A inovação na indústria brasileira

Estudo em 248 empresas alimentícias brasileiras revela as características que tornam uma companhia desse setor mais propensa a inovar e a fazê-lo com maior intensidade. Parcerias de pesquisa e desenvolvimento com universidades, tamanho da empresa e orientação para o mercado apareceram entre os fatores predominantes na inovação.

Pense nas mudanças observadas na preparação de alimentos após a descoberta do fogo. Desde tempos ancestrais, mudanças na tecnologia desempenham papel fundamental na elevação do padrão de vida da humanidade. No entanto, a lenta transformação tecnológica do passado deu lugar a uma acelerada corrente de mudanças após a revolução Revolução industrial Industrial inglesa do século 18, a ponto de esse período ter sido chamado de “a era Era da tecnologiaTecnologia”.

Em 1970, o futurólogo Alvin Toffler deixou claro que a tecnologia é não apenas suporte de mudanças, mas o motor delas. Para ilustrar isso, basta pensar na fabricação de agulhas estudada por Adam Smith. A produtividade média de 4,8 mil agulhas por trabalhador/dia alcançada nos anos 1770 foi elevada, dois séculos depois, para mais de 800 mil por trabalhador/dia, graças às mudanças tecnológicas.

Ninguém pode, portanto, ignorar o impacto dos benefícios das mudanças tecnológicas sobre nosso cotidiano. Antes de mais nada, o que é uma mudança tecnológica? Joseph Schumpeter, especialista de Harvard, propôs em 1939 uma útil tipologia analítica classificando essa mudança em três estágios: invenção, inovação e imitação (difusão) e inovação.

  • Invenção é o estágio que corresponde à geração de novas idéias, desenhos, modelos ou protótipos.
  • Difusão é o estágio pelo qual processos e produtos se disseminam pela economia.
  • Inovação, o objeto deste artigo, refere-se ao processo que traduz uma nova idéia em produtos ou processos comercializáveis pela primeira vez.

Schumpeter disse que a inovação é o principal motor do desenvolvimento capitalista e a principal fonte de lucro empresarial.

Aparentemente, todos concordaram com Schumpeter. De 1950 para cá, os pesquisadores se interessam cada vez mais em entender as causas ou determinantes da inovação tecnológica. Um crescente número de estudos busca identificar “os fatores que influenciam ou determinam a atividade inovativa em níveis de setor e/ou empresa”. Mas os resultados dessas pesquisas têm sido inconsistentes ou contraditórios.

A pesquisa

Por conta disso e porque faltam estudos específicos sobre a indústria alimentícia brasileira de alimentos, dediquei-me a descobrir quais são realmente as características organizacionais que determinam a probabilidade e a freqüência de inovações em empresas da indústria de alimentos do Brasil, um setor cuja proporção do investimento em P&D pesquisa e desenvolvimento (P&D) sobre vendas, comparada com outros setores industriais, é relativamente baixa, e onde a atividade de pesquisa geralmente não é considerada um importante ativo importante para a inovação.

Conduzi um levantamento sobre o processo de inovação tecnológica em 248 empresas alimentícias brasileiras dos mais variados segmentos, do processamento de carnes e peixe a óleos, dos chocolates às massas, definidas a partir do universo de 19.045 empresas industriais atuantes no Brasil, excluindo aquelas com menos de cinco empregados, que representavam 48,9% do total de empresas, 92,4% de seus empregos, 97,9% de sua produção e 97,6% do valor por ele adicionado. O indicador direto escolhido foi “número de inovações”, definido pela quantidade de inovações tecnológicas geradas e/ou adquiridas pelas empresas pesquisadas em um período de tempo previamente definido. Essa pesquisa mesclou duas abordagens: primeiro, as empresas foram solicitadas a listar as inovações relativas aos três anos anteriores à pesquisa; segundo, a lista de inovações foi submetida a uma comissão de especialistas da Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), não apenas para avaliarverificar não apenas se a inovação informada deveria ser considerada como tal, mas também para avaliar as características qualitativas informadas, em termos de complexidade, tipo e novidade da inovação (exemplos: radical versus incremental; produto ou processo).

Então, fiz a análise de seus ativos organizacionais recursos e competências e da integração deles como determinantes da probabilidade de uma empresa inovar e da intensidade de atividade inovativa uma vez que a empresa já tenha inovado (veja quadro na página 3). Intensidade inovativa, no estudo, refere-se ao número de inovações no período pesquisado.

Adianto que esse trabalho se concentrou nos determinantes microeconômicos da inovação, utilizando contribuições conceituais dos campos da economia, tecnologia e organização. Tal foco pressupõe que importantes fatores em nível macroeconômico ou do contexto da empresa, tais como políticas fiscais ou incentivos governamentais, não foram avaliados. Pela mesma razão, não foram avaliadas analisadas as conseqüências das inovações sobre o sistema econômico.

Vale ressaltar também que várias pesquisas já indicaram que, embora a atividade inovativa seja um processo complexo e diversificado, não se trata de processo aleatório ou imprevisível. Ao contrário: além de previsível, ele é específico da empresa ou do setor.

Os resultados

Os resultados da pesquisa mostraram que os ativos para inovação “investimentos em tecnologia externamente desenvolvida e em pesquisa e desenvolvimento (P&D)” e “cooperação empresa-instituto-universidade”, juntamente com oassim como “tamanho de da empresa”, determinam significativamente a probabilidade de uma empresa do setor alimentício brasileiro inovar. Por sua vez, os ativos “cooperação empresa-instituto-universidade”, “tamanho de da empresa” e “orientação para o mercado”, nessa ordem, foram associados, também significativamente, com a intensidade da atividade inovativa. Eis os principais resultados:

O investimento em tecnologia desenvolvida externamente é uma variável significativamente relacionada com a propensão de empresas na indústria brasileira de alimentos brasileira inovarem. Três aspectos principais explicam essa relação: a natureza incremental das inovações, a predominância de inovações em tecnologias de capital e a existência de tecnologia “redundante”.

Isso confirma a caracterização das empresas alimentícias como “dominadas por fornecedores” em termos de inovação. No entanto, esse fator não é significativo na explicação da intensidade inovativa nessas empresas. Nesse caso, outros fatores são necessários para elevar a eficiência inovativa, tais com orientação para o mercado e alianças externas para desenvolver tecnologias adequadas.

  • O esforço de P&D das empresas está relacionado, sim, com a probabilidade de uma empresa inovar, mas não com a intensidade de suas inovações. Esse resultado foi o mais surpreendente da pesquisa, dadas as proposições prévias de que, enquanto uma empresa pode inovar sem se engajar em P&D, a competência para inovar será elevada se ela passar a desenvolver essa atividade.
  • A variável “tamanho de da empresa” foi confirmada como um determinante muito importante tanto da propensão para inovar como da intensidade de inovações. No entanto, nos dois casos, a influência do tamanho eleva-se até um limite e depois declina, sugerindo um relacionamento na forma de “U” invertido.
  • O nível de terceirização de P&D eleva-se não apenas com a propensão para inovar, mas também com a intensidade de inovações. Esse resultado confirma que, embora com pouca relação, a parceria de empresas alimentícias com instituições privadas e públicas de P&D tem-se apresentado como muito eficaz em alavancar a atividade inovativa de empresas nesse setor.
  • Com relação aos ativos complementares, foi confirmada a associação entre orientação para o mercado (expressa por um indicador apenas: gastos com propaganda) com intensidade inovativa. Esse resultado era previsto devido ao fato de que propaganda está relacionada com inovação de produto, que, por sua vez, está relacionada com um maior nível de produção de inovações.
  • Os outros indicadores de ativos complementares, cadeias de produtos (diversificação horizontal), funções na cadeia produtiva (integração vertical), exportações e idade, não se apresentaram como significativos determinantes seja da propensão para inovar, seja da intensidade de inovações.
  • Em suma, os investimentos em tecnologia externa, o esforço em P&D, o tamanho da empresa e sua orientação para o mercado explicam entre uma vez e meia e três vezes as chances de uma empresa inovar ou ser mais intensiva em inovações.

A análise

Uma dedução aceitável de todos esses resultados é que a especialização em produtos e em estágios de produção, juntamente com e a predominância do no mercado doméstico, impõem mais pressão sobre as empresas do setor inovarem. Também se pode concluir que as diferentes variáveis influenciando a propensão para inovar e a intensidade de atividade inovativa de empresas do setor, de diferentes maneiras, confirmam que os recursos e capacidades das empresas podem ser corretamente imputados como os principais fatores operando na definição das possibilidades de inovação em empresas do setor.

Os resultados analisados sugerem principalmente que, para definir uma estratégia tecnológica mais eficaz, as empresas precisam identificar suas possibilidades e limitações tecnológicas e elevar a incorporação tanto de ativos para inovação como complementares. A melhor estratégia inovativa para essas firmas parece basear-se em um tripé:

  1. alocar recursos financeiros dirigidos à atualização de equipamentos,
  2. aprender como usá-los efetivamente e
  3. fortalecer o vínculo com fornecedores a montante da indústria.

Também levando em consideração que os fatores investimentos em tecnologia externa, esforço em P&D, tamanho e orientação para o mercado explicam entre uma vez e meia e três vezes as chances de uma empresa inovar ou ser mais intensiva em inovações, as empresas alimentícias serão mais eficazes na atividade inovativa se adotarem quando adotam como estratégias a alavancagem de seus esforços em P&D e seus vínculos com empresas, instituições, universidades ou agências de pesquisa, com uma visão sobre os “mecanismos de indução” que surgem das oportunidades tecnológicas e de mercado.

Os resultados sugerem, ainda, que políticas públicas voltadas para elevar a inovatividade na indústria alimentícia brasileira devem inicialmente voltar-se para o estímulo ao desenvolvimento e difusão de tecnologias de aplicação geral pelos fornecedores a montante. Políticas complementares devem incentivar as empresas do setor a alocar recursos visando o desenvolvimento da capacidade de absorção e adaptação de tecnologias (artefatos e conhecimento) desenvolvidas por fornecedores, públicos ou privados, e competidores. Essas políticas podem ser diretas por meio, por exemplo, do financiamento de pesquisas e subsídios à aquisição de tecnologias e indiretas pela eliminação de barreiras institucionais à inovação, tais como barreiras alfandegárias à importação de tecnologias.

Adicionalmente, os resultados dessa pesquisa indicam que incentivar as parcerias entre empresas alimentícias para desenvolver projetos inovativos, alcançar uma escala mínima e elevar sua a orientação para o mercado são iniciativas que tendem a conduzir a um grau superior de inovatividade absoluta e relativa no setor.


Fonte: Revista HSM Management, artigo de José Ednilson de Oliveira Cabral

José Ednilson de Oliveira Cabral é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), sediado em Fortaleza, Ceará, e professor do Centro de Ciências Administrativas da Universidade de Fortaleza (Unifor). É doutor em economia industrial e tecnologia pela University of Reading, da Inglaterra, e mestre em administração de empresas pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGVEAESP).