As fases para criar uma empresa de compartilhamento

Você quer criar uma empresa que usa a estratégia de compartilhamento? Em inglês, esse tipo de empresa pode ser chamada de Peers Inc, trata-se de uma empresa-plataforma formada inicialmente por amadores, como o Uber e o Airbnb, típica da economia do compartilhamento. Nesse artigo, a autora Robin Chase (escritora do livro Economia Compartilhada) ensina como criar uma infraestrutura flexível e convidativa para os participantes da rede de serviços (peers). Trata-se de um processo que atravessa quatro estágios, aqui sintetizados:

  1. Núcleo (kernel) controlado;
  2. Todo mundo é bem vindo;
  3. Desequilíbrio de poder;
  4. Paridade de poder;

Minha hipótese é que existem quatro fases que muitas iniciativas das empresas Peers Inc (embora não todas) percorrem: a do kernel (núcleo) controlado, aquela em que todo mundo é bem-vindo, a do desequilíbrio de poder e a da paridade de poder. Uma empresa de economia compartilhada malsucedida até pode ter sobrevivido às fases iniciais, mas certamente não conseguiu percorrer o caminho todo.

FASE 1: KERNEL CONTROLADO

Para ilustrar a fase 1, apresento a GoLoco, uma boa plataforma de participação que criei, mas não conseguiu passar para a fase 2. Comecei a levantar fundos para a GoLoco em 2006 e, em abril de 2007, a lançamos com um capital de investimento um pouco superior a US$ 1 milhão, graças a investidores-anjo que acreditaram em mim. A proposta era fazer pela carona solidária (caronas de curta e longa distâncias) o que a Zipcar havia feito pelo compartilhamento de carros. Queríamos transformar o compartilhamento de um trajeto de carro em uma experiência fácil, divertida e financeiramente gratificante. Tecnologia, marketing e branding excelentes nos possibilitariam transformar nossa visão em realidade.

A GoLoco daria uso a todos aqueles assentos vazios disponíveis em 80% dos carros ocupados apenas pelo condutor. O branding é importante para mim, de modo que passei um bom tempo escolhendo o nome certo. Era divertido dizer GoLoco e também denotava um significado mais profundo: go local, go low cost, go low CO2 (ou vá com gente local, vá com baixo custo, vá gerando menor emissão de CO2 ).

Como é crucial acertar a interface do usuário e a usabilidade, também investi muito dinheiro em uma empresa que tinha sido responsável por alguns dos ícones mais emblemáticos do Google e layouts de páginas da internet. E, como eu já tinha boas conexões e era respeitada no mercado, poderia receber alguma atenção e publicidade no lançamento.

Como ideia, a GoLoco era fantástica, o que foi comprovado pelo sucesso da BlaBlaCar, um serviço lançado na França mais ou menos na mesma época. As pessoas poderiam anunciar facilmente seus trajetos de carro. Por exemplo: Saindo da esquina da minha casa em Cambridge até a esquina do apartamento da minha filha em Nova York, partindo ao meio-dia da sexta-feira, 15 de junho, e voltando no domingo, 17 de junho, às 4 da tarde.

Condutores e passageiros criariam perfis com fotos, links para mídias sociais e blogs, informações sobre os idiomas que falavam e detalhes sobre seus interesses. Os perfis também poderiam incluir um breve clipe de áudio, porque as pesquisas indicavam que as pessoas tinham mais chances de confiar em alguém se pudessem ouvir sua voz. As pessoas poderiam formar grupos abertos a todos (um grupo para ir às lojas Ikea) ou privados (o grupo do time de futebol de Arlington), e os trajetos seriam facilmente anunciados para o grupo todo.

Seria possível criar alertas de trajetos para avisar automaticamente se alguém planejasse ir do seu bairro à Ikea. Um mapa na sua página inicial personalizada lhe mostraria para onde os condutores saindo do seu bairro iriam naquele dia, dando-lhe a chance de explorar a cidade ou o país ao acaso.

Você poderia pagar sua parte dos gastos da viagem pela internet (nós cobraríamos de cada usuário, tanto condutor como caronista, 10% da transação). E passageiros e motoristas poderiam dizer se voltariam a viajar com o outro, criando uma rede baseada em reputação.

Convencemos amigos e funcionários a criar perfis pessoais completos para nos ajudar a começar. E não demoramos muito para descobrir que havíamos passado dos limites nos recursos incluídos no site. Praticamente ninguém criou um perfil voluntariamente. E os usuários também não queriam digitar os nomes de rua (mesmo havendo a função de autopreenchimento, que facilitava a tarefa); eles só queriam incluir o nome da cidade. E também não incluíam um horário específico (como 15h30) nem se mostravam dispostos a nos dizer quantos assentos vagos tinham no carro. Como é que as pessoas esperavam oferecer ou encontrar uma carona com tão pouca informação?

Meus engenheiros passaram os meses seguintes simplificando, simplificando e simplificando um pouco mais – criando um MPV (mínimo produto viável). Era o que havíamos feito com eficácia na Zipcar, devido à nossa falta de dinheiro, tempo e conhecimento do setor.

Com a GoLoco, eu tinha mais fundos e sabia o que estava fazendo… Grande erro! É difícil não exagerar nos recursos da sua plataforma inicial. Você passou tanto tempo pensando! Mesmo quando tenta criar o que acredita ser o mínimo do mínimo para entrar em contato com seu público, é bem provável que você ainda esteja exagerando nos recursos.

O leitor está pronto para outro choque? A maior parte da produção dos peers é uma porcaria. Aprendi isso a duras penas com a GoLoco. As pessoas não são como empresas e são novas nesse esquema de produção profissional por peers. Elas têm mais chances do que as empresas de prometer demais, entregar de menos, deixar de cumprir prazos, não ir até o fim e em geral fazer um trabalho insatisfatório.

Foi por isso que o eBay, uma pioneira entre as organizações do tipo Peers Inc, percebeu que tinha de incluir classificações e comentários. E meu palpite é que, se os peers vendedores conhecessem as regras, suas descrições de produto, fotos e taxas de entrega no prazo melhorariam muito.

O próprio eBay, como plataforma, provavelmente também melhorou o resultado final se encarregando da maior parte do trabalho possível, otimizando fluxos de trabalho e melhorando a apresentação das informações. Só que é exatamente a grande variação na produção dos peers que faz com que a coisa toda seja tão interessante.

Uma curva de distribuição normal simples chega ao cerne da qualidade do desempenho dos peers, mostrando o número de pessoas que participam de cada nível de desempenho: baixo (algumas pessoas fazem isso), médio (a maioria fica aqui) e alto (uma pequena fração faz isso).

O ensinamento principal? Não é fácil construir uma boa plataforma colaborativa. O objetivo é engajar o maior número de pessoas e ao mesmo tempo garantir uma qualidade mínima adequada. O construtor da plataforma (a Inc) deve saber se equilibrar muito bem na corda bamba. A Inc não terá como acertar na primeira ou até na segunda vez, porque será preciso fazer uso de tentativa e erro para acertar, mas, quando acertar, será fácil fazer os ajustes.

Pode levar meses ou até anos para decidir a melhor quantidade de estrutura para os dois lados. Como é que a plataforma (a Inc) pode se encarregar de cada ativo, processo, regulamentação e obstáculo que poderia reduzir a participação dos peers? Qual é o engajamento mínimo necessário por parte dos peers – como fornecedores ou como consumidores – para fazer algo interessante? O sucesso depende de acertar esse equilíbrio.

A estrutura e a complexidade da interface com os peers definirão não apenas se e como os peers vão participar, mas também o potencial para inovações futuras e, portanto, o potencial de mercado. A quantidade de estrutura incorporada à plataforma decide a quantidade de variação que você deixa entrar.

A BlaBlaCar, o Airbnb e especialmente a Zipcar são plataformas bastante fechadas. Os peers só podem operar com escolhas restritas, resultando em uma colaboração relativamente uniforme (e produtos e serviços uniformes). Com a GoLoco, só viagens de carro podem ser compartilhadas; com o Airbnb, só camas. Com a Zipcar, as pessoas podem escolher o carro e a hora que quiserem, fazer sugestões de melhorias e reclamar de problemas, mas não muito mais do que isso. É bem verdade que a variação e a criatividade acabam se insinuando, mas só até certo ponto.

No outro extremo do espectro estão plataformas bem abertas, com requisitos menos invasivos e menos restritivos; as plataformas iOS e Android, a internet, APIs de dados abertos e GPS são excelentes exemplos disso. Os requisitos de plataforma são brandos – protocolos e metarregras –, permitindo, assim, a maior variação e a maior criatividade possíveis. Se o objetivo for maximizar a inovação, quanto mais aberta for a plataforma, mais variação você vai permitir e mais inovação revelará.

Em algum lugar entre esses dois extremos ficam plataformas como o Twitter (“faça o que quiser com os 140 caracteres que serão transmitidos para o mundo inteiro ver”) e o Kickstarter (“obtenha quase qualquer nível de financiamento para qualquer tipo de projeto criativo”).

Descobrir a quantidade certa de estrutura para atingir seus objetivos requer teste, iteração, aprendizagem, adaptação. Começando pequeno, é possível ir encontrando aos poucos o lugar certo e o equilíbrio certo. Como foi que três jovens com uma ideia que se transformou no YouTube conseguiram vencer o Google Video? Uma aprendizagem mais rápida à medida que a plataforma avançava e uma participação maior e mais rápida dos peers levaram a uma plataforma na qual a participação era clara, simples e fácil.

logo novo google

A primeira página inicial do YouTube, de fevereiro de 2005, se voltava para o namoro online: sou um “homem”, buscando “todo mundo entre 18 e 45 anos”. Pessoas postando vídeos tendiam a usar o serviço para “se colocar” no mercado. Quatro meses depois, o YouTube se transformou em “seu repositório de vídeo digital”, convidando as pessoas tanto a “buscar” como a “fazer o upload dos seus vídeos”. Em apenas dois meses (ainda antes de atrair seu primeiro capital de risco), eles se decidiram por três componentes principais exibidos em destaque e igualmente ponderados na página inicial: assistir ao vídeo, fazer o upload, compartilhar. Essas duas últimas ações estão no centro de uma abordagem Peers Inc, convidando os peers ao engajamento direto.

Com o Google Video (cujo lançamento ocorreu ao mesmo tempo que o do YouTube) foi diferente: o site beta exibia em destaque a famosa caixa de pesquisa vazia do Google, com um grande e estiloso link “baixe o player de vídeo” (baixar aplicativos requer um trabalho adicional que eu normalmente evito). O Google Video ainda não estava pensando nos termos de uma Peers Inc: não havia nenhum foco em convidar pessoas a participar.

O fato é que uma parcela considerável do sucesso do YouTube resultou do fato de a plataforma ter facilitado fazer o upload de vídeos em praticamente qualquer formato, algo que o Google só fez um ano depois, em junho de 2006 – tarde demais para recuperar o terreno perdido. Em agosto de 2006, 18 meses depois de sua fundação, o YouTube tinha 19,1 milhões de visitantes únicos. E o Google comprou o YouTube em outubro de 2006.

Comparemos agora as primeiras abordagens da GoLoco e do YouTube. A plataforma do YouTube era muito mais aberta (os usuários podiam fazer o upload de qualquer vídeo) e, portanto, os acionistas obteriam um valor muito mais alto caso o negócio fosse um sucesso. Também era possível prever que a plataforma aberta e irrestrita do YouTube poderia entregar muitos vídeos de péssima qualidade (que todo mundo sabe que é melhor ignorar), muita coisa bastante inovadora (de que todo mundo gosta) e um enorme volume de material entre esses dois extremos.

A GoLoco, por outro lado, buscava mais uniformidade. Restringimos nossa plataforma porque a ideia era facilitar a carona solidária e nada mais. Se começássemos a ver muitos peers apáticos, seria fácil elevar os padrões, dificultando o cadastramento na plataforma e tornando o processo mais complicado. Chip Conley, diretor de hospitalidade global do Airbnb, me contou que, à medida que a empresa e o número de anúncios cresciam, eles passaram a alertar e retirar anfitriões apáticos ou com comentários demais mencionando a falta de limpeza como um problema.

Por que a GoLoco não deu certo? Porque os norte-americanos não tinham interesse na carona solidária. Levamos um tempo para descobrir isso. Restringimos nossa oferta e direcionamos nosso marketing para que pudéssemos forçar o sucesso em um nicho específico e nos expandir a partir desse trampolim, uma estratégia que recomendo vivamente para startups que procuram criar massa crítica.

Quanto menor for o nicho, menor é a massa crítica necessária para testar a possibilidade de sucesso. Para a GoLoco, focamos primeiro uma região geográfica específica (Boston, incluindo o corredor viário entre Boston e Nova York), depois determinados segmentos de mercado demográficos (trabalhando em estreita colaboração com universidades para lhes fornecer a plataforma de carona solidária e firmando parcerias com conferências, shows e eventos esportivos).

Dois anos após a fundação da GoLoco, depois de vários choques de realidade deprimentes, devolvi os fundos não utilizados aos investidores. Steve Blank, o empreendedor em série que lançou o movimento da startup enxuta, resumiu bem nossa experiência em um post de blog intitulado “Nenhum planejamento sobrevive ao primeiro contato com os clientes”. Os tropeços da GoLoco, com suas idas e vindas entre a visão da fundadora e a experiência no mundo real, retratam com precisão a importância do “kernel”, a primeira fase de experimentação.

O que é kernel? A página informativa do software Linux apresenta uma boa definição: “Kernel é um programa que constitui o núcleo central de um sistema operacional de computador. Tem o controle total de tudo o que ocorre no sistema”. Você pode estar achando que uma empresa tipo Peers Inc é extremamente democrática, com os peers sempre participando de maneiras expressivas, mas isso não é necessariamente verdade, pelo menos não o tempo todo. Durante a fase do kernel controlado, quando os fundadores estão começando a montar a plataforma, eles têm de exercer o máximo controle, ao mesmo tempo que forçam os participantes a ir para onde eles querem – e vão observando-os de perto para entender como as pessoas de fato participam. Se permitir que um grupo grande opine em decisões demais, você nunca vai conseguir fazer a iniciativa decolar.

Nos estágios iniciais do desenvolvimento da Wikipédia, o debate sobre o nível certo de controle pelo fundador causou uma divisão entre os cofundadores Jimmy Wales e Larry Sanger. Embora Sanger não pudesse se dar ao luxo de continuar a trabalhar sem financiamento, ele e Wales também discordavam sobre como resolver os desafios do mundo real que surgem quando qualquer pessoa, com ou sem expertise relevante, pode editar qualquer coisa; Sanger queria ser mais restritivo, limitando a capacidade de criar artigos a pessoas formalmente sancionadas como autoridades.

No início do segundo ano, Sanger decidiu abandonar o empreendimento; Wales continuou, insistindo em maximizar a participação e deixar qualquer pessoa criar um artigo. Olhando para as plataformas mais refinadas e bem-sucedidas de hoje, esquecemos que todas elas começaram como uma tábula rasa, um brilho no olho do fundador. Até a regra “Não seguir regras” é uma decisão tomada pelo fundador. Jack Hughes, fundador da TopCoder, chegou a dizer com pesar: “No fim você precisa de um ditador”.

Passei muito tempo descrevendo esta primeira fase porque, se você conseguir acertar o kernel – o equilíbrio entre estrutura e liberdade –, estará pronto para a próxima e empolgante etapa.

FASE 2: TODO MUNDO BEM-VINDO

Ao final da fase do kernel controlado, a mão está estendida e todo mundo que a vê sabe exatamente o que fazer. A plataforma é robusta e atraente. As regras e a cultura são relativamente estáveis. A plataforma é flexível, justa e está pronta para a expansão.

Se a construção do kernel pode levar meses (veja o sucesso do Instagram) ou anos (a plataforma da BlaBlaCar precisou de mais de quatro anos para amadurecer), a segunda fase tem ritmo vertiginoso – nela, o poder e a força dos peers incentivados entram em ação. É quando entramos no trecho de crescimento íngreme da curva.

Conto, então, a história de Frédéric Mazzella, meu amigo e fundador da BlaBlaCar, empresa francesa de carona solidária que tem sido um grande sucesso. Fred conseguiu navegar com competência pela fase 2. Quatro longos anos se passaram entre a primeira visão de Fred e o desenvolvimento de uma plataforma que finalmente poderia decolar às alturas. Ele mesmo programou o MVP inicial, mas sabia que logo precisaria contratar engenheiros profissionais. Também enfrentou a realidade da produção desleixada dos peers e aprendeu a melhorar a qualidade das ofertas peer-to-peer. Fez experimentos com vários modelos de negócio. Teve sorte quando precisou (greves ferroviárias na França em 2007 e a erupção do vulcão islandês Eyjafjallajökull em 2010, que paralisou o transporte aéreo europeu por oito dias, deixando milhões de passageiros ilhados) e também estava preparado para se beneficiar desses acontecimentos, promovendo o serviço na hora certa.

Em 2008, Fred lançou um sistema de classificação online para condutores e passageiros. Isso se provou um elemento fundamental para lidar com o medo e a desconfiança entre potenciais passageiros. O crescimento anual da BlaBlaCar começou a acelerar: iniciando com 60 mil membros em 2008, a comunidade cresceu para 120 mil em 2009 e 300 mil em 2010.

Em 2011, a empresa lançou um modelo de negócio com os incentivos certos. Era prático e útil para os condutores quando os passageiros reservavam e pagavam pelos assentos no carro pelo site, reduzindo a chateação de procurar caronistas potenciais e também garantindo que eles de fato apareceriam no encontro marcado, considerando que já haviam pago pela carona. A BlaBlaCar cobra uma taxa de 10% e aplica o imposto exigido pelo governo francês, de 20%.

Seu crescimento foi exponencial: 1 milhão de membros em 2011, 3 milhões em 2012, 10 milhões em 2013! E a BlaBlaCar levantou US$ 100 milhões em capital em julho de 2014. Aliás, o ano de 2014 se revelou marcante para as empresas que utilizavam essa abordagem colaborativa: mais de US$ 3 trilhões levantados. A Lyft levantou US$ 250 milhões, e o Uber, espantosos US$ 3 bilhões. Essas são as empresas que conseguiram resolver a fase do kernel e vivenciaram o crescimento exuberante da fase 2.

É provável que boa parte do valor levantado tenha resultado de uma bolha, mas é fato que os três milagres prometidos por uma Peers Inc – crescimento acelerado, aprendizagem rápida e adaptação local veloz e de baixo custo – realmente agradam aos investidores.

Vale comentar a Lyft e o Uber.

São concorrentes ferozes no novo mercado de táxis extraoficiais baseados em aplicativo. As duas companhias tiveram crescimento rápido nos poucos anos desde sua fundação (o Uber foi fundado em 2009, e a Lyft, em 2012). E agora as duas estão engajadas em uma guerra de preços, reduzindo as tarifas, para atrair passageiros, e as comissões, para atrair peers motoristas. Nenhuma das duas tem qualquer propriedade intelectual que lhes dê vantagem competitiva. Nada impede os motoristas de dirigir para as duas empresas e nada impede os passageiros potenciais de ter os dois aplicativos no smartphone. (Em minha experiência com a Zipcar e seus concorrentes, vi que os clientes fazem a escolha com base em uma combinação de praticidade – a tecnologia –, preço e proximidade.)

Tanto o Uber como a Lyft têm modelos de negócio e apps interessantes. Mas será que o mercado tem como sustentar os dois serviços? Comprar (subornar) os usuários cedo demais no ciclo de vida de uma empresa só vai consumir muito dinheiro sem produzir nada duradouro. Levar tempo demais para fazer isso é possível, mas pode ser uma estratégia bastante arriscada, dependendo da capacidade da empresa de defender a liderança. Falarei mais sobre a batalha Uber contra Lyft quando entrarmos na última fase, mais adiante neste capítulo.

Em todos os casos, as plataformas mais ajustadas, com menos atrito, saem vencedoras. O WhatsApp, o serviço de mensagens de texto, cresceu muito mais rapidamente que o Skype (e que o Twitter, o Instagram e o Facebook). Tanto o WhatsApp como o Skype são exemplos do modelo Peers Inc: alavancam capacidade excedente (os computadores e smartphones dos usuários), constroem uma plataforma de participação (os aplicativos) e exigem enorme participação dos peers (baixando os apps e dando-lhes permissão para usar e acessar os dispositivos).

Por que o crescimento do WhatsApp foi mais rápido? Em grande parte, devido à extrema simplicidade dos requisitos de participação. Jan Koum, cofundador e CEO do WhatsApp, tomou a brilhante (ou, como ele caracterizou em uma conversa comigo, “a mais preguiçosa”) decisão de reaproveitar os números de telefone existentes dos usuários na lista de contatos das pessoas como identificadores únicos. Isso permite que o WhatsApp identifique imediatamente para você todos os seus contatos que baixaram o app e que podem receber suas mensagens sem você precisar fazer nada. O Skype, como você já sabe se já usou o serviço, escolheu o caminho inoportuno de exigir que a pessoa crie um nome de usuário completamente novo para ele, dificultando criar a conta e usar o serviço sempre que quiser se conectar com alguém novo. A facilidade e a simplicidade da plataforma também são fundamentais nas reconexões.

Dependendo do objetivo e da estrutura das iniciativas, contudo, muita participação pode criar novos problemas. O GPS e a internet podem acomodar um número quase infinito de inovações de peers, mas, em determinado ponto, filtros devem ser introduzidos. Você imagina a utilidade da web sem um mecanismo de busca? Pois é isso que acontece com os aplicativos. É muito difícil navegar pelos milhões de apps disponíveis e, se você estiver procurando um específico, será complicado encontrá-lo se não souber seu nome exato. Como explica o consultor da internet Clay Shirky, “não é uma questão de sobrecarga da informação, e sim de filtro insuficiente”.

A fase do “todo mundo é bem-vindo” não termina e sempre se espera expandir o número de colaboradores. Nela, todo mundo está animado para participar da nova plataforma, mas esse entusiasmo logo é substituído por outras preocupações.

FASE 3: DESEQUILÍBRIO DE PODER

As regras de engajamento entre a Inc e os peers já foram estabelecidas há um bom tempo e os benefícios são claros o suficiente para vermos o surgimento de players poderosos que descobriram como vencer o jogo – por vezes dificultando a vida dos recém-chegados e potencialmente ameaçando os peers, menores e muito mais numerosos. Outras vezes, a plataforma Inc obtém tanto sucesso que se esquece de que é uma colaboração.

É nesse ponto que precisamos retomar o complexo balé de colaboração, lembrando que é ele que faz a coisa toda dar certo. O compartilhamento de valor entre a Inc e os peers é o elo mais vulnerável e, na fase 3, é preciso superar o desequilíbrio de poder.

Bruce Schneier é um brilhante tecnólogo de cibersegurança. No Twitter, deparei com uma camiseta à venda com os dizeres: “Bruce Schneier é tão esperto que consegue decompor números primos”. Como se isso não bastasse, Bruce ainda tem boas histórias para contar sobre a evolução da internet (que também opera no modelo Peers Inc, aliás). Ele conta como ficaram empolgados os primeiros usuários quando perceberam que a internet colocava o poder nas mãos das pessoas comuns e possibilitava todas as coisas que acompanham esse poder: criar conteúdo, serviços e produtos sem autorização; criatividade e inovação sem limites; e crescimento rápido para as ideias merecedoras.

Bruce explica como foram as pessoas, e não as empresas, que primeiro conquistaram essa nova plataforma, devido à natural agilidade dos indivíduos. Desde então, e especialmente na última década, instituições como a Comcast, a Verizon e a AT&T enxergaram quão promissor é esse negócio, aprenderam suas regras e aos poucos estão começando a dominar a internet.

As plataformas de sucesso evoluem continuamente para satisfazer as necessidades dos participantes. O que acontece quando alguns participantes deixam de ser pequenos e as regras da plataforma começam a favorecer as necessidades deles? Esse poder pode se afastar do distribuído e voltar ao institucional. Como Bruce explica, “é uma competição entre os ágeis e os fortes”.

O potencial de captura da plataforma por players poderosos fica mais visível à medida que as primeiras organizações Peers Inc se aproximam da maturidade. O Lending Club (fundado em 2006) e a Prosper (fundada em 2005) são os líderes dos empréstimos peer-to-peer. O Lending Club é uma empresa consideravelmente maior. De 2006 ao fim de outubro de 2014, já tinha facilitado mais de US$ 6 bilhões em empréstimos a mais de 400 mil tomadores, entre pessoas físicas e jurídicas. Cerca de 80% dos tomadores estavam refinanciando a dívida existente a taxas de juros muito menores, com pagamentos em média 29% mais baixos do que os cobrados por empresas de cartão de crédito ou bancos.

Os investidores, que podem ser pessoas comuns, como você e eu, gostam de investir seu dinheiro em empréstimos peer- -to-peer porque recebem um retorno melhor do que se investissem em certificados de depósito ou deixassem o dinheiro na poupança. Como em outras organizações Peers Inc que aperfeiçoaram sua plataforma, os negócios do Lending Club dispararam de repente: dos US$ 6 bilhões totais, cerca de US$ 3 bilhões foram movimentados nos três primeiros trimestres de 2014.

A Prosper, por sua vez, tem uma participação no mercado de aproximadamente 35% no setor. E também está passando por taxas de crescimento fenomenais: levou oito anos para atrair o primeiro US$ 1 bilhão em empréstimos e depois, em apenas seis meses, cruzou a marca dos US$ 2 bilhões.

Contudo, tanto o Lending Club quanto a Prosper, que começaram com determinação como mercados de crédito peer-to-peer, hoje facilitam principalmente empréstimos de credores institucionais, e não individuais. Na Prosper, mais de 80% dos empréstimos feitos em março de 2014 foram financiados por fundos hedge, fundos de pensão, administradores de ativos, fundos soberanos e bancos estrangeiros. E, no Lending Club, esse número foi de cerca de 70%. Em outubro de 2014, os investidores institucionais emitiram US$ 177 milhões em empréstimos, constituindo um aumento de três vezes e meio em relação ao montante de empréstimos de outubro de 2013.

Larry Summers, secretário do Tesouro na administração Clinton e hoje membro do conselho do Lending Club, afirmou: “A plataforma do Lending Club tem o potencial de transformar profundamente o setor bancário tradicional na próxima década”. A questão é: transformar em quê? Em uma fachada diferente para o mesmo fluxo de acordos? Ou em um grupo totalmente diferente de credores?

Em alguns mercados urbanos, o Airbnb tem vivido o mesmo fenômeno: profissionais usam a plataforma para anunciar seus apartamentos e suas casas. No início de 2014, depois de vários meses de batalha, o procurador-geral do estado de Nova York recebeu dados sobre as locações realizadas no Airbnb em Nova York de 1º de janeiro de 2010 a 2 de junho de 2014. Sua análise, iniciada em outubro de 2014, baseou- -se nos dados anônimos de quase meio milhão de estadias em mais de 35 mil acomodações únicas, em que a estadia foi de menos de 30 dias e a acomodação não foi compartilhada. Noventa e quatro por cento dos anfitriões do Airbnb tinham uma ou duas unidades para alugar, e esse grupo havia ganhado 63% da renda no período analisado – US$ 280 milhões (pense no que essa montanha de dinheiro significava para as pessoas que colocaram seus quartos ou apartamentos para alugar).

Mas os 6% dos “anfitriões” restantes tinham entre 3 e 272 unidades para alugar (claramente não eram pessoas físicas alugando o próprio apartamento ou quarto vago) e foram responsáveis por 37% do total das receitas: US$ 168 milhões. O anfitrião com a maior renda, oferecendo 272 unidades para locação, cobrou uma média de US$ 358,19 por diária e arrecadou um valor bruto de US$ 6,8 milhões. Cada um dos 12 maiores operadores da cidade de Nova York teve uma receita superior a US$ 1 milhão.

A análise encontrou mais cem anfitriões “poderosos”, com dez ou mais unidades anunciadas. Logo depois de entregar os dados ao procurador- -geral, o Airbnb repassou os anúncios de Nova York, identificou 2 mil que claramente eram de instituições e os retirou do site. O Airbnb diz que os retirou porque os anúncios não refletiam a marca ou as aspirações de serviço da empresa. É pouco provável que os dez maiores anfitriões permaneçam na plataforma. Do ponto de vista do Airbnb, quando a plataforma estava no auge da fase “todo mundo é bem-vindo”, o objetivo era facilitar ao máximo a inclusão de anúncios. Só que a empresa evoluiu. “Não queremos certos anúncios”, explicou Chip Conley, diretor de hospitalidade e estratégia global do Airbnb.

Vejamos mais alguns exemplos.

O Linux, de mais de 20 anos de idade e movido pelo trabalho incansável de milhares de engenheiros, agora tem 70% das melhorias aceitas vindas de engenheiros que trabalham para a IBM e a Samsung. E os dez vídeos mais vistos do YouTube em 2014 foram todos de empresas de mídia profissionais. Que diferença faz uma grande participação de entidades maiores? Como sempre, a resposta certa, apesar de irritante, é: depende. Como Chip descreve, o Airbnb nunca facilitou para os profissionais utilizarem o site, apesar de todas as solicitações.

A meta do Airbnb é “cultivar o tipo de usuários que queremos”, os que se encaixam no branding de “sinta-se em casa em qualquer lugar”, com ênfase na expressão “sinta-se em casa”. “Sentir-se em casa implica conexão pessoal.”

Em todos esses casos, contudo, as Incs se beneficiarão de aprender a seguinte lição: há algumas coisas com as quais só os peers podem contribuir e é melhor respeitar esse fato neste mundo em rede.

Grande parte da força do modelo Peers Inc resulta da diversidade da participação. Se tiramos a diversidade, também eliminamos a flexibilidade e a redundância; a inovação, a criatividade, a adaptação local e a humanidade; o rápido investimento conjunto de ativos ociosos; e a aprendizagem à velocidade da luz.

Por ser uma construtora de plataformas, sei, por experiência própria, que é muito mais fácil lidar com uma única grande empresa do que com mil pequenas. Mas uma boa plataforma remove a vantagem dos players maiores, facilitando a tarefa de lidar com pequenas entidades. A razão para o sucesso da estratégia de locação por hora da Zipcar foi o fato de termos criado a plataforma (e definido os preços) de modo que nós, a empresa, não fizéssemos distinção alguma entre uma locação de oito horas e uma locação diária. Nós recebíamos de braços abertos tanto os clientes que alugavam um carro por uma hora como os que alugavam por períodos mais longos.

O problema de um desequilíbrio considerável no grupo de peers também pode surgir quando peers seletos fazem um sucesso estrondoso. Essa disparidade de poder coloca a plataforma em muitas situações complicadas, e a maioria delas requer tomar decisões difíceis.

Tente se colocar na pele do CEO de um dos apps mais populares do Facebook, o FarmVille. O Facebook atualiza seu sistema duas vezes por dia. Qualquer uma dessas alterações poderia prejudicar o funcionamento do seu aplicativo. E agora imagine o que aconteceria se o Facebook decidisse fazer alguma mudança mais fundamental em suas regras de engajamento. Se você fosse o CEO do FarmVille (ou, mais precisamente, o CEO da Zynga, que criou o FarmVille), estaria preocupado com sua dependência do Facebook e pensaria em maneiras de reduzir essa dependência.

Agora veja a coisa do ponto de vista do Facebook. Uau, você não odiaria ver o FarmVille levar horas de atividade do usuário para outro lugar? O Facebook fará o que puder para dar ao FarmVille tudo aquilo de que o app precisa… ou pode precisar. Não é fácil manter o suporte aos maiores e mais bem-sucedidos peers, porque, na tentativa de agradar a esse grupo, você pode dificultar mudanças na plataforma. Quanto mais o Facebook evoluir para satisfazer as necessidades do FarmVille, ou de aplicativos semelhantes, maiores serão as chances de a plataforma fechar as opções para apps diferentes do FarmVille. O Facebook também poderia fazer coisas que inibem o modo como a maioria dos usuários usa a plataforma: postar atualizações de status, fotos e links e ler sobre os amigos. Um dos melhores atributos de uma estrutura Peers Inc é a capacidade de receber a experimentação de braços abertos, junto com a adaptação e a evolução. Assim que uma plataforma começa a se concentrar em poucos players maiores, ela imediatamente fecha caminhos.

O criador da plataforma tem várias maneiras de lidar com os peers de maior sucesso. O que a plataforma dá ela também pode tomar. O Twitter é um exemplo maravilhoso da promessa do paradigma Peers Inc – proporcionar inovação e crescimento incríveis – e das situações espinhosas nas quais o modelo pode se meter. O Twitter abriu as portas para sua plataforma simples em 2006: basta criar uma conta e sair difundindo o que quiser, contanto que sua mensagem tenha 140 caracteres ou menos. Nick Bilton, do New York Times, escreveu um post de blog intitulado “Por que as pessoas estão tão descontentes com o Twitter?

Vamos parar para fazer um lanchinho”, usando uma excelente metáfora para esclarecer a interação entre a plataforma e seus peers:

Em 2006, um pequeno restaurante chamado Twitter abriu as portas. Não era um restaurante qualquer. O Twitter não tinha os próprios chefs criando pratos. Em vez disso, o restaurante convidou qualquer pessoa a entrar na cozinha e usar como quisesse fogão, panelas, frigideiras, pratos e facas. […] A notícia se espalhou rapidamente e o Twitter fervilhava de gente. […] O Twitter cresceu tão rápido que começou a ter dificuldade de atender todos os clientes. […] Então eles criaram um plano: disseram às pessoas que elas poderiam pegar a comida preparada na cozinha do Twitter e distribuí-la de graça criando novos restaurantes para as pessoas comerem. O Twitter chamou o conceito de interface de programação de aplicativos, ou API. Em pouco tempo food trucks e serviços de delivery estavam fazendo fila para pegar os pratos produzidos no Twitter com a API e redistribuindo-os a pessoas do mundo todo. […] Quando as coisas cresceram, algumas pessoas decidiram levantar grandes investimentos para criar negócios específicos em torno do Twitter. Mas o próprio Twitter ainda precisava encontrar um modelo de receita. A equipe de administração foi substituída. O novo patrão, Dick Costolo, percebeu que, se a empresa quisesse ganhar dinheiro, não poderia mais deixar todos os food trucks e serviços de delivery pegarem toda a comida feita no Twitter. […] Como seria de esperar, todo mundo ficou furioso com a mudança. O pessoal dos food trucks estacionados na rua ficou compreensivelmente irritado. Eles tinham passado anos criando um serviço confiável para levar os pratos do Twitter às pessoas. E agora corriam o risco de ficar de fora. […] Os fregueses de longa data do Twitter, da época da inauguração, também se sentiram enganados. […]

Quem é o culpado nesta história? Na verdade, todo mundo. […] Mas, acima de tudo, o Twitter, que mudou suas decisões e estratégia no meio do caminho, deixou quase todo mundo confuso e prejudicou muita gente que tinha possibilitado o sucesso e a popularidade do Twitter. O Twitter fechou algumas de suas APIs, o que foi considerado uma enorme traição pelos peers participantes, mas uma plataforma tem muitas outras maneiras de abusar de seus cocriadores. Eles podem enviar ordens de cessação ou interpretar caprichosamente as próprias regras para fechar aplicativos de sucesso que acabam ficando poderosos demais, como aconteceu com o AppGratis. John Koestler, da VentureBeat, escreveu com elegância a história a seguir.

Apesar de conhecer o protagonista da história, eu não teria a capacidade de sintetizar o escândalo melhor do que ele: Simon Dawlat, CEO da AppGratis, falou hoje sobre o fato de seu principal app estar sendo retirado da loja de aplicativos do iOS. E o que ele tem a dizer deve deixar todos os desenvolvedores muito, mas muito nervosos. Uma semana atrás, a Apple aprovou o app dele. Dois dias atrás, a Apple baniu o AppGratis da loja de aplicativos do iOS. Sim, a Apple simplesmente baniu o app de sua plataforma. É difícil expressar a confusão que uma reversão como essa causa. É difícil entender como a Apple pode esperar tratar assim os desenvolvedores que investem milhões de dólares em aplicativos que beneficiam sua plataforma e não enfrentar uma reação negativa que deve pegar direto onde mais dói.

O AppGratis avalia aplicativos e disponibiliza gratuitamente um app diferente por dia. Começando do zero, Simon passou três anos desenvolvendo sua empresa à custa de um enorme esforço físico, muitas horas de trabalho, um excelente pensamento estratégico, bom humor e, por fim, a ajuda de 45 funcionários. E a Apple simplesmente os baniu da noite para o dia. O AppGratis não estava violando nenhuma norma expressa da Apple, mas estava mudando a maneira como as pessoas descobrem os aplicativos. O que levou a Apple a fazer isso? Talvez o AppGratis tenha tido sucesso demais. Afinal, o app tinha 12 milhões de usuários.

Muitas plataformas (mas nem todas) monitoram as atividades de seus peers. Uma plataforma poderia decidir comprar as cocriações de maior sucesso, provavelmente controlando entre 60% e 80% das atividades de seu mercado (o que o Twitter fez tão bem). Quando mistura plataforma e conteúdo, a plataforma não pode mais permanecer imparcial. Isso poderia acabar paralisando o crescimento dos cocriadores, que desconfiariam de usar uma plataforma que pode também ser seu maior concorrente. Na verdade, é exatamente isso que está acontecendo na internet.

Prestadores de serviços, que nos dão acesso à infraestrutura física na qual a internet efetivamente roda, estão comprando provedores de conteúdo e criando um verdadeiro conflito de interesses. E também é isso que acontece quando a Microsoft, a Apple ou o Google compram e absorvem, ou simplesmente replicam, os aplicativos de maior sucesso em suas plataformas e começam a oferecê-los incorporados à plataforma.

A Apple não gostou do sucesso do Google Maps e não gostou de depender do aplicativo, de modo que criou o próprio software de mapeamento. A dominância do Google nos nossos computadores provém do agrupamento prático (e gratuito) de Gmail, Google Docs, Google Agenda e Google Drive, derrubando muitas empresas que prestavam esses serviços independentemente.

E, embora os peers, como colaboradores, tenham importância crucial e muito poder em grupo, como indivíduos, eles são dispensáveis. No início da vida de uma plataforma, a Inc faz de tudo para atrair e preservar todas essas pequenas iniciativas. Os peers individuais têm poder. No entanto, assim que a plataforma cresce e se fortalece, a participação de qualquer indivíduo aleatório passa a ser irrelevante.

Em maio de 2014, os peers motoristas do Uber [nos Estados Unidos] começaram a achar que a plataforma que eles estavam usando, o Uber, não estava dando atenção suficiente a suas necessidades. Várias centenas deles entraram na então recém-criada Associação dos Motoristas Baseados em Apps. Como os motoristas são prestadores de serviços terceirizados, a associação não pode ser considerada um sindicato, mas é praticamente a mesma coisa.

O motorista Daniel Ajema, de Seattle, comentou: “Eles nos chamam de parceiros e basicamente o que queremos é uma parceria de verdade”. Outros motoristas do Uber, sentindo-se impotentes, também declararam: “Queremos que a empresa saiba que não somos meras formigas”. E: “O Uber é como um cafetão explorador da mão de obra. Pega 20% do que eu ganho e me trata como se eu fosse um lixo. Eles cortam os preços quando dá na telha. Eles podem me desativar quando quiserem e, se eu reclamar, me mandam à merda”.

Ao menos para Emily Castor, diretora de relações com a comunidade da Lyft – e a principal interface entre os motoristas e a equipe executiva –, diz que manter os peers satisfeitos é fundamental para o sucesso da empresa: “As plataformas que não levam a sério as necessidades e o bem-estar de seus participantes não vão chegar muito longe, à medida que os prestadores fogem para uma miríade de outras opções em busca de oportunidades flexíveis de ganhar renda”.

Nem todas as plataformas tendem ao monopólio. O modo como uma plataforma foi financiada – e, portanto, quem é o dono da plataforma – é que dita suas chances de exercer o monopólio caso tenha oportunidade. E algumas plataformas (como a computação em nuvem, o processamento de cartões de crédito, os servidores de e-mail) não têm barreiras à entrada ou às proteções da propriedade intelectual, de modo que têm concorrentes. Sem barreiras à entrada, é difícil haver um monopólio eficaz, mesmo sem regulamentação do governo.

Agora, uma forma de evitar a regulamentação é não sair por aí fazendo maldades. Se os peers cocriadores não estão reclamando de maus-tratos e se são respeitados, talvez a plataforma não precise ser regulamentada e na prática é autorregulada.

Monopólios não valem a pena, porque não se adaptam. Eles se cercam de muros altos para ficar com todo o valor para si. Enquanto isso, o mundo lá fora evolui, criando soluções e mercados negros, até que um dia um abismo se forma entre o que o monopólio tem a oferecer e o que o mundo real quer. Quando o abismo fica grande demais para possibilitar uma transição lenta, a mudança ocorre em grandes e feios saltos de ruptura.

Qual é o sentido de gastar o tempo necessário para construir uma empresa Peers Inc só para jogar fora os benefícios? Se durante a fase de desequilíbrio de poder a Inc não devolver o poder aos peers, ela perderá os peers e os ganhos que os acompanham.

FASE 4: PARIDADE DE PODER

A solução para criar uma organização sustentável em longo prazo é buscar a paridade de poder entre Inc e peers, nosso último estágio e um estado quase estacionário, mas que se mantém sempre mudando. Bruce Schneier, especialista em cibersegurança, explica: “Entre o rápido e o forte, o que precisamos é de um equilíbrio. Deve haver um equilíbrio adequado entre o poder institucional e o poder distribuído. Quanto maior for nossa capacidade de equilibrar o poder entre os vários grupos, mais estável a sociedade será”.

Imagine que a plataforma já passou pelo estágio 1 da visão do fundador e do controle, pelo estágio 2 da empolgação da rápida adoção e pelo estágio 3 do pântano da conquista de poder e das decisões difíceis. À medida que se fortalecia nesses três estágios, ela teve de ir tomando medidas expressas e substanciais para investir continuamente e compartilhar o poder com os peers cocriadores. Lembre-se de que estamos em busca da paridade de poder, um estágio final ao mesmo tempo dinâmico e estável. A plataforma não precisa dar muito poder aos peers nem fazer isso rápido demais. O objetivo é manter todos os grupos equilibrados, fazendo ajustes contínuos para manter uma espécie de impasse de poder.

Reid Hoffman, investidor de sucesso e cofundador do LinkedIn, disse em uma entrevista que o LinkedIn faz de tudo para entregar valor a todos os grupos: “As pessoas também importam. Não são só os interesses [do LinkedIn]. Pesam os seus interesses, os nossos interesses e como podemos garantir um alinhamento. É isso que realmente importa”.

Quando paramos para pensar a respeito, identificamos várias maneiras de compartilhar o poder e o valor:

Permitir a portabilidade de dados.

É mais fácil fazer isso usando padrões abertos. Isso constituiria o maior custo de transferência e a maior barreira possível para sair da sua plataforma. Você conhece este ditado sentimental: “Se você ama alguém, deixe-o livre. Se ele voltar, é seu”? Se sua plataforma for tão boa quanto você acha que ela é, as pessoas não vão querer abandoná-la. Mas você vai ter de dar duro para isso ser real.

A plataforma ser uma defensora dos peers.

No começo, tenho certeza de que a empresa faz isso. Mas, com o crescimento e o aumento da carga de trabalho, seu pessoal se volta para outras tarefas e perde essa meta de vista. Essa é a hora de criar um cargo para alguém poder se dedicar exclusivamente a isso. Quando a voz dessa pessoa deixar de ser ouvida na empresa, é hora de aumentar a equipe dela ou criar regras para proteger os interesses das minorias. Como sempre, tudo isso requer um empenho cada vez maior. Por exemplo, o Airbnb criou um grupo de 75 “testadores confiáveis”, escolhidos de um grupo de 30 mil “superanfitriões”, os mais experientes da plataforma. Os testadores (não remunerados) participam da análise do design e de mudanças nas regras, além de contribuir com recomendações. Quinze dos maiores mercados do Airbnb também têm administradores da comunidade em campo dedicados a melhorar a interface entre a empresa e seus anfitriões.

Dar aos peers a capacidade de se comunicar uns com os outros e de se organizar.

O Airbnb lançou o Airbnb Groups, “comunidades online criadas e organizadas pelos anfitriões do Airbnb em torno de um tema ou interesse específico”. Em um ano, 25% dos anfitriões já participavam de pelo menos um grupo. Como seria de esperar, a maioria dos grupos se concentra em temas ligados à hospitalidade: “Como fazer os hóspedes se sentirem especiais”; “Anfitriões e hóspedes sustentáveis e ecoconscientes”; “Como resolver emergências”; “Troca de casas”. Em pouco mais de um ano, havia mais de 2 mil grupos. Curiosamente, os anfitriões que participam dos grupos têm classificações 15% mais elevadas do que os que não participam.

Como isso funciona em termos de paridade de poder? Em julho de 2014, uma mudança malpensada foi introduzida nos resumos das descrições dos anúncios do Airbnb. A mudança removeu o número de avaliações de cada anúncio, porque os hóspedes diziam que não sabiam o que o número significava. Os anfitriões ficaram furiosos. Para eles, o número de avaliações distinguia os anfitriões experientes dos novatos. Chip Conley tinha informado seu e-mail meses antes em uma palestra transmitida aos anfitriões e em questão de horas uma dúzia de grupos já tinha postado como entrar em contato com ele. No dia seguinte, centenas de anfitriões haviam enviado mensagens a Conley. Em menos de 24 horas depois da mudança, o Airbnb voltou a exibir o número de avaliações nas descrições dos anúncios e usou o design do site para esclarecer o significado. Trinta anfitriões ativos na manifestação foram convidados a participar do grupo de testadores confiáveis do Airbnb.

Compartilhar as melhores práticas com todos os peers.

Esse é outro exemplo de uma inversão completa das estratégias e práticas do capitalismo tradicional. Nos velhos tempos, as empresas criavam valor engavetando suas melhores ideias. Na economia colaborativa e, em especial, no modelo Peers Inc, tudo o que você puder fazer para ajudar seus peers a crescer e ter sucesso contribui para seu próprio valor. O sucesso da plataforma e dos peers é completamente interligado. As melhores práticas podem ser compartilhadas de muitas maneiras.

A plataforma descobre um novo jeito de aprender alguma coisa e o institucionaliza dentro de si mesma, como o Duolingo fez quando descobriu como as pessoas aprendem melhor um idioma. O YouTube e a Etsy conduzem conferências e webinars e mantêm blogs de perguntas e respostas para espalhar a notícia. E, como muitas empresas de software sabem, facilitar e incentivar grupos de usuários a fazer e responder a perguntas entre si pode ser um modo muito eficaz de encontrar soluções para a enorme diversidade de problemas existentes, porque, se o grupo for grande o suficiente, alguém em algum lugar já teve o problema e o resolveu.

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Aumentar a transparência.

Cory Ondrejka, ex-vice-presidente de engenharia do Facebook, observa: “À medida que você cresce, um desafio é continuar sendo confiável e transparente o bastante para as pessoas não passarem tempo demais pensando em como sair da sua plataforma”. No mínimo, precisamos de transparência no que diz respeito à privacidade de dados, especialmente em termos de quem é o proprietário dos dados e do que é feito com eles.

A transparência em torno dos algoritmos nos permite saber como as coisas são realmente calculadas. A política de “picos de preços” do Uber em horários de alta demanda sem dúvida poderia se beneficiar de maior transparência. A empresa explica que aumenta o preço da corrida para atrair um número suficiente de motoristas no horário de pico de demanda. Segundo o Uber, para satisfazer a demanda de pessoas que queriam voltar para casa de um show em 8 de agosto de 2014, na região de San Francisco, Califórnia, a tarifa regular (cerca de US$ 60) precisou sofrer um aumento de mais de cinco vezes (resultando em tarifas entre US$ 390 e US$ 470) para atrair um número suficiente de motoristas.

Eu adoraria ver os números que embasaram essa curva. Quantos motoristas se apresentaram quando a tarifa regular foi dobrada? Quantos só apareceram quando o preço foi triplicado? E qual porcentagem adicional do total foi acrescentada quando o preço passou para mais de cinco vezes a tarifa normal? Se os passageiros tivessem acesso aos cálculos, a indignação expressa no Twitter, no Facebook e na imprensa poderia ter sido mitigada. Se uma política de “picos de preços” for necessária para atender à demanda dos passageiros, a oferta excedente parece ser um recurso paralelo para os motoristas.

Como Daniel Ajema, organizador da Associação dos Motoristas Baseados em Apps, me escreveu: “O Uber quer ter um número ilimitado de motoristas no sistema e argumenta que a oferta e a demanda do mercado podem resolver qualquer problema. Nós, por outro lado, acreditamos que, com um número ilimitado de motoristas nas ruas, os motoristas não vão ter como ganhar a vida. Cortar o bolo em um número ilimitado de pedaços não vai afetar a renda global da empresa, mas a renda dos motoristas vai ser reduzida enquanto eles lutam por uma base de demanda limitada”. O Uber poderia restringir o cadastramento de novos motoristas sempre que o sistema tivesse mais motoristas do que a demanda – e poderia oferecer um piso salarial por hora, como faz a Favor, um mercado para pequenas tarefas.

A transparência dos processos – o que acontecerá em seguida e por quê – reduz a incerteza. Ajema observou: “Estamos ressentidos com a falta de aviso prévio e de comunicação sobre o que a empresa pretende fazer em questões que nos afetam diretamente”.

Todas essas ideias e práticas foram incorporadas em um modelo por uma heroína minha, Elinor Ostrom, Prêmio Nobel de Economia em 2009 por sua análise da governança econômica, especialmente para os recursos comuns. Muitos já ouviram falar da tragédia dos comuns: quando as pessoas usam algo que não é delas, tudo degringola, porque elas não se importam. Não foi essa minha experiência na Zipcar, contudo, o que se revelou um choque para investidores e analistas de negócios. E foi essa realidade que levou à fundação de dezenas de outras empresas bem-sucedidas da economia do compartilhamento. Pois Ostrom identifica “pools de recursos comuns”, que possuem duas características: (1) produzem um fluxo constante de benefícios decorrentes do recurso e (2) é muito difícil excluir deles as pessoas. Dá para ver como isso reflete o que está acontecendo no modelo Peers Inc. A plataforma de participação também produz um fluxo constante de benefícios e os peers são agentes livres que entram na plataforma por conta própria.

Algumas empresas Peers Inc são capazes de excluir certas pessoas. Na Zipcar, por exemplo, podíamos excluir pessoas com históricos de condução ruins. No entanto, se pensarmos no GPS ou na internet, quase não há o que excluir, de modo que a definição de pool de recursos comuns se encaixa muito bem. Apesar de a definição não servir a todos os casos, ela se aproxima bastante. Ostrom faleceu em 2012 e não acho que a realidade desse novo tipo de estrutura organizacional tinha passado por sua cabeça. O campo de trabalho dela era analisar a gestão sustentável em longo prazo dos pastos da África e dos sistemas de irrigação do Nepal.

O mais interessante, porém, foi a pergunta que orientou suas pesquisas: “As instituições duradouras usavam práticas que os sistemas fracassados não usaram?”. Décadas de pesquisas a levaram a codificar oito “princípios de design” para a gestão de pools de recursos comuns locais. Esses princípios asseguram que os participantes possam influenciar a elaboração das regras e se sintam tratados com justiça. Acho que pode ser pedir demais esperar que muitas plataformas privadas entreguem esse tipo de controle aos peers participantes, mas é interessante manter em mente os resultados desejados. Eis os princípios de Ostrom:

1. Definir limites claros para os grupos (para excluir indivíduos que não merecem participar).

2. Adequar as regras que regem o uso dos bens comuns às necessidades e condições locais.

3. Assegurar que as pessoas afetadas pelas regras possam participar do processo de alteração das regras.

4. Assegurar que os direitos de elaboração das regras pelos membros da comunidade sejam respeitados pelas autoridades externas.

5. Desenvolver um sistema executado por membros da comunidade para monitorar o comportamento dos membros.

6. Aplicar sanções gradativas aos infratores das regras.

7. Proporcionar meios acessíveis e de baixo custo para a resolução de disputas.

8. Construir a responsabilidade de governar o recurso comum em camadas aninhadas, começando pelo nível mais baixo, até interligar todo o sistema.

Essas regras fazem muito sentido. Algumas dispensam explicações e já devem ser bem conhecidas para aqueles de nós que vivem em democracias (“Assegurar que as pessoas afetadas pelas regras possam participar do processo de alteração das regras”). Outras me surpreenderam por estarem incluídas na lista, mas, depois que parei para pensar, também pareceram fazer muito sentido. Em um mundo no qual nossa vida profissional (e às vezes pessoal) é um livro aberto, precisamos estabelecer regras claras para o perdão (ver regras 6 e 7). Uma avaliação vingativa por uma pessoa ressentida pode acabar com a reputação que alguém levou anos para conquistar, e a própria pessoa pode arruinar sua reputação com uma única decisão idiota. Em algum lugar, de alguma forma, temos de incorporar a possibilidade de corrigir os erros e reconquistar a reputação com o tempo.

Quando eu estava na Zipcar, estávamos só começando a entender esse conceito. Os usuários cujas ações colocavam em risco a segurança ou o bem-estar de toda a comunidade eram alertados, monitorados e, finalmente, impedidos de dirigir se o comportamento problemático continuasse ou fosse grave o suficiente. Eu me lembro muito bem da primeira pessoa que banimos da plataforma, porque os freios de seu carro não estavam funcionando bem e ela não se deu ao trabalho de nos informar. Dois meses depois, ela apareceu no escritório implorando por uma segunda chance e recusamos o pedido. Eu devia ter criado diretrizes claras para determinar como essas pessoas poderiam voltar.

Não está tudo resolvido. Como convém a um gerador de riqueza tão poderoso como esses, os empreendimentos Peers Inc mais cedo ou mais tarde precisarão definir a extensão na qual os peers poderão compartilhar tanto o poder como o enorme valor criado sob um sucesso estrondoso. Mas as quatro fases já ajudam muito.


Fonte: Revista HSM Management 120, por Robin Chase