Google e Walmart – de cada um, o melhor

“Um WalMart com asas.” Foi como a revista Business Week denominou a Ryanair, em uma reportagem de 2006, citando um especialista do BNP Paribas que “elogiara” a companhia aérea irlandesa de baixo custo. Vamos comparar Google e Walmart com essa marca da aviação comercial.

A comparação não é por acaso. Falando em termos de modelo de negócio, WalMart é o “mestre” do modelo baseado nos custos. Seus caminhões sempre circulam com as luzes acesas, porque o impacto dos acidentes de trânsito é maior nos resultados que o do aumento no consumo de combustível. A empresa destina sucessivos usos a caixas, caixotes e pallets, enquanto a grande maioria os empilha como resíduos. Quem compra uma camisa ou uma calça sabe que o cabide volta para a arara para exibir outro produto.

Também não é casual que nesse duelo de pares e gigantes o Google seja “mestre” no modelo baseado na renda: a forma como uniu quem procura com quem “anuncia” excede a inteligência do algoritmo e se transforma na chave de seu modelo de retornos de escala crescentes.

O Google não cobra taxa alguma daqueles que utilizam seu buscador, mas sim dos anunciantes que associam seus anúncios a palavras-chave. O fato de ser gratuito reduz os riscos do cliente na hora de experimentar o novo e aumenta as vantagens competitivas do Google.

Como escreveu Michael Schrage faz um tempo no Financial Times, isso demonstra que, “neste mercado pós-industrial, o velho ditado ‘as melhores coisas da vida são gratuitas’ é real somente na aparência”, a tal ponto que, afirma ele, poderia ser redefinida a noção de modelo de negócio como “a arte de combinar aquilo pelo qual a empresa cobra com a finalidade de obter aquilo que dá de presente”.

O que é gratuito promove o crescimento e os lucros. Como essa espécie de “subsídio” pago pelos anunciantes do gratuito Google. Como a garantia de preços mais baixos todos os dias do WalMart. Nos dois casos, os custos são absorvidos por outros.

Com Sam no coração

Comenta-se no ciberespaço que Sam Walton ensinou muito ao Google sobre a melhor maneira de dominar a internet. Considerado um dos empresários de maior sucesso da história, seria míope negá-lo. Criticado ou elogiado, tendo futuro ou não, o modelo que criou continua sendo referência, mesmo neste mundo “tomado” pelo Google.

Em 1966, quando não tinha mais do que 20 lojas, Walton teve a visão de reconhecer que precisava implementar grandes mudanças se quisesse estar em condições de “gerenciar o crescimento”. Foi pessoalmente buscar o aluno mais inteligente da turma em uma escola da IBM. O objetivo: contratá-lo para informatizar todas suas operações.

Sua empresa se transformou então no ícone do estoque just-in-time, da logística mais sofisticada; em síntese, em uma pioneira no uso da informação como vantagem competitiva. E Walton transformou-se no verdadeiro primeiro CEO da era da informação, embora com pouca frequência seja lembrado por isso. Uma pena, porque, na realidade, esses conceitos pioneiros aplicados no campo do varejo abriram o caminho para uma nova safra de empresas líderes de categoria –os category killers–, como Home Depot ou Blockbuster, cujas premissas fundamentais se resumiam em baixar os custos indiretos e manter o estoque sob controle. Uma tendência que nunca deixou de desacelerar. A internet é, dessa cadeia, o elo mais recente. Google, mais uma vez.

Com a internet na alma

Era 1993. Ainda na Sun Microsystems, Eric Schmidt antecipava: “Quando a rede é tão rápida quanto o processador, o computador é esvaziado [de software] e se estende por toda a rede”. A Sun compactou sua ideia na frase “a rede é o computador”, porém não completou o raciocínio afirmando que os benefícios dessa transformação não seriam capitalizados pelas empresas que fizessem os processadores mais rápidos ou os melhores sistemas operacionais, mas sim pelas “que tivessem as melhores redes e os melhores algoritmos de busca e classificação”.

Schmidt deixou a Sun, passou pela Novell e em 2001 ancorou no Google, para mergulhar nesse futuro que havia previsto. O presente, afirma ele, tem um “momento” comparável ao que existiu na passagem da produção artesanal para a fabricação em massa da era industrial. O Google, com a arquitetura que tem por trás, paralela e escalável, capaz de alojar qualquer software, ergue-se como um player praticamente imbatível na hora de aproveitar a força dessa migração. Acrescentou a sua atividade principal publicidade, mapas, vídeos, agendas, e-commerce, e-mail, e a lista segue sem solução de continuidade aparente.

O Google teve visão, coragem, criatividade, espírito inovador, vigor e, sem dúvida, tomou a sábia decisão das empresas vencedoras: gastar naquilo que abunda e economizar no que é escasso. Gastou em capacidade de armazenamento e largura de banda, mas foi avaro com o mais precioso dos recursos, a paciência dos usuários. Faz quatro anos, uma busca média levava três segundos; hoje, são cerca de dois décimos de segundo. Essa filosofia transformou o Google e seus mentores nos empreendedores por excelência do novo milênio e certamente servirá para neutralizar a máxima segundo a qual “o desempenho do passado não garante o futuro”.

Vulnerabilidades

Às vezes os pontos fortes, se repetidos com insistência, enfraquecem. Há quem sugira, como Fishman em The WalMart Effect, que a visão do WalMart pecava pela soberba de quem olha exclusivamente para o umbigo. Como os cenários do mundo não se parecem com o ambiente rural dos Estados Unidos, nem os hábitos – provincianos ou cosmopolitas – dos norte-americanos são idênticos aos do restante do mundo, o sucesso impressionante que teve nos Estados Unidos lhe cobrou mais de um fracasso quando saiu para jogar em território internacional. Alguns exemplos disso aconteceram na Coréia do Sul e na Alemanha.

A incompatibilidade da cultura WalMart com essas culturas nacionais superou os benefícios que o modelo trazia. Na Alemanha, o canto matutino “religioso” dos funcionários das lojas desapareceu; era extravagante demais para os costumes locais. Na Coréia, as estantes e as gôndolas, mais altas do que o habitual, incomodavam os clientes – irritados por terem de servir-se de uma escada para apanhar os produtos– assim como os incomodavam as caixas com seis frascos de xampu difíceis de carregar sem ter carro.

O gigante do Arkansas não foi resiliente; algumas mudanças que implementou, um pouco tarde, foram em vão: o WalMart acabou saindo da Alemanha e da Coréia. (No Brasil, a empresa também cometeu erros, como o de apostar numa pequena variedade de alimentos – quando a praxe dos hipermercados aqui é grande oferta nessa área – mas conseguiu incorporar os alimentos a tempo, ainda que com preços de mercado, não abaixo.)

Isso corrobora parcialmente aqueles que, sem discutir o profundo impacto do WalMart na economia em geral e de seu setor em particular, predizem o fim próximo da era WalMart.

Seus argumentos são basicamente dois:

  1. os clientes procuram, e muitos concorrentes já oferecem, algo mais que o menor preço – conveniência, seleção, qualidade, bom serviço;
  2. o fenômeno internet erodiu um dos pilares da estratégia do WalMart, que é o inigualável poder exercido sobre seus fornecedores até “espremê-los”.

Um fato é que as grandes marcas que acompanharam o gigante até o topo, aproveitando o volume que lhes trazia, hoje tentam reduzir sua dependência das lojas do supervarejista. A PepsiCo, por exemplo, escolheu a Whole Foods Market para o lançamento de uma de suas novas bebidas energéticas. Outro fato é que a fruição com que o WalMart sempre perseguiu a escala hoje parece se transformar em uma fraqueza – muitos clientes preferem ter diversidade de opções a preços baixos.

Falamos de modelos

Não importa o que digam. Tanto WalMart como Google não tentaram agradar a Deus e todo mundo; ambos fizeram os trade-offs de que Michael Porter, o “pai” da estratégia, tanto prega. E isso desperta a crítica: o Google devia ter menos fervor criativo; o WalMart tinha de desistir de tamanha escala. Admirados ou não, os dois preferiram o risco à complacência.

Os segredos de Sam Walton

Segundo Michael Bergdahl, ex-executivo no WalMart e autor de The 10 Rules of Sam Walton)

  1. Comprometa-se com atingir o sucesso e não permita que a paixão o abandone.
  2. Compartilhe o sucesso com aqueles que ajudaram você.
  3. Motive-se e motive os outros a perseguir seus sonhos.
  4. Comunique-se com as pessoas e mostre interesse por elas.
  5. Valorize e reconheça os esforços das pessoas e os resultados obtidos.
  6. Celebre suas conquistas e também as dos outros.
  7. Escute as pessoas e aprenda com suas idéias.
  8. Supere as expectativas das pessoas fixando padrões cada vez mais altos.
  9. Controle suas despesas e economize em prol de sua prosperidade.
  10. Nade contra a corrente, seja diferente e desafie o status quo.

O que dizem Sergey Brin e Larry Page

“Tentamos definir que queríamos ser uma força do bem: fazer sempre a coisa certa, optar pelo que é valioso do ponto de vista ético. Fazer o que for bom para nossos clientes, para os usuários, para todos. ‘Don’t be evil ’ pareceu a forma mais simples de resumir o conceito.”

“Não é preciso haver uma empresa de cem pessoas para desenvolver uma idéia. Aproveitando o tempo livre, podemos trabalhar sobre novas idéias e ver se trazem resultados. É mais fácil levantar dinheiro quando algo está funcionando e as pessoas o estão usando.”

“O Google não é uma empresa convencional. Nem pretende se transformar em uma. Queremos ser ousados, queremos fazer a diferença, uma grande diferença.”

WalMart X3

A disciplina

  • Os parâmetros para medir o desempenho são consistentes e precisos.
  • Os resultados são valorizados.
  • Há uma inclinação notória pela informação e pelo conhecimento.
  • A responsabilidade é uma exigência.
  • É recompensada e sancionada efetivamente. “Podemos fazer melhor”, benchmarking, melhoria contínua. Prefere ser um rápido seguidor que se supera sempre a ser um inovador instável.
  • Os erros são corrigidos.

A atitude

  • Há uma tendência para a ação.
  • Os processos são respeitados e os procedimentos, cumpridos.
  • Ficam na empresa aqueles que cumprem. Não há lugar nela para quem for “eficiente, mas…”.
  • A complexidade do processo fica longe da experiência do cliente. A simplicidade é a regra.
  • Cultiva-se a “paranóia construtiva” para evitar a complacência.
  • Os funcionários não são estimulados a falar nas conferências do setor. Na sede central, pôster com a foto dos CEOs da concorrência pergunta: “Quem está captando nossos clientes?”.

O desempenho

  • O foco está em seu DNA. “Não tire os olhos da bola, concentre- se nas coisas de maior prioridade e ignore o resto.” “Pense como um comerciante.” “Nosso negócio é comprar e vender mercadoria.”
  • Fazer com que pessoas médias obtenham resultados acima da média.
  • Os líderes movimentam-se com facilidade entre diferentes funções ou áreas.
  • Os processos são ampliados ou reduzidos facilmente e bem. A
  • frugalidade é um valor instalado por Walton e sobrevive. A economia é uma obsessão.
  • Todos os líderes são “prescindíveis”.

Google X3

A filosofia

  • Seus dois principais ativos são o atendimento e a confiança dos clientes.
  • A inovação é chave e absolutamente democrática: quanto mais popular é uma idéia, maior “tração” ganha das pessoas e maiores são suas possibilidades de avançar.
  • Estimula-se o trabalho em equipe de pessoas brilhantes para que desenvolvam idéias, mesmo que pareçam extravagantes.
  • Respeita-se a lei do 70-20-10: a empresa tem de destinar 70% de seus recursos de engenharia para seu negócio principal, 20% para serviços que possam derivar dele e os 10% restantes para idéias periféricas.
  • “Se pode fazer algo que melhore a experiência do cliente, faça.”

As pessoas

  • São tratadas como adultos que não dependem de que um terceiro lhes indique o caminho ou os limites. Pessoas inteligentes e automotivadas fazem a coisa certa.
  • É valorizado que as pessoas persigam algo que as apaixone na empresa, não só os resultados.
  • A diversidade, o confronto e até mesmo os fracassos são valorizados. Um fracasso é bom quando entendemos por que aconteceu, e porque traz algo, mesmo que mínimo, para aplicar em outro projeto.
  • O principal desafio é equilibrar a tensão entre risco e cautela. Eliminaram-se níveis gerenciais, porque eram os que se encarregavam de dizer “não, isso não é possível” àqueles que se arriscavam.

A estratégia

  • Não tem departamento de planejamento estratégico.
  • Aproveita a inovação cooperativa. Não duvida de experimentar suas idéias com os clientes.
  • Gerar tráfego e “acompanhá-lo” é central na cultura da empresa e em sua lógica operacional.
  • Os anunciantes concorrem com suas ofertas para “ganhar” um termo ou palavra-chave. Se o anúncio se torna irrelevante porque não consegue cliques, o Google o elimina: não serve para quem paga, não serve para o usuário e “rouba” capacidade dos servidores.

Fonte: Revista HSM Management, por Graciela González Biondo