Muitos proclamam que a fidelidade do cliente com uma marca morreu, e algumas estatísticas parecem confirmar isso. As corporações dos Estados Unidos perdem, em média, a metade de seus clientes a cada cinco anos, a metade de seus funcionários a cada quatro e a metade de seus investidores em menos de um. No futuro só existirão as relações “oportunistas”?
Frederick Reichheld, considerado a maior autoridade mundial em fidelização de clientes, não concorda com essa visão. Argumenta que as empresas que se concentram em encontrar e conservar bons clientes e funcionários são as que geram resultados superiores. A seu ver, a fidelidade das marcas goza de boa saúde e é um dos grandes impulsionadores do sucesso no mundo dos negócios. O que dá vida ao modelo de “empresa baseada na fidelidade” não é a oferta de utilidades imediatas, mas a criação de valor para os clientes, condição fundamental em todas as empresas bem-sucedidas.
Como efeito, a fidelidade mede de forma confiável se a empresa ou a marca gera valor: os clientes continuam comprando dela ou preferem outra empresa. Como causa, a fidelidade aumenta as receitas e a participação no mercado, e o crescimento sustentável permite atrair e conservar os melhores funcionários e os investidores fiéis viram sócios.
Nesta entrevista, Reichheld descreve seu modelo:
O sr. disse que as teorias e ferramentas tradicionais de gerenciamento já não servem para explicar as forças que regem o sistema de causa e efeito num negócio. Em seu lugar, propõe um modelo de gerenciamento baseado na fidelidade. O sr. poderia explicar em que consiste esse modelo?
É preciso considerar a fidelidade como uma estratégia, não uma tática. A fidelidade do cliente, a do funcionário e a do investidor estão intimamente interligadas. Portanto, para que o gerenciamento baseado na fidelidade produza frutos, é necessário considerar todas as partes.
As pessoas estão acima dos processos: o objetivo de um negócio é criar valor, não apenas produtos. Ao observar a conduta dos clientes, dos funcionários e dos investidores – ou seja, se permanecem ou não fiéis à empresa–, é possível concluir a quem se fornece valor e, por extensão, se a empresa está cumprindo a missão de criar um valor duradouro. Em outras palavras, a fidelidade proporciona um padrão para medir o desempenho, além de um ponto de referência para alcançá-lo. A prioridade é ser muito cuidadoso no processo de seleção tanto de clientes como de funcionários e investidores e pensar nessa escolha como num investimento de longo prazo. Se os funcionários estiverem orgulhosos e os clientes satisfeitos, eles agirão em benefício da empresa.
O gerenciamento baseado na fidelidade consiste, portanto, em considerar todas as relações que uma organização estabelece, e não apenas com os acionistas, como defende o gerenciamento baseado na lucratividade.
Num mundo em que a confiança é um bem escasso, como se conquista a fidelidade dos funcionários?
Os executivos costumam me fazer a mesma pergunta. A resposta que lhes dou é simples: são vocês que devem dar o primeiro passo. Devem demonstrar fidelidade a seus funcionários em vez de esperar deles uma atitude desse tipo.
E como se mantém essa fidelidade?
Existem muitas maneiras. Stephen Covey (autor do livro Sete Hábitos de Pessoas Muito Eficazes), por exemplo, propõe imaginar o que as pessoas que forem a nosso enterro dirão a nosso respeito. Devo confessar que não tenho tido muita sorte nesse exercício, mas existem outros que são úteis. Pergunte a si mesmo se quer que seus parentes trabalhem em sua empresa. Se a resposta for negativa, é muito provável que seus funcionários pensem do mesmo jeito. Pergunte-se por que em sua empresa os funcionários não são tratados de tal modo que sintam orgulho de pertencer a ela. Que gostem tanto que desejem que seus familiares trabalhem nela. O dever de um líder é garantir que seu pessoal seja bem-sucedido. Muitos acham que colocar o interesse dos demais adiante do próprio contraria a essência do que é uma empresa. Entretanto, as organizações que prosperam, crescem e passam com sucesso por momentos difíceis são aquelas que criaram relações valiosas com seus funcionários e obtiveram um alto grau de compromisso.
Nos países onde há um índice grande de desemprego, fala-se em “flexibilizar” os contratos de trabalho. O objetivo é que as empresas possam contratar pessoal sem que a eventual dispensa seja cara demais. Mas muitos argumentam que essa política, que poderia diminuir o desemprego, gera condições de trabalho ruins. Qual é sua opinião?
Muitas empresas estabeleceram relações temporárias, ou flexíveis, com seus funcionários. E funcionam bem. O importante é levar em conta qual o valor que as pessoas geram para a empresa. Você despediria um funcionário muito valioso? Se uma organização é capaz de implantar planos salariais que recompensam as pessoas pelos resultados que conseguem, e não pelas horas que trabalham, terá encontrado a melhor opção. Costumo aconselhar as empresas a organizar-se em equipes pequenas, para que os resultados sejam vistos com maior clareza e se tornem mais fáceis de compartilhar. Os líderes que recompensam os funcionários que rendem mais garantem sua fidelidade.
Então, liderança é o segredo?
Sim. A fidelidade é a marca de uma grande liderança. Se você obtém resultados financeiros com o esforço de todos, mas muitos abandonam a empresa na primeira oportunidade que aparece, seu trabalho como líder falhou. Quem tem poder pode abusar das pessoas para conseguir seus objetivos, mas não irá muito longe. Se, ao contrário, usar de autoridade para ajudar as pessoas a conseguir as coisas, todos se beneficiarão.
O que uma política de recursos humanos deve ter em vista para contratar e manter os melhores funcionários?
Na hora de contratar é preciso ser muito seletivo: incorporar pessoas que tenham os mesmos valores da empresa e possuam o talento e as habilidades necessários para alcançar os níveis de produtividade que uma carreira satisfatória de longa duração exige. Depois, é preciso esforçar-se para que os funcionários entendam os clientes e aprendam com o feedback dado por eles. Além disso, é preciso montar um sistema de prêmios segundo o qual sejam os clientes, e não os gerentes, quem determina as recompensas. É importante também que as estrelas de uma equipe atinjam as metas fixadas e possam crescer e desenvolver-se. É preciso encontrar uma maneira de fortalecer essas pessoas e garantir que seu sucesso pessoal esteja vinculado ao da equipe, a fim de que suas realizações motivem os demais.
O sr. poderia mencionar empresas que, em sua opinião, são exemplos da boa maneira de conquistar a fidelidade de seus funcionários?
Harley-Davidson, Northwestern Mutual, Dell Computer, New York Times e Intuit são algumas delas. São essas as empresas que têm o maior índice de retenção de clientes dentro de seu setor de atividade. E, não por acaso, as empresas que têm clientes fiéis também têm funcionários fiéis.
O sr. mencionou a Dell Computer, uma empresa pioneira em explorar as vantagens da Internet. Na Internet nascem centenas de pequenas empresas todos os dias. O sr. avalia que no mundo digital será mais difícil conseguir a fidelidade de funcionários e clientes?
A Internet é menos revolucionária do que todo mundo pensa. Não subestimo sua importância, mas, definitivamente, é apenas um avanço tecnológico, como foi o telefone em sua época. Na nova economia vencerão as empresas que utilizarem a tecnologia para melhorar as relações com os clientes, com seus funcionários e para satisfazer melhor suas necessidades, comunicar-se e aprender com eles. A Dell é uma dessas empresas. Mas também existe confusão, porque muita gente acha que não é seguro investir dinheiro em empresas que ficam ricas da noite para o dia. Quem constrói as grandes companhias? As pessoas que querem liderar organizações que criam valor para seus clientes e funcionários. O objetivo dessas pessoas não é transformar-se em milionárias em cinco anos para depois se aposentarem.
A nova economia favorecerá as empresas grandes ou as pequenas?
Ambas podem conviver. As grandes terceirizam cada vez mais funções, razão pela qual se forma uma rede de relações e de empresas menores. Se as empresas se organizarem em pequenas equipes –ou seja, se tiverem uma estrutura molecular–, crescerão com sucesso. Mas não devem permitir que as unidades de negócios se tornem grandes e burocráticas.
Como se lida com um sistema de negócios baseado na fidelidade dos consumidores?
O primeiro passo é encontrar os melhores clientes: os que produzam um fluxo constante de recursos financeiros e sejam lucrativos no futuro; clientes cuja fidelidade se possa ganhar e conservar. As empresas baseadas na fidelidade devem lembrar-se de três regras básicas: alguns clientes são intrinsecamente previsíveis e fiéis; alguns são mais rentáveis que os outros; e, por último, alguns acharão que os produtos e serviços da empresa são mais valiosos que os de seus concorrentes. Nenhuma empresa pode satisfazer todas as necessidades de todos os consumidores.
Portanto, é preciso concentrar-se em determinados clientes e fazer todo o possível para conservá-los –elaborar políticas de preços, linhas de produtos e níveis de serviço voltados para o crescimento de sua fidelidade. Ao mesmo tempo, os executivos têm de fazer com que cada funcionário entenda que sua única razão de existir é encontrar um cliente que queira pagar por seus serviços, que pense que sua empresa é a melhor do mundo, que fique satisfeito com seus produtos ou serviços e queira mais. O líder ajuda a obter as informações necessárias para saber mais sobre um cliente, mas o importante é que os funcionários aceitem que quem impõe as normas de excelência são os consumidores.
O sr. diz que nem sempre satisfação é sinônimo de fidelidade. Será que um cliente satisfeito não tende a ser fiel?
Em essência, fidelidade significa que estamos dispostos a sacrificar –pelo menos por um tempo– nossos interesses. Porque o sucesso da relação que se constrói a longo prazo é mais importante que qualquer benefício imediato. A satisfação está estreitamente relacionada com a maneira como o consumidor se sente em determinado momento. Medir a satisfação é útil, mas não se deve transformar isso na ferramenta central. Muitas vezes, pessoas que disseram estar satisfeitas com um produto não voltaram a comprar porque acharam o de outra marca mais valioso.
Como se mede a fidelidade, então?
Observando quantos clientes voltam a comprar e quantos compram mais, ano após ano. Existem muitas maneiras de conhecer a conduta e as atitudes dos clientes, mas tudo depende do feedback que se queira obter. A Internet é uma boa ferramenta, porque facilita o contato direto com os clientes. Michael Dell, por exemplo, conecta-se seguidamente e “escuta” o que as pessoas falam sobre seus produtos. Assim, fica conhecendo, sem intermediários, a opinião dos consumidores sobre a empresa e seus computadores.
Pode-se dizer que o comprador frequente é um cliente fiel?
Acredito que a frequência de compra, a média do valor da compra e a participação da compra por categoria são bons indicadores. Alguns truques de marketing podem ajudar a transformar um comprador frequente num comprador fiel, mas muitos profissionais se confundem e procuram aliciá-lo. O argumento é o seguinte: “Se ele comprar mais produtos e gerar mais lucros para a empresa, nós o premiaremos com uma parte desses lucros”. Esses prêmios não são o prato principal, mas o acompanhamento. Consegue-se fidelidade quando realmente se oferece mais valor, o melhor produto e o melhor serviço.
Existem sistemas eficazes para medir a fidelidade? O que se deve medir e como?
Aquilo que uma empresa decide medir denota o valor, direciona o pensamento dos funcionários e fixa as prioridades da gerência. Mas a grande maioria das mensurações que as empresas utilizam mostra apenas uma dimensão do setor de atividade: os resultados do ano corrente. Até agora houve poucos avanços para medir especificamente o andamento dos processos e o nível de qualidade. E acontece o mesmo com a fidelidade. A meu ver, é indispensável entender a relação entre fidelidade e criação de valor, e nessa relação é preciso considerar os três atores que já mencionei: clientes, funcionários e acionistas. Portanto, estamos trabalhando na criação de um novo enfoque de medição, que usará dois informes básicos para cada setor. O primeiro é análogo ao balanço da contabilidade financeira, mas levará em conta o capital humano. O segundo não só medirá a corrente de valor que se dirige para os acionistas e investidores, mas também as que movem o balanço do capital humano: o valor que flui da empresa para seus clientes e funcionários e o que flui dos clientes, dos funcionários e dos acionistas para a empresa. Esse sistema integrado de medidas vincula cada setor aos outros e permite à organização gerir sistematicamente toda a espiral de criação de valor.
Em seu livro A Estratégia da Lealdade, o sr. diz que as médias, nas medições de fidelidade, não são úteis. Por quê?
Não são úteis quando os segmentos de clientes são muito distintos. E o mesmo acontece com as médias que incluem clientes de tendências diferentes, embora dentro de um mesmo segmento. As empresas têm de examinar separadamente cada segmento de novos clientes, pelo menos durante os cinco primeiros anos, porque nesse período as taxas de “deserção” são mais altas. Misturar todos os novos segmentos de clientes para calcular uma taxa média de retenção pode turvar a visão e ocultar as contribuições mais valiosas das medidas de fidelidade.
Existe alguma maneira de prever essa “deserção” de clientes?
Se a empresa analisar o comportamento dos clientes antes de se afastarem, poderá identificar os padrões de deserção e, assim, evitar que se repitam em outros compradores ou reter quem estiver a ponto de partir.
A “deserção zero” é possível ou trata-se apenas de uma meta ideal?
Provavelmente é um ideal. Mas é preciso seguir o exemplo das indústrias: rastrear os índices de defeito. Quando a meta era reduzir os defeitos de 3% para 1%, elas podiam contentar-se em tirar medidas mais ou menos aproximadas; mas, para baixar o índice de defeitos de 1% para 6 sigma –ou seja, para 0,000003%–, é necessário um nível maior de precisão. Parece-me que a “deserção zero” não é tão teórica quanto pensamos, mas ainda faltam algumas décadas para chegarmos lá.
Como fazer com que o acionista não pense somente nos lucros imediatos e entenda a importância das relações duradouras com os clientes?
Não há dúvida de que, em qualquer setor de atividade, ganhar a fidelidade dos clientes exige, além de uma análise cuidadosa, ações coerentes e investimentos a longo prazo, mas os benefícios que isso acarreta são enormes. As empresas que descuidam desse aspecto, dedicando-se ao fortalecimento de suas margens de lucro a curto prazo, estão escolhendo um futuro muito mais arriscado. O alívio sintomático que procuram frequentemente só agrava a doença, porque as ferramentas de administração que apontam para a melhoria dos resultados não foram projetadas para corrigir nem sequer para descobrir falhas potencialmente mais sérias da proposta de valor de uma empresa. E o mais grave é que concentrar-se na melhora imediata da rentabilidade tende a minar o valor que a empresa pode oferecer a seus clientes. Consequentemente, os acionistas têm de entender que a empresa não crescerá –e que eles não vão obter dividendos– se não oferecer a seus clientes uma proposta de valor melhor que a da concorrência.
Sobre o entrevistado:
Frederick Reichheld é autor de A Estratégia da Lealdade (ed. Campus), livro traduzido para 12 idiomas. Criou a prática de fidelização na Bain & Company, firma de consultoria especializada em estratégia, e foi consultor de empresas como Federal Express, Hewlett-Packard, NCR, BAAN, Marriott, Xerox e SAS.
Fonte: Entrevista feita por Andrea Cajaraville e foi publicada no Brasil pela revista HSM Management