Autonomia Administrada – Johnson & Johnson

Nessa entrevista, o CEO mundial da Johnson & Johnson, William Weldon, descreve o desafio de conduzir uma organização tão grande e descentralizada como a sua –e, além de tudo, inovadora.

Quando vários pensadores, especializados em diferentes áreas da gestão, começam a citar uma mesma empresa como exemplo, e o fazem com frequência, podemos ter segurança: ela anda fazendo algo de muito certo. É o que tem acontecido nos últimos três ou quatro anos com a Johnson & Johnson, empresa sediada em New Brunswick, Nova Jersey, Estados Unidos, que passou a ser vista como uma empresa inovadora tanto em produtos como em gestão.

Tão grande ela é –são 200 companhias com 120 mil funcionários sob o guarda-chuva J&J, com receita de US$ 61 bilhões e valor de mercado de US$ 190 bilhões– que chega a ser surpreendente a clareza sobre sua área de atuação.

Ela compreende três segmentos: o de produtos ao consumidor final, como xampus, cotonetes e curativos band-aid, que fez da Johnson & Johnson uma marca presente provavelmente em todas as casas do mundo; o de artigos farmacêuticos como Tylenol (40% do negócio); e o de equipamentos médicos e para diagnóstico, das lentes de contato Acuvue a instrumentos de endoscopia.

Nesta entrevista, William Weldon, presidente-executivo (CEO) da empresa, fala sobre os desafios de liderar uma megacorporação.

Quais são os principais desafios de liderar uma corporação descentralizada em diferentes países?

A J&J é provavelmente a empresa de referência quando se fala em descentralização. Há desvantagens nisso, como o fato de você não ter tanto controle como você teria em uma organização centralizada. Mas há vantagens também, como o fato de os gestores locais realmente compreenderem as necessidades de seu mercado, os funcionários, os parceiros e o governo local. É muito difícil comandar esses negócios a partir dos Estados Unidos e entender isso.

Acredito que outra vantagem trazida pela descentralização é o fato de ela lhe dar uma tremenda oportunidade para desenvolver as pessoas. Você oferece a elas muitas oportunidades de trabalhar em diferentes áreas, de trabalhar em pequenas empresas, para errar e, depois, transferir-se para companhias maiores. O problema no que diz respeito à centralização é que, se alguém comete um erro, ele pode abalar toda a organização. Isso não acontece com a descentralização. A única coisa é que você precisa contar com pessoas fabulosas tocando os negócios e tem de ter confiança para valer nelas, deixá-las tomar as decisões.

Quando o sr. se tornou CEO da empresa, em 2002, qual foi o maior desafio que enfrentou?

O eterno desafio para alguém que assume um papel como o meu é a preocupação com quem me sucederá nessa cadeira. Também enfrentamos desafios em nossa produção de farmacêuticos: tivemos de reorganizar as coisas na área de pesquisa e desenvolvimento para fortalecer a produção e é aí que vemos quanto dependemos das pessoas que estão ao longo dessa linha de produção. Portanto, você observa a “produção de pessoas” e aprodução de produtos, e esses são os dois desafios em que temos de nos concentrar o tempo todo.

Como uma estrutura tão descentralizada lida com a inovação?

A descentralização contribui para a inovação. Ela faz isso ao permitir que diferentes pessoas com diferentes capacidades e pensamentos possam reunir diferentes produtos e tecnologias para satisfazer necessidades não atendidas de pacientes e consumidores. Por exemplo, tivemos um encontro em que reunimos os engenheiros de nosso MD&D Group [sigla do nome, em inglês, que designa o grupo de aparelhos médicos e diagnósticos da empresa] e nossos cientistas da área farmacêutica. Eles acabaram descobrindo uma droga para doenças cardiovasculares que representou um enorme avanço. O que aconteceu, na verdade, foi a união das capacidades e do conhecimento de dois grupos diferentes de profissionais.

Quando pensamos mais à frente, vemos uma medicina mais personalizada. Por meio dos avanços nas pesquisas genéticas, seremos capazes de saber quem responderá bem a um medicamento, quem não responderá, quem poderá apresentar efeitos colaterais e quem não correrá esse risco. Para isso, precisamos dos nossos grupos de diagnósticos e farmacêutico trabalhando juntos para identificar como os pacientes responderão a esses produtos. A descentralização e essa ampla gama de empresas incentivam a inovação.

Ao mesmo tempo, imagino, com tantas subsidiárias mundo afora, deve ser uma questão e tanto conseguir uma boa coordenação…

É verdade. A desvantagem da descentralização é a dificuldade de coordenar, de fazer com que as pessoas trabalhem juntas e se movam na mesma direção. Além disso, cada uma das nossas áreas possui suas responsabilidades nos mercados em que competem. Quando buscamos reunir as pessoas, de diferentes grupos, elas normalmente já têm trabalho suficiente no grupo de origem e ainda lhes pedimos que cruzem as fronteiras e trabalhem juntas. Muitas vezes criamos grupos de trabalho reunindo pessoas com alto grau de autonomia; são o que chamamos de “grupos de empreendimentos internos”. Mas, e eis o desafio, isso requer coordenação. É essencial para isso conseguir encontrar as pessoas cetas, capazes de fornecer os recursos para essa convergência de tecnologias e de se desprender de seus silos.

O sr. está falando de equipes de P&D principalmente?

Não! Inovação não se resume a pessoas trabalhando no departamento de P&D. É a capacidade de trabalhar cruzando as fronteiras que realmente gera inovações; é isso que leva, e levará no futuro, a verdadeiros avanços. Mas isso também requer coordenação e algum sacrifício do indivíduo. E o mais difícil é fazer com que as pessoas saiam de seus silos e trabalhem com outros grupos.

O sr. pode apontar os mecanismos, formais e informais, pelos quais a empresa identifica inovações?

Temos alguns mecanismos. Por exemplo: o que chamamos de empreendimentos internos. Consiste em uma pessoa na organização, ou um grupo de pessoas, que faça avançar uma recomendação para que algo seja feito. Estamos desenvolvendo muitos trabalhos com células-tronco, e nenhuma das áreas que existem na J&J será “dona” desse projeto. Assim, o grupo intersetorial responsável por esse projeto deve elaborar um plano de negócios, apresentá-lo e organizar um orçamento. A partir daí, vamos permitir que o grupo se desgarre da organização e trabalhe no projeto.

Também criamos outros ambientes favoráveis à inovação. Na área de oncologia, por exemplo, podemos reunir pessoas dos grupos de produtos ao consumidor, farmacêutico, de equipamentos médicos e diagnósticos para compartilhar o que estão fazendo. E, como resultado, elas vão gerar ideias nas quais possam trabalhar juntas para criar produtos no futuro. Em geral, é melhor quando elas próprias geram essas ideias, mais do que quando as impomos a elas.

Nós fizemos uma análise de nossos processos de produção. Descobrimos que havia 80 produtos que precisavam de alguma forma de convergência. Agora, o importante para nós, ao fazer isso, é garantir que podemos entender o valor que isso traz. E talvez, entre esses 80 produtos, nós acabemos trabalhando em meia dúzia, para sermos capazes de levá-los para uma área de foco. Temos outro produto em andamento, no grupo de equipamentos médicos, que diz respeito primordialmente à área de fechamento e sutura de uma ferida e que requer as capacidades de nosso pessoal de biotecnologia; é, na verdade, um produto voltado a interromper sangramentos sérios de feridas. E, como precisa ter uma base biológica, trouxemos cientistas da área de biotecnologia para trabalhar nesse projeto.

Como se vê, temos tanto mecanismos formais como informais para gerar esse ambiente de inovação. Por fim, criamos nossa própria internet para nossos cientistas, de modo que eles podem saber on-line o que os outros estão fazendo e se comunicar uns com os outros. Assim, se há interesse em uma área, eles podem reunir as pessoas, pensar sobre aquela área e trabalhar para lançar produtos no mercado.

Quais são, a seu ver, os principais desafios enfrentados atualmente pelas empresas de medicamentos e saúde como um todo?

Se você observa os custos relativos à saúde, acho que é uma responsabilidade de todos nós descobrir como fazer com que o setor fique sob controle. É um setor determinado pelas mudanças demográficas, pela idade da população, pelo surgimento da classe média em países em desenvolvimento e pela tecnologia. As pessoas querem viver mais, melhor e de forma mais saudável. Temos algumas responsabilidades nisso. Uma é encarar as questões da prevenção e do bem-estar, observando as pessoas saudáveis e pensando em como mantê-las saudáveis, e tratando as pessoas doentes na outra extremidade. Outra tem a ver com o ambiente legal. As pessoas procuram produtos sem risco, mas isso não existe. Medicamentos, por definição, possuem efeitos bons e efeitos colaterais.

Esses dois desafios colocam o ônus sobre o setor, o que não é de todo ruim, porque exige que façamos um trabalho melhor em nossos atendimentos clínicos e em nossas pesquisas, e que tenhamos a máxima transparência e abertura. Temos defendido o fortalecimento dos órgãos reguladores por isso; quanto mais fortes eles forem na ciência, mais fortes eles nos forçarão a ser. No lado dos custos, nós apoiamos pessoas necessitadas com nossos produtos. Fazemos com que nossos remédios para tratar a aids sejam disponíveis para pacientes na África a preços muitos baixos, por exemplo. Estamos fazendo tudo o que podemos, mas tenho consciência de que precisamos fazer muito mais ainda.

O que o boom de genéricos que ocorrem em mercados emergentes representa para empresas farmacêuticas que pesquisam?

Posso estar errado, mas acho que hoje, até nos Estados Unidos, cerca de 70% dos medicamentos ministrados aos pacientes são genéricos. Há um grande mercado de genéricos surgindo, com grandes oportunidades no futuro. Somos comprometidos com pesquisa até agora, mas isso não significa que não vamos atuar. É só uma questão de escolha do modelo de negócio: algumas podem ser, ao mesmo tempo, fortes em pesquisa e em genéricos; outras, fortes em pesquisa, e outras somente atuarem com genéricos.

Saiba mais sobre William Weldon

Embora não seja membro da família de Robert Wood Johnson, o fundador da empresa, William Weldon é provavelmente a pessoa viva que conhece melhor esse imenso grupo de empresas, onde desenvolveu toda sua carreira. Ele ingressou na Johnson & Johnson em 1971, aos 23 anos de idade, e teve responsabilidades nas áreas de vendas, marketing e gestão internacional, sucessivamente, até converter-se em presidente da Ethicon Endo-Surgery, em 1992.

Seis anos mais tarde, foi designado presidente mundial do grupo farmacêutico e membro de seu comitê executivo. Em 2001, nomearam-no vice-presidente do conselho de administração e, em 2002, chairman do conselho e CEO, cargos que mantém até hoje. Weldon é a confirmação prática da histórica preferência dessa organização por líderes “naturais”.


  • Fonte: Revista HSM Management