Leis só efetivam sustentabilidade com união entre governo e sociedade

Durante simpósio realizado em abril de 2011, foram apresentadas as possíveis influências da lei florestal em discussão sobre a silvicultura. Conheça nesse artigo as conclusões apresentadas por Maria José Brito Zakia.

I) não importa o texto da lei, o setor florestal será capaz de cumpri-la;

II) a nova lei tende a ser mais adequada às pequenas propriedades, o que pode ajudar no fomento florestal;

III) embora traga avanços, o texto em discussão ainda precisa ser aprimorado e o setor florestal, ou parte dele, poderia participar de maneira mais assertiva;

IV) a partir das modificações, poderemos acompanhar com maior acuidade quem faz gestão ambiental e quem a confunde com cumprimento legal e participação em projetos com apelos globais – os quais, na verdade, têm sido usados para referendar os bons números do setor florestal.


Naquela oportunidade, o texto em pauta ainda não era o que está tramitando no Congresso Nacional no momento da redação deste artigo (dezembro de 2010): a Emenda Substitutiva Global de Plenário (EMP) nº l86 e a Emenda Parlamentar nº 164, que modifica o artigo 8º da EMP 186.

Independentemente deste texto ou do anterior, as conclusões apresentadas em abril continuam válidas, mesmo reconhecendo-se que o setor florestal brasileiro é tão diverso quanto o conjunto da nossa sociedade. Portanto, não é de se estranhar que os posicionamentos do setor – como um todo – pareçam, muitas vezes, contraditórios.

Há de se destacar aquilo que julgo ser o pano de fundo da discussão: Qual o papel da propriedade privada na conservação florestal/ambiental? Qual o papel do Estado nesta mesma conservação? Qual deve ser o arranjo institucional para a conservação florestal? Qual o papel da le-gislação na gestão ambiental? Analisando por partes, começando pelo último item:

I) O papel da legislação na gestão ambiental: a legislação é parte importante da gestão ambiental, mas é somente componente de um todo maior. O respeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs) e à Reserva Legal (RL) é fundamental para a conservação e o planejamento da atividade floresta plantada, mas não suficiente, pois há vários fatores que devem ser observados para além do cumprimento legal, tais como presença de sub-bosque (quando possível) e planejamento de estradas.

O cumprimento legal é essencial e um ótimo ponto de partida, mas não deve e não pode ser confundido com gestão ambiental, muito menos com sustentabilidade.

Sustentabilidade é assunto e desafio público. Cada indivíduo, seja pessoa física ou jurídica, deve se posicionar na busca de um novo modelo de desenvolvimento, cuja necessidade premente se mostra por meio das mudanças climáticas e das profunda diferenças sociais.

Dessa forma, governo e sociedade têm papéis fundamentais e complementares. O que nos leva a mais dois pontos citados anteriormente.

II) Qual o papel da propriedade privada na conservação florestal? Desde o desenvolvimento dos conceitos de ecologia da paisagem e dos avanços dos conhecimentos da biodiversidade nos trópicos, percebeu-se que a conservação da biodiversidade jamais será possível por meio única e exclusivamente das Unidades de Conservação.

Ou seja, a conservação da biodiversidade precisa da propriedade privada. Aqui vale um pequeno histórico, que pode ser útil na compreensão de alguns pontos expostos neste artigo. De 1935 a 1986, a floresta na propriedade rural estava a serviço da propriedade, protegendo água e solo ou produzindo madeira para a propriedade. Não se pensava em conservação da biodiversidade; o desmatamento era incentivado, mas havia obrigação de se respeitar limites. Contudo, as propriedades já desmatadas (legalmente) estavam rigorosamente dentro da lei. A floresta era vista como fator de proteção à propriedade.

De 1986 a 2001, a floresta na propriedade rural passou a ser vista como elemento ambiental e de conservação da biodiversidade. Começaram a aparecer novas interpretações ao Código Florestal, principalmente após a promulgação da Constituição Federal em 1988. Mas só se tratava da floresta que ainda existia, com exceção da vegetação em área de preservação permanente.

A partir de 2001, a Reserva Legal tornou-se ambiental, surgindo a obrigação de recompô-la. Agora, é a propriedade que deve estar a serviço da floresta, assim como a floresta continua a auxiliar no ordenamento da propriedade.

Em termos conceituais, a lei evoluiu (juntamente com os conceitos florestais/ambientais), porém, em termos de políticas públicas, criação de instrumentos de incentivos à recuperação de áreas e, ainda, reforço institucional, nada aconteceu – nem mesmo as regulamentações que a própria lei explicitamente solicitava foram realizadas.

O proprietário, que deveria ser tratado como parceiro, foi considerado infrator, como se parte do desmatamento existente – que precisa e deve ser revertido – não tivesse sido causado por toda a sociedade.

Ainda sobre a conservação na propriedade privada, parece-me inconcebível a manutenção dos textos propostos pela emenda 164 e também pelo artigo 39, ambos inadequados aos preceitos do direito ambiental e da busca pela sustentabilidade – os quais, reforço, é papel de todos.

Tais textos trazem, em sua essência, o direito adquirido, o que é inconcebível quando falamos em busca da sustentabilidade. Isso nos leva a outro ponto: o papel do Estado na conservação florestal.

Talvez tenha sido esse o ponto cuja evolução foi menor nos últimos anos – e, conforme dito anteriormente, os únicos instrumentos existentes até agora são os chamados comando e controle.

Durante a discussão sobre o código florestal, ficou nítido que muitas críticas não eram em relação às obrigações previstas na lei, mas há quase unanimidade sobre a má administração deste assunto pelo Estado.

Não vai aqui qualquer crítica aos órgãos ambientais. O que se quer mostrar é que políticas públicas e a gestão ambiental não acompanharam a evolução que este assunto teve junto à sociedade.

Existem algumas evidências da ausência de instrumentos e deficiências na gestão. São elas: cadastro florestal nacional e/ou estadual – não existe no plano nacional e na maioria nos estados; tempo para avaliação sobre a localização da reserva legal: de 6 meses a 2 anos; Estado com sistema informatizado para licenciamento e autorização – no máximo 6 meses em todo o país; auxílio do Estado para aqueles que querem delimitar APP e localizar RL – praticamente inexistente.

Um olhar pouco atento poderia cair no lugar comum sobre “um Estado inoperante”. Não se trata disto, mas da inexistência de instrumentos e instituições adequados para o tratamento da questão florestal.

Quando assunto é floresta, devemos nos comunicar com várias instituições – e ainda assim alguns assuntos ficam obscuros. Isto posto, vamos ao último ponto levantado: qual deve ser o arranjo institucional para a conservação florestal na busca da sustentabilidade? Evidentemente, não há resposta pronta, mas o arranjo que aí está não é nem de longe o necessário.

Como dito anteriormente, a sustentabilidade é assunto público, que necessita da participação de todos. Deveríamos aproveitar a mobilização surgida na discussão da nova lei florestal para avançarmos.

O texto em discussão cita 37 vezes a palavra regulamento, ou seja, existe a discussão de como colocar em prática as obrigações, as limitações e os incentivos existentes na lei. Uma grande oportunidade de se aprimorar institucionalmente a gestão florestal/ambiental sempre aliada na busca da sustentabilidade.

O texto cria obrigações ao Estado, que são muito bem vindas, tais como criar o cadastro ambiental rural no âmbito do Sistema Nacional de Informações de Meio Ambiente – SINIMA; implantar o programa de regularização ambiental; realizar inventários; identificar áreas prioritárias para a conservação; criar indicadores de sustentabilidade.

Não há dúvida, do meu ponto de vista, que o texto em discussão avança positivamente no sentido do aprimoramento da participação do Estado na gestão florestal/ ambiental. Igualmente, parece-me claro que as instituições e os procedimentos, tais como são hoje, não estão prontos para a tarefa. Portanto, arcabouço legal é fundamental, mas não é suficiente na busca da sustentabilidade.

Há que se buscar o reforço institucional para a gestão florestal como componente para a sustentabilidade. As obrigações impostas ao Estado e proprietários, a previsão de instrumentos econômicos, bem como a regulamentação prevista na nova lei florestal em discussão, podem ser o início de um aprimoramento da gestão florestal nos âmbitos nacional, estadual e, quando for o caso, municipal.

Representantes do setor florestal (silvicultura) teriam muito a colaborar neste aprimoramento, lembrando que a busca pela sustentabilidade não é somente cumprimento legal nem ser ecoeficiente. É também participar da construção de um novo modelo de desenvolvimento, juntamente com governo e sociedade.


Fonte: Visão Agrícola, por Maria José Brito Zakia