Robert S. McNamara e a evolução da administração moderna

Lições de um dos administradores mais controversos da história moderna, o matemático da guerra do Vietnã R. S. McNamara.

Robert S. McNamara

Toda geração de administradores se debate com questões sobre seu propósito. Nas décadas de 1950 e 1960, ser um administrador capaz era fazer bem quatro coisas: planejar, organizar, dirigir e controlar. Grandes estudiosos da gestão concebiam o administrador como um ente racional capaz de solucionar problemas complexos pela força da análise clara. Essa visão moldou a então incipiente profissão, mas muita coisa ficou sem resposta. Planejar e dirigir eram coisas essenciais, sim, mas para que fins? Organizar e controlar, é claro, mas no interesse de quem?

Nas décadas de 1980 e 1990, uma resposta já dominava a opinião popular: o objetivo da administração era enriquecer os donos da empresa. A geração de valor para o acionista tinha a vantagem de ser precisa e objetivamente mensurável — e transformou em lenda presidentes como Roberto Goizueta, Sandy Weill e Jack Welch. Como missão administrativa, no entanto, a busca de riqueza financeira provou-se insatisfatória.

Na última década, com mais e mais indícios de que o mercado está longe de ser eficiente e com muito da riqueza gerada evaporando, dúvidas básicas sobre a administração ressurgiram.

Hoje, o foco é saber como a gestão deveria contribuir para a sociedade, garantir sustentabilidade ambiental e melhorar a vida de indivíduos na base da pirâmide. O propósito fundamental da administração está sendo debatido em grandes escolas de negócios, onde o aluno considera os méritos de fazer um juramento profissional que o comprometeria com a busca de metas além do desempenho financeiro.

Para quem escolheu a administração como meio de vida, não são questões acadêmicas. Estão ligadas a questão suprema que todos enfrentamos: o trabalho que fiz na vida foi importante? Ao considerarmos os vários propósitos aos quais os talentos de um gestor poderiam ser aplicados, e como sua contribuição poderia vir a ser julgada, há lições úteis a tirar do exame da vida de um homem que lidou com essas questões por mais de 50 anos.

A carreira de Robert S. McNamara abrangeu o meio acadêmico, a iniciativa privada, o poder público e o serviço humanitário. McNamara foi professor da Harvard Business School no início da década de 1940, executivo da Ford Motor Company por 15 anos antes de virar seu presidente, em 1960, secretario de defesa americano por sete anos, nos governos de Kennedy e Johnson, e presidente do Banco Mundial durante 13 anos. Aos olhos de muitos, as conquistas de McNamara foram ofuscadas pela tragédia do Vietnã.

Quando morreu (em 2009, aos 93 anos), o título do obituário do New York Times o descrevia simplesmente como o “arquiteto de uma guerra inútil”. Devido a seu papel no conflito, McNamara tende a ser caricaturado como homem inteligente, mas não sábio, como alguém obcecado por indicadores quantitativos estreitos, mas deficiente em compreensão humana.

A controvérsia em torno do Vietnã é complexa e vai durar, mas seria um erro não tirar qualquer outra lição de sua notável trajetória. Talvez mais do que ninguém, Robert McNamara personificou a administração no século 20.

Em seu legado vemos tanto os triunfos da gestão moderna como suas limitações mais alarmantes. “Whiz kid” analítico McNamara nasceu em San Francisco em 1916 e atingiu a maioridade durante a Grande Depressão. Ainda moço, testemunhou conflitos trabalhistas em estaleiros e desemprego em massa. Ao terminar o secundário, matriculou-se na University of California em Berkeley. Estudou economia, pois achava que a disciplina oferecia as ferramentas mais úteis para a solução dos maiores problemas da sociedade.

Desde o início, considerava a administração como um meio para efetuar mudanças positivas no mundo, não para obter ganho financeiro para si ou para os donos de uma empresa. Ao terminar o curso, em 1937, McNamara foi para a Harvard Business School. Segundo a história da faculdade por Jeffrey Cruikshank, o campo da gestão estava, naquele momento, prestes a dar um grande salto. Uma disciplina então obrigatória, a estatística administrativa, começara a difundir métodos quantitativos de tomada de decisão. Seu professor, Edmund Learned, mais tarde recordaria: “Buscávamos formar homens para cargos de responsabilidade que exigissem dados e análises estatísticas para fins de diagnostico ou ação. Queríamos que todos desenvolvessem o julgamento no uso de cifras [e] contribuíssem para uma solução inteligente ao problema em discussão”. Na HBS, disciplinas de contabilidade vinham tomando rumo similar.

Em 1936, outro professor, Ross Walker, deu um curso chamado Aspectos do Controle Orçamentário, com foco em aspectos práticos do planejamento e da tomada de decisão. O currículo cobria as técnicas da moderna gestão profissional: contabilidade de custos, sistemas de controle, sistemas de gestão, sistemas de informação administrativa e ciência da decisão. McNamara era um aluno ávido, aberto aos novos métodos. Ao terminar o mestrado em administração de empresas, em 1939, ficou em San Francisco por um ano antes de aceitar a oferta para voltar a Harvard Business School como membro do corpo docente. Aos 24 anos, virou o mais jovem professor-assistente da instituição.

Durante a 2ª Guerra Mundial, McNamara lecionou na escola de estatística da Forca Aérea do Exército americano. Na sequência, tirou uma licença não remunerada de Harvard e foi servir no Departamento de Controle Estatístico do Exército. Embora o papel do avião na guerra fosse cada vez mais importante, não havia qualquer sistema para controlar a frota e a tripulação, monitorar peças de reposição ou alocar combustível. A complexidade da moderna máquina de guerra superara a capacidade de administrá-la. McNamara ajudou a levar o rigor da análise estatística ao esforço de guerra, melhorando a eficiência logística e o planejamento de missões. Deborah Shapley, sua biógrafa, achou indícios dessa influência num relatório do Exército a época: “Grande parte do sucesso do sistema se deveu ao método de Harvard, que enfatiza o ‘significado de dados’ — o poder que alguém tem de analisar algo por si só”.

Em 1946, em vez de voltar ao mundo acadêmico, McNamara virou parte de uma equipe de elite do Departamento de Controle Estatístico que foi para a Ford — turma apelidada de “Whiz Kids”. Do jovem presidente da empresa. Henry Ford II, recebeu a missão de reformar a montadora, a época em desordem e perdendo dinheiro. O prestigio de McNamara subiu com a aplicação da disciplina da análise racional a vasta burocracia da Ford, enfatizando dados e cifras. Austero e formal, com óculos sem aro e o cabelo engomado, McNamara projetava um ar de sensatez. A recuperação financeira da Ford foi notável, mas seu foco não foi só o retorno ao acionista. McNamara fazia seu trabalho com agudo senso de responsabilidade social.

Ao contrário da maioria dos executivos de montadoras, foi desde cedo defensor da segurança do passageiro. Mais tarde, lembraria: “A tese reinante na indústria automobilística era a de que falar de segurança assustaria o público”. Sob a liderança de McNamara, os modelos da Ford em 1956 traziam painéis de instrumentos estofados e volantes mais seguros. E eram os primeiros veículos de passeio com cinto de segurança. Rivais zombavam: “O McNamara vende segurança, a Chevrolet vende carros”. Mas ele insistiu, guiado pelo senso de responsabilidade para com o público.

O profissional “portátil”

Nomeado secretário de defesa pelo presidente John F. Kennedy, McNamara chegou a Washington em Janeiro de 1961. Foi a personificação da confiança do Século Americano: tecnocrata sem viseiras ideológicas, concentrava-se em fatos e deduzia a verdade a partir de estatísticas. A BusinessWeek o descreveu como o “raro exemplar de uma raça notável na indústria americana: o especialista treinado na ciência da administração de empresas que, além disso, é um generalista que transita facilmente entre uma área técnica e outra”.

Mais uma vez, o senso de dever público de McNamara era forte. Fora um dos executivos mais bem pagos do mundo (na Ford, ganhava US$ 410 mil ao ano entre salário e bônus) e deixara tudo para se tornar secretário de Estado e ganhar US$ 25 mil ao ano. Mais importante, para evitar até a aparência de conflito de interesses, decidiu não exercer opções sobre 30 mil ações da Ford então cotadas a US$ 47 cada. No Pentágono, McNamara aplicou o típico rigor à gestão do vasto establishment militar. Até então, cada ramo das forças armadas tinha um orçamento próprio e dava preferência a esse ou aquele sistema de armamento.

O resultado era enorme ineficiência — e eficácia questionável. McNamara assumiu o papel de otimizar o arsenal do país, de proporcionar a melhor capacidade militar na forma mais eficiente, subordinando interesses paroquiais de cada braço. Além disso, reformou a estratégia militar americana, substituindo a doutrina potencialmente catastrófica de retaliação maciça por uma doutrina de resposta flexível, que insistia na proporcionalidade e buscava evitar a escalada de conflitos.

O Congresso ficou muito impressionado. O republicano Barry Goldwater chamou McNamara de “um dos melhores secretários já vistos, um [computador] IBM com pernas”. Mesmo durante os dias mais difíceis da Guerra do Vietnã — que acabaria por sobrepujar o secretário e o presidente Lyndon Johnson —, McNamara não perdeu de vista a meta que o inspirara na juventude: contribuir para o bem maior.

Num notável discurso em 1967 na Millsaps College, no Mississippi, McNamara deu uma vibrante visão da administração (veja o quadro “Administração é a mais criativa das artes”). Falou, também, do fosso cada vez maior entre nações ricas e pobres. A segurança nacional estava inexoravelmente ligada a segurança global, e a segurança global a eliminação daquele vão. Como diria mais tarde o Nobel de economia Amartya Sen, desenvolvimento econômico é liberdade — e, sem ele, portanto, não há liberdade.

Depois de deixar o Pentágono e virar presidente do Banco Mundial, cargo que ocupou de 1968 a 1981, McNamara voltou suas energias a ampliação do crédito para o desenvolvimento. Levou o foco do banco para a redução da pobreza, aumentando dramaticamente o apoio financeiro a projetos de saúde, nutrição e educação. Mais uma vez, valeu-se de uma abordagem movida a fatos — medindo o bem-estar e canalizando empréstimos para os programas de desenvolvimento mais eficazes.

Na década de 1980, o brilho de McNamara esvanecera, e não só devido a seu papel no Vietnã. O meio empresarial americano parecia ter perdido o rumo — e os métodos de gestão simbolizados por McNamara eram questionados. Num artigo importantíssimo para a Harvard Business Review em 1980 (“Managing Our Way to Economic Decline”), Robert H. Hayes e William J. Abernathy atribuíram à virada na sorte americana a ascensão do administrador profissional:

O que vemos, na comunidade empresarial e no meio acadêmico, é um interesse no conceito falso e superficial do gestor profissional, na verdade um ‘pseudoprofissional’ — um indivíduo sem domínio especial de qualquer setor ou tecnologia em particular e que, apesar disso, pode chegar a uma empresa desconhecida e administrá-la satisfatoriamente através da aplicação estrita de controles financeiros, de conceitos de carteira e de uma estratégia voltada ao mercado.

Mas foi justamente a capacidade de aplicar a lógica administrativa que permitiu a McNamara empreender avanços que quem era de casa não poderia, ou não queria, empreender. Na Ford, foi preciso alguém de fora do setor automobilístico para trazer clareza analítica e focar a segurança do passageiro. No Departamento de Defesa, foi preciso alguém de fora para dar coerência a gestão da máquina militar americana, subordinando interesses de cada ramo a meta maior da nação. As habilidades de McNamara eram justamente o que pedia uma organização tentacular aparelhada por “insiders”.

Embora fosse fácil condenar a miopia da gestão profissional pela derrocada, a verdade era mais complexa. Em grande medida, a ascensão dos Estados Unidos à liderança se devera, em primeiro lugar, ao sucesso da administração moderna.

Culpar essa administração pela incapacidade da nação de manter a liderança reflete uma incompreensão das idas e vindas do desempenho relativo, com certos países melhorando e o vão se estreitando. Além disso, as montadoras americanas poderiam ter se saído melhor na briga com estrangeiras mais eficientes e seus carros econômicos se a visão de McNamara tivesse prevalecido.

Quando foi para Washington, seus planos para o Cardinal — um automóvel barato, que seria montado em fábricas de custo inferior no estrangeiro — foram engavetados.

Focado — até demais

Na Ford ou na arena militar, na iniciativa privada ou na busca de objetivos humanitários, a lógica que guiava McNamara era sempre a mesma: quais as metas? Que limitações enfrentamos, seja em recursos humanos ou materiais? Qual a forma mais eficiente de alocar recursos para atingir nossos objetivos? No documentário Sob a Névoa da Guerra, que rendeu um Oscar ao diretor Errol Morris, McNamara resumiu sua abordagem com dois princípios: “Maximizar a eficiência” e “Obter os dados”.

No entanto, o grande forte de McNamara tinha um lado sombrio, exposto quando o envolvimento americano no Vietnã aumentou. A ênfase unidimensional na análise racional com base em dados quantificáveis levou a graves erros. O problema é que dados difíceis de quantificar tendiam a ser ignorados, e não havia como medir intangíveis como motivação, esperança, ressentimento ou coragem.

Bem depois, McNamara entendeu o erro: “Sem saber como avaliar resultados de uma guerra sem linhas de batalha, as forças armadas tentaram medir seu progresso com indicadores quantitativos”, escreveu num livro de memórias publicado em 1995, In Retrospect. “Não conseguimos entender — ali e posteriormente — a limitação de equipamentos, forças e doutrinas militares modernos, de alta tecnologia, no enfrentamento de movimentos populares pouco convencionais, de alta motivação.” Igualmente grave foi não exigir que todo dado fosse imparcial.

No caso do Vietnã, boa parte da informação era viciada desde o início. Não era o chão da fábrica de uma montadora de automóveis, onde o estoque estava guardado sob um único teto e podia ser contado com precisão. O Pentágono dependia de fontes cuja informação não podia ser verificada — informação, na verdade, tendenciosa. Muitos oficiais do exército sul-vietnamita diziam o que achavam que os americanos queriam ouvir. Por sua vez, os americanos se iludiam, soltando analises excessivamente otimistas. A princípio, ser comparado a um computador foi um elogio; mais tarde, virou crítica.

Na esteira do Vietnã, McNamara foi atacado pela frieza e ridicularizado como um dos “grandes cérebros” que, por pura arrogância, haviam metido o país num atoleiro. Mas mesmo nesse episódio sombrio a carreira de Robert McNamara permite que vislumbremos como o ideário da administração deu importantes passos a frente. Hoje sabemos que o homem não é a criatura racional sugerida pela teoria econômica convencional, mas que exibe vieses sistemáticos de julgamento. Sabemos, também, que processos organizacionais tem uma dinâmica própria — como o crescente compromisso com um curso de ação equivocado e a tendência a calar visões divergentes — que pode levar a decisões erradas.

Reflexão e busca da sabedoria

A carreira de Robert McNamara não da só um panorama da administração moderna e de suas conquistas e limitações. Também mostra que o administrador tem o poder de refletir e a capacidade de ganhar sabedoria. No caso de McNamara, a necessidade de introspecção e insight era particularmente aguda.

A historiadora Margaret MacMillan escreveu que “McNamara passou boa parte da vida tentando entender por que a guerra americana no Vietnã dera errado”. Buscou entender a fonte de erros, na esperança de conciliar o que sinceramente achava serem boas intenções com a trágica e imensa perda. Quando publicou suas memórias (depois de muitos anos de silêncio sobre o Vietnã), McNamara admitiu: “Estávamos errados, terrivelmente errados”. Para muita gente cuja vida fora marcada pelo trauma do Vietnã, a declaração foi tardia e insuficiente.

Mas McNamara fizera questão de que o subtítulo de In Retrospect fosse “A tragédia e as lições do Vietnã”, pois achava que tragédias podiam ser evitadas se lições fossem aprendidas. Aliás, a disposição a questionar a si mesmo e a aprender com a experiência pode ser o maior legado de Robert McNamara como administrador. Aos 85 anos, disse a Errol Morris: “Estou numa idade em que posso olhar para trás e tirar certas conclusões sobre meus atos. Minha regra sempre foi tentar aprender, tentar entender o que aconteceu, formular lições e passá-las adiante”.

Essa busca norteou os últimos anos de McNamara. Foi a Cuba e conheceu Fidel Castro para entender mais claramente a crise dos mísseis de 1962 e achar maneiras de evitar confrontos nucleares no futuro. Visitou o Vietnã e se encontrou com Vo Nguyen Giap, comandante das forças norte-vietnamitas, para descobrir qual fora o grande equívoco naquele conflito.

Um insight fundamental: era crucial ter empatia com o inimigo, tentar ver o mundo como ele o via. McNamara concluiu que a crise dos mísseis cubanos fora resolvida pacificamente porque diplomatas americanos conseguiram entender o raciocínio do premie Khrushchev. Já no caso do Vietnã, admitiu, as razões e as prioridades do adversário foram mal interpretadas.

McNamara lembrou: “Víamos o [conflito no] Vietnã como um elemento da Guerra Fria, não como eles o viam, como uma guerra civil”. Foi um erro trágico que “refletia nossa profunda ignorância da história, da cultura e da política da população da região e da personalidade e dos hábitos de seus líderes”.

Seria um erro, no entanto, sugerir que McNamara abandonara a crença na análise racional. Os grandes desafios que enfrentamos hoje — do aquecimento global a poluição da água, passando pela saúde e o desenvolvimento econômico — claramente pedem o poder da análise lógica para a consecução de metas humanas. Em organizações distintas como o Centers for Disease Control e a Bill & Melinda Gates Foundation, idealismo e analise racional simplesmente não são incompatíveis.

Numa entrevista em 1995, McNamara voltou ao tema: “Não acredito que haja contradição entre o coração e a cabeça. Toda ação deve ser fundada na contemplação”. Já no final da vida, McNamara conheceu seu oponente na guerra do Vietnã, o general Vo Nguyen Giap (comandante reformado das forcas vietnamitas), num simpósio que examinou as “oportunidades perdidas” para que se evitasse o confronto entre EUA e Vietnã.

No final, McNamara concluiu que os EUA tinham errado ao não estabelecer empatia com os vietnamitas e a interpretar mal sua motivação. É tentador achar que os problemas de hoje são qualitativamente distintos dos enfrentados por gerações passadas. É verdade que a ameaça ao meio ambiente é maior do que nunca, que as pressões da globalização são mais intensas, que as tecnologias que usamos eram inimagináveis até alguns anos atrás.

Contudo, muitas das grandes questões sobre a finalidade e os objetivos da gestão ainda são as mesmas, e o administrador de hoje enfrenta muitos dos mesmos dilemas de seus antecessores.

Em 2005, meses antes de fazer 89 anos, McNamara voltou a Harvard Business School para falar com alunos sobre o tema da tomada de decisões. Entre as lições que frisou: que, apesar de toda a sua força, a racionalidade por si só não irá nos salvar. Que o ser humano pode ser bem intencionado, mas não é onisciente. Que, em vez de demonizar nossos inimigos, precisamos mostrar empatia — não só para entendê-los, mas também para verificar se nossas suposições estão corretas.

Um homem volta e meia acusado de falta de empatia nos exortava a exibir empatia pelo adversário. Um homem que se orgulhava da racionalidade concluía que a humanidade não podia ser salva pela mera racionalidade — pois nenhum de nós toma decisões de forma completamente racional — e que todo sistema deveria, portanto, ser a prova da irracionalidade em cada um de nós.

O valor final de um gestor, mais do que acumular riqueza ou buscar seguir um juramento, está na disposição a examinar seus próprios atos e buscar uma medida de sabedoria. Ideia em resumo Venerado por uns e desprezado por outros, Robert S. McNamara ainda pode ser redimido como um ícone da administração. Sua carreira foi uma jornada rumo à sabedoria gerencial e reflete a própria evolução da administração como disciplina.

McNamara começou como um idealista, buscando a formação que o ajudaria a enfrentar os problemas mais prementes da sociedade. Adepto das últimas ferramentas de resolução de problemas, ganhou notoriedade pelo talento analítico na Ford Motor Company. Como um arquiteto da Guerra do Vietnã, aplicou uma abordagem hiper-racional a uma missão que, diria mais tarde, fora fundamentalmente incompreendida.

Humilhado pelo fracasso da Guerra do Vietnã, reconheceu a limitação de dados e passou a apreciar o intangível e o irracional nas relações humanas. Meditativo na velhice, aceitou a importância da empatia — e continuou, como sempre, um idealista. “A administração é a mais criativa das artes”

Num discurso em 1967 na Millsaps College, em Jackson, Mississippi, o secretário americano de defesa Robert McNamara expôs sua visão do papel da administração e de sua importância no mundo moderno: A administração é, ao fim e ao cabo, a mais criativa de todas as artes, pois seu meio é o talento humano em si.

Qual é, no final, o papel mais fundamental da administração? É lidar com a mudança. A administração é a porta pela qual a mudança social, política, econômica, tecnológica — na verdade, a mudança em toda dimensão — é difundida, de forma racional e efetiva, pela sociedade.

Hoje em dia, há quem tema que nossa sociedade, livre e democrática, esteja sofrendo de um excesso de administração. A verdade é o exato oposto. Por mais paradoxal que possa parecer, a verdadeira ameaça a democracia vem da falta, não do excesso, de gestão.

Administrar insuficientemente a realidade é não preservar a liberdade. É, simplesmente, deixar que outra força que não a razão dite a realidade. Essa força pode ser a emoção desenfreada, pode ser a ganância, pode ser a agressividade, pode ser o ódio, pode ser a ignorância, pode ser a inércia, pode ser qualquer outra coisa que não a razão. Mas, seja lá o que for, se não for guiado pela razão, o homem deixa de cumprir seu potencial (…). (…) para a tomada racional de decisões é preciso todo um leque de opções racionais dentre as quais escolher.

Uma boa administração organiza a empresa para que o processo possa correr bem. É um mecanismo pelo qual o homem, livre, pode exercer com total eficiência sua razão, iniciativa, criatividade e responsabilidade pessoal. Formular e analisar essas opções é a função — empreendedora e imensamente gratificante — de uma organização eficiente. É bem verdade que nem toda situação humana complexa e concebível pode ser totalmente reduzida a linhas num gráfico, a pontos percentuais numa tabela ou a cifras num balancete. Mas a toda realidade é possível aplicar a razão. E não quantificar o que pode ser quantificado e se contentar com algo aquém da plena extensão da razão (…). Dizer que certos fenômenos transcendem uma mensuração precisa — o que é bem verdade — não é desculpa para negligenciarmos a árdua tarefa de analisar minuciosamente o que pode ser mensurado.

Um computador não é substituto para o juízo, assim como um lápis não substitui a capacidade de ler e escrever. Mas, sem um lápis, saber escrever não e nenhuma vantagem. A moderna e criativa administração de enormes e complexos fenômenos é impossível sem o equipamento técnico e a capacidade técnica que o avanço do conhecimento, humano nos trouxe.

O que os “Whiz Kids” não souberam ver

  • Evolução posterior na gestão

Após o auge de McNamara, o pensamento administrativo passou a refletir um entendimento mais amplo do comportamento humano. Alguns dos grandes avanços abaixo foram abertamente reconhecidos por McNamara em seus últimos anos.

  • Racionalidade limitada

Libertos da visão reinante nas décadas de 1950 e 1960, hoje sabemos que o ser humano possui o que o Nobel de economia Herbert Simon chamou de “racionalidade limitada”. Nossas decisões são circunscritas não só pela informação que temos e pelo tempo disponível para análise, mas também por nossa capacidade cognitiva. Da década de 1970 para cá, foi notável o avanço na teoria da decisão comportamental, com economistas como Richard Thaler e psicólogos como Daniel Kahneman e Amos Tversky mostrando como o juízo humano leva reiteradamente a decisões que diferem das sugeridas pelos princípios da racionalidade.

  • Insistência irracional

Às vezes, um processo organizacional sem querer conduz as pessoas a decisões equivocadas. Como descrito por Barry M. Staw (professor da University of California em Berkeley), a escalada do comprometimento tem uma lógica insidiosa: cada passo adicional parece acarretar só um pequeno custo adicional. Mas, já que a promessa da vitória se mantém, a pessoa continua a seguir o processo, ainda que muitas vezes isso leve a perdas maiores, às vezes catastróficas.

  • Inteligência emocional

A importância das relações humanas na administração, amplamente reconhecida nas décadas de 1930 e 1940, foi ofuscada no período do pós-guerra pela crescente ênfase na análise racional e técnica. Hoje, termos como “inteligência emocional”, popularizado por Daniel Goleman, assinalam a importância da gestão de habilidades intangíveis, e não só concretas, da empatia, e não só da lógica.

  • Sabedoria das multidões

Homem típico de sua era, McNamara foi um defensor da centralização de decisões. “Sempre acreditei que quanto mais importante a questão, menos gente deveria estar envolvida na decisão”, disse a biografa Deborah Shapley. Hoje, a fé na capacidade de uma pequena elite é contrabalançada pelo reconhecimento de situações nas quais muitos sabem mais que poucos. Um programa lendário da GE, o “Work-Out Program”, foi só um exemplo do poder dessa ampla participação e demonstrou que uma organização pode explorar o conhecimento de muitos trabalhadores e aumentar ao mesmo tempo seu comprometimento.

  • Inovação de ruptura

A pesquisa de Clayton Christensen, professor da Harvard Business School, mostrou que empresas estabelecidas podem sucumbir justamente por serem bem administradas — por se concentrar no principal cliente de hoje e ignorar perspectivas incertas em mercados periféricos. À medida que crescem, segmentos de baixa probabilidade podem desbancar os já estabelecidos. A ênfase na eficiência não basta; é vital, também, se concentrar na inovação e fazer grandes apostas ainda que o retorno seja incerto.

  • Redes dispersas

A preferência por iniciativas de grande escala esta sendo desafiada pela crença em iniciativas locais, surgidas nas bases. No desenvolvimento econômico, onde o histórico de grandes projetos deixa a desejar, pequenos esforços distribuídos, como o microcrédito lançado pelo Grameen Bank, estão recebendo mais atenção. Em empresas, também, o compromisso com iniciativas gigantescas tem sido contrabalançado por uma abordagem de carteira na qual a empresa faz diversas pequenas apostas e decide, posteriormente, quais receberão mais investimento.


Fonte: Harvard Business Review Brasil – Dezembro de 2010. Autor: Phil Rosenzweig, professor de estratégia e gestão internacional no IMD, na Suíça, e diretor do programa de MBA executivo da instituição.