Como pensa o CEO da Amazon

Em sua autoanálise, o fundador da Amazon compartilha os cinco pilares de sua gestão.

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Mais de 20 anos depois de a Amazon ter entregue seu primeiro livro, Jeff Bezos ainda se surpreende com a trajetória da empresa que fundou e que comanda até hoje. “Em alguns aspectos, parece que tudo aconteceu ontem; em outros, parece que faz cem anos”, afirma, sentado em uma sala de reuniões no quarto andar do Day One, edifício que leva esse nome porque Bezos acha que ainda estamos no início quando se trata da internet e de seus impactos.

“O plano original da Amazon se concentrava exclusivamente nos livros, e eu esperava que a empresa crescesse lentamente por muitos anos. Mas ela cresceu rapidamente desde o começo”, lembra Bezos, acrescentando: “Temos raízes humildes, isso eu posso garantir. Eu levava as encomendas ao Correio no meu carro”.

Não há dúvida de que a Amazon cresceu rápido: dos livros para a música e para qualquer coisa que pudesse ser entregue em casa, a empresa passou de uma varejista online para um grupo multifacetado. Seus produtos incluem um negócio de computação em nuvem, o Amazon Web Services (AWS), e uma divisão de produções originais para televisão. No centro de suas atividades nas últimas duas décadas, parece haver um conceito que se destaca – a inovação de ruptura –, mas Bezos não concorda com esse raciocínio. Na verdade, ele baseia seu estilo de gestão em outros cinco pilares.

GRANDES APOSTAS PARA ENCANTAR

“As inovações são só uma consequência do fato de os consumidores gostarem de ter acesso a novas formas de fazer as coisas. Nosso pensamento é: como podemos encantar os clientes? Não buscamos a ruptura, e sim o encantamento”, afirma o presidente da Amazon. “Se você inventa algo completamente novo e radical e os clientes nem ligam, então não é disruptivo. As inovações radicais só são disruptivas se as pessoas se apaixonam por elas”, explica.

Algumas pessoas se surpreendem ao ouvir isso, mas, ao longo de sua vida ainda relativamente curta, a Amazon também enfrentou fracassos, como o investimento de US$ 175 milhões no portal de descontos LivingSocial. Porém, esses casos têm sido totalmente ofuscados pelos sucessos da empresa. E, entre essas iniciativas bem-sucedidas, Bezos destaca três: Prime, Marketplace e AWS.

O Prime é o clube de vantagens da Amazon. Com o pagamento de uma taxa anual, os clientes ganham acesso aos melhores serviços que a empresa oferece, como a entrega em apenas uma hora em algumas cidades e a série exclusiva Ripper Street, além de músicas e aluguel de livros pelo Kindle.

O Marketplace, por sua vez, permite que clientes, de pessoas físicas a grandes companhias, vendam produtos pela plataforma da Amazon e, graças a inovações recentes, tenham acesso a ferramentas para exportar, aproveitando a base de consumidores da empresa fora dos Estados Unidos.

Por fim, o AWS, o negócio de computação em nuvem, oferece um conjunto amplo de serviços, entre eles armazenamento, banco de dados e aplicativos, voltados para empresas estabelecidas e startups. Entre seus clientes atuais estão Pinterest, Airbnb e Just-Eat.

Há especulações de que poderia haver uma cisão e o AWS se tornar uma empresa independente em algum momento, mas Bezos nega essa possibilidade. “Creio que isso nos tiraria do foco e, na verdade, traria poucos benefícios”, afirma.

Embora os resultados financeiros ainda não tenham se concretizado no caso das duas primeiras iniciativas, não há dúvida sobre a importância delas para os negócios da Amazon. “Sou otimista em relação a gerar mais inovações ao longo do tempo; temos várias a caminho. Mas, das coisas que criamos nos últimos anos, essas três estão no topo da lista em termos de oportunidade de retorno, se seguirmos trabalhando duro”, diz Bezos.

O presidente destaca a importância do Prime na cabeça dos clientes. “Milhões de pessoas conhecem o serviço”, garante. Ao mesmo tempo, porém, muitos analistas veem o projeto como apenas uma forma de gerar outros negócios para a empresa (o que é chamado de loss-leader, em inglês), por conta, inclusive, de seu preço, apenas US$ 11 por mês.

Bezos nega que seja assim. “As mesmas questões já estavam presentes quando lançamos o Prime, dez anos atrás. Há a sensação de que se trata de algo como um buffet do tipo ‘coma tudo o que você puder’. É claro que, nesses casos, você atrai primeiro os consumidores mais ‘famintos’. Portanto, é muito comum que iniciativas assim permaneçam em fase de investimentos por certo tempo.”

O perfil global do Prime ganhou novo impulso recentemente com o anúncio de que os ex-apresentadores do famoso programa de TV Top Gear, Jeremy Clarkson, Richard Hammond e James May, vão estrelar uma nova atração do serviço, The Grand Tour, com estreia prevista para o outono dos EUA.

Indagado sobre se o novo programa chega para definir melhor o que é o Prime, Bezos diz que a missão não pode ser de uma única atração. “Temos muitos projetos no forno, pelos quais telespectadores de todo o mundo vão se apaixonar. Vivemos uma época de ouro da televisão. Se você voltasse no tempo, apenas cinco anos, não conseguiria um talento de primeira linha para uma série de TV, mas isso está mudando completamente”, acrescenta.

Para Bezos, o investimento da Amazon em séries de TV – como a bem-sucedida Transparent, cujo protagonista, Jeffrey Tambor, ganhou prêmio no Globo de Ouro e no Emmy – é a principal razão para a transformação.

“Hoje o investimento para a produção de séries de TV é muito elevado, mas você também tem mais tempo para contar sua história. A mudança de formato abre caminho para diversas possibilidades. Isso, combinado com produções com padrão de cinema e talentos de primeira linha, explica por que estamos vendo uma televisão tão surpreendente”, destaca Bezos.

REGRA DAS DUAS PIZZAS

A busca da Amazon por uma quarta linha de negócios relevante se traduz, na prática, na atuação de pequenas equipes que trabalham na possível próxima aposta da empresa. Nesse caso, “pequenas” quer dizer pequenas mesmo.

A Amazon segue a chamada “regra das duas pizzas”, segundo a qual nenhuma reunião deve envolver mais do que o número de pessoas que podem ser alimentadas por duas pizzas.

Uma das grandes oportunidades que despontam no horizonte é a entrega por drones, serviço que já foi batizado de Prime Air e que está sendo estudado por diversas equipes da empresa. “As entregas por drones serão tão comuns como ver os carros do Correio nas ruas”, diz Bezos. Segundo ele, as dificuldades técnicas não são o aspecto que vem segurando o início das operações do Prime Air. O principal problema a ser resolvido, explica, é o que diz respeito à regulamentação do serviço.

Nesse sentido, o Reino Unido deve ser um dos primeiros locais a experimentar a novidade. “A agência reguladora do Reino Unido está muito avançada. Nos EUA, a FAA [órgão responsável pelo setor no país] está tentando chegar lá, mas as autoridades britânicas são um exemplo muito motivador de como deve ser uma boa regulamentação”, afirma Bezos.

Outra frente de estudos é o Amazon Fresh, serviço de entrega de alimentos frescos. O presidente da empresa, porém, guarda segredo sobre se e quando a iniciativa pode ser expandida para outros países, avançando globalmente.

Bezos é mais aberto a falar sobre a possibilidade de novas lojas físicas da Amazon, seguindo a repercussão positiva das primeiras “pop-up stores”, a começar pela de estreia, aberta em Manhattan em dezembro de 2014. “As livrarias existem há centenas de anos e as empresas especializadas nesse tipo de negócio são muito boas no que fazem”, lembra ele. “Portanto, esse é um segmento em que precisamos ser muito humildes, oferecendo algo diferente.”

INVESTIMENTOS LATERAIS

As bases que Bezos lança na direção do futuro não são apenas internas à Amazon; incluem investimentos externos. “Em meus investimentos pessoais, busco coisas que despertem minha curiosidade e me apaixonem. Em muitos casos, não espero que sejam, necessariamente, bons investimentos”, afirma.

Com base nesses princípios, a lista de investimentos pessoais de Bezos é ampla, de plataformas digitais como Uber e Airbnb a projetos inusitados como um centro de pesquisas em Princeton que se dedica ao estudo das dinâmicas dos circuitos neurais.

Seu investimento de maior repercussão pública talvez tenha sido a aquisição do jornal The Washington Post, por US$ 250 milhões, em 2013. Ele reafirma que a compra foi uma exceção, não parte de um desejo maior de se tornar magnata da mídia. “A situação financeira do Post é muito difícil; é um problema que muitos jornais do mundo enfrentam.”

OLHAR PARA O FUTURO E VOLUNTÁRIOS PAGOS

Bezos mantém seu foco na Amazon, mesmo depois de 20 anos dedicados ao negócio. “Eu gosto de cada fase da Amazon. Amei o começo e amo a empresa ainda mais hoje”, conta. “Recentemente, levei minha família para passar férias no sul da França por uma semana e vivemos momentos indescritíveis. Mas, quando voltei para Seattle, a verdade é que saí correndo para o escritório”, lembra. “Eu dançava de felicidade. Amo meu trabalho. Me considero inacreditavelmente sortudo, e isso tem sido verdade nos últimos 20 anos.”

Bezos consegue se ver no comando da Amazon pelos próximos 20 anos, quando terá 71 de idade? “Espero que sim”, responde. “Quase todos com quem trabalho diariamente são ‘voluntários’ pagos. Já trabalho com eles há mais de uma década e eles poderiam estar tomando margaritas na praia, mas escolheram estar aqui. Voluntários pagos são as melhores pessoas com que posso trabalhar, pois continuam comigo pelas razões certas.”

Bezos é assertivo: “Tenho uma equipe que amo, e nós queremos trabalhar juntos pelo futuro. Isso é mais divertido do que eu poderia descrever”.


Fonte: Revista HSM Management, por Rotman Management Magazine da Rotman School of Management, da University of Toronto.