Por favor colaboradores, não se vão!

Essa reportagem mostra como as empresas têm segurado os funcionários estratégicos para seu futuro na era do downsizing, que é uma técnica de administração surgida nos Estados Unidos na década de 1970, e tem como objetivo buscar a diferenciação competitiva das organizações através de reestruturações e terceirizações.

As empresas passaram os últimos anos tão preocupadas com downsizing e reestruturação que não pararam para pensar nas possíveis consequências negativas disso. Resultado: só agora estão se dando conta de que, junto com os funcionários desimportantes, perderam também os indispensáveis, aqueles capazes de fazer o presente e o futuro do negócio. O problema é sério porque geralmente os novos contratados levam cerca de dois anos para deslanchar e entender plenamente a cultura corporativa, construir suas próprias redes de relacionamentos internos e ganhar credibilidade – e, no mundo atual, não há mais tempo para perder.

Esta reportagem de Barbara Ettorre, da Management Review, mostra o que estão fazendo algumas empresas que já identificaram esse problema, como Intel e Procter & Gamble, entre outras. Elas adotaram políticas ostensivas de contratação inteligente e de retenção de profissionais, valendo-se de mecanismos que variam do feedback de 360 graus à idéia de priorizar o profissional mais ajustado à função em detrimento do mais brilhante. Acreditam que, com isso, obterão importante vantagem competitiva.

Primeiro veio o downsizing: as empresas se congratulavam por cumprir as duras opções necessárias à sobrevivência. Depois, a realidade: muitas delas agiram com mão pesada demais. No meio do caminho, perderam funcionários vitais a seu sucesso e, agora, começam a se preocupar com a formação e a preservação de equipes estratégicas. Lutam para manter o que os especialistas chamam de “profissionais de alto potencial” e tentam contratar profissionais críticos e capazes que não se desliguem rapidamente de seus quadros. A própria formação dessa equipe vem se tornando um sinal de competência, pois a criação de boas equipes, sintonizadas com as metas gerais, é por si só um fator de competitividade.

A tarefa, entretanto, não é fácil. Reter os bons profissionais tem se revelado um sofisticado exercício de malabarismo, pois, se é relativamente simples demitir quem não se quer, é muito difícil manter quem se quer. E as empresas se perguntam o que fazer para segurar os melhores profissionais, que estão na mira do resto do mundo. Por um lado, as empresas compreendem que a realidade da geração passada, quando as pessoas tinham um ou dois empregos durante toda a vida, acabou. “Atualmente, as pessoas têm de cinco a sete empregos”, diz Pat Byrnes, presidente da Actuarial Consultants, firma de consultoria especializada em salários e benefícios. “Logo estaremos indo para a terceira onda”, completa: “Alguns acham que os futuros profissionais vão ter de sete a dez empregos”. John Hagan, um dos sócios da Ramsey/Beirne Associates, que recruta executivos para empresas de tecnologia de ponta, afirma que as empresas devem mesmo é se preocupar em formar uma mão-de-obra móvel e tecnologicamente qualificada: “Os executivos que começaram a trabalhar em 1975, hoje na casa dos 40 anos de idade, cresceram com pagers, fax, celulares, Internet e garantem ser flexíveis e móveis. Não acredito que as empresas maiores possam acomodar uma força de trabalho móvel. Já existem por aí várias empresas virtuais”.

É evidente que há um dilema entre força de trabalho móvel e fixa. A Microsoft, por exemplo, enfrenta constantemente. Como segurar 17 mil funcionários se cerca de 2 mil deles, graças à participação acionária, são milionários? Até agora, a resposta vem sendo a criação de um ambiente de trabalho sem formalidades, com tarefas partilhadas e uma cultura corporativa que incentiva realizações individuais e coletivas. A preocupação em manter profissionais de alto potencial, que têm impacto direto no futuro da empresa, é relativamente recente nas empresas norte-americanas. “Três ou quatro anos atrás ninguém falava em segurar seus funcionários”, diz Maury Hanigan, presidente do The Hanigan Consulting Group, que assessora formação de equipes de longa permanência. “As organizações estão muito preocupadas em gerenciar a retenção de funcionários e medi-la. A retenção não é mais um problema de recursos humanos, mas sim comercial.”

Hanigan cita o exemplo das empresas que querem se expandir globalmente, adquirir ou desenvolver um novo produto, mas descobrem não dispor de executivos experientes para gerenciar o processo. De fato, “as empresas estão começando a perceber que não têm a força de trabalho de que precisam”, diz George Dreher, professor de Administração de Empresas da Indiana University School of Business. “A preparação de funcionários para funções mais graduadas foi relegada a segundo plano nos últimos dez anos em favor da reestruturação.”

Quanto custa a rotatividade (turnover)?

As empresas norte-americanas apresentam um índice de rotatividade típico de 6% ao ano. Esse número, aparentemente baixo, oculta um alto custo de substituir um funcionário – geralmente 25% do salário anual do profissional, de acordo com Hanigan e outros especialistas. Uma empresa com 50 mil funcionários e um índice de rotatividade de 6%, observa Hanigan, enfrenta custos de substituição de aproximadamente US$ 18 milhões por ano. Esses custos podem chegar a até 100% do salário anual do profissional se a empresa precisar fazer um recrutamento exaustivo, bancar a recolocação de quem está saindo e providenciar residência provisória para quem chega. “Na verdade, é difícil definir o custo real da troca de um funcionário”, diz Fred Foulkes, professor de Política de Gestão da Boston University School of Management e diretor do Boston University Human Resources Policy Institute.

“A verba destinada a recrutamento, viagens, recolocação, aluguel, bonificações e treinamento pode vir de departamentos diferentes.” Mesmo que sua empresa seja a exceção honrosa em um setor de alta rotatividade, a retenção continua a ser uma questão importante.

A Intel, por exemplo, apresenta um índice inferior à média de 30% de rotatividade de seu setor. Mas essa situação é resultado de uma cultura corporativa que estimula grupos de discussão regulares, sempre faz pesquisas com os funcionários, facilita a comunicação com a chefia e promove o feedback, além de proporcionar novas oportunidades profissionais internamente e treinamento contínuo.

Nos últimos sete anos, a empresa também vem avaliando os funcionários de forma mais democrática, com o feedback de 360 graus. “O principal problema da rotatividade é a perda de capital intelectual”, afirma Ted Kastelic, executivo da área de desenvolvimento organizacional da divisão de microprocessadores da Intel, localizada em Santa Clara, Califórnia. “Perdemos tempo, produtividade e eficiência. Como avaliar isso em números? Não sei. Só sei que não é bom.”

Outra empresa de tecnologia de ponta, a CEL (California Eastern Laboratories), que também opera em Santa Clara, enfrenta o desafio de segurar os profissionais de forma diferente. Seu índice anual de rotatividade, de apenas 10%, pode ser atribuído, pelo menos em parte, a um plano de participação acionária. Hoje, 63% da empresa pertence aos funcionários. Desenvolvendo tecnologia de microondas sem fio altamente especializada, a CEL atrai jovens engenheiros, constantemente abordados por recrutadores. A idade média de seus funcionários é de 40 anos e 25% dos novos contratados são recomendados por seu pessoal.

Além do apelo óbvio da participação acionária, a empresa toma vários cuidados para segurar os funcionários, segundo Jerry Arden, presidente da CEL:

Um agressivo programa de prêmios para os funcionários que recomendam novas contratações – o prêmio chega a ser de US$ 3 mil para certos cargos.

Um período de trabalho de 80 horas distribuídas em nove dias, em vez de dez. Como a CEL fica em uma área na qual os preços dos imóveis são extremamente altos, muitos funcionários moram longe. Sexta feira sim, sexta não, eles têm folga para ficar com a família.

Facilidade para os gerentes terem computadores laptop e linhas telefônicas preferenciais em casa para trabalhar depois do expediente.

“Temos de ser competitivos para atrair as pessoas. Pouquíssimos funcionários saem da nossa empresa por melhores salários”, diz Arden. “E não acredito que nossos salários sejam muito mais altos do que os de nossos concorrentes.”

Reforço nos atrativos

Outras empresas também já perceberam que a alta rotatividade é cara e estão refinando seus processos de contratação e, ao mesmo tempo, valorizando o profissional mais ajustado à função e não simplesmente o melhor e o mais brilhante. “As empresas voltaram atrás”, diz Peter Veruki, diretor da Owen School of Management, Vanderbilt University, que há muito vem observando as práticas de contratação de estudantes de MBA.

Ele diz que, dez anos atrás, as empresas “queriam uma força de trabalho rica em estrelas, independentemente da posição em que estas fossem jogar”. Hoje, os empregadores fazem exigências específicas porque não querem perder funcionários, especialmente para os concorrentes. “As empresas estão buscando pessoas comprometidas com elas”, diz Veruki. “A Disney quer saber se o pretendente ao cargo deseja trabalhar na empresa pelos motivos certos: ‘Convença- nos de que você vai se sentir bem com a nossa cultura’.”

A Deloitte & Touche, por exemplo, oferece horários flexíveis para cada funcionário. “Dizem que querem mantê-lo e que, se o fizerem trabalhar 70 horas por semana, acabarão por perdê-lo”, aponta Veruki. A Procter & Gamble, por sua vez, empenha-se em ajudar o marido ou a esposa dos futuros funcionários.

A empresa chega a contratar recrutadores para encontrar trabalho para os familiares em sua sede em Cincinnati. Veruki cita também a Sara Lee Corp., enorme conglomerado que inclui, entre outros, os produtos de panificação Sara Lee, os embutidos Jimmy Dean, as graxas de sapato Kiwi, os sutiãs Playtex, os artigos de couro Coach e as meias Hanes.

Essa diversificada empresa propagandeia sua habilidade em preparar os gerentes para passar de uma operação a outra sem dificuldades. Essa capacitação é um atrativo de recrutamento e retenção, especialmente para os profissionais à procura de experiências abrangentes. Da mesma forma, observa Veruki, a Federal Express (Fedex) faz transferências internas de pessoal em nome do desenvolvimento profissional e enaltece essa metodologia nas entrevistas com os candidatos.

Uma questão de posição

As empresas, segundo Veruki, buscam o que Thomas O. Davenport, estrategista sênior de recursos humanos da consultoria internacional Towers Perrin, chama de “compromisso de atitude” (attitudinal commitment). Elas querem funcionários dispostos a investir mais capital humano do que o meramente necessário para manter o emprego.

Davenport diz que o compromisso convencional de dar salários e benefícios apenas garante a presença do profissional na empresa. “Se a empresa não tiver o compromisso de reconhecer o trabalho desse profissional, dar-lhe oportunidades de crescimento e, é claro, a remuneração financeira justa, ele não vai permanecer muito tempo na empresa.” Davenport defende a estratégia que ele batizou de “Tootsie Roll Pop” – referência a uma das mais tradicionais marcas de chocolate dos Estados Unidos. O recheio do chocolate seria o retorno sobre o investimento, o ambiente de trabalho, o treinamento, o desenvolvimento, a remuneração e os benefícios oferecidos para todos. A cobertura teria sabores distintos no âmbito corporativo e pessoal: opções selecionadas de creches e casas de repouso, horário flexível, financiamento de usos externos etc.

O compromisso de atitude, segundo Wendy Tanenbaum, consultora da Creative Edge, sediada em Los Angeles e especializada em modificação do comportamento corporativo, existe quando os funcionários criam vínculos com a empresa. “Em geral, as pessoas são facilmente convencidas por headhunters a mudar de emprego. Mas isso não acontece quando sentem que são parte de uma família e têm bons incentivos.” Ela cita o exemplo de sua cliente Dollar Rent a Car. Os funcionários se consideravam parte de uma pequena empresa devido à estrutura de franquia. Ela incentivou a participação de todos no patrocínio internacional das Olimpíadas Especiais. “A partir de então, passaram a se sentir parte de uma família corporativa maior”, explica. “Os funcionários precisam sentir que têm uma participação justa na empresa inteira, que todos estão no mesmo barco e vão ganhar ou perder juntos”, diz Frank M. Shipper, professor de Administração da Franklin P. Perdue School of Business, Salisbury State University. “Em segundo lugar, devem dispor de informações para compreender o sistema todo.” Shipper cita a Springfield Remanufacturing, que ensina seus funcionários a ler demonstrativos financeiros, e a Coors Brewing Co., que dá aulas de economia aos funcionários para que entendam o impacto de seu trabalho sobre os resultados gerais.

As empresas, segundo as palavras de Foulkes, da Boston University, deveriam tentar ser “o empregador ideal” de seu pessoal. “Se o presidente tiver isso em mente, incluirá metas de recrutamento e retenção nos objetivos anuais dos gerentes e eles se sentirão responsáveis por isso. Condicione a avaliação e a remuneração ao cumprimento dessas metas. Todos prestam mais atenção àquilo que é medido.”

Segundo ele, o BankBoston, com 25 mil funcionários, está usando essa estratégia. Além de um excelente sistema de avaliação de desempenho, Foulkes recomenda que as empresas proporcionem regularmente oportunidades para os funcionários reavaliarem seu cargo e discutirem aonde chegarão em dois a quatro anos, depois de se aperfeiçoar com treinamentos, workshops, cursos externos etc. Uma nova forma de contratação é sugerida por Byrnes, da Actuarial Consultants.

Antes de qualquer entrevista, o cargo seria definido de acordo com o desempenho profissional. “Dessa forma, a contratação se basearia na competência”, diz. E completa: não é a contratação que mantém as pessoas em uma empresa, mas sim sua visão, valores básicos e metas estratégicas. E se a empresa já faz tudo isso para evitar que os bons funcionários vão embora? Nesse caso, segundo Byrnes, a vida se encarrega do resto. “Não dá para você, como empregador, evitar totalmente a rotatividade.” Talvez apenas uma boa parte dela.

Lição de casa

As empresas costumam se dedicar bastante à preparação dos profissionais prestes a assumir o cargo de CEO. Deveriam se preocupar também, entretanto, em desenvolver um quadro de executivos leais e experientes para o escalão de vice-presidência – mesmo que a possibilidade de um deles chegar a CEO seja distante. Abaixo, John Johnson, presidente da empresa de pesquisa Lamalie Amrop International, aponta algumas estratégias que podem ser seguidas:

  • Depois de identificar um pequeno grupo básico de executivos, deixe claro que são importantes e que logo terão uma “significativa oportunidade de melhora”.
  • Torne-os visíveis. Dê-lhes responsabilidades reais e oportunidades de crescimento.
  • Exponha-os ao atual CEO.
  • Conceda-lhes opções financeiras especiais, “não tão grandes como as dos grandes, mas ainda assim de bom tamanho”, diz Johnson.
  • Peça-lhes que façam apresentações para os membros do conselho e os apresente a eles. Inclua-os nas sessões particulares do grupo e em outros eventos.
  • Incentive exposições fora da empresa em fóruns importantes, apresentações, associações, até mesmo associações de conselhos de administração externos, se apropriado.

ANALISE A ROTATIVIDADE

Algumas empresas já não têm aceitado mais receber apenas um índice de rotatividade de funcionários. Elas querem saber qual o perfil da rotatividade e da retenção. Segundo a especialista em formação de equipes Maury Hanigan, as empresas devem analisar quatro fatores da rotatividade: tempo de casa, função, sexo/raça e nível de desempenho.

Tempo de casa — Uma intensa rotatividade de funcionários que estão há 15 ou mais anos na empresa é rara, observa Hanigan. “É preciso se esforçar para manter aqueles que estão na empresa há dois anos ou menos. Eles são o futuro da organização.” A empresa que tem rotatividade dos talentos jovens, portanto, está com problemas.

Função — Funcionários de que áreas estão indo embora? A empresa pode apresentar pouca ou nenhuma rotatividade na área de auditoria, mas 35% de saída na área de vendas e 40% na de tecnologia da informação. “A rotatividade em vendas, por exemplo, resulta em rotatividade de clientes”, afirma Hanigan. “Isso pode ter um impacto desproporcional nos lucros.”

Sexo/raça — Se a rotatividade de mulheres e minorias étnicas for mais acelerada do que a da maioria masculina, diz Hanigan, a empresa nunca conseguirá diversificar sua força de trabalho e obter as vantagens advindas disso.

Nível de desempenho — “Se funcionários de alto desempenho ou potencial são os que mais estão saindo, a empresa está pagando prêmios altos para talentos que não geram retornos”, alerta Hanigan. Inversamente, se são os funcionários com nível de desempenho mais baixo que vão embora, a empresa está obstruindo o avanço em todos níveis.

Um pequeno estudo de caso

Uma empresa que consta da lista Fortune 500, cliente de Hanigan, fez uma análise da retenção de funcionários por tempo de casa e ficou perplexa ao constatar que seus especialistas industriais internos estavam próximos da aposentadoria. As contratações haviam sido reduzidas. “Os talentos jovens, diante da falta de oportunidades de crescimento, haviam se demitido rapidamente – cortes no orçamento haviam impedido sua participação em conferências, treinamento externo e formação de redes”, destaca Hanigan.

Ela recomendou que a empresa colocasse a equipe sênior para trabalhar lado a lado com a equipe júnior. No processo, os talentos jovens ganharam experiência e houve “transferência de tecnologia”. A nova geração adquiriu as qualificações necessárias. “Provavelmente houve excesso de equipes trabalhando em alguns projetos”, diz Hanigan, “mas valeu a pena”.


Fonte: Revista HSM Management, com direitos de © Management Revie