Líderes para todos os gostos

“Não há líderes onipotentes, capazes de dirigir uma grande organização em toda e qualquer circunstância”. Conhecido por sua trajetória única na indústria automobilística mundial, ele fala, nesta entrevista, sobre liderança e líderes com a mesma sinceridade e senso crítico presentes em seu livro –e sem abrir mão de seu charuto politicamente incorreto.

Bob Lutz passou quase meio século trabalhando para e com os homens que comandam a maior parte da indústria automobilística mundial. Teve a oportunidade de acompanhar de perto que estratégias funcionam e que tipos de liderança são eficientes e de diferenciar as fraquezas dos presidentes-executivos que são apenas irritantes ou fatais para o negócio.

Para ele, liderança não é algo teórico. É personificada por pessoas de carne e osso, com a responsabilidade de fazer com que as coisas aconteçam e de inspirar os outros. No livro Icons and Idiots: Straight Talk on Leadership (ed. Portfolio), Lutz apresenta o perfil de 11 homens que tiveram influência sobre ele e sua carreira, de um professor do ensino médio e um sargento da Marinha aos ex-presidentes da BMW, da Ford, da Chrysler e da GM. Ele não pega leve nem com os que ainda estão vivos nem com aqueles que já partiram. Lutz raramente foge da raia, e isso torna seus relatos e observações especialmente cortantes.

O estilo é importante para Lutz; ele busca escrever livros de negócios que tenham também a capacidade de entreter. “Quero instruir ao mesmo tempo que divirto, ou divertir ao mesmo tempo que instruo. Se um livro não é divertido de ler, por que alguém vai se importar com ele?”


Nesta entrevista, Lutz fala abertamente sobre 11 líderes que conheceu e com que conviveu, buscando não a vingança, como reforça, mas destacando os aspectos positivos e negativos que geralmente compõem o perfil de uma liderança de sucesso:


O sr. trabalhou com diferentes tipos de líderes e, em seu livro, indica pontos fortes e fracos de cada um deles. É possível generalizar e dizer que tipo é eficiente em que situação?

Não há líderes onipotentes, capazes de dirigir uma grande organização em toda e qualquer circunstância. Eu sei que seria um bom líder em, talvez, 75% ou 80% das situações pelas quais uma empresa passa. Mas, por exemplo, se ela estiver em concordata e precisar fazer uma reestruturação radical e rápida, livrando-se de dívidas, negociando com credores e até suspendendo pagamentos, eu não serei a pessoa certa. Nesse caso, a empresa precisa de um especialista, como um médico que atende emergências e é capaz de dizer: “Para o paciente sobreviver, vamos ter de cortar as duas pernas e um braço”. Sou melhor na construção do negócio e na criação de produtos.

Um tipo de líder definido é o fortemente voltado para os aspectos financeiros, o analista brilhante de balanços. Esse tipo é o melhor para lidar com bancos, companhias de seguros, empresas de serviços financeiros e assim por diante.

Há também os líderes charmosos, que respeitam as pessoas, dão-se bem com todos e não pressionam ninguém; são ótimos para comandar universidades, por exemplo.

Aqueles voltados para o mercado, extremamente agressivos, sempre dispostos a aceitar riscos, mostram-se ideais para liderar empresas que buscam o crescimento rápido. Mas precisam ter por trás os controles de uma organização financeiramente forte.

Falando em eficiência, eu diria que liderar uma empresa do setor industrial requer uma combinação mínima de alguns traços: a pessoa deve ser agressiva, inteligente e, de alguma forma, capaz de lidar com números.

No livro Car Guys vs. Bean Counters (ed. Portfolio), escrevi que uma empresa de produtos de consumo não pode ser gerida de maneira eficaz sem o pessoal do financeiro. É preciso que tenha profissionais criativos, apaixonados pelos produtos, mas também gente de finanças, que vem atrás, mantendo os demais nos trilhos, funcionando como um freio.

Um dos temas recorrentes na gestão atual é a necessidade, crescente, de os CEOs terem diferentes habilidades para lidar com organizações cada vez mais diversificadas… Isso existe?

Sim, e é por isso que hoje nenhum bom presidente pode adotar um estilo excessivamente ditatorial. Essa foi a beleza do relacionamento que tive com Rick Wagoner na GM. Sem sombra de dúvida, ele foi o melhor, o mais equilibrado, o mais “fácil” dos presidentes com que trabalhei. Nunca teve uma daquelas “doenças de presidente”: nunca se importou se o avião dele decolava antes ou depois dos outros; não ficava bolando esquemas para ganhar mais, ou ter mais ações da empresa, ou receber mais benefícios. Ele só dizia: “Nós servimos os acionistas e estamos sendo bem pagos para isso. O conselho de administração vai decidir quando for o momento para mais”.

Ele seria algo próximo do ideal?

Não, algo faltava a ele quando as coisas ficavam realmente complicadas: ele tinha dificuldade em tomar decisões dolorosas. Era um executivo que sempre buscava o consenso. Sabia o que queria e articulava na direção do que queria, mas, quando as resistências, previsíveis, apareciam, era excessivamente respeitoso com a opinião das outras pessoas. Nesse momento, dizia: “Bem, eu ainda gostaria de fazer isso, mas, se todos vocês acham que não é o momento certo ou que não é o que devemos fazer, talvez não devamos fazer mesmo”. E, então, nada acontecia.

É incomum um presidente de empresa ser criticado por ser “excessivamente respeitoso” com as pessoas…

Veja bem, se você está no comando de algo e surge uma situação de emergência, aí é quando o piloto do avião ou o capitão do navio dizem: “Saiam do caminho; é isso que vamos fazer”.

Há pessoas alçadas a posições de liderança que são realmente muito ruins, ineficazes em qualquer situação?

Sim, vi muita gente assim na Ford. Eram pessoas com ótima formação, vestiam-se bem, falavam bem, comportavam-se excepcionalmente bem nas reuniões. Muito bem preparadas, tinham resposta para tudo. Eram promovidas tão rapidamente que era difícil avaliá-las em qualquer posição; passavam 18 meses em um cargo e já ganhavam a próxima promoção. Aí acabavam chegando a algum cargo em que eu tinha de trabalhar para elas ou com elas e eu me perguntava: “Como essa pessoa chegou até aqui?”. A resposta era: boa aparência, bom discurso… parece brilhante…

Uma curiosidade: há relação entre o que líderes são na vida pessoal e o estilo que adotam na empresa?

Nos casos de Phil Caldwell, da Ford, e Ralph Mason, da Opel, com toda a certeza. Nos casos de Red Poling, também da Ford, e Eberhard von Kuenheim, da BMW, eu também diria que sim.

Von Kuenheim é uma pessoa muito inteligente, mas passou parte de sua juventude deslocado, na área de controle soviético da antiga Alemanha dividida do pós-Guerra. Essa realidade intensificou nele o senso de sobrevivência e o tornou uma pessoa profundamente desconfiada em relação ao que os outros falam ou fazem. Isso fez dele também alguém obcecado por controle e, portanto, com quem era difícil trabalhar. Mas ele foi um presidente brilhante. Ocupou o cargo na BMW por mais de 20 anos, o período mais longo de um CEO na história da indústria automobilística, e levou a produção da empresa de cerca de 200 mil unidades por ano para 2 milhões.

O sr. escreveu que a maioria dos líderes é mental e emocionalmente fora da curva… Exatamente por serem impacientes, teimosos, cheios de opinião, insatisfeitos e autoritários é que eles seriam bem-sucedidos. As pessoas na organização entendem isso? Às vezes, imagino que aqueles de fora da empresa vejam apenas o sucesso e os de dentro enxerguem somente a personalidade desagradável…

Você está certo. Na Ford, nós nos deliciávamos com as histórias de Phil Caldwell; eu nem contei todas no livro. Nós dizíamos: “Jesus, que loucura! Se as pessoas soubessem como esse sujeito se comporta aqui dentro!”. E o mundo externo o via como um líder equilibrado, controlado, atencioso, introspectivo e inteligente. Ele era brilhante comandando uma reunião de acionistas e, em muitos sentidos, foi um presidente de enorme sucesso.

Steve Jobs, claro, é o melhor exemplo de líder com personalidade fora da curva. Qualquer um que o tenha conhecido diz que era extremamente difícil lidar com ele; era inconstante, não ouvia ninguém, soltava patadas para todos os lados. Era uma pessoa absolutamente impossível.

No entanto, embora a maioria dos líderes “top” se mostre meio esquisita, os membros dos conselhos de administração ainda tendem a ser cautelosos e preferir líderes mais convencionais…

Acham-nos esquisitos porque tendemos a nos concentrar demais nos traços de comportamento, não o suficiente nos resultados.

Veja meu caso. Se as pessoas na Chrysler olhassem os resultados, diriam: “Por que não fazemos desse sujeito o líder da empresa? Ele reduziu os custos e aumentou o faturamento. Os produtos são brilhantes. O que mais podemos querer?”. Em vez disso, disseram: “Tudo bem, mas acontece que esse sujeito está um pouco fora dos padrões”.

Os conselhos de administração tendem a selecionar CEOs que minimizarão os riscos para a empresa, sejam riscos de constrangimento, de mau comportamento, de falta de capacidade com os números. Por exemplo, Lee Iacocca nunca seria presidente-executivo da Ford. Henry Ford II certa vez sentou-se com ele e disse: “Veja, Lee, eu simplesmente não gosto de você e não o vejo liderando a empresa”.

Se Iacocca não tivesse deixado a Ford, nunca teria chegado à presidência de uma organização. Ele alcançou o topo na Chrysler porque a empresa estava em uma situação parecida com a da Apple quando chamou Steve Jobs de volta. Eles precisavam de alguém agressivo, que poderia fazer as coisas acontecerem, não importava sua personalidade. E, em uma situação mais estável, o conselho de administração da Chrysler teria escolhido outra pessoa.

A maioria das pessoas enxerga a liderança, para usar uma frase sua, de maneira “subjetiva, qualitativa e emocional”? A liderança pode ser quantificada objetivamente? Na parte final de seu livro, o sr. avalia Iacocca e outros dez líderes por meio de uma fórmula complexa.

Qualquer ranking será subjetivo, e os pesos conferidos aos vários parâmetros são especialmente subjetivos. Um executivo mais cauteloso ou orientado para os resultados financeiros usaria uma escala de valores totalmente diferente, com muito mais parâmetros financeiros, por exemplo. Alguém proveniente da área de recursos humanos daria muito mais ênfase a temas como diversidade e quantas mulheres foram promovidas a cargos de chefia durante sua gestão.

O sr. ouviu objeções específicas a seu ranking?

Uma pessoa ficou chateada porque todos os nomes da lista são homens. O que eu posso fazer? Nunca trabalhei para uma mulher.

Os CEOs dos quais o livro trata reclamaram?

Por enquanto, não. Mas, como grande parte dessas histórias aconteceu há muito tempo, algumas das pessoas já faleceram. Os advogados da editora levantaram todo tipo de questão. Queriam saber se eu podia provar o que havia escrito, se eu tinha anotações, se existiam testemunhas. E ficaram realmente preocupados, pois minhas respostas foram não, não e não. Então eles quiseram saber quem já tinha morrido. Dei a lista e eles respiraram aliviados. Não é bom ficar feliz por alguém estar morto, mas nesse caso ficamos.

Eberhard von Kuenheim, porém, está vivo, com 84 anos de idade e, até onde sei, com ótima saúde. Ele vai ler o livro e acho que algumas partes vão deixá-lo irritado. Ele e eu conversamos há algum tempo, quando eu já não trabalhava mais na BMW. Nós nos encontramos para jantar, acho que em Londres, e ele me disse: “É mesmo uma pena que não tenhamos nos dado melhor quando eu era presidente e você meu vice-presidente de marketing e vendas. Acho que foi por conta de falta de maturidade de ambos os lados”.

Ele estava no começo de seus 40 anos quando entrou na BMW, e eu não tinha muito mais do que isso. Na posição que ocupávamos, nós dois provavelmente precisávamos de um pouco mais de temperança; sei que eu precisava. O sr. escreve: “Os leitores que trabalharam para mim talvez queiram fazer uma avaliação do autor”.

O sr. conseguiu resistir à tentação de fazer uma autoavaliação?

Pensei em fazer isso, mas concluí que, se eu fizesse um trabalho franco, as pessoas diriam: “Esse sujeito tem uma opinião extremamente boa de si mesmo”. Eu me sairia bastante bem em meu ranking, na verdade, mas com certeza tenho minhas idiossincrasias também.

Então, o sr. fez uma avaliação, só não publicou…

Fiz mentalmente. Mas tenho certeza de que algumas das pessoas que trabalharam para mim na Ford, na Chrysler, na GM, na Exide e na BMW vão me mandar uma avaliação, e isso será uma leitura muito interessante. Nunca se é velho demais para aprender.

Saiba mais sobre Bob Lutz

Nascido em 1932 na Suíça, Bob Lutz continua a ser um dos nomes mais respeitados do cenário dos negócios nos Estados Unidos. Especialmente quando se trata de indústria automobilística, até hoje, três anos depois de sua aposentadoria após uma carreira de 47 anos, é uma referência. Lutz lutou como piloto de caças pela Marinha norte-americana na guerra da Coreia. Estudou na University of California, em Berkeley, e ocupou cargos de direção na GM, na BMW, na Ford e na Chrysler. Ele escreve regularmente em seu blog no site da revista Forbes e, como se define, “é um sujeito do mundo dos carros”.

Os 11 homens de Lutz

  • Georges-André Chevallaz. O professor de ensino médio que moldou o estilo de liderança de Lutz, com humor e alto nível de exigência, tornou-se presidente da Suíça.
  • Donald Giusto. Superior de Lutz no corpo de marines dos EUA, era sádico, mas transformava civis em fuzileiros navais em 12 semanas.
  • Robert Wachtler. O executivo de operações internacionais da GM era racista, sexista, homofóbico, porém tinha senso de humor.
  • Ralph Mason. O chairman da Adam Opel (GM) era alcoólatra; frequentemente voltava para casa inconsciente.
  • Eberhard von Kuenheim. O CEO da BMW geria a empresa com base em segredos, medo e manobras escusas.
  • Philip Caldwell. O CEO da Ford mantinha um scrapbook com capa de couro com fotos de celebridades e líderes que havia conhecido e “colecionava” itens de hotéis e aviões.
  • Harold “Red” Poling. O CEO da Ford era o rei dos“ contadores de feijões”, expressão consagrada por Lutz em um livro anterior. Não queria saber de nada que não pudesse ser quantificado. Lutz era seu rival declarado.
  • Lee Iacocca. O lendário CEO da Chrysler parecia ser brilhante e valente, mas, nos bastidores, mostrava-se vulnerável e inseguro com frequência.
  • Robert “Bob” Eaton. O CEO da Chrysler sucedeu Iacocca (que preferia ter Lutz como sucessor), para, em 1998, vender a empresa à Daimler-Benz. Esta a passou adiante em 2007.
  • Arthur Hawkins. O CEO da Exide, fabricante de baterias automotivas, foi condenado a dez anos de prisão, em 2002, pela venda fraudulenta de baterias com defeito a uma divisão da Sears. Foi libertado em 2005.
  • Richard “Rick” Wagoner. Era o CEO perfeito para a GM em tempos de paz, mas sua inteligência superior não conseguiu evitar o declínio da empresa e necessidade de socorro governamental.

Fonte: Revista HSM Management, por Matthew Budman, da Rotman Magazine