Os quatro motivos do sucesso da Tesla

A Tesla é muito maior do que imaginamos. Quando vemos um dos seus veículos rodando pelas ruas, utilizando baterias e tecnologia de direção autônoma, nem pensamos em todas as inovações que tornaram possível a produção desses carros com um valor aproximado de um carro movido a motor de combustão interna. Vamos nesse artigo analisar os quatro motivos do sucesso da Tesla.

Inicialmente, o que o Marketing nos define como uma disruptura?

É quando um novo produto ou serviço ajuda a criar um novo mercado, e acaba por enfraquecer ou até mesmo destruir um produto, uma categoria inteira de produtos ou até mesmo uma indústria por completo. Exemplos recentes desse tipo de disruptura no marketing podemos ver com as video-locadoras que foram substituídas pelo Netflix ou as câmeras fotográficas digitais compactas que foram substituídas pelos celulares (esses celulares também engoliram os tablets e os netbooks).

Vamos abordar nesse artigo a marca que está iniciando uma das maiores disrupturas da história do Marketing:

Podemos citar 4 grandes avanços tecnológicos, que estão proporcionando uma “disruptura” aos modelos de produção e consumo que vemos nos mercados atualmente:

  1. Aumento da eficiência energética das baterias, bem como a diminuição dos seus custos;
  2. Desenvolvimento acelerado de hardware e software que permite a direção autônoma;
  3. Queda acentuada do valor da geração de energia solar;
  4. Incentivos governamentais ao uso de energia limpa em vários países;

Todos os itens acima estão interrelacionados, pois a aquisição de veículos da Tesla oferece ao novo proprietário o direito de uso das estações de carregamento elétrico rápido das baterias dos veículos elétricos. Como se sabe, a maior parte da energia elétrica gerada e consumida nos Estados Unidos tem origem em fontes não renováveis, principalmente de derivados de petróleo. Para não sobrecarregar o sistema energético com mais poluição, a Tesla investiu pesado em sistemas de geração de energia solar, bem como o armazenamento dessa energia, que só pode ser eficientemente coletada e armazenada por 4 a 8 horas diárias.

Acima: imagem de uma estação de carregamento rápido de 480 volts, que permite uma carga de até 120 kw, o que aumenta em até 270 kms a autonomia do veículo e pode ser realizada em poucos minutos. Também pode ser recarregado em casa usando a energia elétrica que vem da rede pública ou dos painéis solares instalados em casa (ou das baterias que armazenam a energia solar doméstica durante o dia para serem usadas a noite).

Com mais veículos elétricos usando a rede pública de distribuição de eletricidade, será necessário mais geração de energia, e mais sistemas de armazenamento dessa energia, para disponibilizar seu uso por todas as horas do dia e da noite.

O desenvolvimento desses sistemas de armazenamento de energia acabou por trazer ao desenvolvimento de baterias mais eficientes e mais baratas. O segredo para aumentar a economia na produção dessas baterias foi a produção em grandes quantidades, e essas baterias recarregáveis agora são utilizadas em 3 principais sistemas:

  • Baterias de veículos elétricos;
  • Baterias para residências que usam energia solar;
  • Baterias para backup de usinas de geração de energia (solar e/ou outras fontes).

Esses 3 sistemas combinados, demandam uma produção de baterias de Lítio tão alta que a marca japonesa Panasonic, que estava enfrentando dificuldades no mercado de equipamentos eletrônicos para consumo (como TVs, geladeiras e celulares), decidiu investir seu maior empenho na produção de baterias recarregáveis, especialmente para os projetos da Tesla.

Em 2012, após relatar perdas bilionárias em alguns mercados, a Panasonic anunciou uma reestruturação e a demissão de 10.000 funcionários em várias fábricas no mundo. Sua área de atuação é diversificada, e em 2013 adquiriu uma empresa de equipamentos de vigilância eletrônica e outra empresa de eletrônicos e eletrodomésticos na Europa.

Mas a principal estratégia da Panasonic foi divulgada em 2014, quando ela revelou ter sido convidada pela Tesla para produzir uma quantidade gigantesca de baterias recarregáveis que serão usadas nos projetos da Tesla. Desde então, as duas empresas estão experimentando aumentos expressivos de seus valores de mercado.

Como eram projetos enormes e de longo prazo, a parceria anunciada em 2014 somente em 2017 apresentou os primeiros resultados, com a entrega das primeiras baterias recarregáveis fabricadas no estado de Nevada, EUA. As baterias são produzidas por uma fábrica chamada GigaFactory, conforme amplamente divulgada pela mídia nos Estados Unidos. A primeira fábrica a produzir as baterias foi chamada de GigaFactory 1, pois já estão sendo construídas outras fábricas para atender à demanda dos produtos e projetos da Tesla.

A GigaFactory 2 está sendo construída em Buffalo, no estado de Nova Iorque. Nessa fábrica, o projeto foca na produção de grandes quantidades de células fotovoltaicas para a produção de energia elétrica. As fábricas 3, 4 e 5 já estão em fase final de projeto, e vários páíses europeus estão oferecendo subsídios bilionários para atrair essas fábricas, onde serão produzidos automóveis, baterias, painéis solares e demais produtos Tesla.

Acima: imagem do projeto da Gigafactory, uma fábrica instalada num edifício com quase 1 km de comprimento, sendo dessa forma uma das maiores plantas industriais do mundo.

Contrariando toda a tendência econômica verificada nos últimos 30 anos, quando várias marcas fecharam plantas industriais na América do Norte e na Europa para se mudarem para a China, a estratégia da Tesla é produzir próximo ao seu mercado consumidor, usando gigantescas fábricas para diminuir o custo de produção e fabricar localmente mais de 80% de todos os seus produtos, importando no máximo 20% dos recursos, basicamente matérias primas (como o Lítio), aço e alguns insumos.

Isso vai gerar receitas altas para as regiões que vão receber as fábricas, e o governo do estado de Nevada já declarou que a operação de 20 anos da Gigafactory 1 vai trazer aproximadamente 100 bilhões de dólares em benefícios econômicos para o Estado.

O início da revolução tecnológica

Parte dessa inovação tecnológica começou com Elon Musk, um executivo e empresário norte-americano que é visto como o Thomas Edison do século 21, devido a tantas invenções e projetos de sucesso que ele já realizou. Em 1999 ele vendeu o portal Zip2 para a Compaq por 300 milhões de dólares, e posteriormente o PayPal por 1,5 bilhão de dólares.

Suas criações o tornaram rico e famoso antes dos 30 anos, e atualmente ele desenvolve projetos de engenharia espacial através da marca SpaceX. Em 25 de Maio de 2012, a SpaceX fez história ao realizar o primeiro voo privado de reabastecimento da Estação Espacial Internacional. Em setembro de 2016 Elon Musk anunciou um plano para levar humanos e estabelecer uma colônia em Marte.

Com esse currículo de inventor, ele dirige de forma visionária a Tesla ocupando o cargo de CEO (Chief Executive Officer). A Tesla Motors foi fundada em 2003 por Martin Eberhard e Marc Tarpenning, que desempenharam papeis ativos na empresa antes do envolvimento de Elon Musk. Foi Elon Musk que liderou a primeira rodada de investimentos, juntando-se assim em fevereiro de 2004 ao Conselho de Administração da Tesla como seu presidente (CEO).

O principal objetivo da Tesla era comercializar veículos elétricos, começando desta forma por um carro esportivo de alto valor agregado destinado aos seus primeiros clientes, e em seguida passar o mais rapidamente possível para veículos mais tradicionais, como por exemplo sedans e compactos com preços acessíveis no mercado consumidor. Em outubro de 2016, a Tesla anunciou que todos os carros produzidos a partir de 2018 (Modelo S, Modelo X e o novo Modelo 3, que chegará no início de 2018), serão produzidos com direção autônoma.

O novo sistema de direção autônoma possui oito câmaras com visibilidade 360º a uma distância de até 250 metros à volta do carro e doze sensores ultra sónicos atualizados para “complementar a visão”, permitindo que o novo sistema detecte objetos estáticos e em movimento no dobro da distância do sistema anterior.

Na frente, um radar a laser com capacidades avançadas de processamento fornecerá dados adicionais sobre o que rodeia o automóvel numa frequência redundante, capaz de alimentar o sistema com informação visual mesmo que esteja chovendo, com nevoeiro, poeira ou fumaça na atmosfera.

O aparelho que efetua essa leitura é conhecido como LiDAR (sigla de Light Detection And Ranging), trata-se de uma tecnologia óptica de detecção remota que mede propriedades da luz reflectida de modo a obter a distância, velocidade e/ou outra informação a respeito de um ou de vários objetos.

Os novos veículos conversarão entre si através de uma rede de atualização do software de inteligência artificial que gerencia a direção autônoma. Ou seja, os veículos continuarão aprendendo a dirigir e aperfeiçoarão as técnicas de direção defensiva, compartilhando atualizações de software. Também conversarão entre si em tempo real, informando a situação nas estradas, pontos de congestionamento e rotas alternativas.

Parte dessa revolução tecnológica, que muitos analistas estão chamando de RUPTURA devido ao grande impacto que está gerando no mercado, também foi possível a queda nos preços dos equipamentos tecnológicos que serão embarcados no novos veículos.

Em 2010, o principal sensor (LiDAR) que permitia a leitura do ambiente em volta do veículo custava até 75.000 dólares. Com a evolução da tecnologia, atualmente existem sensores LiDAR que custam menos de 800 dólares, e algumas empresas do Vale do Silício (na Califórnia) já declararam terem inventado sensores que podem ser construídos em massa por menos de 75 dólares, ou seja, uma queda de valor na ordem de 1000 para 1.

Outro equipamento indispensável ao funcionamento da direção autônoma é o supercomputador que equipa o veículo. No ano 1996, pela primeira vez foi possível construir um supercomputador capaz de superar a marca de 1 teraflops de processamento de dados. O supercomputador ASCI RED foi desenvolvido pelo Governo dos Estados Unidos para testar o gerenciamento do arsenal nuclear e da defesa estratégica do país.

Ele ocupava 160 metros quadrados em uma sala climatizada. Ele demandava mais de 850 kw de energia para funcionar, o suficiente para alimentar uma pequena cidade. Custou mais de 46 milhões de dólares, funcionou por 10 anos e foi substituído em 2006.

Acima: foto do supercomputador de 1996 que superou a marca de 1 teraflops

Já pulando 21 anos, em 2017 a empresa NVidia já disponibilizava no mercado o processador Titan XP, que opera em até 12 teraflops de velocidade, ou seja, 12 vezes mais rápido que aquele supercomputador do pentágono em 1996. Além disso, esse (novo) supercomputador custa menos de dois mil dólares e é do tamanho de um tablet, necessitando pouca energia para funcionar, e um cooler comum para evitar aquecimento. É uma evolução incrível já prevista pela Lei de Moore, que afirma a duplicação do número de transistores dentro de um microchip a cada 2 anos, aumentando exponencialmente a potência e a velocidade dos microchips.

Acima: foto da placa de video que opera com 12 teraflops, o equivalente à 12 vezes a potência de um supercomputador de 21 anos antes

Tudo indica que a Tesla não utilizará o Nvidia Titan XP, pois ele foi desenvolvido para outro tipo de aplicação gráfica, diferente da inteligência artificial necessária para a direção autônoma de veículos. Mas ele é apenas um exemplo do que já podia ser realizado em 2017, com a produção de superchips de computador desenhados especialmente para essa função. Em tempo: a Titan Xp já não possui a maior velocidade de processamento, a própria Nvidia já lançou no mercado placas mais rápidas e poderosas.

Armazenando energia em várias modalidades

As baterias usadas pela Tesla são de última geração, e atualmente são usadas em veículos elétricos, sistemas de armazenamento de usinas solares de grande capacidade e também para uso doméstico.

O Powerwall é usado no armazenamento de energia por bateria de íon de lítio recarregáveis fabricados pela Tesla, para armazenamento de energia doméstica e armazena eletricidade para autoconsumo solar. Seu sistema pode ou não estar integrado à rede pública de eletricidade, recebendo energia elétrica quando as condições meteorológicas não permitirem a geração de energia solar por vários dias seguidos. Nos momentos de picos de geração de energia, a produção excedente pode ser vendida de volta à rede pública.

Acima: imagem exibe uma instalação residencial do Powerwall

Em 2015 foram instaladas as primeiras 500 unidades de demonstração (piloto), e após a aprovação do projeto foi iniciada a produção em massa do Powerwall na Gigafactory 1 (em Nevada). A segunda geração desse produto foi anunciada em outubro de 2016, fornecendo melhor performance no armazenamento de energia.

O outro produto de armazenamento de energia da Tesla recebe o nome de Powepack, e ele também recebeu as melhorias da segunda geração de baterias da Panasonic produzidas com a Tesla. Trata-se de um conjunto de baterias e inversores de energia que funcionam como um backup nos horários de pico, e seus projetos modulares podem atender desde pequenos bairros até cidades inteiras.

Recentemente a Tesla inaugurou a Estação Powerpack de 80 MWh no sul da California, o suficiente para alimentar mais de 2.500 casas por um dia, mas essa foi apenas a primeira etapa do projeto, que foi concluído em menos de 6 meses (imagem da estação abaixo).

As estações de Powerpack são modulares e podem ser ampliadas, conforme um projeto exibido abaixo:

Atualmente, mais de 20% das residências na Austrália já utilizam a energia solar fotovoltaica e recentemente a Tesla anunciou os planos para a construção de várias estações de armazenagem de energia no sul da Austrália, em parceria com a empresa Neoen, que em 2017 ocupava o posto de maior produtora independente de energia renovável na França.

 

Fundada em 2008, a Neoen é uma produtora independente de energia sustentável. A primeira usina solar da Neoen foi inaugurada em 2009, o primeiro parque eólico em 2010 e a primeira fábrica de biomassa em 2013. Depois de acumular uma grande experiência na França, a Neoen iniciou um período de expansão internacional em 2010, abrindo uma planta em Portugal, e posteriormente em outros países conforme exibido no mapa acima (expansão internacional da Neoen até 2017).

A evolução tecnológica vai gerar uma disruptura no atual sistema de distribuição de energia gerada a partir de grandes centrais geradoras, principalmente as usinas que não utilizarem recursos renováveis como hidrelétrica, solar e eólica. Isso porque futuramente, o custo de geração da energia solar doméstica será tão barato que não compensará financeiramente estar ligado à rede pública de geração de energia. Essa disruptura pode ocorrer em 5 ou 15 anos, dependendo do tipo de distribuição e da distância percorrida pela energia, entre a geração e o consumo. É provável que toda a tecnologia de distribuição atual precise ser modernizada para um novo tipo de rede elétrica, uma rede de compartilhamento, a partir do momento em que a maioria dos clientes de energia de uma rede passarem a produzir muita energia nos horários de pico e sobrar energia no sistema, algo que atualmente já ocorre em algumas regiões do Chile.

Mas esse é assunto para outro artigo. Nesse artigo vimos como várias tecnologias, de diferentes áreas de atuação acabaram por convergir para a criação do mercado de automóveis elétricos e de direção autônoma da Tesla. E como bônus, a inteligência artificial acabou embarcando nos veículos, graças à redução dos valores dos equipamentos mais modernos necessários ao seu funcionamento (os aparelhos de captura do ambiente externo LiDAR e o supercomputador disponível no mercado em 2017).

Não podemos atribuir tudo ao CEO da Tesla Elon Musk, mas temos de admitir: ele estava no lugar certo, na hora certa, e quando todas essas tecnologias atingiram maturidade e economia de escala, ele soube agregá-las e vender a sua ideia para o mundo. Em 2018 a previsão é que o mundo produza menos de 2% dos veículos com motores elétricos e ainda produza 98% dos veículos com motores a combustão interna. Gradualmente, a tecnologia dos veículos elétricos vai aumentar sua participação de mercado, e juntamente aumentará a geração de energia limpa.

É uma questão de poucos anos para a economia de escala dos veículos elétricos e com direção autônoma dominar a maior fatia do mercado. Isso será excelente para a sobrevivência da humanidade, pois o petróleo que ainda nos resta poderá ser utilizado para a sua função mais importante: a de fertilizar os campos agriculturáveis, que vão alimentar 9 ou 10 bilhões de habitantes na Terra.