O mundo das marcas

Imagine um mundo sem marcas: os símbolos mais familiares do cotidiano teriam desaparecido; continuaríamos rodeados por produtos e serviços, e isso não seria um problema. Porém, sem a marca (como um ponto de referência), como compraríamos café, um sabonete, um automóvel? O principio de escolha é inseparável do modo pelo nos relacionamos com o ato de consumo.  

Uma situação vem à lembrança: a antiga União Soviética. Porém, mesmo lá, as marcas estavam marginalmente presentes. Havia a rede de lojas Beriozka, reservada para turistas, ou as marcas de automóveis Neva, Lada e Zil. Todos esses nomes identificam origens ou unidades produtivas deferentes, compromissos específicos em termos de conforto, e, acima de tudo, um estilo de desempenho vinculado a determinadas segmentações.

Marcas e identidades de marcas fortes foram capazes de prosperar nos países do bloco socialista, muitas vezes associadas a valores como engenhosidade ou tecnologia eficiente. Como prova disso, alguns desses produtos tornaram-se atualmente objetos de culto e símbolos de reconhecimento para consumidores urbanos.

O pequeno carro Trabant da Alemanha Oriental possui seus adeptos apaixonados, e a câmera Lomo está disponível na Colette, a loja “da moda” na chique rua Saint – Honoré, em Paris.

Mundo sem marca

Um mundo sem marcas teria exclusivamente produtos genéricos? Isso não faz sentido. Um produto genérico somente pode existir em relação a um grupo de marcas. Sem elas, ele perde sua razão de existir.

Na realidade, o único lugar onde não existiriam marcas seria uma ilha deserta, onde um indivíduo solitário preparasse ele mesmo tudo o que precisasse para comer, vestir e sobreviver. A partir do momento em que as pessoas necessitam adquirir um produto ou serviço que não que não tenham descoberto ou colhido, elas precisem de uma marca.
Pode ser um nome pelo qual um comerciante apoia seus produtos; uma marca identificando um rebanho; uma marca em uma ânfora. Desde os sinais de identificação mais primitivos, usados por ceramistas em tempos antigos, as nossas logomarcas modernas, uma linha contínua de parentesco estende-se pela história das trocas entre os seres humanos.
Sob certo aspecto, é o sistema de consumo inicial, o meio para a garantia de troca entre o consumidor e o produtor. Também é um componente das relações entre diversas pessoas, isto é, uma consequência  da vida social.

Na contemporaneidade, as marcas podem ser caracterizadas por meio da noção de intercâmbio comercial e de comunicação social. Para o consumidor, as marcas são primeiramente, e acima de tudo, o “sinal” que ele encontra todos os dias. Em 1968, Raymond Bauer e Stephen Greyser estimaram que um americano estava sujeito, diariamente, a cerca de oitenta exposições a propagandas. Hoje este número atinge algo em torno de vinte mil exposições diárias. Isso significa que o consumidor precisa definir como lidar com as solicitações e determinar uma atitude para adquirir uma dada categoria de produtos.
Para a companhia a marca é um componente essencial de seu valor cumulativo e de estratégia de longo prazo. Ela impõe certas limitações. Requer que escolhas sejam feitas com coerência e continuidade de valores específicos. Trata-se de um ativo fundamental da corporação.

A interbrad publica anualmente uma classificação das cem marcas mais valiosas do mundo, que é determinada de acordo com alguns critérios. A interbrand calcula o valor presente dos lucros futuros, gerados apenas pela força da marca, como as economias com propaganda resultantes do reconhecimento do nome da marca e da vantagem que a companhia pode obter vendendo seu produto a um preço maior do que se pertencesse a uma marca desconhecida.

Por esse método, para o ano 2006  o valor da Coca-Cola  – considerada a marca mais valiosa de todas – era de 67 bilhões de dólares, á frente da Microsoft, com valor 56,9 bilhões de dólares, e em terceiro lugar a IBM, com 56,2 bilhões de dólares, á frente da General Eletric e da Intel.

A marca em 2018

Passados 12 anos, em 2018 o ranking das marcas mais valiosas do mundo já tem novos integrantes, como por exemplo a Apple, que após anos de sucesso com iPhone já se tornou a marca mais valiosa do mundo, valendo 182 bilhões de dólares, seguida pelo Google com o valor de 132 bilhões. Microsoft (105 bilhões), Facebook (94 bilhões) e Amazon (71 bilhões) estão à frente da Coca-Cola em 2018, que vale US$ 57 bilhões de dólares.

Não causa surpresa o fato de as marcas atualmente mais conhecidas estarem nessa relação. Se você examinar a lista das quinhentas principais empresas em âmbito mundial publicada anualmente pela Fortune, nos Estados Unidos, ou pela L´Expansion, na França, notará que praticamente todos os nomes das empresas são nomes de marcas do grupo: alimentos Kraft, café Jacobs e chocolate Suchard.

Pela lista percebe-se que é muito raro encontrar companhias cujo nome não seja uma marca. Nota-se que, entra as vinte marcas principais em 2006, especialmente duas são vendidas em supermercados de bairro (Coca-Cola e Gillette). A grande maioria pertence ao setor de alta tecnologia: Microsoft, IBM, General Eletric, Intel, Nokia, Hewlett-Parckard e Cisco. Quatro delas são marcas de automóveis: Mercedes, Toyoto, Honda e BMW. E, finalmente, há marcas que correspondem a serviços: Disney, McDonald´s, Citibank e American Express.

Embora não apareça na lista anterior, o setor têxtil – bastante citado por Naomi Klein – desempenha um papel relativamente modesto. O setor aparece somente em 33º lugar, com a Nike. A Gap aparece em 36º. Um pouco atrás estão somente a Gucci, Chanel, Levi´s, Prada e Polo Ralph Lauren.

Com poucas exceções, essas marcas correspondem não somente a produtos, mas também ás muitas lojas que operam com o nome da marca e que são, portanto, próximas a redes varejistas. Devemos ter o cuidado para não aumentar a importância desses produtos em nossa análise.

Julgamos que seria interessante estabelecer algumas comparações entra a lista das vintes primeiras de 1993 e a de 2006. Das dez principais marcas em 1993, somente quatro permaneceram na lista de 2006 (Coca-Cola, Marlboro, Intel e Gillette). Entre as dez principais marcas de 2006, sete não apareceram na lista das vinte principais em 1993.

É possível que a Interbrand tenha ampliado sua base de pesquisa. Porém, em qualquer situação, podemos concluir que a presença de uma marca no topo da lista nunca é certa e que a concorrência sempre é muito forte e imprevisível. Uma marca precisa estar sempre operando e inserindo-se em um processo de desenvolvimento, devendo ser constantemente enriquecida e alterada de modo imperceptível, caso contrário entra em decadência e pode morrer.

Na parte I do livro, antes de desenvolver nossa tese, gostaríamos de descrever a dinâmica desse mundo inundado por marcas:

Um primeiro aspecto é que elas são o instrumento de um sistema de trocas cujos dois polos estão intimamente relacionados. Como resultado desse processo, a marca torna-se um símbolo de confiança para o consumidor e um elemento de compromisso com a qualidade e com certas regras por parte do produtor.

Este, ao honrar esses compromissos, acumula gradualmente capital de confiança ou de hábitos de comportamentos, da parte do consumidor. a marca pode ser considerada correspondente ao conceito de valor intrínseco (goodwill); é o que denominamos a dimensão contratual da marca. Também discutiremos os aspectos históricos, setoriais e sociais, bem como a área de nomes de marcas e logos.

Um segundo aspecto é que observamos alguns abusos. Pretendemos identificá-los e criticá-los. Algumas vezes podemos ser até mais críticos do que certas teses a que nos opomos. Porém, é essencial conhecer a analisar a realidade. Também mostraremos em que medida esses problemas não estão relacionados á natureza do fenômeno das marcas propriamente, e sim a alguma negligência ou descompromisso por parte de um dos parceiros envolvidos no processo de trocas.


O que é marca?

Abaixo, um pequeno trecho literário de outra obra, para analisarmos o passado da publicidade e propaganda em 1883:

Mouret estava gastando trezentos mil francos anualmente em catálogos, anúncios e pôsteres. Para início das vendas de seus novos produtos de verão, ele tinha enviado duzentos mil catálogos, anúncios, incluindo cinquenta mil ao exterior, traduzidos em todas as línguas.

Ele agora estava os ilustrando com estampas e até agregava a eles amostras de tecidos, coladas ás páginas. A exibição de suas mercadorias extravasava essas páginas. Au Bonheur des Dames brotava perante os olhos de todo o mundo e estava em todos os locais: nas paredes, nas páginas dos jornais, mesmo nas cortinas dos palcos dos teatros. Ele acreditava que as mulheres eram indefesas perante a propaganda e que elas precisavam ir ver aquilo que era objeto das conversas. (Èmele Zola, Au Bonheur dês Dames).

O trecho acima, obra de Èmele Zola publicada em 1883, conta a história da ascensão e do fracasso de uma importante loja de departamentos. O conceito de “marca” ainda não está presente no romance, porém nos deparamos efetivamente com práticas que ainda são adotadas no setor de varejista de massa: economia de escalas, giro acelerado do capital, margens de lucro menores, campanhas de publicidade, estratégias de diversificação de produtos, vendas e exibição de artigos pelos corredores.

Identificamos acima de tudo dois elementos que poderiam ser considerados característicos das marcas em nosso mundo contemporâneo: o reconhecimento do nome pro meio da propaganda e a confirmação de um certo compromisso assumido com o consumidor, o qual se vale desse mesmo reconhecimento do nome (no romance, o compromisso assume a forma de uma política de preços constantes ou de garantia de devolução do valor pago).
Zola, que sempre tomou muito cuidado com as fontes de seus romances, queria descrever o “comércio novo” que se estava iniciando.

Optamos por iniciar este capítulo com esse trecho para esclarecer que a invasão da propaganda e a concentração associada ás principais marcas da atualidade não representam fenômenos novos. Conforme veremos, as marcas e o ato de criá-las têm existido pelo menos desde a Antiguidade. A Revolução Industrial, com a expansão resultante do intercâmbio comercial e da comunicação, aumentou grandemente o público consumidor. Essa revolução já havia iniciado na época Zola e já estava causando preocupação. Certamente o fenômeno teve importância, contudo, de outro lado, parece difícil vislumbrá-lo como o principal fator de transformação ou o grande perigo de nossa época.

No entanto, essa é a tendência que vem se afirmando ultimamente, de modo informal, seguindo livros como No Logo. Suspeitamos, muitas vezes, que essa tendência se origina de pessoas que não os leram seriamente. Exercer pressões sobre marcas e criticá-las no contexto do intercâmbio comercial são, em nossa opinião, atitudes construtivas. Porém, rejeitar as marcas em sua totalidade nos parece compor uma análise superficial. Evidentemente, não é isso que Naomi Klein defende.

Marcas não são a globalização; não representam todo o comércio e muito menos todo o capitalismo; não são a internet nem os demais meios tecnológicos e informacionais.

Algumas observações precisam ser enfatizadas. Marcas não são a globalização; não representam todo o comércio e muito menos todo o capitalismo; não são a internet nem os demais meios tecnológicos e informacionais. Elas constituem um fenômeno histórico e social específico, baseado em um tipo de relação comercial. Neste capítulo introdutório descreveremos as principais características das marcas. Nos capítulos seguintes examinaremos com mais detalhe a maior parte das ideias aqui iniciadas.

A Marca como Contrato

Quando uma empresa adquire um concorrente por uma quantia maior que a soma de seu ativo líquido, existente um item denominado valor intrínseco (goodwill) no balanço patrimonial consolidado após a fusão. Esse termo designa, de certo modo, a soma total dos bens intangíveis, incluindo as atitudes valiosas e positivas dos consumidores em relação á empresa adquirida e a seus produtos.

No contexto da incerteza vivida pelo mercado, o valor intrínseco não consegue boa publicidade. Embora avaliá-lo possa ser problemático, trás-se de um valor agregado genuíno, acumulado gradualmente á medida que os consumidores se covencem de que determinada marca possui qualidade superior á do concorrente.

Na França, 81% dos consumidores compram um produto Nescafé ou Maxwell House, somente 19% escolhem uma marca de loja, apesar de ser muito mais econômica. Isso ocorre porque, por trás do conceito de marca, existe o capital de confiança, acumulado ao longo do tempo e que não se  modifica com facilidade.

Na percepção do cliente esse capital está incorporado ao nome. Historicamente, no início, as marcas estavam vinculadas ao nome de uma pessoa, com intenção de transferir, despretensiosamente, uma qualidade familiar a um produto padronizado, mas também servia para enfatizar a existência de know-how humano mais próximo da produção do que da cadeia de vendas. Isso parece lógico. Se, conforme déssemos, uma marca engloba em primeiro lugar um capital de confiança, então colocar o nome de uma pessoa em um produto é, para fornecedor, o modo mais simples para conquistar essa confiança. É uma estratégia fundamental que envolve grande número de trocas entre seres humanos.

Podemos citar o exemplo da Johnson. Este era um fabricante americano de pisos que havia criado uma cera para seus clientes. O nome “Cera Johnson”  lembrava sua origem  – o produto de um especialista em madeira – e era garantia de qualidade. Aos poucos a reputação da marca ampliou-se, ganhando a confiança e a fidelidade de muitos clientes. Atualmente, consumidores do mundo todo não sabem que o fundador da Johnson era fabricante de pisos, mas continuam a adquirir produtos Johnson.

Conforme veremos, o nome de uma marca ou seu logotipo constitui uma parte visível importante de uma realidade complexa. O nome e o logotipo proporcionam a medição entre os valores essenciais de uma empresa – sua identidade – e as percepções que os consumidores possuem dela – sua “imagem”. Porém, aquilo que o consumidor  procura na marca é a garantia de uma qualidade específica, geralmente considerada superior. Essa segurança forma, ao longo do tempo, a base do relacionamento entre o consumidor e o produtor.

logo johnson e johnson

Isso é válido tanto para os produtos como também para uma determinada política de vendas. A rede norte-americana de lojas de departamentos Saks Fifth Avenue possui uma regra segundo a qual um cliente pode devolver qualquer produto comprado nas últimas seis semanas recebendo de volta o valor pago, sem ter de responder a perguntas.

Durante muito tempo as lojas Saks Fitth Avenue possuíam departamentos Revillon, ressaltando que esses clientes estavam abusando da política de devolução para conseguir um casaco de pele gratuito a cada inverno, tentaram diversas vezes convencer os dirigentes das lojas a fazer uma exceção á política, o que era difícil aplicar a seus produtos. A Saks sempre se recusou a atender ás equipes, considerando que, apesar dos abusos das clientes, a política de retorno era um dos princípios das lojas, constituía um compromisso e era um componente de identidade da marca.

Do ponto de vista dos gerentes, é usual referir-se à marca como uma expressão do “programa genético” da companhia, ou como uma estrutura estável rica em potencial, que concretiza a existência da empresa e pode conquistar a confiança dos clientes. De outro lado, a marca também impõe princípios fundamentais rígidos. Esta é uma imagem expressiva, mas também um pouco confusa. Preferimos, de nossa parte, falar em constantes semióticas e da ética e estética de uma marca. Conforme veremos posteriormente, no capítulo 4, as manifestações de uma marca podem ser vistas como “fatos com significado”e essas constantes semióticas formam uma gramática básica, uma assinatura de forma e conteúdo, permitindo que a identidade da marca passe a existir.

Em relação à comunicação, duas marcas como Danone e Nestlé não expressam os mesmos valores e possuem identidades de marcas distintas. A Nestlé revela composições nutricionais que se aplicam a produção diversificados: leite condensado, chocolate, café. Por sua vez, a marca Danone atualmente é associada a laticínios: iogurte e queijo cremoso. Além das limitações de produção, distribuição e armazenamento inerentes a esse tipo de produto, ambas as marcas precisam levar em conta as representações a que estão associadas na imaginação dos clientes. Como resultado, elas adotam estratégias e posicionamentos ligeiramente diferentes a fim de ser reconhecidas e conquistar e manter a confiança dos consumidores.

O relacionamento de confiança constitui o alicerce do histórico de toda marca. Trata-se de uma ideia que o livro No Logo reconhece a seu modo. Ao mostrar como marcas importantes são vulneráveis ás críticas dos consumidores, Naomi Klein está ressaltando somente o poder da dimensão contratual tácita.

Enfim, seja por meio de plebiscito ou de crítica, a marca continua a afirmar-se como selo de garantia, os códigos de valor e de segurança proporcionados por uma empresa aos clientes.

Essa é uma das ideias que defendemos e que nos levou a escrever este livro: uma marca é um contrato, implícito por natureza, e que norteia as relações entre empresa e seus clientes. Esse relacionamento é bidimensional: não somente econômico, mas também criador de vínculos emocionais que algumas vezes são muito fortes – com infidelidade de ambos os lados, abandono momentâneo ou permanente e, acima de tudo, caracterizados pela capacidade de ambas as partes contratantes poderem influenciar-se mutuamente, mantendo ou alterando o comportamento.

Competitividade da marca

A dimensão competitiva da marca pode ser incluída no interior de sua dimensão contratual. A marca existe somente porque se diferencia de seus concorrentes mais próximos. Essa é uma das bases de sua identidade. O consumidor escolhe uma marca por causa das qualidades específicas que ela oferece e, nesse sentido, a diferenciação da marca faz parte do contrato entre as duas partes.

A diferenciação, razão da existência de toda marca, contribui para que o contrato permaneça implícito. Nessa situação, o contrato não pode ser confundido com os dispositivos-padrão das leis que regulam o comércio, que são os mesmos para todos os produtos. A marca origina um relacionamento de outra natureza, como demonstra o exemplo da política de devolução automática das lojas Saks. A marca implica a promessa de qualidade superior e de melhor atendimento; em resumo, ela garante um valor agregado.


As marcas e o tempo

A prorrogação de um contrato ao longo de tempo é intrínseca à noção de garantia. Para existir, uma marca precisa estabelecer sua reputação e também sua durabilidade. Desse modo, a perspectiva cronológica é fundamental para compreender o fenômeno das marcas.

Iniciaremos com um breve resumo histórico. Ao examinar as marcas como entidades abstratas, tendemos a esquecer que, por trás delas, existe apenas um fornecedor preocupado em focar os clientes e atendê-los. Essa preocupação é tão antiga quanto o próprio comércio.

Já em 2700 a.C., artesãos afixavam um sinal em suas criações para afirmar sua originalidade. Na Grécia clássica e em Roma os mercadores usavam símbolos genéricos para designar a atividade que desenvolviam: um presunto para açougueiros, uma vaca para donos de leiteira e assim pro diante. Marcas individuais que identificam um determinado mercador passaram a surgir, sob a forma de selos, aproximadamente em 300 a.C. Foram catalogados mais de seis mil selos deferentes usados por ceramistas romanos.
Para uma gigante como francesa Saint-Gobain, poderíamos ressaltar que sua fundação data de 1665, quando Luis XIV concedeu cartas de patente autorizando o estabelecimento de uma manufatura de vidros para espelhos.

O aparecimento de marcas em grande escala – isto é, a emergência do fenômeno da marca conforme o entendamos – é na maior resultado da Revolução Industrial. Devemos encarar isso como uma “mercantilização” do mundo? Trata-se de mais um caso de transformação do próprio comércio. À medida que as trocas passam a ser padronizadas, torna-se necessário aos produtores estabelecer outros meios de ralação e de proximidade com os consumidores.

A extensão de propriedade industrial ao conceito de marca aparece na Europa na segunda metade do século XIX. O Congresso dos Estados Unidos promulgou a primeira lei federal de marcas registradas n final do século XIX. Para citar um exemplo, entre 1850 e 1890, o número de patentes outorgadas a cada ano nos principais países ocidentais aumentou dez vezes!

As principais marcas se desenvolveram entre 1900 e 1945, acelerando-se o crescimento no período entre 1945 e 1990. De outro lado, e contrariamente ao que a mídia pode sugerir, a tendência desde 1990 tem sido na direção da concentração e da redução do número de marcas das maiores empresas.

Para compreender essa revolução recente, precisamos examinar o que ocorreu. Algumas tendências, como o destino individual de um determinado setor empresarial, podem ser explicadas pelo custo de manutenção e de desenvolvimento de uma marca e pelos lucros imediatos ou de longo prazo obtidos.

Os custos de conservação de uma marca estão relacionadas ás ações necessárias para manter sua competitividade e á noção de relevância. Esses custos incluem a renovação do registro nos vários órgãos de propriedade industrial, porém esta é sempre uma quantia modesta para um país.

Para as marcas de produtos vendidos no mercado de varejo, o custo real é influenciado principalmente por dois componentes: o orçamento de vendas, para assegurar que o produto esteja presente nas lojas e bem acessível aos consumidores.

O lucro dependerá do preço pelo qual o produto possa ser vendido ao consumidor (ou varejista). Dois produtos oferecidos pelo mesmo preço na prateleira de um supermercado podem não ter a mesma rentabilidade.

Vamos considerar o exemplo do café solúvel Taster´s Choice, o produto mais requisitado em sua categoria no mercado inglês. Um varejista que não tiver em estoque o Taster´s Choice – dará a impressão de não ter prestado atenção em seus clientes e de não conhecer os desejos deles. Portanto, os varejistas são obrigados a oferecer o produto, não podendo vendê-los pelo preço que lhes convier.

Os consumidores lembram o quanto pagaram pelo último frasco. Se o varejistas fixasse um valor muito alto para o café solúvel, daria a impressão de que os preços são elevados em geral na loja. A empresa Nestlé, sabendo disso, cobraria do varejistas um preço alto pelo Taster´s Choice. E o varejista não teria escolha, tendo de reduzir a margem de lucro para conseguir oferecer o produto aos consumidores.

O preço indicado para o produto é muito próximo daquele de uma marca com preço econômico, embora esta possa custar apenas a metade. Com a marca mais econômica o varejista obtém uma margem razoável; com o Taster´s Choice ganha uma imagem.

O paradoxo do varejo é que os comerciantes têm maior lucro com marcas desconhecidas e com os menores preços. Essa dinâmica explica a diversidade de marcas. Se os custos de propaganda aumentarem e os varejsitas passarem a ter vantagem sobre os produtos, essa diversidade diminuiria significativamente.

O fenômeno da concentração de marcas, predominante  nas últimas décadas, foi particularmente marcante na indústria automotiva francesa. Antes da Segunda Guerra Mundial, os automóveis franceses fabricados eram de diversas marcas, como Renault, Citroen, Peugeot, Simca, Panhart, Hotsckitsch, Talbot. Samson, Delahaye, Facel Veja, entre outras.

A explosão dessa indústria resultou em uma multiplicação de montadoras na Europa. Os italianos Osotta e Fraschini, por exemplo, haviam começado como concessionárias do minicarro Renault, em 1899, antes de estabelecerem a sua própria marca, em 1902.

Na França, a maioria das oficinas consertava diversas marcas de carro. Cada marca possuía um posicionamento específico – técnico no caso do Panhard, com inovações como ar condicionado; estilo esportivo para Facel Vega; luxuoso no caso do Delahaye, e assim por diante. Atualmente existem apenas três marcas na França, distribuídas por concessionárias exclusivas e cujos orçamentos de propaganda são muito elevados.

O setor de artigos de luxo caracterizou-se pelo surgimento de marcas italianas, após a Segunda Guerra Mundial.

Armani, Ferré, Moschino, Trussardi e Versace surgiram na década de 1970. No mesmo período, marcas um pouco mais antigas – Fendi, Salvatore Ferrgamo, Gucci – tiveram um crescimento extraordinário.

Certas marcas regionais saíram de Florença e de Milão e logo estavam disponíveis em toda a Itália, em cidades como Roma e Veneza, por exemplo. Todas essas marcas se tornaram internacionais, geralmente com forte presença nos Estados Unidos e no Japão. Portanto, enquanto as marcas de automóveis franceses estavam se desaparecendo, as de artigos de luxo floresciam na Itália.

A novidade é um fator determinante nas escolhas dos consumidores. Ela estimula a renovação permanente das marcas disponíveis. Contudo, uma análise das curvas de eficácia da propaganda mostra o surgimento do que se chama “efeito limiar”. Esse indicador revela que os gastos com propaganda, tendo um público de consumidores muito amplo, tornam-se eficazes somente a partir de três milhões de dólares.

Resumindo, a tendência de diminuir o número de marcas está bem avançada. Ao longo dos últimos vinte anos, marcas importantes desapareceram do cenário, como os refrigeradores kelvinator, os utensílios de cozinha Miracle Maid, Desoto e Rambler. Já a matriz da Nestlé, em Vevey, registrou cem novas marcas em 1991.

Em 1999, esta mesma matriz protocolou pedidos de registros de apenas cinco marcas. A meta dessa empresa consiste  em reduzir a um número mínimo de marcas e em concentrar-se nas marcas mais fortes, que possuem liderança, são líderes potenciais em seus setores ou têm ambições realistas em escala mundial.

Na década de 1980, as empresas matrizes produtoras de bens para o mercado de varejo permitiam que em cada país desenvolvesse suas próprias marcas, para se aproximar do consumidor. A.S.C. Johnson, pro exemplo, lançou em diferentes países europeus um produto, em forma de aerossol, para engomar roupas. Na Espanha o produto foi denominado Toke (o toque final ao passar roupa); na Alemanha, Bügelglatt (o ferro que desliza); nos países do Benelux (Bélgica, países Baixos e Luxemburgo), Glad & Net (deslizando e obtendo resultados magníficos).

Cada nome resultou de uma análise de marketing local e procurou comunicar os benefícios que as clientes poderiam obter como produto. Atualmente tal prática seria proibida pela matriz do grupo. Ela implica pesquisa e produção diversificadas, sendo que a tendência é centralizar a produção em um único local europeu. Também implica a criação de comerciais de TV diferenciados, específicos para os países, sendo que a Johnson, por razões de economia, tenta usar o mesmo comercial em todos os lugares.

Além disso, atualmente os consumidores encontram o produto com o qual estão acostumados em qualquer supermercado europeu, em virtude de cruzarem mais facilmente as fronteiras nacionais.

logotipo unilever

Exemplo da marca Unilever

Na Unilever, foi apenas em 2000 que um novo programa, denominado  “Caminho para crescimento”, optou por reduzir a quantidade de marcas. O grupo computou cerca de 1.600 marcas e fixou a meta de reduzir esse número para 400, em 2005. Isso significa que 1.200 marcas da Unilever seriam sacrificadas no intervalo de cinco anos. Obviamente tal decisão resultou de uma análise profunda. O volume de negócios do grupo, sendo de 45 bilhões de dólares na ocasião, foi destinado a concentrar a atenção em 36 marcas, com um potencial individual de mais de um bilhão de dólares.

Entre essas marcas, estavam sopas Knnor, chá Lipton, maionese Hellman´s, sorvete Magnum e creme dental Signal, Cada uma dessas marcas internacionais precisa ter um orçamento de propaganda anual bastante elevado, sempre superior a 20 milhões de dólares e, em média, mais de 150 milhões de dólares.

Porém, por que almejar 400 marcas e não apenas 36?
Porque essa abordagem, embora seja altamente limitante, deixa espaço para considerar as “porções locais”, conceito usado pela Unilever. Essas porções são marcas bem estabelecidas e muito lucrativas em um determinado país. Na França, essas marcas incluem o detergente Omo e os óleos vegetais Puget.

O programa Unilever, além de muito ambicioso e reativo, determina novos padrões para a concorrência. Se 36 marcas da Unilever tiverem orçamentos de propaganda e promoção de pelo menos 150 milhões de dólares, em escala mundial, os concorrentes terão de acompanhá-la. Eles também terão de concentrar seus esforços em algumas poucas marcas para destinar orçamentos desse volume.

Na Procter & Gamble (P&G), logo no início da década de 1990, o CEO Edwin Artz havia ganho o apelido de “Exterminador”. Cada vez que visitava uma subsidiária em determinado país,eliminava uma ou mais marcas locais e exigia que suas equipes concentrassem suas estratégias de propaganda em um número bem menor de marcas mundiais.

Parece que a Procter & Gamble está adotando uma estratégia parecida com a Unilever, embora negue tal fato. A P&G possui trezentas marcas no mundo, mas 12 delas têm volume de negócios acima de um bilhão (incluindo Tide, Ariel, Crest, Pampers, Folgers, Downy), representando 53% do volume total do grupo em 2001 (40 bilhões de dólares).

Pode parecer que a P&G já tenha completado a revolução cultural que a Unilever está promovendo. Porém, com apenas 12 marcas verdadeiramente importantes, em comparação a 36 da Unilever, a P&G pode contar com as mesmas perspectivas de crescimento? Pode ser que o grupo tenha analisado o problema e julgue ser possível, nos próximos anos, multiplicar o volume de negócios de suas principais marcas por um fator de dois ou três. Seja qual for o caso, uma marca de produtos de consumo que não consiga investir 150 milhões de dólares em propaganda na mídia não será capaz de permanecer em sua posição no mercado internacional.

As principais companhias estão se preparando para essa eventualidade. A 3M, por exemplo, criou recentemente um departamento, denominado Gerenciamento do Ativo da Marcas, consiste em gerenciar as marcas. È inteiramente responsável pelo registro das novas marcas e visa concentrá-las e reorganizá-las com base nos principais aspectos positivos da companhia.
O Grupo Diageo anunciou que desejava valer-se de apenas nove marcas principais para 70% de seus lucros. Jean –Marie Messier, então presidente da Vivendi Universal, afirmou em 27 de fevereiro de 2001: “ Temos um número excessivo de marcas Vivendi Universal; nossa estratégia consiste em manter os mercados com os nichos  mais fortes e eliminar ou vender as marcas intermediárias”.

Os custos de propaganda e de inserção no mercado internacional têm alterado nitidamente as regras do jogo. As marcas pequenas terão de permanecer locais ou, então, desaparecer. Porém, isso não é definitivo.

As estratégias de nicho ainda podem ser justificadas. Além disso, a propaganda não representa tudo necessariamente. Existem marcas posicionadas em um mercado específico que conseguem, abaixo da massa crítica, ser reconhecidas sem precisar de anúncios.

Em determinados mercados, compostos de enorme público devoto, os comentários verbais constituem uma força poderosa, mais vantajosos até do que a propaganda. No caso da moda, uma marca pequena e altamente inovadora pode ser, muitas vezes, bem recebida pela mídia impressa e pelos críticos dos setor, sendo considerada uma descoberta, por causa de sua originalidade. De outro lado, marcas médias e mais antigas, já divulgadas mas com orçamentos menores que a concorrência, terão dificuldade para continuar na competição.

Gostaríamos de ressaltar que não concordamos com a opinião da Naomi Klein,q eu encara a data de 2 de abril de 1993 (“a sexta-feira Marlboro”) como emblemática e decisiva na história das marcas.

Naquele dia, um comunicado da Philip Morris informando que estava reduzindo em 20% o prelo dos cigarros Malboro fez com que o mercado de ações americano caísse consideravelmente.

De acordo com a análise de Klein, uma das marcas mais conhecidas no mundo foi forçada a diminuir seus preços para competir com as marcas mais fracas; por isso, todo o setor julgou que era o fim da vantagem de Marlboro.

Consideramos que o episódio não merece receber tal importância. Nós o encaramos como uma revisão estratégica da empresa, envolvendo uma questão central que é a Bolsa de Valores de nova York.

Com a redução do preço do maço de cigarros, o mercado simplesmente descontou fluxos de caixa futuros menores do que antes da diminuição de preço. O ano de 1993 foi um período de formação e crescimento para os principais grupos de multimarcas de luxo. Também foi o período de crescimento e consolidação de marcas italianas e americanas, como Armani, Versace, Prada, Ferragamo, Calvin Klein, Ralph,Lauren, Disney, Apple, Microsoft, Nike, Reebok, entre outras.

logomarca microsoft

A globalização da economia, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) e as exigências nos setores tradicionais de produção e distribuição – para produtos de consumo e bens de capital – tornam as marcas indispensáveis, mais fortes e menos numerosas. No entanto, a evolução das marcas depende também do setor econômico em que a marca se desenvolve.


Fonte: Livro Pró Logo, em que os autores Michel Chevalier e Gérald Mazzalovo fazem um contraponto ao livro No Logo, de Naomi Klein, ao destacar as virtudes do gerenciamento de marcas que buscam participar da construção de uma sociedade mais justa através do fortalecimento de valores sociais agregados à marca.