O Walmart abraçou a gestão ecofinanceira

Edward Humes, autor do livro Force of nature, explica, nesta entrevista, a estratégia ecofinanceira da marca gigante do varejo, líder mundial no segmento de supermercado e hipermercados Walmart.

O segredo do Walmart é poupar recursos e atrair os consumidores do futuro.

A marca do supermercado Walmart nos intriga e não é para menos: estamos falando da organização que neutraliza os sindicatos, impõe sua vontade ao sistema econômico, define a agenda de milhares de fornecedores de todo o mundo em nome de seu modelo de negócio “preços mais baixos sempre”, mas que, ao mesmo tempo, vem transformando a sustentabilidade no pilar de seu futuro. Isso é possível? O modelo de negócio do supermercado Walmart e seu pilar do futuro são compatíveis?

Nesta entrevista, Edward Humes, autor de Force of nature: how Walmart started (ed. Harper USA), explica por que ele acredita nessa compatibilidade e também por que foi amável com a empresa em seu livro. Segundo ele, não estamos diante de um Dr. Jekyll e Mr. Hyde dos negócios.

Como sua família e seus amigos reagiram diante de seus amáveis comentários sobre o supermercado Walmart?

A reação inicial foi de ceticismo. Há uma maravilhosa livraria independente que sempre me apoiou, mas, nesse caso, seus diretores me comunicaram que, apesar de gostarem de meu trabalho, de jeito nenhum organizariam um evento onde alguém dissesse algo positivo sobre o Walmart.

Eu também era bastante cético no início, porém, vendo os dados, fica comprovada a existência de uma tendência que verdadeiramente nos dá esperança e abre caminho para que outras indústrias levem em conta o valor da sustentabilidade.

No entanto, você não deixa de explorar em profundidade as razões pelas quais há tanta gente contra o Walmart…

Era crucial que o livro não parecesse uma ode ao Walmart. Agora, é irônico que uma companhia malvista por ambientalistas seja a que mais tem coragem de confrontar o discurso oficial nos Estados Unidos sobre a atitude verde ser uma destruidora de empregos.

Você diz que a principal motivação da iniciativa de sustentabilidade do Walmart foi melhorar a reputação. Mas o trabalho de sustentabilidade anula as “más ações” do Walmart?

Claro que não. No entanto, é difícil criticar uma companhia por ela usar seu poder para atingir o que reconhecidamente é um bem social. Há pessoas, como Yvon Chouinard, da Patagonia, que disseram que jamais trabalhariam com o Walmart e por fim o fizeram.

À medida que você foi pesquisando a história, ficou surpreso ao descobrir quanto o Walmart avançou?

Uma das coisas que me surpreenderam foi o anúncio dos objetivos do Walmart em 2005. Diziam que o meio ambiente era o furacão Katrina em câmera lenta e que a companhia devia responder a isso da mesma forma que enviou água e alimentos para as vítimas do desastre. Porém depois estabeleceram objetivos concretos –desperdício zero, 100% de energia renovável– que estavam tão distantes da posição tradicional da empresa que pareciam uma farsa.

E aí veio a surpresa: na Califórnia, o supermercado Walmart reduziu em 81% os resíduos que mandava para aterros sanitários. Suas lojas nos EUA atravessaram dificuldades durante a crise, mas agora ganham US$ 100 milhões por ano com a venda de resíduos. Antes pagavam alguém para levar o lixo. O feito se deu em cinco anos.

Quando os dirigentes do Walmart perceberam as vantagens econômicas, devem ter-se perguntado “Por que não fizemos isso antes?”. Por que você acha que não fizeram antes?

Eles precisavam de um catalisador, e foi aí que entrou o ex-guia de rafting nos rios da Califórnia e consultor Jib Ellison. Jib conseguiu ser ouvido pelos chefes das grandes corporações, porque soube ser mais convincente que os acadêmicos e os ambientalistas ao apresentar a sustentabilidade como algo bom para o negócio.

Soma-se aí que o Walmart precisava recuperar a imagem de Lee Scott, o CEO à época, e se convenceu imediatamente. As pessoas começaram a se perguntar coisas como: “Por que usamos toneladas de caixas para frangos que não podem ser recicladas?”.

Agora vendem-se milhões de frangos em caixas recicláveis, poupando muito dinheiro, salvando muitas árvores e liberando espaço em aterros sanitários. O Walmart busca constantemente esse tipo de oportunidades, com metas graduais, como a de reduzir em 5% o packaging. Parece pouco, mas representa uma economia de US$ 3,5 bilhões.

O Walmart sempre foi uma empresa muito reservada, resolvendo tudo a seu modo. Foi muito grande a mudança de associar- se com consultores ambientais?

Foi enorme. O supermercado Walmart é uma empresa muito melindrosa e sensível às críticas. Quando Robert Greenwald apresentou seu documentário Walmart: o custo alto do preço baixo, em 2005, a companhia criou um esquema de guerra para responder ao filme. No entanto, faltou levar em consideração o que os críticos diziam. Jib Ellison trabalhou para mudar essa atitude.

Recomendou que a companhia ouvisse os críticos, pois eles veem coisas que normalmente escapam aos demais e oferecem sua experiência de graça. Então, o pessoal do supermercado Walmart passou a visitar centros de estudo de mudança climática e fazendas orgânicas e conversou com ambientalistas sobre eficiência energética. Quando o CEO Scott fez seu primeiro pronunciamento público sobre a importância da sustentabilidade para o Walmart, disse que uma lâmpada fluorescente compacta tinha sido acesa em sua cabeça.

Essas iniciativas têm encontrado resistência dentro do Walmart?

Alguns especialistas externos disseram que o assunto da sustentabilidade distrai a companhia, gerando perda de foco, mas não escutei isso dentro do Walmart. Claro que, se não houvesse um retorno econômico, teriam deixado o tema de lado; disso não tenho dúvida. Jib Ellison e Lee Scott foram muito espertos em sua apresentação para os acionistas, os funcionários e os líderes corporativos do Walmart.

Disseram: “Alguém poderia pensar que isso não tem nada a ver com a visão de Sam Walton, mas não é bem assim; isso cumpre com sua ordem para sermos eficientes, bons vizinhos e controlarmos os custos. Agora entendemos como a sustentabilidade se encaixa no modelo de negócio do Walmart, e é culpa nossa não termos percebido isso antes”.

Para completar, em vez de contratar pessoal especializado em tais temas, o Walmart conseguiu que os funcionários abraçassem a ideia como se fosse deles.

E os que se colocam contra a responsabilidade social corporativa nos editoriais do Wall Street Journal e no Congresso norte-americano? Você acredita que a posição adotada pelo Walmart fará com que mudem de opinião?

É difícil modificar opiniões ideológicas. Se você está comprometido com a visão de mundo de Milton Friedman, nada o fará mudar. Mas, se você é pragmático e deseja que as coisas funcionem e sejam eficientes, não poderá negar que as iniciativas ambientais empreendidas pelo Walmart, e imitadas por seus parceiros e alguns de seus concorrentes, formam um modo melhor de fazer negócios. Mike Duke, atual CEO da companhia, afirma que em tempos difíceis a sustentabilidade ganha ainda mais sentido.

Você mencionou a concorrência. Como essa experiência influencia os executivos seniores de outras empresas?

Os líderes mais visionários percebem o valor da iniciativa. Contudo, o que o supermercado Walmart conseguiu foi tornar a sustentabilidade um tema corrente no mundo dos negócios, pois mostrou que se trata de uma proposta de baixo risco. Prova disso é a Sustainable Apparel Coalition [Coalizão Vestuário Sustentável], da qual participam o Walmart e a Patagonia. Seus membros controlam ao redor de 85% do comércio global de roupas e é surpreendente a cooperação de varejistas e fabricantes, como Nike, REI, Gap, Marks & Spencer, entre outros.

A ideia é compartilhar informação sobre os processos menos tóxicos e contaminadores da produção. Como se mede a pegada de carbono deixada pela produção de sapato, creme dental ou computador? Mesmo assim, estamos em uma fase muito primitiva do entendimento de impactos desse tipo, sem contar que 90% da pegada está na cadeia de fornecimento.

De todo modo, o que essas empresas estão dizendo é: “Vamos tirar a cabeça da areia e entender o que está acontecendo”.

Todos estão de acordo em quantificar a sustentabilidade? Porque haverá ganhadores, mas também perdedores…

Será um processo lento e doloroso, em parte porque ninguém quer estar do lado perdedor. Mas assim funciona o mercado. Atribuir uma pontuação à sustentabilidade é um incentivo para que cada empresa busque a qualificação mais alta. O Walmart já está eliminando carbono de seu sistema porque isso faz sentido economicamente e gostaria que a legislação permitisse capitalizar ainda mais tal ação.

No entanto, é difícil tirar da cabeça das pessoas a ideia de que o ecológico é mais caro. Por exemplo, a Ford lançou um modelo híbrido de seu Lincoln sedã MKZ que oferece quase os mesmos benefícios que o modelo convencional –na cidade consome menos da metade do combustível, é apenas meio segundo mais lento na aceleração de 0 a 100 km/h e tem o mesmo preço–, porém três em cada quatro consumidores preferem o modelo clássico.

Os fornecedores buscam alternativas sustentáveis ou esperam sentados que o Walmart dê as coordenadas?

Se você é fornecedor do supermercado Walmart, não pode ficar esperando sentado. A empresa exige informação sobre cada produto: qual é sua pegada ecológica? Qual o impacto gerado por ela? Quanta água utiliza em seus processos? Há uma ferramenta para medir as emissões de gases do efeito estufa? Se não há, quando haverá?

Portanto, os 100 mil fornecedores não podem esperar sentados. Alguns descobriram os benefícios das metas de eficiência energética. O esforço está dando frutos econômicos para companhias como Procter & Gamble.

Muitas das mudanças de que você fala no livro são coisas que os consumidores não veem…

Exatamente. Quando o supermercado Walmart diminui uma embalagem, o consumidor nem sequer o nota. O erro que outras empresas têm cometido é apresentar um produto ecológico e esperar que seja um sucesso e, se não o vendem, o classificam como fracasso.

No livro, você relata que, para a linha de joias ecológicas do Walmart há um site que permite rastrear cada artigo para saber como são as minas das quais os materiais foram extraídos e onde estão localizadas. O Walmart realmente espera que os consumidores mudem?

Em longo prazo, sim. A empresa justifica que nenhum líder do varejo mantém sua posição na geração seguinte. Nesse sentido, preocupa-se com o que acontecerá quando a geração atual de consumidoras for substituída por suas filhas, porque elas compram na Target. O que atrairá essa geração para o Walmart?

A rede de supermercados acredita que a sustentabilidade poderá ser um motivador. É possível que as etiquetas nos produtos e as qualificações de sustentabilidade não façam hoje uma grande diferença nas vendas, mas no futuro é muito provável que sejam um diferencial.

Saiba mais sobre o entrevistado Edward Humes

Escritor e jornalista várias vezes premiado –incluindo um Pulitzer–, Edward Humes dedica-se à literatura de não ficção. Entre seus livros destacam-se Force of nature: how Walmart started (ed. Harper USA), No matter how loud I shout: a year in the life of Juvenile Court (ed. Simon & Schuster), o best-seller Mississippi mud (ed. Simon & Shuster) e Monkey girl: evolution, education, religion and the battle for America’s soul (ed. Ecco Press), que será filmado pela HBO. Humes começou sua carreira em jornais e cedo se destacou com suas reportagens e textos acima da média. Sua busca pela profundidade fez com que mudasse de meio de expressão e passou a escrever livros, algo que tem feito com grande sucesso.


Fonte: Revista HSM Management, por Matthew Budman, editor-chefe da The Conference Board Review.