O modelo gerencial das 3 caixas

Conheça o método gerencial do professor do Dartmouth College para lidar com os maiores desafios enfrentados por gestores que buscam inovar. O prof. Govindarajan nos ajuda a atacar os desafios com a metáfora das três caixas:

  • a Caixa #1 consiste em gerenciar o negócio do presente com a máxima eficiência;
  • a #2, em escapar das armadilhas do passado, abrindo mão do que perde relevância conforme o ambiente muda;
  • e a #3, em gerar ideias inovadoras e convertê-las em novos produtos e negócios.

Ele detalha as práticas, habilidades e atitudes certas para cada caixa e traz exemplos como o da IBM.

Durante a maior parte dos últimos 25 anos do século 20, a IBM foi um perfeito e altamente disciplinado modelo da Caixa #1. Era a principal fornecedora de tecnologia da informação (TI) – hardware, software e integração de sistemas – para grandes e médias empresas. Ao mesmo tempo cara e complexa, a tecnologia sempre constituiu uma compra arriscada.

Diretores de TI responsáveis por decisões de compra eram vítimas da famosa alta rotatividade na área – o tempo de permanência média dos profissionais no emprego, na década de 1990, mal passava de dois anos –, de modo que valorizavam muito a reputação de qualidade e confiabilidade da IBM. A empresa era a escolha segura para os diretores de TI, que atuavam sob constante pressão. Como se dizia na época, “ninguém jamais foi demitido por comprar da Big Blue”.

A IBM fez a festa na condição de fornecedor mais respeitado do setor. Os diretores de TI mantinham o emprego comprando tecnologias da empresa, em uma estratégia que consideravam inteligente, consolidando a IBM no posto de principal marca de computação empresarial. No entanto, duas mudanças não lineares ameaçaram tal dominância.

• A computação pessoal.

Em meados da década de 1980, os computadores pessoais, inicialmente vistos como brinquedos para amadores, começaram a entrar nas empresas. A ironia foi que a IBM desempenhou papel central (com a startup de Bill Gates, a Microsoft) na legitimação dos PCs como ferramentas de negócios. Quando os PCs ampliaram rapidamente sua potência e utilidade (graças à Lei de Moore e a novos softwares empresariais) e se conectaram a redes cliente-servidor, tornou-se iminente a queda nas vendas dos sistemas de mainframe e computadores de médio porte da IBM, presentes em praticamente todas as empresas.

• A internet e a web.

A segunda mudança, ainda mais impactante, veio com a internet e, em especial, com a possibilidade de navegação pela World Wide Web. Qualquer computador, em qualquer lugar do mundo, podia então interagir com qualquer outro computador conectado à internet. As empresas descobriram o valor das interações diretas mensuráveis com os clientes, que podiam ser registradas e analisadas. Em pouco tempo, passou a ser possível criar processos e locais de trabalho virtuais. Em muitos setores de atividade, as barreiras até então normais à entrada de novos concorrentes diminuíram ou desapareceram, como bem demonstrou a Amazon, que se tornou uma bem-sucedida varejista de livros sem manter um só volume em estoque.

Embora separados por mais de uma década, esses dois avanços não lineares abriram os olhos das empresas para a possibilidade de escapar da armadilha das tecnologias patenteadas e também para a ideia, igualmente atraente, de que a web poderia se tornar um sistema operacional virtual, com recursos de computação e softwares – todos criados em torno de protocolos-padrão – disponibilizados com eficiência e a baixo custo, sendo pagos de acordo com o consumo. Hoje, essa ideia é conhecida como “nuvem”.

logotipo ibm

AS TRÊS ARMADILHAS

Embora muitas pessoas da IBM tivessem visto com clareza as implicações das duas mudanças não lineares, seus alertas tiveram dificuldade de penetrar a mentalidade arraigada no passado. A lógica dominante controla culturas e práticas organizacionais de três maneiras distintas, porém estreitamente interligadas. Comparo seus efeitos dinâmicos a armadilhas que pegam os desprevenidos. As três têm origem em mentalidades demasiadamente focadas em valores, comportamentos e crenças do passado.

A armadilha da complacência

O sucesso atual leva a empresa a supor que basta repetir tudo o que já fez para garantir sucesso no futuro. Essa é a armadilha da complacência. Ela envolve o futuro em uma névoa de confiança injustificada, impedindo uma visão clara das mudanças que estão ocorrendo ao redor.

O sucesso extraordinário da IBM impulsionado pelo negócio de mainframes (da Caixa #1) mascarou as dificuldades que estavam por vir. Em vez de encarar as ameaças iminentes ao negócio de mainframes, a empresa promoveu ajustes temporários. Um desses paliativos envolveu mudar o modelo de receita, da locação para a venda de mainframes. A medida resultou em uma bela alta na receita no curto prazo, o que adiou o “dia do juízo final” para a IBM.

Não raro, as organizações de sucesso apegam-se tanto ao passado que ignoram o início da exaustão dos negócios da Caixa #1. Em vez de construir o futuro dia após dia, a IBM tentou prolongar seu passado com um mero ajuste, e não com uma verdadeira mudança. As boas receitas dos anos seguintes iludiram a empresa de que tudo estava bem – três palavras que resumem perfeitamente o estado de complacência.

Outra maneira de entender como a IBM caiu na armadilha está no fato de a rentabilidade continuada da Caixa #1 ter adiado o senso de urgência que poderia despertar uma visão mais voltada para o futuro da Caixa #2 – a de que era importante investir agressivamente no novo modelo de computação cliente-servidor.

Esse é o lado sombrio do sucesso. Não importa qual seja o setor ou a empresa, toda grande inovação leva a um constante acúmulo de estruturas, processos e atitudes baseados na Caixa #1, do tipo que cegou a IBM por tanto tempo. Seus mainframes não eram apenas máquinas inteligentes, e sim máquinas inteligentes que, ao longo dos anos, criaram, no local de trabalho dos clientes, camadas inteiras de gestão empresarial até então inexistentes.

Os computadores de mainframe consistiam em fortalezas ilhadas, seguras e operadas por um novo e poderoso departamento de TI, inacessível ao resto da organização. A filosofia do mainframe era exatamente oposta à da internet, aberta e acessível, que ainda estava por vir. Antes de a internet surgir como ferramenta de negócio, todas as empresas vivenciavam uma constante batalha interna para disponibilizar os valiosos dados do mainframe para os colaboradores por meio dos computadores em rede. Essa demanda cada vez mais premente entrou em confronto com a mentalidade dos clientes de TI da IBM, que consideravam que sua missão era proteger a segurança e a integridade dos dados corporativos. Para eles, permitir o acesso irrestrito levaria à corrupção de dados e à proliferação de versões não confiáveis da “verdade”.

Com efeito, os clientes podem ter importante papel na construção da armadilha da complacência. A IBM colaborou com seus clientes na criação do que se tornou um arraigado sistema de governança para organizações computadorizadas. As estruturas e atitudes desse sistema compunham um ciclo de feedback autovalidado, que acabou sendo disseminado pelos grandes clientes corporativos da IBM.

Recentemente, uma versão mais moderna de mainframe surgiu para se reconciliar com o restante da infraestrutura de TI. O modelo atual possibilita a análise de big data e outras aplicações em muitas grandes empresas. Na IBM dos anos 1990, porém, a cultura do mainframe ignorou quanto pôde o emergente, mais aberto e democratizado modelo de computação em rede.

A armadilha da canibalização

O temor da canibalização convence os líderes de que novos modelos de negócio baseados em ideias não lineares vão comprometer a atual prosperidade da empresa. Desse modo, como anticorpos atacando um vírus invasor, os gestores protegem os empreendimentos da Caixa #1, resistindo a ideias que não se encaixam nos padrões do passado. Em sua essência, o medo da canibalização reflete o desejo de impedir o mundo de mudar. Pode ser fácil entendê-lo, mas é muito difícil justificá-lo. Cabe lembrar que mudanças são inevitáveis e, portanto, o mundo mudará, com ou sem nossa anuência. Quando uma empresa permite que preocupações com a canibalização interfiram em sua estratégia, é sinal de que se apegou demais ao passado e está fadada a comprometer seu futuro.

A canibalização normalmente é vista – e temida – como ameaça imediata. Embora tenha expressado uma visão orientada para o futuro quando desenvolveu seu computador pessoal no início dos anos 1980, a IBM ficou focada em proteger seu negócio tradicional. Quem temia os PCs acreditava que o novo produto surgia como ameaça potencial ao modelo de computação de mainframe, seja estimulando o apetite por liberar dados empresariais, seja desviando a atenção e os investimentos da IBM de seu negócio central.

As pessoas que temem as novas tecnologias costumam mais acertar do que errar no que se refere ao potencial da inovação de derrubar produtos tradicionais. Todo negócio da Caixa #1 tem motivos para temer, por vezes até odiar, qualquer novidade. Quando Steve Jobs forçou o lançamento do Macintosh no final de sua primeira passagem pela Apple, a equipe encarregada do Apple II, na época o produto dominante, sentiu-se ameaçada e rebaixada. Foi como se Jobs, cofundador da empresa, estivesse promovendo uma insurreição.

Na realidade, contudo, a canibalização deveria ser vista como um benefício para o longo prazo. O Macintosh incorporava recursos que logo levariam seus antecessores à obsolescência. Se a Apple não tivesse agido rapidamente, um concorrente – talvez até a IBM – teria preenchido a lacuna. Dada sua história, a decisão da IBM de explorar a microcomputação foi inesperada. No entanto, os PCs rapidamente se tornaram o padrão, sendo adotados por usuários domésticos e empresariais. Apesar de o marketing da IBM para o PC inicialmente se voltar mais para o mercado doméstico, a maior fonte de receita foi a dos clientes corporativos. Assim, de repente, pelo menos parte da IBM possuía boas razões para torcer pela computação cliente-servidor, a qual, independentemente da oposição dos defensores dos mainframes, já demonstrava ter o brilho da inevitabilidade.

Portanto, ainda que tenham de levar a sério o medo da canibalização, as empresas não podem usá-lo como justificativa para fechar os olhos ao futuro quando novos modelos de negócio ou estratégias não lineares apresentarem uma oportunidade.

A armadilha da competência

Esse tipo de armadilha surge quando os resultados positivos do negócio central encorajam a organização a investir principalmente em competências da Caixa #1, destinando pouco incentivo a competências novas e orientadas para o futuro. Em empresas consolidadas que cresceram a partir de um sucesso espetacular, como os mainframes da IBM, é natural compor uma força de trabalho com habilidades que reflitam predominantemente o negócio tradicional. No entanto, a armadilha da competência é uma faca de dois gumes. Os investimentos da IBM em competências da Caixa #1 ajudaram o negócio de mainframes. A lógica dominante da Caixa #1, contudo, levanta a questão: para que investir em habilidades que não são vitais para a atual rentabilidade da empresa? É por isso que a Caixa #2 se faz necessária.

A IBM acabou reconhecendo que o modelo de computação dominante, responsável por seu enorme sucesso, passava por grandes mudanças. Entretanto, apesar de ter feito investimentos consideráveis em uma robusta unidade de pesquisa e desenvolvimento, a companhia viveu uma dificuldade crônica para incubar novos empreendimentos. Ela simplesmente não conseguia encontrar o que o pessoal interno chamava de “O Próximo Grande Êxito”. A organização parecia ter sucumbido ao sistema de valores dos quatro macacos.

Percebendo problemas sistêmicos na empresa, o então CEO, Louis V. Gerstner, encomendou uma pesquisa interna para identificar as causas. A investigação, liderada por Bruce Harreld, diretor de estratégia corporativa, confirmou os temores de Gerstner. Analisando uma série de então recentes exemplos de fracassos na incubação de novos negócios, a equipe de Harreld concluiu que os sistemas, estruturas, processos e cultura da Caixa #1 da empresa:

• Criavam uma forte tendência a privilegiar resultados imediatos.

• Encorajavam o foco nos clientes e ofertas existentes, em detrimento de novas tecnologias e tendências não lineares, em geral subestimadas ou ignoradas.

• Pressionavam novos negócios com metas de desempenho elevadas demais, prejudicando empreendimentos voltados para mercados emergentes, mais arriscados e, muitas vezes, bem mais promissores.

• Resultavam em baixa criatividade na análise de mercados, o que reduzia a capacidade da empresa de acessar os ditos “mercados embrionários”, com mais potencial de gerar ideias não lineares da Caixa #3.

• Interferiam no desenvolvimento de habilidades necessárias para conduzir a transição adaptativa de um novo negócio, desde suas fases iniciais e de crescimento até se tornar um empreendimento consolidado.

• Originavam variadas falhas de execução, muitas delas derivadas da inflexibilidade das estruturas organizacionais da Caixa #1, que os líderes dos novos empreendimentos deveriam “presumivelmente superar. Manifestar preocupações [com a falta de flexibilidade], inclusive quando o problema constituía grande barreira às novas iniciativas de negócios, era visto como sinal de fraqueza”.

Vale a pena destacar o que não foi apontado no relatório de Harreld. O problema da IBM não foi causado por falta de competência na área de pesquisa e desenvolvimento. Ao contrário, seu pessoal tinha alguma expertise em uma ampla gama de disciplinas e tecnologias. Entre os projetos de pesquisa da empresa, alguns eram bastante promissores, e outros, altamente especulativos, não comprovados e obscuros. No entanto, por todas as razões relacionadas anteriormente, até as ideias que conseguiam ganhar impulso na empresa eram desenvolvidas e executadas com inépcia. A IBM precisava de um processo eficiente para dar voz, apoiar e recompensar seus “macacos” que pensavam fora do padrão e para gerir novos empreendimentos, com especial atenção à transição adaptativa entre seus estágios de desenvolvimento.

Um processo como esse normalmente implica incorporar uma gama de soluções estruturais, culturais e de liderança. Na IBM – primeiro sob o comando de Gerstner, depois sob o de Sam Palmisano –, esses diferentes ajustes foram incorporados às oportunidades de negócios emergentes (EBO, sigla em inglês de emerging business opportunities), que, por sua vez, desenvolveram novas estruturas, impuseram mudanças à cultura conservadora da empresa e promoveram um comportamento de liderança adaptativo e versátil.

SOLUÇÕES DA CAIXA #2

Vindo da RJR Nabisco, Lou Gerstner ingressou na IBM em 1993 como o primeiro CEO não promovido internamente. Sua contratação provou-se uma importante decisão da Caixa #2. Gerstner tinha experiência principalmente em empresas business-to-consumer (B2C), entre elas a American Express. Apesar de sua ideia inicial ter sido dividir a IBM e vender suas partes, ele ouviu o conselho dos clientes e manteve a empresa unida. Por meio do próprio exemplo de conduta, promoveu uma cultura mais humilde e ajudou a companhia a se livrar do orgulho e da presunção, levando-a a se concentrar mais nos clientes e a reconhecer que havia muito a aprender com eles.

Gerstner liderou a transformação da IBM de produtora de hardware e software em prestadora de serviços. A nova missão passou a ser auxiliar os clientes a migrar da velha e fechada realidade dos mainframes empresariais para o mundo aberto e não patenteado dos computadores em rede, até chegar à internet, universo no qual arquiteturas organizacionais e processos e atividades comerciais dos clientes poderiam ser reconfigurados com flexibilidade, conforme as necessidades.

No final da década de 1990, Gerstner já havia resolvido os problemas de desempenho complacente da Caixa #1, tirando a empresa de uma sequência sem precedentes de trimestres no vermelho. Não é de surpreender, contudo, que a ênfase urgente na Caixa #1 tenha produzido um foco redobrado na execução, tendo em vista o curto prazo. Esse foco inevitavelmente levou os líderes das unidades de negócios da Caixa #1 a subestimar os investimentos em projetos da Caixa #3. Para criar um futuro de sucesso, Gerstner teve de começar com uma ação da Caixa #2.

Com base nas constatações do relatório de Harreld, o executivo criou um projeto para desenvolver uma ampla solução institucional cobrindo todos os aspectos do desenvolvimento de um negócio emergente – desde a semente da ideia, passando pela experimentação e incubação, até chegar ao crescimento e à maturidade. As EBOs seriam uma forma de escapar do passado. Um fator fundamental nessas estruturas seria reconhecer que empreendimentos em diferentes estágios de desenvolvimento requerem diferentes estratégias, abordagens de gestão e critérios de mensuração do desempenho.

A essência da Caixa #2 é aumentar as chances de criar futuros divergentes. Em resumo, sob a liderança de Gerstner (que deixou a companhia em 2002) e de Palmisano (que saiu em 2012), uma única medida revela que a IBM não foi apenas reparada, mas cuidadosamente renovada. Entre 1993 e 2012, o preço de suas ações saltou de US$ 13 para US$ 193 (crescimento anual composto de 14% em capitalização de mercado em um período de 20 anos), e a empresa passou a acompanhar, em tempo real, as mudanças no modo como seus clientes – e os clientes deles – trabalhavam.

Vamos agora nos deter nas EBOs do ponto de vista do negócio de computação ubíqua da IBM. A unidade de computação ubíqua tinha sido um dos exemplos de oportunidades perdidas apontados no relatório de Harreld. O potencial não realizado a transformou em um promissor laboratório de testes para as ideias ligadas a oportunidades emergentes. Com o objetivo de alterar o destino da unidade, a IBM a converteu, no início de 2000, em uma das mais bem-sucedidas EBOs incubadas por ela.

A partir de 1993, a empresa trabalhou em diversas iniciativas de pesquisa díspares relacionadas com um conceito que passou a ser chamado de computação ubíqua ou nível 0 (na taxonomia da IBM, os níveis 3, 2 e 1 categorizavam computação de mainframe, computadores de médio porte e computadores pessoais, respectivamente). O objetivo desses projetos era investigar e desenvolver tecnologias com base na ideia de que o comércio na internet se expandiria rapidamente dos computadores para celulares, PDAs, eletrodomésticos e outros dispositivos conectáveis em rede – daí o nome “computação ubíqua ou pervasiva”. Um exemplo perfeito nos dias atuais é o transponder E-ZPass, instalado em carros e ligado em rede, que debita automaticamente o custo dos pedágios da conta bancária dos motoristas.

Em seus primeiros anos, a unidade de computação ubíqua teve dificuldade de decolar, porque a oportunidade não linear foi alocada a muitos negócios isolados da Caixa #1, que aplicavam uma série de abordagens de desenvolvimento baseadas no passado – o problema típico dos quatro macacos. Os líderes, convencidos de que o nível 0 era a oportunidade de negócio de maior potencial, buscaram unificar e coordenar os vários projetos sob uma única EBO.

O processo da EBO visava melhorar o histórico da IBM no lançamento de novos negócios por meio do desenvolvimento de uma estrutura mais amigável a startups e de um conjunto independente de práticas nas áreas de organização, liderança/gestão, alocação de recursos, desenvolvimento da estratégia, mensuração do desempenho e motivação.

Vale ressaltar que o objetivo das soluções da Caixa #2 não é erradicar as competências e os valores da Caixa #1 (que continuam a impulsionar o motor do desempenho da organização), e sim criar estruturas de proteção e competências alternativas para o desenvolvimento das inovações não lineares da Caixa #3.

Organização e liderança

O primeiro princípio do modelo da EBO envolve reconhecer explicitamente que novos empreendimentos implicam necessidades específicas. Esses projetos requerem proteção e isolamento das regras que regem os negócios da Caixa #1. Nos estágios iniciais, demandam paciência; portanto, têm de ser focados no aprendizado, não no ganho. Eles assumem uma forma estrutural que favorece uma abordagem de tábula rasa (a partir do zero, isto é, sem a pesada bagagem do passado) e de comprometimento operacional com a experimentação reiterada. É fundamental esquecer o passado no caso de tecnologias não lineares e não testadas, bem como quando os mercados se mostram indefinidos e ainda em evolução, a exemplo do projeto de nível 0 da IBM. Como demonstrou a experiência da unidade de computação ubíqua, é prejudicial apressar o lançamento de um empreendimento embrionário em um mercado ainda indefinido.

Em vez de ficar sob o comando de um dos presidentes de divisão encarregados do motor do desempenho, a nova unidade foi designada a uma equipe especial que se reportava diretamente ao vice-presidente do conselho, John Thompson, famoso na IBM por conduzir projetos desafiadores. A decisão protegeu a iniciativa das pressões da Caixa #1, voltada para os resultados financeiros. (Se não tivessem sido submetidos a uma lavagem cerebral pela organização existente, os novos macacos da parábola teriam se comportado de outra maneira.)

Gerstner e, mais tarde, Palmisano escolheram a dedo os líderes da EBO, com base em dois critérios: tinham de ser agentes de mudança, capazes de questionar o conservadorismo vigente, e, ao mesmo tempo, ter a habilidade de alavancar os ativos centrais dos negócios da Caixa #1. Afinal, a computação ubíqua era uma oportunidade singular, que exigia recursos e competências de muitas unidades de negócios da IBM, mas não podia ser executada por nenhuma delas.

Gerstner recrutou Rodney Adkins, veterano com 21 anos de IBM, para comandar a unidade de computação ubíqua em meados de 2001, por considerá-lo um tecnólogo sólido, sem medo de correr riscos, além de líder talentoso, conhecido em toda a empresa. Adkins tinha acabado de revitalizar o negócio de servidores web da IBM. Em uma empresa daquele porte, a escolha das lideranças de unidade é extremamente importante. Adkins lembra que a IBM “escolheu alguns dos melhores líderes da empresa para se encarregar das EBOs, o que deixou claro para toda a companhia quanto aquele programa estava sendo levado a sério. Os maiores talentos são sempre raros. Lou Gerstner envolveu-se pessoalmente na nomeação dos gestores das EBOs. Se não fosse por isso, o negócio central não abriria mão de seus melhores profissionais”. Também era importante que esses grandes talentos estivessem dispostos a se arriscar nas novas empreitadas.

Adkins diz que, na ocasião, hesitou em deixar a liderança de um projeto de sucesso, que representava “um grande segmento dos negócios da empresa”. No entanto, em conversas com a alta administração, percebeu que a IBM “estava muito comprometida com a unidade de computação ubíqua. Foi muito importante ouvir aquilo”.

A nomeação de Adkins sinalizou, internamente e para o mercado, que o envolvimento da IBM com a ideia era autêntico, e não um modismo ou uma iniciativa imediatista. Como conhecia todos os meandros do motor do desempenho, Adkins tinha plenas condições de captar recursos e talentos em toda a empresa, conforme a necessidade. Cedo ou tarde, toda EBO tinha de recorrer à expertise e às profundas habilidades funcionais da IBM. Um executivo vindo de fora teria de conquistar a confiança de muita gente antes de conseguir lançar mão de recursos do motor do desempenho. A cultura arraigada da Caixa #1, no entanto, jogava a favor de Adkins, uma vez que era difícil negar recursos a um líder com tamanho histórico dentro da organização.

Colaboradores de longa data são mais propensos a carregar consigo a pesada bagagem dos sucessos do passado. Para se proteger desse problema, Gerstner e Palmisano observaram e identificaram funcionários de carreira dispostos a acolher mudanças de braços abertos. O programa de EBOs também foi protegido da carga do passado por meio de uma arquitetura – estrutura, processos e cultura de gestão – específica. Além disso, Thompson dedicou-se a evangelizar a empresa sobre a necessidade de esquecer seletivamente o passado: “Algumas pessoas da organização não gostaram [das EBOs] e queriam proteger seu território a qualquer custo. Então, tive de continuar pregando minha mensagem e, vez por outra, dar exemplo, deixando alguém de castigo”. Gerstner expressa sentimento parecido: “A maior questão na IBM é o crescimento da receita. Os gestores precisam entender que não terão sucesso se ficarem focados somente no negócio central”.

Líderes de negócios emergentes exercem algumas funções que se revelam essenciais para uma incubação bem-sucedida. Devem mudar a cultura da empresa e reescrever a narrativa criada em torno do sucesso do passado, transformando-a em uma alternativa que englobe ideias e perspectivas novas e importantes.

No curto prazo, o objetivo é convencer a organização como um todo a aceitar – em vez de evitar ou atacar – o surgimento de um negócio potencialmente poderoso, incubado em torno de uma inovação não linear. A nova narrativa, apesar de jamais poder apagar ou substituir sua antecessora, constitui uma importante alavanca para engendrar a mudança tendo em vista o futuro. É trabalho dos líderes articular essa nova narrativa com vivacidade e convicção indubitáveis.

O que significa mudar a narrativa? Quando Gerstner assumiu o comando da IBM, logo percebeu que os executivos seniores, em geral, faziam breves aparições em eventos organizados para os clientes, sem se dar ao trabalho de conversar com eles, dando a impressão de que tinham coisas melhores para fazer com seu tempo. Como adorava saber o que se passava pela cabeça dos clientes, ficou consternado. Bill Etherington, ex-diretor-geral da IBM no Canadá, lembra-se de uma ocasião em que Gerstner, quando soube que haveria uma conferência de dois dias da IBM para 300 diretores de TI norte-americanos, passou o seguinte recado à equipe executiva: “Esses são seus melhores clientes… Vou acompanhar a conferência toda. Estarei lá na primeira noite. Jantarei com eles. Tomarei café da manhã com eles. Almoçarei com eles. E qualquer executivo da IBM que quiser participar vai ficar os dois dias inteiros”.

Etherington conta que, durante a conferência, Gerstner “abriu o diálogo com os clientes envolvendo cada um dos executivos da IBM. ‘Esse executivo vai resolver seu problema e entrar em contato com você hoje à tarde.’ Aquilo era algo inédito – ‘o CEO lado a lado com os clientes!’. Foi como uma bomba caindo sobre a empresa”.

Nunca é rápido nem fácil mudar uma cultura. Fica mais do que claro que essa é uma área na qual a liderança de alta visibilidade, como a de Gerstner, mostra-se indispensável ao plantar as sementes de uma nova cultura, alterando o rumo da narrativa. As culturas arraigadas criam lealdades fervorosas e cegas. Às vezes, não há nada como “uma bomba sobre a empresa” para chamar a atenção das pessoas.


Fonte: Revista HSM Management, por Vijay Govindarajan com prefácio de Silvio Meira