Decisões extraordinárias!

A maioria das decisões de gestão passa despercebida, mas o fato é que algumas delas até mudaram o mundo. Uma decisão sua também pode fazê-lo. É possível aprender muitas coisas com as decisões extraordinárias apresentadas a seguir por Stuart Crainer, autor do livro As 75 Melhores Decisões Administrativas de Todos os Tempos.

Comece qualquer conversa sobre indivíduos que mudaram o mundo e é mais do que provável que os primeiros mencionados sejam políticos, cientistas, escritores, artistas plásticos, personalidades dos esportes ou da mídia. Afinal, suas realizações, inspirações e personalidades são muito estudadas e celebradas. E os gestores? As pessoas de negócios se destacam por sua ausência nessas conversas, não pela presença.

Contudo, a gestão de negócios é um dos grandes triunfos da humanidade; ela se tornou uma disciplina, uma profissão e, para alguns, um verdadeiro chamado.

As decisões estão na essência de gerenciar. Sem elas, a gestão é um vácuo. É claro que isso não quer dizer que toda decisão tomada por um gestor é importante ou está sempre certa. A grande maioria das decisões dos gestores é totalmente sem importância e, com alguma freqüência, errada.

Poucas vezes em sua carreira, talvez uma ou duas, os gestores acertam gloriosamente “na mosca”. E geralmente não tem nada a ver com técnica. As decisões verdadeiramente grandes simplesmente acontecem. São telefonemas de última hora. Idéias loucas colocadas em prática quando se está desesperado. Elas “emergem” do éter corporativo.

Razões para otimismo das decisões extraordinárias

Decisões de gestão são, acima de tudo, riscos. Em retrospectiva, elas parecem óbvias. É claro que a Intel tinha de sair do negócio de memória. Mickey? Grande nome para um ratinho de história em quadrinhos. Mas será que Walt Disney sabia que ganharia milhões de dólares com ele? Será que sabia que era uma decisão importante à época? Acho que não. Não foi um esquema infalível para ficar rico, apenas uma decisão que deu certo. Ou seja, a história de sucesso de hoje é a decisão arriscada de ontem.

Donald Sull, da London Business School [e um dos autores do livro Made in Brasil, ed. Campus/Elsevier], seleciona a escolha da General Electric de Jack Welch suceder a Reg Jones como uma grande decisão exatamente por esse motivo. “Hoje esquecemos o que foi considerada uma decisão de alto risco à época”, diz Sull.

“As organizações existem para permitir que pessoas comuns façam coisas extraordinárias”, afirma Theodore Levitt em Thinking About Management. Aceite isso, e não faltará muito para reconhecer que não há organizações sem gestão.

Assim talvez se explique por que os gestores nunca conseguem a adulação pública que os outros profissionais citados no início deste artigo –trata-se apenas de pessoas trabalhando para viver e de empresas apresentando seus resultados trimestrais. Que tédio!

No entanto, como a lista a seguir mostrará, os gestores realmente redefinem os mercados e, às vezes, toda a sociedade.

Uma lista inicial de decisões extraordinárias

No desolado Japão pós-guerra, a Toyota deu ouvidos a um obscuro estatístico norteamericano, W. Edwards Deming, que chegou sem alarde em 1947. Deming apresentou à Toyota as técnicas da qualidade; ela conquistou o mundo.

Em 1962, a decisão de Thomas Watson Jr., da IBM, de desenvolver a família de computadores System/360 custou à empresa US$ 5 bilhões –mais que os custos de desenvolvimento da bomba atômica. O resultado foi o primeiro computador mainframe, embora a pesquisa de mercado da IBM sugerisse que venderia apenas duas unidades no mundo inteiro.

No início da década de 1960, a Philip Morris reposicionou o Marlboro como cigarro de homem. Isso e o caubói da propaganda ajudaram a criar uma das mais duráveis e bem-sucedidas marcas do mundo inteiro.

Ignorando a pesquisa de mercado, Ted Turner lançou a Cable News Network em 1980. Ninguém achava que uma rede de notícias 24 horas no ar daria certo. E deu.

A Honda chegou aos EUA em 1959 para lançar suas grandes motocicletas. Os clientes não gostaram do desempenho problemático das motos, mas admiravam as minúsculas Supercub que os gerentes da empresa usavam. A Honda corajosamente mudou de direção e transformou o negócio de motocicletas praticamente da noite para o dia.

Em 1977, Ben e Jerry decidiram fazer um curso por correspondência sobre fabricação de sorvetes por US$ 5. Sua empresa, Ben & Jerry, agora fabrica mais sorvetes do que jamais imaginaram ser possível.

Jack Welch sucedeu a Reginald Jones no principal cargo da GE em 1981. Esse é um dos poucos casos de sucessão administrativa que foi tanto planejada como bem-sucedida.

Em 1961, Jean Nidetch foi submetida a regime pela Clínica de Obesidade do Departamento de Saúde de Nova York. Ela convidou seis amigas de dieta para se reunirem em seu apartamento em Queens toda semana. Seu convite criou o Vigilantes do Peso e o setor de emagrecimento.

logotipo ibm

Uma das maiores decisões extraordinárias nas empresas de tecnologia:

Em 1981, Bill Gates decidiu licenciar o MS-DOS para a IBM enquanto esta cedia o controle da licença para todos os micros não-IBM. Isso estabeleceu os alicerces para o enorme sucesso da Microsoft e tirou a IBM do pedestal do software.

Decisões extraordinárias também com o Rei do Rock

A decisão de Elvis Presley, em 1958, de alistar-se no exército foi um exemplo brilhante de gestão de carreira. Da noite para o dia, o rebelde foi reposicionado como herói nacional. Em sua volta em 1960, o príncipe tornou-se o rei do rock and roll.

Em abril de 1978, John Larson, da McKinsey, pediu ao colega Tom Peters para, de última hora, fazer uma apresentação sobre uma pesquisa que ele havia feito. A apresentação levou à publicação de In Search of Excellence [lançado no Brasil pela ed. Harbra com o título Vencendo a Crise], que mudou o mercado dos livros de negócios e criou o setor de especialistas de gestão.

Em 1979, um engenheiro da Hewlett-Packard descobriu que, ao aquecer um metal de uma forma específica, ele respingava para todo lado. A decisão de explorar isso lançou o negócio das impressoras de jato de tinta –dez anos depois, tal decisão tornou-se a base para mais de US$ 6 bilhões em receitas para a HP.

Decisões extraordinárias lá no Japão mudaram o modo como escutamos música

Akio Morita, presidente da Sony, notou que os jovens gostavam de ouvir música aonde quer que fossem. Ele ficou remoendo como transformar a escolha de músicas de uma pessoa em algo compacto e móvel. A empresa desenvolveu o que se tornou o walkman, vendido pela primeira vez em 1980. Pesquisa de mercado? “O público não sabe o que é possível”, disse Morita. “Nós sabemos.”

Em 1947, a Haloid Company, em Rochester, estado de Nova York, adquiriu a licença de patentes xerográficas detidas por Chester Carlson. Em 1949, foi lançada a primeira copiadora xerográfica, a Model A, e, em 1960, a empresa foi rebatizada como Xerox Corporation.

Em 1989, a Coca-Cola se envolveu em um dos maiores fiascos corporativos: a nova receita do refrigerante de cola. Isso foi realmente muito imprudente. A boa decisão foi rapidamente voltar à receita antiga. Muitos teriam sido tentados a manter a decisão e enfrentar a tempestade. Às vezes a melhor forma de avançar é recuar.

No século 19, Andrew Carnegie decidiu importar aço e processos siderúrgicos do Reino Unido para os Estados Unidos para construir pontes ferroviárias de aço em vez de madeira. A capacitação importada deu início à indústria siderúrgica norte-americana, e Carnegie se tornou um magnata do aço.

Mais decisões extraordinárias na tecnologia

A Apple decidiu ir atrás do prêmio de construir o primeiro microcomputador vendável; ela criou todo um setor. O Apple I levou ao Apple II, depois ao VisiCalc e finalmente ao Mac, vendido pela primeira vez em 1984. (Isso também criou uma cortina de fumaça sobre a decisão da Xerox de não prosseguir com o desenvolvimento depois que sua equipe do Parc, o laboratório de Palo Alto, havia feito um avanço vital para a apresentação de dados de computador de forma gráfica.)

Henry Luce criou a revista Fortune em 1929 e deu origem ao ranking Fortune 500, que passou a fornecer parâmetros corporativos para o século 20 –além de ser uma inteligente sacada de marketing para a nova revista.

Em 1982, Henry Heinz, da fabricante de alimentos H.J. Heinz, decidiu que a empresa precisava de um slogan e bolou as “57 variedades” para descrever as comidas vendidas por ela. Esse foi um dos poucos casos de subvenda bem-sucedida –a Heinz produzia 60 produtos à época–, mas que resistiu ao tempo.

O banqueiro inglês Thomas Coutts, no século 18, cancelou as dívidas de jogo de membros da família real para mantê-los como clientes. Uma grande estratégia de arcar com o prejuízo –o Coutts até hoje prospera como “o banco dos grandes”. Sua Majestade a Rainha é um dos clientes.

A decisão dos Wilsons, de Memphis, Tennessee, de sair de férias de carro inicialmente não foi bem-sucedida. As únicas alternativas de hospedagem eram hotéis caros ou motéis baratos. Então, Kemmons Wilson construiu o seu: o primeiro Holiday Inn foi inaugurado em Memphis em 1952.

Henry Ford fundou sua empresa em 1903. Isso levou à primeira linha de produção em massa, criou um mercado de massa para automóveis, lançou um gigante corporativo, mudou as percepções de viagens, estabeleceu uma variedade de outros setores industriais e forneceu o mapa da mina para a produção industrial.

Em 1965, Giuliana Benetton decidiu tricotar uma blusa de cores fortes. Hoje a Benetton é uma cadeia mundial de varejo com 5 mil lojas em 120 países que vende por ano 130 milhões de roupas de cores fortes.

Após a morte do fundador da empresa, os dois escritórios da firma de consultoria McKinsey tomaram rumos diferentes em 1939. A A.T. Kearney de Chicago lançou a própria companhia. Marvin Bower, em Nova York, manteve o nome McKinsey, ao decidir, acertadamente, que isso levaria os clientes a esperar seu envolvimento em todos os negócios. A McKinsey tornou-se “A Firma”.

Em 1905, a Sears, Roebuck abriu sua fábrica de pedidos pelo correio em Chicago. Seu catálogo tornava os produtos disponíveis para todo um público novo. A operação também foi um modelo para a produção em massa.

Em 1970, Spencer Sylver, da 3M, inventou um papel para anotações que grudava. Contudo, foi preciso que Arthur Fry reconhecesse a oportunidade em 1979. O Post-it ainda é uma onipresente fonte de receitas.

Em 1º de fevereiro de 1989, o construtor de casas Berkeley, do Reino Unido, instruiu seus diretores-gerentes a buscar liquidez, ao converter todas suas posições imobiliárias em dinheiro. O pujante mercado de imóveis prontamente entrou em colapso; Berkeley sobreviveu e agora é visto como um indicador de tendência do mercado.

O programador de computador Pierre Omidyar iniciou o AuctionWeb em 1995 para ver se seria possível usar a internet para vendas eletrônicas por meio de lances. Logo nascia o eBay.

logotipo logomarca ebay

No início do século passado, o coordenador de educação física de uma escola de Massachusetts pediu a outro professor que bolasse um jogo que não envolvesse muitos equipamentos e pudesse ser jogado em recinto fechado durante o inverno. Como resultado, James Naismith inventou o basquetebol. Michael Jordan pode agradecer a essa competente delegação de poder por sua carreira.

Em 1987, Percy Barnevik surpreendeu os comentaristas com a decisão de criar a maior fusão internacional do mundo entre a sueca Asea e a suíça Brown Boveri. A gigante de US$ 30 bilhões resultante disso, a Asea Brown Boveri, foi aclamada como um modelo organizacional –pelo menos por um tempo.

Durante o outono de 1943, Paul Garrett, da General Motors, convidou um jovem professor e escritor austríaco, Peter Drucker, para estudar a empresa; estava lançada a carreira do mais destacado pensador de gestão do século 20.

Em 1995, Aaron Feuerstein, da Malden Mills, decidiu manter sua empresa aberta após um grande incêndio. Ele manteve a força de trabalho de 2,4 mil pessoas na folha de pagamento com a própria poupança pessoal.

Depois que a Warner Brothers produziu o primeiro filme falado em 1927, outros juntaram- se ao barco. Mas os estúdios não eram à prova de som, então a filmagem demorava. O número dois da RKO, Sam Jaffee, sugeriu que a empresa filmasse à noite, quando não havia barulho. Eles fizeram isso e ganharam a dianteira de suas rivais.

Quando se tornou presidente-executivo da IBM em 1993, Lou Gerstner resolveu não dividir a empresa –algo que o CEO anterior, John Akers, estava preparado para fazer. A revitalização da companhia deve muito a tal decisão.

Após a Segunda Guerra Mundial, o general Douglas MacArthur decidiu se envolver na reconstrução da economia japonesa. Seu sucesso foi tamanho que 30 anos mais tarde os japoneses estavam fungando no cangote da América corporativa.

Em 1982, a Johnson & Johnson retirou o Tylenol das prateleiras. Ela colocou a segurança dos clientes acima dos lucros corporativos, e seu presidente-executivo, Jim Burke, deu uma lição sobre abertura para a mídia.

Ao longo da década de 1970, a gigante japonesa Matsushita desenvolveu o vídeo VHS e tomou a decisão de licenciar a tecnologia. A Sony criou o incomparavelmente superior Betamax, mas não permitiu licenciá-lo. O padrão mundial é o VHS, e o Betamax ficou relegado à história dos esquecidos.

Na década de 1930, a Motorola apresentava fraco desempenho. O CEO Paul Galvin foi encorajado a falsear a situação da empresa. Ele se recusou. “Digam a verdade, primeiro, porque é a coisa certa a fazer e, segundo, porque vão descobrir de qualquer jeito.”

Depois de falhar em convencer Montgomery Ward a entrar no setor de varejo, Robert Wood foi contratado pela Sears, Roebuck em 1924. A Sears abriu sua primeira loja em 1925 e se tornou a maior rede de lojas de departamentos do mundo em sua época.

Enquanto William Durant criava a General Motors, Alfred P. Sloan imaginava uma maneira pela qual ela pudesse ser administrada. Durant inicialmente rejeitou suas idéias. Quando assumiu o controle em 1920, Pierre du Pont decidiu seguir a reorganização planejada de Sloan: surgiu a forma corporativa dominante de sua época (chamada descentralização federativa).

Ray Kroc gostava tanto da barraquinha de hambúrguer de Mac e Dick McDonald em San Bernardino, Califórnia, que comprou os direitos do conceito de fast-food e os franqueou, criando uma enorme empresa de atuação mundial e vasto mercado para comida de giro rápido.

Em 1968, a família Carr, proprietária do jornal News of the World, no Reino Unido, decidiu estabelecer parceria com o então desconhecido australiano Rupert Murdoch para garantir que Robert Maxwell não assumisse o controle do jornal. A parceria funcionou; só que Murdoch alijou os Carrs e atingiu os píncaros da mídia [recentemente adquiriu o The Wall Street Journal].

Em 1850, Paul Julius Reuter utilizava pombos-correio para comunicar os preços das ações entre o fim da linha telegráfica belga em Bruxelas e o fim da linha alemã em Aachen. Era o início de um negócio de notícias e informações.

Arnold Palmer permitiu que um advogado entusiasta de golfe, Mark McCormack, organizasse algumas exibições para ele. A ascensão de Palmer a um status lendário foi desencadeada por McCormack, cujo International Management Group (fundado em 1962) criou o negócio esportivo.

Em 1930, a Messrs Eugene, de Dover Street, Londres, decidiu usar a televisão de circuito fechado para anunciar sua técnica de ondulado permanente na Feira de Moda para Cabelos. Nascia o anúncio de TV.

Em 27 de novembro de 1948, a Polaroid fez a demonstração da primeira câmera instantânea, a Land Camera modelo 95. Sua ousadia na decisão gerencial foi fixar o preço dela em US$ 89,75 quando a Baby Brownie, da Kodak, custava US$ 2,75. E todo o estoque de 56 câmeras foi vendido no primeiro dia.

Em 1931, a Procter & Gamble criou um sistema de gestão que elevava as marcas ao palco central, fornecendo um mapa da mina para sua direção, que vem, sendo seguido desde então.

Wallace Dohan, diretor da Harvard Business School, apoiou o lançamento da revista Harvard Business Review em 1922. O artigo “O efeito do hedging sobre o controle dos moinhos de trigo” não chegou a causar aumento do batimento cardíaco, porém foi o início de uma história de sucesso de publicação e um renomado acréscimo à marca Harvard.

Em 1914, Henry Ford pagava US$ 5 por dia a seus funcionários. Foi um grande avanço para a gestão de recursos humanos, mas não uma decisão benevolente –Ford efetivamente criava o mercado para o próprio produto.

Pierre du Pont decidiu que a Du Pont precisava de gestão financeira. Durante seu período na empresa (1902-1940), desenvolveu a contabilidade corporativa moderna, inclusive conceitos como escrituração de partidas duplas, previsão financeira e retorno sobre o investimento.

Cyrus McCormick, homem de negócios do século 19, é mais conhecido por desenvolver a colheitadeira mecânica. Contudo, a feroz concorrência da década de 1850 levou a sua decisão de definir alguns dos fundamentos de comercialização, como deferred payments [pagamentos a serem feitos no futuro, usados em todas as transações de crédito] e garantia.

Em 16 de julho de 1995, Jeff Bezos inaugurou um site para vender livros para o mundo. Em um mês, a Amazon tinha vendido livros em todos os 50 estados dos EUA e quase no mesmo número de países. Ao expandir o negócio muito além dos livros e nunca satisfeito com seu status quo, Bezos continuou a introduzir idéias inovadoras, como compras com um clique e comentários dos clientes listados com os produtos. Começava assim a era do e-commerce.


Fonte: Revista HSM Management – Business Strategy Review

Sobre o autor: Stuart Crainer, editor da Business Strategy Review, é autor, entre outros livros, de As 75 Melhores Decisões Administrativas de Todos os Tempos (ed. Manole)