturamento da ManteCorp em 2006 foi da ordem de 712 milhões de reais, ou seja, como os demais laboratórios nacionais, não é uma empresa com grande fôlego para a introdução de novas moléculas como fazem os grandes laboratórios internacionais. Porém, a empresa precisa crescer e pode fazer isto de várias formas. As opções disponíveis incluem o licenciamento de novos medicamentos, que podem garantir aumentos de faturamento a curto prazo; e o desenvolvimento de novos medicamentos, como fez o Aché. Se estivesse em posição de tomar decisão os rumos estratégicos de Mante- Corp, considerando a experiência do Aché, qual a combinação entre estas e outras opções preferiria como fonte de crescimento sustentado da empresa?

2. Outro desafio importante diz respeito à gestão da pesquisa clínica. Suponha que você tem sobre a sua mesa de trabalho, como Presidente de um grande laboratório nacional, a pauta de uma reunião do Conselho onde será tomada uma decisão estratégica, a de terceirizar as operações de pesquisa clínica. Qual a sua posição sobre a decisão a ser tomada?

3. Agora suponha que o laboratório nacional que você preside foi adquirido por uma grande empresa farmacêutica multinacional, e você continuará ocupando a Presidência no Brasil. Sua opinião sobre a estratégia mudaria após a aquisição? Ou você considera que a estratégia da unidade brasileira deveria ser mantida, mesmo com a aquisição internacional?

Referências:

  • BESANKO, David, DRANOVE, Davis, SHANLEY, Mark, e SCHAEFER, Scott. A economia da estratégia. 3ª Ed., Bookman, São Paulo, 2004
  • Encarte da Revista da Indústria Brasileira, nº 62: www.cni.org.br
  • Febrafarma. A indústria Farmacêutica no Brasil: Uma Contribuição para as Políticas Públicas. Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica, Setembro de 2006.
  • Gazeta Mercantil, 18 de abril de 2007 e 11 de julho de 2007, pg C4.
  • TUROLLA, Mônica S. R. Avaliação dos aspectos toxicológicos dos fitoterápicos: um estudo comparativo. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo, 2004.
  • Website da Aché: www.ache.com.br, acesso em 30/5/2007.
  • Website Agência FAPESP: www.agencia.fapesp.br/boletim
  • Website Isto é dinheiro www.terra.com.br/istoedinheiro, de 29 de junho de 2005
  • Website Revista Embanews: www.embanews.com/entrevista, 6 de junho de 2007
  • Website: www.valoronline.com.br, 17 de abril de 2007
  • Website: www.vencer.com.br, edição nº58

Fonte: Central de Cases da ESPM

Nota do Autor: Preparado pelo Prof. Frederico Araujo Turolla e Maria Fernanda Freire de Lima, da ESPM-SP. Recomendado para as disciplinas de: Estratégia e Microeconomia. Este caso foi escrito inteiramente a partir de informações públicas. Não é intenção dos autores avaliar ou julgar o movimento estratégico da empresa em questão. Trata-se apenas da elaboração de um texto para reflexão em ambiente acadêmico.