As novas realidades no setor de serviços

No passado, as empresas que operam no setor de serviços ficavam atrás das empresas do setor industrial com relação à utilização do marketing, seja porque eram pequenas, seja porque eram profissionais liberais que não usavam marketing ou, ainda, porque enfrentavam alta demanda ou um nível de concorrência baixo. Mas esse quadro mudou. Alguns dos profissionais de marketing mais talentosos agora trabalham para as empresas de serviços. 

Uma que merece aplausos pelo sucesso de seu marketing é a Singapore Airlines.

A Singapore Airlines é amplamente reconhecida como a “melhor” companhia aérea do mundo — tão premiada que tem de atualizar seu site mensalmente — em grande parte devido a seus extraordinários esforços de marketing holístico.

singapore airlines a380

Famosa por mimar seus passageiros, a empresa aérea busca continuamente surpreender seus clientes e superar suas expectativas. Foi a primeira a introduzir telas de vídeo individuais nos assentos das aeronaves. Graças a seu exclusivo simulador de US$ 1 milhão, desenvolvido para reproduzir as condições de pressão e umidade do ar no interior de um avião, a SIA descobriu que as papilas gustativas mudam durante o voo e que, entre outras coisas, era preciso reduzir o tempero das refeições servidas a bordo.

A SIA também dá grande ênfase ao treinamento; seu projeto “Transforming Customer Service (TCS)” envolve cinco áreas operacionais fundamentais: tripulação de cabine, engenharia, serviços de terra, operações de voo e suporte a vendas. A cultura TCS é incorporada ao treinamento gerencial por toda a empresa. Ela adota a regra 40-30-30 em sua abordagem holística para pessoas, processos e produtos: 40 por cento dos recursos vão para treinamento e motivação, 30 por cento são gastos com a reavaliação de processos e procedimentos e os 30 por cento restantes vão para o desenvolvimento de novos produtos.

singapure airlines aviao a380

Com o design inovador de suas aeronaves Boeing 777-300 ERS e Airbus A380, a SIA definiu novos padrões de conforto em todas as classes de serviço, desde oito miniquartos privativos na primeira classe até assentos mais largos, tomadas elétricas e portas USB na classe econômica.

Mudança do relacionamento com o cliente

Nem todas as empresas, contudo, investiram na prestação de um serviço superior, ao menos não para todos os clientes. Em muitas áreas de serviços, como companhias aéreas, bancos, lojas e hotéis, a satisfação do cliente nos Estados Unidos não tem melhorado significativamente nos últimos anos — em alguns casos, na verdade, ela caiu.

Os clientes reclamam de informações imprecisas; funcionários desatenciosos, grosseiros ou mal treinados; e longas horas de espera. Pior ainda, muitos acham que suas queixas realmente nunca chegam aos ouvidos de alguém por causa de sistemas lentos ou falhos, seja por telefone, seja pela Internet. Não tem que ser assim.

Cinquenta e cinco operadores atendem a 100 mil chamadas por ano geradas pelo serviço 0800 da Butterball Turkey — 10 mil somente no dia de Ação de Graças — sobre como preparar, cozinhar e servir perus. Treinados na Universidade de Butterball, todos os operadores prepararam dezenas de perus de diferentes maneiras e são capazes de lidar com inúmeras dúvidas que chegam até eles, inclusive por que os clientes não devem guardar perus em bancos de neve ou descongelá-los em banheiras.

Profissionais de marketing de serviços perspicazes reconhecem as novas realidades do setor de serviços, tais como a importância do poder do cliente, da coprodução com o cliente e da necessidade de envolver os funcionários tanto quanto os clientes.

PODER DO CLIENTE

Os clientes estão se tornando mais exigentes na aquisição de suporte de serviço a bens e estão pressionando por “serviços avulsos”. Eles podem querer preços distintos para cada elemento de serviço e o direito de selecionar os elementos que desejam. Cada vez mais, também, os clientes preferem não ter que lidar com um prestador de serviço diferente para cada tipo de equipamento, e algumas assistências técnicas passaram a atender uma gama maior de aparelhos.

O mais importante é que a Internet deu poderes aos clientes ao permitir que desabafem sua raiva por um mau serviço — ou elogiem um bom serviço — e enviem seus comentários para todo o mundo com um clique do mouse. Embora uma pessoa que tenha uma boa experiência como cliente esteja mais propensa a falar sobre isso, alguém que tenha uma experiência ruim vai falar com mais pessoas.

Noventa por cento dos clientes irritados relataram compartilhar sua história com um amigo. Agora, eles podem compartilhar suas histórias com estranhos também. No PlanetFeedback.com, os clientes podem enviar uma reclamação, elogio, sugestão ou pergunta diretamente a uma empresa, com a opção de também postar comentários publicamente no site.


Quando o violão Gibson valendo US$ 3 mil do cantor canadense Dave Carroll sofreu danos de US$ 1.200 em um voo da United, ele canalizou sua energia criativa para uma boa causa. Criou um vídeo bem-humorado, “United breaks guitars” (“A United quebra violões”), e lançou-o no YouTube com o refrão capcioso a seguir:

  • United, você quebrou meu violão Taylor.
  • United, que grande amigo você é. Você quebrou, você tem que consertar.
  • Você é responsável, admita isso.
  • Eu deveria ter voado com outra companhia ou ido de carro porque a United quebra violões.

Visto mais de 5 milhões de vezes, o vídeo focou seus esforços frustrantes para fazer com que a United pagasse pelos danos. A United captou a mensagem. Ela doou US$ 1.200 para uma instituição de caridade indicada por Carroll e agora usa o incidente para treinar os funcionários que lidam com as bagagens e os representantes de atendimento ao cliente.


A maioria das empresas consegue responder rapidamente. A Comcast permite contato 24 horas por dia, 7 dias por semana, por telefone ou bate-papo on-line, mas também contata clientes e monitora blogs, sites e mídias sociais. Se relatos de problemas por parte de clientes são detectados por um funcionário em um blog, ele entra em contato e oferece ajuda.

As respostas aos e-mails de clientes devem ser implementadas corretamente para serem eficazes. Um especialista acredita que as empresas devem:

  1. enviar uma resposta automática para informar aos clientes quando uma resposta mais completa será enviada (de preferência dentro de 24 horas);
  2. garantir que a linha de assunto sempre contenha o nome da empresa;
  3. tornar a mensagem fácil de examinar quanto a informações relevantes; e
  4. dar aos clientes um meio fácil de responder com perguntas de acompanhamento.

Mais importante do que simplesmente responder a um cliente descontente, no entanto, é impedir que a insatisfação ocorra no futuro. Isso pode significar simplesmente dedicar tempo para cuidar do relacionamento com os clientes e dar a eles a atenção de uma pessoa real.

A Columbia Records investiu US$ 10 milhões para melhorar seu call center, e os clientes que telefonam para a empresa agora podem optar por falar com um operador a qualquer momento durante sua chamada. A JetBlue usou um serviço desastroso para melhorar sua abordagem de atendimento ao cliente.

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O CEO David Neeleman elevou o padrão de referência sobre dar uma resposta a clientes enfurecidos após uma drástica falha da empresa no Dia dos Namorados de 2007.

Durante tempestades em Nova York, a JetBlue deixou centenas de passageiros presos a bordo de uma aeronave em terra — alguns por mais de nove horas — e cancelou mais de 1.000 voos. A JetBlue construíra sua reputação como uma companhia aérea mais ágil e humana em uma era de serviços mínimos e atrasos máximos.

Neeleman sabia que tinha que agir rápido para conter outro tipo de tempestade: um turbilhão de deserções de clientes. Em 24 horas, ele colocou anúncios de página inteira em jornais de circulação nacional em que respondia pessoalmente pela falha da JetBlue. “Lamentamos e estamos envergonhados”, os anúncios declaravam: “Mas, acima de tudo, estamos profundamente arrependidos”.

A JetBlue ofereceu reparações concretas aos passageiros. Neeleman anunciou uma nova “declaração dos direitos dos clientes” em que lhes prometia créditos de viagem em caso de esperas excessivas. Por exemplo, os passageiros que não conseguissem desembarcar de um voo por 3 horas ou mais receberiam vouchers no valor integral do bilhete de ida e volta.

A JetBlue também entregaria vouchers para viagens de ida e volta aos passageiros de um voo que fosse cancelado 12 horas ou menos antes de uma partida. O pedido de desculpas, sustentado por benefícios concretos para passageiros irritados e prejudicados, angariou elogios para a empresa tanto da imprensa corporativa quanto dos próprios clientes JetBlue. Neeleman se demitiu quando uma nova gestão assumiu o comando para lidar com alguns dos desafios de crescimento que a companhia aérea enfrentava.

COPRODUÇÃO COM O CLIENTE

A realidade é que os clientes não se limitam a comprar e utilizar um serviço, eles desempenham um papel ativo em sua entrega.

Suas palavras e ações afetam a qualidade de suas próprias experiências com os serviços e as experiências de outros, bem como a produtividade dos funcionários da linha de frente. De modo geral, clientes sentem que obtêm mais valor, e sentem um vínculo mais forte com o fornecedor, se estiverem ativamente envolvidos no processo de prestação do serviço. Essa coprodução pode, contudo, pressionar os funcionários da empresa e reduzir sua satisfação, especialmente se diferirem culturalmente ou de outras maneiras dos clientes.

Além disso, um estudo estimou que um terço de todos os problemas de serviço são causados pelo próprio cliente.

A crescente mudança para tecnologias de autoatendimento provavelmente vai aumentar esse percentual.

Evitar falhas de serviço é crucial, já que se recuperar delas é sempre um desafio. Um dos maiores problemas é a imputação — com frequência, os clientes acham que a empresa falhou ou, mesmo que não seja esse o caso, ainda assim ela é responsável por corrigir quaisquer erros.

Infelizmente, apesar de muitas empresas terem procedimentos bem desenhados e executados para lidar com suas próprias falhas, elas constatam que administrar falhas de clientes — quando um problema de serviço surge por causa da falta de entendimento ou inépcia de um cliente — é muito mais difícil.

 

tabela raiz das falhas de clientes

A figura acima exibe as quatro causas genéricas de falhas dos clientes. As soluções assumem diversas formas, como mostram os exemplos a seguir:

1. Redesenhar os processos e redefinir os papéis dos clientes para simplificar contatos de serviço. Um dos segredos do sucesso da Netflix é que ela cobra uma taxa fixa e permite aos clientes assistir séries, filmes e animações num volume ilimitado, proporcionando-lhes total controle e flexibilidade.

2. Incorporar a tecnologia certa para auxiliar funcionários e clientes. A Comcast, maior operadora a cabo por assinatura dos Estados Unidos, introduziu um software para identificar falhas de rede antes que afetassem o serviço e para informar de modo mais eficaz os operadores de call center sobre os problemas dos clientes. A repetição de chamadas de serviço caiu 30 por cento como resultado disso.

usaa agencia bancaria

3. Criar clientes de alto desempenho, explicando com clareza seu papel, sua motivação e sua capacidade. A USAA lembra a seus segurados alistados nas Forças Armadas que suspendam o seguro de seus automóveis quando estiverem servindo no exterior.

4. Incentivar a “cidadania dos clientes” para que eles se ajudem entre si. Em campos de golfe, além de os jogadores seguirem regras de jogo e comportamento adequadas, eles também podem encorajar os outros a fazerem o mesmo.

SATISFAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS TANTO QUANTO DE CLIENTES

Empresas de serviços gerenciadas com excelência sabem que as atitudes positivas por parte dos funcionários promovem mais fidelidade de clientes.

Incutir uma forte orientação ao cliente nos funcionários também pode aumentar a satisfação e o comprometimento deles no trabalho, sobretudo se tiverem contato constante com o cliente. Os funcionários prosperam em cargos de contato com clientes quando têm um impulso natural para:

  1. mimar os clientes;
  2. decifrar com precisão as suas necessidades;
  3. desenvolver com eles um relacionamento pessoal;
  4. proporcionar qualidade de serviço para resolver os problemas dos clientes.

Em consonância com esse raciocínio, a Sears identificou uma alta correlação entre satisfação do cliente, satisfação dos funcionários e rentabilidade em loja. Em empresas como Hallmark, John Deere e Four Seasons Hotels, os funcionários demonstram verdadeiro orgulho por estarem ali. A desvantagem de não tratar bem os empregados é considerável. Um levantamento com 10 mil funcionários das 1.000 maiores empresas constatou que 40 por cento deles citaram “falta de reconhecimento” como a principal razão para deixar um emprego.

Dada a importância das atitudes positivas dos funcionários para a satisfação do cliente, as empresas de serviços devem atrair os melhores recursos humanos que puderem encontrar.

Devem oferecer uma carreira em vez de um mero emprego. Devem criar um sólido programa de treinamento e oferecer apoio e recompensas por bom desempenho. Podem usar a intranet, boletins informativos internos, lembretes diários e mesas-redondas com as equipes para reforçar atitudes centradas no cliente.

Finalmente, devem auditar regularmente a satisfação dos funcionários no emprego. A rede de restaurantes Panda Express tem uma rotatividade de gerentes que é a metade da média setorial, em parte, devido a uma combinação de bônus generosos e benefícios de saúde com uma forte ênfase no autoaperfeiçoamento dos funcionários por meio de meditação, educação e hobbies. Seminários especiais sobre bem-estar e eventos de autoconhecimento fora do horário de trabalho ajudam a criar uma atmosfera afetiva e estimulante.


Fonte: Livro Administração de Marketing, por Philip Kotler