O delta da empresa analítica

Esse tipo de empresa sistematicamente usa os dados de que dispõe para predição, prescrição e otimização, como explica Thomas Davenport, especialista em processos decisórios. Essa empresa analítica adota o modelo Delta, detalhado nesta entrevista.

“As decisões mais eficazes vem das análises”, insiste o expert em competição analítica Thomas Davenport. Um exame minucioso dos dados permite não apenas que as organizações entendam por que as coisas aconteceram, mas também que antecipem o futuro, segundo ele, que se dedica exclusivamente, há mais de cinco anos, a investigar como as empresas empregam a análise matemática e estatística e os modelos explicativos e preditivos para melhorar o desempenho organizacional.

Esse arsenal é acionado tanto nas áreas de marketing e vendas como em desenvolvimento de produtos, políticas de preços, gestão de talentos ou administração da cadeia de fornecimento. “Antes, as atividades analíticas eram responsabilidade do departamento de tecnologia. Nos últimos tempos, porém, passaram a ser atribuição da direção”, avalia o pesquisador.

A integração de sistemas corporativos tão díspares quanto o transacional, o de relacionamento com o cliente, o de ponto de venda, o de e-commerce e até o das plataformas sociais vem proporcionando aos executivos enorme e valiosa quantidade de informações. Por isso, os líderes se encontram em posição privilegiada para saber o que acontece e o que poderia acontecer a sua empresa em diversos cenários e, consequentemente, ficam mais aptos a tomar decisões acertadas.

Em um estudo recente realizado por Davenport com 57 empresas que aperfeiçoaram seu processo decisório (conforme publicado pela Sloan Management Review), 85% delas demonstraram ter alcançado esse objetivo empregando softwares de análise. Em média, cinco aplicativos diferentes foram usados para cada decisão.

Além disso, tais empresas mantinham equipes de analistas que superavam o trabalho técnico da área e eram responsáveis por construir a referência para a tomada de decisão e ajudar na comunicação com stakeholders. “Mas essa é uma exceção”, esclarece o especialista.

Em entrevista exclusiva a HSM Management, Davenport discorre sobre a importância do trabalho e dos atributos dos analistas e ressalta que, na maioria das organizações, os líderes ainda consideram a tomada de decisão um espaço privado, em que a experiência e a intuição pesam mais que a análise criteriosa. “Todo gestor deve checar sua intuição na calculadora”, recomenda Davenport.

O que é fundamental para o sucesso das análises?

É essencial contar com bons dados, é claro, e com dirigentes interessados em melhorar os resultados das decisões. Se se deixarem levar só pela intuição, não vão muito longe. Há lugar para a intuição, mas baseada em números. A incompreensão dos gestores sobre isso – e sobre o poder e o valor da análise – é o grande obstáculo para o desenvolvimento da competitividade analítica.

Qual é a relação entre competição analítica e BI, a inteligência de negócios na sigla em inglês (Business Inteligence)?

Há duas grandes atividades realizadas sob o guarda-chuva do business intelligence: elaboração de relatórios referentes ao passado, sem buscar explicações para ele, e análises de dados, que é o que nos interessa. A análise compõe-se de três elementos: predição, prescrição e otimização. A análise dos fatos, nesse caso, fala sobre o futuro (predição) e sugere o que deveria ser feito sobre a base desses achados (prescrição e otimização).

As organizações analíticas usam essas ferramentas para identificar seus clientes mais rentáveis, oferecer-lhes os melhores produtos ao melhor preço, acelerar a inovação, otimizar a cadeia de fornecimento e melhorar o desempenho geral da empresa.

Poderia nos dar exemplos que detalhem os conceitos de predição, prescrição e otimização, que fazem parte da atividade de análise?

Sim, a rede de supermercados inglesa Tesco é uma competidora analítica que usa os dados de compras para antecipar que tipo de cupom de desconto é mais atraente para cada cliente.

São 12 milhões de clientes na Grã-Bretanha e, portanto, 12 milhões de combinações diferentes de cupons. Cada pessoa recebe seis por trimestre: três relacionados a produtos que já tenha adquirido e três a itens que poderiam lhe interessar segundo estimativa baseada nas compras de clientes com perfil semelhante.

A taxa de uso dos cupons é de 40%. Essa é uma análise preditiva muito comum, principalmente entre varejistas online, como eBay e Amazon.

A prescrição diz à empresa o que ela deve fazer. Suponha que se decida experimentar um novo formato de loja. Assim que ela é instalada na cidade, as vendas da rede sobem.

Pode-se imaginar que seja por causa dessa loja, mas, com a análise de todos os dados, descobre-se que a verdadeira causa do sucesso e a região, que se tornou moda entre pessoas de alto poder aquisitivo.

Então, para que se obtivessem dados confiáveis para a análise, teria sido preciso instalar duas novas lojas: uma na versão tradicional e outra no novo formato.

A otimização é também uma forma de prescrição e consiste em identificar o valor ótimo de uma variável. A mais comum é em preço.

Hotéis, lojas e companhias aéreas costumam recorrer às ferramentas analíticas para saber qual é o preço com que podem obter o benefício máximo.

Historicamente, as companhias aéreas tem usado esses recursos para detectar o preço com o qual têm mais possibilidade de lotar um avião.

Como o sr. descreve uma “empresa analítica”?

Os competidores analíticos têm cinco capacidades em comum, facilmente memorizadas pelo acrônimo “DELTA”. “D” são os “dados”. Os competidores analíticos contam com dados que ninguém mais tem e os usam de modo original. Um exemplo clássico é o sistema de classificação das empresas de seguros, usado para estimar a probabilidade de uma pessoa se acidentar de carro e, portanto, para precificar.

A letra “E” corresponde a “empresa”, no sentido de que os dados devem ser gerados por todas as áreas da organização e combinados. As empresas analíticas criam equipes multidisciplinares de analistas, com matemáticos, técnicos, estatísticos, que compartilham tecnologia e informação. “L” vem de “liderança”.

Os competidores analíticos têm líderes fortes que apregoam interna e externamente a importância da análise para a tomada de decisão e constantemente se perguntam; “Achamos ou sabemos de fato?”. A letra seguinte é o “T”, de “talentos analíticos”. As empresas analíticas contam com profissionais que fazem o trabalho quantitativo e também são comunicadores eficazes, que constroem boas relações com quem toma as decisões e podem explicar, na linguagem dos negócios, o que dizem os dados e como poderiam afetar a estratégia. Por fim, há o “alvo”. As organizações com alvos (ou objetivos) estratégicos claros se certificam de que a análise impulsione o desempenho.

Não deve haver muitos competidores analíticos globalmente. Existem estatísticas a esse respeito?

Realizei um estudo em 2004 com 400 empresas. Dentre elas, 10% afirmaram que a análise era crucial para seu negócio. Mas acredito que, hoje, cerca de 60% ou 70% das organizações globais estejam aperfeiçoando a decisão com base em análises. Posso citar a seguradora Progressive, o Citibank, os hotéis Marriott, a American Airlines e até o time de futebol AC Milan.

O Milan?

Sim, eles focaram a redução e a prevenção de lesões. Estudam os movimentos dos jogadores em diferentes condições de campo e clima e predizem quais circunstâncias tendem a favorecer a ocorrência de lesões. Evitam, então, que seus jogadores enfrentem tais situações. Isso lhes permite ter mais sucesso ao contratar jogadores mais velhos. Funcionou com Beckham e Ronaldo. Mas o esporte que mais provou a eficácia da análise até agora é o beisebol.

E há setores da economia que se destacam nisso?

Sim, os setores de consumo, que têm mais informações disponíveis e sabem usá-las. Bancos, empresas turísticas, companhias de transportes e operadoras de telefonia administram enormes volumes de dados sobre o comportamento dos consumidores e sabem usá-los. Os setores menos analíticos são os de serviços B2B.

Que áreas de uma empresa podem tirar mais proveito das ferramentas analíticas?

Eu diria que quase todas. A área de marketing é a que mais as tem usado. Ali as empresas querem unificar as iniciativas nos diferentes canais de comunicação para concentrar a informação de seus clientes. É uma tarefa difícil, uma vez que muitas empresas nem sequer tem os e-mails corretos de seus clientes.

Creio que o estado da arte da análise de marketing pode ser resumido em construir relações com o cliente que flutuam através de variados canais. Para isso, é necessário deixar de desenvolver diferentes abordagens conforme o canal considerado.

Quanto aos dados, é possível dizer que há uns mais úteis do que outros?

O filósofo da gestão Charles Handy já dizia: “A informação reunida para uma finalidade dificilmente será útil para outra”. Em outras palavras, os dados sempre devem sofrer alguma transformação. É necessário limpá-los, certificar-se de que sejam precisos e de que todos os departamentos compartilhem a mesma informação. Por exemplo, se o marketing disser que alguém é o melhor cliente, ele também deve ser o melhor para o financeiro.

Só que isso não é nada fácil de atingir. A maioria dos dados é potencialmente útil para a análise, mas é preciso trabalhá-los.

O interessante é que há cada vez mais dados não estruturados que podem ser muito interessantes para a análise. É o caso da informação gerada nas mídias sociais. Os fabricantes de automóveis e eletrodomésticos, por exemplo, estão explorando o “text mining”, ou garimpo de texto, na análise de garantias. Essa tecnologia permite explorar fóruns online para identificar os problemas mais comuns de seus produtos.

As empresas já sabem como analisar adequadamente as mídias sociais?

Ainda estamos em fase inicial nessa área. Para muitas organizações, analisar esse tipo de mídia significa elaborar relatórios com alguns números que indicam o que os clientes fazem com a marca no ambiente online.

Mas isso não é estudar os dados em profundidade. Penso que é possível encontrar correlações entre o que as pessoas falam e seu grau de influência. Uma vez que a empresa identifique quem são os usuários mais influentes, ou seja, os mais acompanhados no Facebook ou no Twitter, pode concentrar seus esforços nessas pessoas.

Que capacidades estão no perfil?

Eu diria que são quatro: estar preparado tecnologicamente, ter habilidades matemáticas e quantitativas, ter visão de negócios e ser capaz: de se comunicar e estabelecer relação de confiança com os tomadores de decisão, o que, particularmente, é um fator pouco reconhecido.

Se quiséssemos contratar um talento analítico em um país onde a área de exatas está longe de ser a preferencia nacional, como no Brasil, onde características como flexibilidade e capacidade de improvisar se destacam, provavelmente seria uma tarefa quase tão árdua quanto procurar uma agulha no palheiro. É fácil encontrar talentos analíticos?

É complicado encontrar pessoas com esse perfil em qualquer lugar do mundo. Muitas empresas preferem contratar pessoas que entendam do negócio e sejam boas de relacionamento e, depois, capacitá-las em tecnologia e análise.


SAIBA MAIS SOBRE THOMAS DAVENPORT

Professor emérito de tecnologia e gestão da informação do Babson College, uma das celebres escolas de negócios de Massachusetts, nos Estados Unidos. Thomas Davenport é considerado por muitos o maior expert mundial em competição analítica. Lecionou na Harvard University e atuou nas firmas de consultoria Ernst & Young, McKinsey, Accenture e CSC Index.

Escreveu vários livros, Incluindo os primeiros sobre reengenharia de processos e extração de valor dos sistemas corporativos. Também teorizou sobre a gestão do conhecimento. Desde 2004, vem se dedicando a pesquisa sobre competir com base em análises (competing on analytics). Sua obra mais recente e Inteligência analítica nos negócios (ed. Campus/Elsevier), Lançada no ano passado é escrita em parceria com Jeanne Harris e Robert Morison. O livro trata das decisões não analíticas que levam as empresas a incorrer sempre nos mesmos erros.


Fonte: Revista HSM Management – A entrevista é de Viviana Alonso e Florencia Lafuente.