A revolução digital da P&G

Robert McDonald, CEO da Procter & Gamble (P&G), tem uma missão: fazer da P&G a empresa mais capacitada do mundo em termos tecnológicos.

Para chegar lá, o executivo, que está na companhia há 31 anos e foi capitão do exército dos EUA, vem supervisionando a aplicação, em grande escala, da tecnologia digital e de análises avançadas por toda a operação da P&G —da criação de moléculas no laboratório de pesquisa às relações com varejistas e consumidores.

A recompensa virá na forma de inovações melhores, mais produtividade, custos inferiores e, ele espera, crescimento mais rápido. Em entrevista, formatada como depoimento, o CEO deixa claro: a capacidade de análise é crucial na contratação e treinamento de funcionários.


  • Em aplicativos mobile da P&G, os varejistas podem fazer seus pedidos, aprender a organizar prateleiras e ainda comparar seu desempenho com o de outros lojistas.
  • A empresa vem implantando a tecnologia digital para aperfeiçoar relações e processos com consumidores, varejistas e distribuidores e, internamente, para promover a eficiência operacional e impulsionar a inovação por meio de modelagem, simulações etc.
  • Robert “Bob” McDonald empunhou essa bandeira quando assumiu o cargo de CEO em 2009. E os resultados já aparecem: a escala e a qualidade de dados gerados pela tecnologia (e pela análise dos gestores) contribuem para aumentar a eficácia e reduzir custos de novas iniciativas.

Insights em tempo real

Tudo o que fazemos na P&G obedece a nosso propósito de melhorar vidas. Com a tecnologia digital, agora é possível ter relacionamento individual com cada consumidor do mundo. Quanto mais íntima essa relação, mais indispensável ela se torna. Em 1984, quando eu era gerente da marca Tide, escutava, no carro, uma gravação dos comentários que as pessoas faziam por telefone ao serviço de atendimento ao cliente. Assim que chegava ao escritório, lia e respondia às cartas que recebíamos. Atualmente, temos blogs, tuítes e todo tipo de comunicação.

Por isso, desenvolvemos o “pulso do consumidor”, que utiliza análise bayesiana para rastrear o universo de comentários, categorizá-los por marca e, então, jogá-los no monitor da pessoa certa. Eu pessoalmente leio os comentários sobre a marca P&G e isso permite reagir em tempo real ao que acontece no mercado. Se as respostas demorarem ou não vierem, a situação pode sair do controle.

Da fábrica às gôndolas

Do ponto de vista operacional, a digitalização é fonte de vantagem competitiva —aperfeiçoa a produtividade das fábricas às lojas. Temos, por exemplo, sistemas que permitem que as pessoas usem tablets para baixar dados da linha de produção em tempo real e transmiti-los para um lugar onde os processamos. Nós ainda estamos tentando obter um sistema no qual eu possa enxergar, em meu laptop, qualquer produto a qualquer momento, conforme ele evolui pela linha de produção de qualquer fábrica nossa. Adoraria poder ver, ao mesmo tempo, os custos desse item.

Em transportes e logística, criamos um programa operacional que nos permite ver todo transporte que fazemos, de entrada ou de saída. Nos Estados Unidos, somos provavelmente o segundo ou terceiro maior usuário de caminhões e, com essa tecnologia, conseguimos reduzir o movimento de carros vazios ou não completamente ocupados em cerca de 15%, o que diminui custos com frete e emissão de carbono. Quando usamos distribuidores, uma interface similar nos dá conexão direta com eles para ajudá-los a gerir seu negócio, o que aperfeiçoa o serviço e reduz estoques pela cadeia de valor.

Também queremos nos conectar digitalmente com os varejistas. Por exemplo, usamos e apoiamos o GDSN, um banco de dados padrão que nos permite realizar transações com nossos parceiros do varejo de modo totalmente automático, o que representa redução de custos com correções de pedidos —já que 70% deles contêm erros, segundo dados da GS1 [organização que trabalha pela eficiência de cadeias de fornecimento]. Além disso, utilizamos nossa escala para levar tecnologia de ponta aos varejistas.

Podemos fornecer sistemas de pedidos sofisticados que ajudem pequenos lojistas a gerir seu negócio. Por meio de aplicativos mobile, eles podem colocar seus pedidos facilmente. Contamos, ainda, com padrões de desempenho que o varejista consegue ver no display dos telefones e, se quiser organizar a loja de tal modo que maximize as vendas, pode comparar seus dados com os parâmetros que fornecemos. Eu, então, posso tirar uma foto da prateleira, compará-la com outra e, automaticamente, enviar algumas sugestões que ajudem o proprietário do estabelecimento a dar nova disposição às mercadorias para maximizar as vendas ao consumidor.

Digitalizando a inovação

Modelagem, simulação e outras ferramentas digitais estão dando nova forma à inovação. A maneira como fazíamos pesquisa para inovação requeria muito trabalho e muito tempo para realizar painéis com consumidores, nos quais é preciso ter a distribuição correta de etnias, idades e outras variáveis. Agora, com o volume de dados de que dispomos, o tamanho da amostra é tão grande que, por definição, os grupos já são representativos.

Usando modelagem e simulação, realizamos muitas interações em segundos. Antes, quando se criava fralda descartável do modo convencional, o protótipo custava milhares de dólares, todo feito à mão. Hoje podemos encaixar qualquer fralda virtual em qualquer bebê de qualquer parte do mundo. O segredo é possuir os dados, e a vantagem da P&G é a escala. Temos operações em cerca de 80 países e interagimos com mais de 4 bilhões de consumidores todos os dias. Imagine tantos pontos de coleta de dados. Estamos convertendo até mesmo a criação de moléculas em um processo digital.

Na pesquisa e desenvolvimento (P&D) de nosso novo sabão para lavar louças, usamos a modelagem para predizer como a umidade poderia excitar diversas moléculas de fragrâncias de modo que, por todo o processo de lavagem, se obtivessem as notas corretas de odores no tempo certo. Fizemos tudo isso virtualmente.

Penso que a tecnologia digital nos ajudará até mesmo a identificar novos componentes de serviço para nossos produtos, como a oferta de informações. Ainda não podemos fazer isso, mas queremos fazer.

Aperfeiçoar dados na fonte

Os colaboradores da P&G têm uma interface “cockpit” em seus computadores que os ajuda a criar. Ela tem dada tolerância em relação às métricas importantes; quando saem da margem de tolerância, um alarme soa. Então, podemos compreender o que está acontecendo e reagir à situação no ato. Percebemos que a redução de tempo é vantagem competitiva.

Em paralelo, toda manhã de segunda- feira temos reunião com a equipe de liderança de todo o mundo, presencial e remotamente, na qual revisamos a semana anterior e todos veem os dados pertinentes e assumem os princípios subjacentes a eles. Isso acontece em tempo real e de maneira contínua, o que nos dá capacidade de encontrar relações de causa e efeito, tomar decisões e seguir adiante.

Conforme aplicamos esses princípios toda semana, o desafio passa a ser a fonte de dados. Se um fornecedor de dados que contratamos entrar nas lojas cada dois meses e preencher um questionário à mão, nossos dados não serão bons mesmo. Por isso, temos trabalhado com todos os parceiros para ajudá-los a compreender que nossa necessidade é de dados em tempo real.

Precisamos entender onde está a restrição em nossos dados e ir à origem. Quando fazemos o plano de negócios com os varejistas, temos um padrão de pontuação, e seu algoritmo não é nada mais do que criação de valor —temos uma capacidade de análise que muitos lojistas não têm. Seria uma heresia, nesta empresa, dizer que os dados são mais valiosos do que uma marca, mas são as fontes de dados que nos ajudam a criar uma marca e a mantê-la dinâmica. Mas vamos até o fim para proteger qualquer dado sobre o consumidor. É uma questão de gestão de riscos sob responsabilidade direta do board.

Força de trabalho digital

Estabelecemos uma lista de requisitos digitais para cada nível hierárquico da organização. Temos treinamento formalizado para nos certificarmos de que os colaboradores e os gestores tenham a competência para trabalhar com aquilo em sua área.

 

Saiba mais sobre Bob McDonald

Ele foi capitão de exército e aprendeu que, no meio militar, primeiro se é bom seguidor; depois, lidera-se. “Ainda muito jovem, você se torna responsável pela vida dos soldados. Adquire-se, então, experiência em motivar e liderar pessoas. Aprende-se muito sobre si mesmo, ganham-se autoconfiança e capacidade de lidar com estresse”, diz Robert McDonald, CEO da P&G desde junho de 2009. Ele aplica o que aprendeu compartilhando com colaboradores e alunos de universidades um conjunto de 11 princípios, listados no documento intitulado “What I believe in” (“Aquilo em que acredito”), e que o traduzem: 1. Viver uma vida dirigida a um propósito é mais significativo e recompensador do que vagar pela vida sem direção. 2. As empresas devem ter sucesso para fazer o bem, e têm de fazer o bem para se saírem bem. 3. Todos querem ter sucesso —e o sucesso é contagioso. 4. Colocar as pessoas nos lugares certos é uma das tarefas mais importantes do líder. 5. O caráter é o traço mais importante de um líder. 6. Grupos variados de pessoas são mais inovadores do que os homogêneos. 7. Sistemas e culturas ineficientes barram conquistas mais do que a falta de talento. 8. Algumas pessoas na organização não terão êxito em sua jornada. 9. As empresas têm de se renovar. 10. O verdadeiro teste dos líderes é o desempenho da organização quando eles estão ausentes ou depois que a deixam. 11. O senso de poder é muito importante e constitui uma das razões pelas quais encorajo fortemente os gestores a dar poder às pessoas e dividir resultados com elas.


Fontes: Revista HSM Management