Liderança pós-management

Nas vésperas de estrear seu programa de televisão sobre o assunto, César Souza afirma, em entrevista exclusiva, que vivemos um apagão de lideranças que precisa ser superado.

Como o leitor classificaria uma época em que o líder exemplar dos jovens vem de reality shows televisivos que estimulam a hipercompetição e cujo bordão é “Você está demitido”? O consultor de empresas César Souza, experiente executivo internacional da Odebrecht, escolheu caracterizá-la como “época de escassez de líderes” e ainda lhe acrescentou um complemento: “e dos ultrapassados modelos de liderança”. Segundo ele, o líder em vigência ainda é, basicamente, o mesmo do pós-guerra do século 20.

Porém Souza não fica de braços cruzados diante dessa constatação. Como sua aposta é na geração de líderes Y para mudar o quadro, ele tem um plano para influenciá-los positivamente. Já começou a gravar, por exemplo, a primeira série sobre liderança produzida para a TV brasileira, Líderes em Ação, que será exibida pela ManagemenTV, da HSM do Brasil, em oito episódios, e deve estrear em outubro. Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade a Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM Management, Souza antecipa alguns dos conceitos que serão vistos na TV, destruindo os cinco mitos da velha liderança e colocando em seu lugar cinco características que ele encontrou em uma análise de 1.200 líderes notáveis dos mais diversos contextos.

Você costuma dizer que os jovens da geração Y, nascida de 1980 para cá, são nossa esperança de boa liderança. No entanto, a pesquisa A empresa dos sonhos dos jovens, da Cia de Talentos, que publicamos em nossa última edição, mostra que o líder mais admirado é Roberto Justus, possivelmente por seu personagem em O Aprendiz. Como você explica?

É mais uma prova do apagão de lideranças que vivemos. Os jovens estão confundindo celebridade e carisma com liderança –com todo o respeito a Justus, que deve ser competente em seus negócios. Reparei também que essa pesquisa não detectou nenhuma mulher como modelo de líder, o que me parece outra aberração –poderiam ter sido lembradas Zilda Arns, Luiza Helena Trajano, Viviane Senna. Isso confirma que os líderes citados representam mais o chefe do passado. Como explicar? É influência dos pais e educadores, influenciados pelos modelos militares do pós-guerra, e, talvez principalmente, dos líderes empresariais, que não conseguem impressionar bem os jovens.

Fica um espaço vazio na cabeça e o ocupa quem for midiático. Outro exemplo de “líder” que não é líder foi o Dunga como técnico da nossa seleção de futebol na Copa de 2010. Puseram ali um chefe 1.0, que busca disciplina e seguidores que não pensem, mas sejam obedientes. Deu no que deu. Dunga matou o diferencial do futebol brasileiro –a criatividade e a imprevisibilidade de nossos jogadores.

Você está gravando seu programa de TV, por exemplo. Ele ajudará a reverter isso?

O Líderes em Ação será um programa de líderes para líderes, até porque está em uma TV segmentada para o público empresarial, a ManagemenTV. Não terá a audiência de um reality show da TV aberta, mas poderá influir nos formadores de opinião, mostrando como está ultrapassado o líder 1.0, do comando e controle.

Você tem tanta certeza assim de que o líder 1.0 está superado? Afinal, se viveremos de crise em crise, como preveem alguns, não se requer pulso firme?

Não. A crise no mundo departamentalizado e hierarquizado que existiu até o fim do século 20 talvez exigisse chefe com pulso firme. O mundo plano do século 21, em redes, requer, com ou sem crise, um líder que saiba oferecer causas, muito mais do que empregos e salários, para começo de conversa.

Por que, no mundo de anteontem, bastavam chefes?

Porque havia um modelo de especialização do trabalho, que organizava pessoas em linhas de montagem e em departamentos; era um mundo muito parecido com a organização militar, cujo objetivo era apenas a produtividade maior para vencer a concorrência. Tanto que, se fizermos um apanhado histórico, os espelhos dos líderes eram Churchill, De Gaulle, os comandantes da Segunda Guerra. Lá pelas décadas de 1970 e 1980, começou a haver uma valorização do aspecto humano da liderança. Surgiu a terminologia TO, de tecnologia organizacional, muito forte, principalmente no MIT [Massachusetts Institute of Technology] e em Harvard, com professores como Chris Argyris, Edgar Schein e Warren Bennis. Mas o problema é que, nesse momento, formou-se a série de mitos da liderança que impera até hoje, e não é mais eficaz.

Quando humanizou, mitificou?

Pois é. Mito é algo muito humano. Não é que essa mitologia represente uma escola de pensamento em si; trata-se de uma mentalidade em relação à liderança, que, sobreposta ao líder militar, batizei de líder 1.0. São cinco mitos basicamente. Um desses mitos é o de que a liderança é predominantemente masculina. Restaria à mulher liderar como homem, com as supostas objetividade e capacidade de fazer acontecer deles. Não pode continuar essa visão exclusivamente masculina de liderança e desconsiderar a óptica feminina.

Sim, o discurso continua sendo 100% esse! Até o termo “seguidor” está de volta à moda, por conta do Twitter. Por que essas receitas não servem?

Sobre nascer pronto e ser carismático, posso falar por mim: aprendi a ser líder. Eu me comunico bem e sou extrovertido, está em meu DNA, mas isso não é liderança. Se o líder por acaso tem essas características, é ótimo, porque acelera e facilita as coisas, porém não são elas que o credenciarão para liderar. Um líder não depende apenas disso. Tive de aprender –a duras penas– a ser líder. Quantas vezes vi gente estragando sua carreira porque acreditou na bobagem de que se nasce “carimbado” para exercer a liderança! Quantas vezes vejo gente se violentando para tentar ser o que não é e assim encaixar-se no suposto “estilo ideal de liderança”! As empresas gastam fortunas para desenvolver nas pessoas um padrão de liderança que não tem nada que ver com elas e deixam de investir no que importa, que é desenvolver as pessoas. O modelo de liderança anterior funcionou bem até o fim do século 20, mas já foi superado faz dez anos.

Acionistas enxergam isso?

Em geral, não, mas tive sorte. Quando voltei do meu mestrado nos Estados Unidos, em que tive grande influência do Igor Ansoff [veja quadro na página 28], fui trabalhar na Odebrecht. No primeiro dia de trabalho, 2 de maio de 1978, uma quarta-feira, às 6h30 da manhã, ouvi do acionista fundador, o dr. Norberto Odebrecht: “Quero que você trabalhe aqui, César, porque meu sonho é montar uma fábrica de líderes”. Ele disse: “Só tenho dez contratos porque só tenho dez líderes. No dia em que tiver cem líderes, posso ter cem contratos”. E eu respondi para ele, do alto dos meus 26 anos: “Cem não, sr. Norberto, 200 líderes, porque cada líder precisa de substituto”. E ele retrucou: “Quero que venha trabalhar comigo”. Depois fui trabalhar diretamente com Renato Baiardi, o presidente da construtora, que era um líder 2.0 em plenos anos 1970. Era um executivo extraordinário –sabia como ninguém compatibilizar o foco no cliente com o foco nas pessoas, e mirando os resultados. Já andei muito pelo mundo e não conheci ninguém tão bom como ele.

Foco no cliente e foco nas pessoas. Essa é a receita, com o perdão da palavra, para o sucesso?

Todo resultado é consequência de três coisas, em minha visão: estratégia, que tem que ver com sonho e desejo; acentuado foco no cliente muito forte, de fora para dentro; e forte investimento nas pessoas, porque empresas são construídas com pessoas, de dentro para fora. Baiardi estruturou uma empresa extremamente bem-sucedida como é a Odebrecht baseado nesse tripé.

De gestor a consultor. Por quê?

Fiquei 20 anos na Odebrecht. Comecei a sentir um desconforto no meu papel de líder, por ver tantas pessoas em outras empresas com os pressupostos errados sobre liderança e estratégia, e achei que tinha a oportunidade de contribuir para mudar isso. Fui ser sócio da empresa de Michael Porter no Brasil e, dois anos depois, montei minha consultoria.

Estou curiosa: o que Porter pensa sobre esse seu lado humano da estratégia?

Quando escrevi Você é do Tamanho dos Seus Sonhos, mandei traduzir e enviei para Porter. Ele escreveu em uma carta para mim o seguinte: “Trazer um profissional de talento para o centro do negócio deve ser parte de qualquer esforço para aumentar a competitividade. Isso é necessário em qualquer lugar do mundo”. Para mim, foi uma medalha de ouro. Com todo o respeito, o modelo de competitividade do professor Porter não fala das pessoas. Tem ambiente, forças, os atores e fornecedores, aquele ideal das cinco forças. Mas cadê as pessoas? Fiquei feliz da vida com a carta que recebi dele e até publiquei um trecho em meu livro.

Em uma entrevista exclusiva que fizemos com ele há poucos meses, Porter contou que incluiu as redes sociais no modelo de cinco forças. Já é um modo de incluir as pessoas. Por favor, explique melhor seu modelo de liderança, se é que posso usar a palavra “modelo”.

Sou contra modelos, eles não existem. A prova de que estou certo é que os líderes excepcionais que conheci, no mundo inteiro, eram extremamente diferentes uns dos outros. Entre 2006 e 2007, eu os cataloguei –foram 1.200 ao todo– para escrever um livro sobre o assunto: Você é o Líder da Sua Vida? Atuando como líder de negócios da Odebrecht em seis países, conheci muitos líderes, como o coronel Melo Antunes, um dos três coronéis articuladores da Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura salazarista em Portugal em 1974; Akio Morita, da Sony, com quem conversei em 1988.

Nessa lista estão grandes empresários brasileiros como Carlos Ghosn, Jorge Gerdau, Maurício Botelho, Ivan Zurita; pequenos empresários como a “Zica”, do Beleza Natural; e líderes de organizações não governamentais como Almir do Picolé, que tirou 56 crianças das ruas em Aracaju, Sergipe, e Zé Pescador, que criou a ONG Promar, para evitar a pesca predatória na ilha de Itaparica, na Bahia.

Você se incluiu em sua lista? Porque, em 1992, você entrou na lista dos “200 líderes do amanhã” do World Economic Forum [Fórum Econômico Mundial]…

Até hoje não sei bem como entrei nessa lista [risos]. Desconfio que meu nome chegou a eles por minha atuação em Angola, quando a Odebrecht foi a primeira, e acho que única até hoje, empresa de um país de fora do Conselho de Segurança a executar serviços para uma força de paz da ONU em Angola.

César Souza é um líder que veio do RH, departamento que não é visto como celeiro de líderes nas organizações, como você bem sabe. De fato, não há modelos. Então, sem modelos, qual foi o padrão em que você se baseou para fazer essa lista? Não parti de nenhum padrão nem busquei um. Não queria “encaixotar” ninguém para não cair na mesma armadilha de sempre. Analisei gente de todos os continentes, de diferentes tipos, culturas, níveis hierárquicos, posições, idades, gêneros, regiões geográficas, que eu conhecia e tinham em comum a realização de alguma coisa extraordinária. O denominador comum foi a capacidade de realizar coisas no sentido mais amplo, não apenas de gerar resultados financeiros.

Tampouco a capacidade de arregimentar seguidores, que costuma ser um parâmetro…

Nada que ver com seguidores. Muitas dessas pessoas que listei lideraram até quem lhes era superior hierarquicamente, ou gente com que não tinham nenhum vínculo formal. Por exemplo, dra. Zilda Arns liderou 272 mil voluntárias; não eram suas seguidoras e ela não lhes pagava salários. Dra. Zilda as liderou porque as inspirou.

Nem serem apenas pessoas que fazem acontecer…

Não, o importante é o que elas fazem acontecer. Os valores importam. Nem serem apenas líderes notáveis… São líderes notáveis apenas porque realizaram algo notável, não por serem pessoas notáveis em si. Meu foco são as realizações.

E quais foram suas conclusões ao analisar essa listagem?

Fiz algumas constatações. A primeira é que, antes de mais nada, estamos vivendo um apagão de lideranças verdadeiras, inspiradoras, não apenas nas empresas, mas também no universo político, nas escolas, nas famílias. A segunda constatação é a urgência de superar esses cinco mitos. Não pode haver, por exemplo, um estilo ideal de liderança, porque existem negócios e circunstâncias em que é ótimo ser centralizador e outros em que o modelo participativo é preferível. Enquanto não nos libertarmos desses mitos, estaremos formando líderes para uma realidade que não existe mais.

E seu líder 2.0 emergiu naturalmente?

Sim, porque, percebi cinco coincidências. Comecei a entender, por exemplo, que todos eles tinham uma causa, que, por sua vez, vinha de um sonho.

A causa do Zé Pescador é fácil de notar. Mas e a de uma empresa?

Basta pensar em Luiz Seabra. Ouvi dele que o negócio da Natura era virar “uma página na história da perfumaria mundial”. Ele não falou de volume, nem de ser líder de mercado, de crescer 20% ou faturar 2 bilhões; falou do que lhe move o coração e é com isso que ele mobiliza as pessoas, porque estas buscam significado para suas vidas.

Voltando às coincidências…

Depois notei que os líderes não estavam necessariamente no topo de suas empresas; encontravam-se em todos os níveis e lideravam para cima, para baixo, para os lados, até para fora de sua organização, ou seja, em um movimento de 360 graus.

No Brasil, nem a parte do motivar é benfeita. Lembrei-me agora de um pesquisador norte-americano que atua em São Paulo e critica o fato de que os talentos aqui não são diferenciados…

Realmente. Pessoas diferentes precisam ser tratadas de forma diferente, porque não é mesmice que rima com competitividade, e sim diversidade. Remuneram-se pessoas sem valorizar o desempenho e o talento diferenciados, ainda que este seja avaliado proforma. E o problema continua no fato de que ainda prevalece o –péssimo– hábito de pessoas recrutarem pessoas a sua imagem e semelhança, mesmo que digam o contrário no discurso. Deveriam buscar a tão desejável complementaridade de competências, mas não o fazem, porque o metódico não tolera o criativo e vice-versa. Mas a meritocracia ainda não é praticada como deveria no Brasil.

Voltando um pouco, líderes em todos os níveis não pode significar “excesso de cacique e falta de índio”? O novo livro de Henry Mintzberg prega menos líderes.

Gosto de Mintzberg, ele é bem provocador e nos faz pensar, mas, embora ainda não tenha lido o livro, não penso assim. Talvez haja excesso de líderes em quantidade, porém em qualidade existe apagão –uma crise tremenda no mundo inteiro.

Quais as outras três coincidências?

A terceira é que esse líder não forma seguidores, como já adiantei. Ele tem de formar outros líderes. É por isso que a verdadeira métrica para um líder 2.0 é sua capacidade de identificar novos talentos e construir equipes de alta performance. A quarta coincidência é que esses líderes fazem mais que o esperado, no sentido de fazer diferente, no aspecto qualitativo. E valorizam isso nos outros. Por exemplo: era para um líder vender 100 unidades de um produto em três meses e ele vendeu 90 em cinco, mas promoveu a marca e trouxe cinco clientes novos, além de ter cuidado bem do relacionamento com um cliente antigo estratégico, que era prospectado pela concorrência.

Ele foi mais valioso do que quem bateu as metas. É a qualidade dos resultados. Não há liderança sem resultados, como dizia Peter Drucker, mas a forma como estes são obtidos passa a ser tão importante quanto os resultados em si. Foi a obsessão por resultados quantitativos que gerou a crise que vivemos desde 2008. Se não se qualificarem os resultados, crises piores virão. É aí que entra a quinta coincidência: os valores. Inspirar pelos pelos valores é o maior diferencial do líder 2.0.

Você usa esse esquema na prática?

Eu sempre o consulto para liderar minha equipe e a mim mesmo e também para fazer contratação de pessoas, nas entrevistas de candidatos.

Fiquei com uma dúvida. Você derrubou o mito do estilo de liderança e diz que até o líder centralizador tem vez. No entanto, quando fala em líder que forma outros líderes e se deixa liderar por estes, a centralização fica em xeque, não? Na prática, o que dizer do tão comum líder centralizador, que toma as decisões sozinho, sem consultar a equipe?

Isso não é ser centralizador, é ser arrogante. Você pode centralizar a tomada de decisão, mas consultar outras pessoas antes –líderes são pagos para tomar decisões, afinal.

No jargão da pedagogia costuma-se dizer que, para um conhecimento cristalizado dar lugar a um conhecimento novo, é preciso desestabilizar os alunos que estão aprendendo. Você desestabiliza os gestores?

Precisamos desestabilizar as crenças velhas e obsoletas, não os gestores. Acabo de voltar de Lima, Peru, onde prestei consultoria a empresas, e passei como lição de casa para os gestores lerem Shakespeare e Gabriel García Márquez, verem Werner Herzog (Fitzcarraldo). Isso os tira da zona de conforto e os ajuda a se livrar de velhos conceitos e mitos, abrindo sua mente e alma para o novo. Não podemos ficar tentando abrir as portas do futuro com as chaves do passado

Saiba mais sobre o entrevistado César Souza

A Bahia da virada dos anos 1960 para os 1970 deu ao Brasil o movimento tropicalista –bem evidente na música–, o cinema de Glauber Rocha e a literatura de Jorge Amado. Talvez no futuro seja dito que nos deu também o pensamento de gestão de César Souza. Nas duas décadas em que trabalhou na maior construtora brasileira, tanto no País como nos EUA, em Angola e em Portugal, viveu experiências desafiadoras, como quando foi instalar a empresa no difícil mercado norte- -americano ou quando a Odebrecht comprou uma companhia em Portugal para entrar no mercado europeu, sem mencionar as dificuldades inerentes ao fato de Angola, arena importantíssima para a construtora baiana, ser um país em guerra interna e partícipe da Guerra Fria então vigente.

Em 2000, montou a própria firma de consultoria, a Empreenda, em torno do tripé estratégia, clientes e pessoas e com abordagens que incluem palestras, workshops, encontros vivenciais. Tem grandes clientes, no Brasil e em outros países da América do Sul. Souza também é autor de livros de sucesso, como Você é do Tamanho dos Seus Sonhos, Você é o Líder da Sua Vida (ed. Ediouro e Sextante, respectivamente) e Cartas a um Jovem Líder (ed. Campus/ Elsevier). Souza é otimista quanto aos líderes brasileiros: vê neles maior flexibilidade, senso de oportunidade (que não é oportunismo, mas timing) e criatividade.

Ansoff, Dr. norberto e como se escapa de mitos, por César Souza

Dei a sorte de estudar, na década de 1970, na Universidade Federal da Bahia, que era um caldeirão cultural forte e importante polo de resistência à ditadura; virou também refúgio para psicanalistas argentinos perseguidos pelo general Videla [Jorge Rafael Videla, presidente na ditadura argentina entre 1976 e 1981]. Havia professores voltando de escolas comportamentais dos Estados Unidos e, por influência deles, fui fazer mestrado na Vanderbilt, cujo dean era Igor Ansoff, considerado o “pioneiro da estratégia empresarial” –lançou em 1965 o livro Business Strategy. Era uma escola diferente, voltada para formar agentes de mudança. Não havia MBA, mas master em management. Ansoff tentou tirar o currículo da divisão funcional do MBA típico –de finanças, marketing, RH etc.

O ambiente em si já era diferenciado e me tornei seu assistente. Ansoff me pôs em contato com um paradoxo enorme: havia, de um lado, o mundo da estratégia, que era racional –de análise de mercado, cenários, matriz SWOT [forças, fraquezas, ameaças e oportunidades, na sigla em inglês]–, e, de outro, a intuição, que ele começou a valorizar cada vez mais, e eu também. Um dia, lembro até hoje, Ansoff me disse: “César, ainda quero ver um livro seu intitulado O Lado Humano da Estratégia” –meu livro Você é do Tamanho dos Seus Sonhos cumpre um pouco esse papel, porque nele tive a coragem de dizer que o sonho das pessoas é a primeira etapa do pensamento estratégico, não a pesquisa de mercado. Tudo é construção, e é o sonho que nos faz construir coisas.

O fato é que a efervescência cultural que vivi criou condições para que eu juntasse o “injuntável”, ou seja, a estratégia ao intangível. Daí para a liderança foi um pulo. Ansoff dizia que o líder é o agente de mudança, alguém que tem principalmente de entender o que acontece e posicionar-se em relação a isso. Comecei a ver que não é a ferramenta do planejamento estratégico que conta, mas o mindset, a mentalidade. Não é o how to do que conta, mas o why doing it. A partir daí, o agente de mudança, ou líder, ajuda as pessoas a pensar e descobrir as forças que têm. Isso é posicionar-se e levar os outros a fazê-lo também. Ajudei Ansoff nas pesquisas para o livro em que ele definiu esse papel, que se chamava Do Planejamento Estratégico para o Pensamento Estratégico. Isso me influenciou bastante. Mudou para sempre minha forma de pensar sobre a vida organizacional e encontrou eco na Odebrecht do dr. Norberto lá nos anos 70.


Fonte: Revista HSM Management