Tecnologia da Informação (T.I.) já não importa tanto…

À medida que crescem o poder e a presença da tecnologia da informação, sua importância estratégica diminui. Logo, sua abordagem do investimento e da gestão de TI vai ter de mudar radicalmente.

Em 1968, um jovem engenheiro da Intel chamado Ted Hoff descobriu um jeito de colocar os circuitos necessários ao processamento de um computador num pequeno pedaço de silício. Sua invenção, o microprocessador, provocou uma série de inovações tecnológicas — microcomputadores, redes locais e amplas, software empresarial, internet — que transformaram o mundo dos negócios.

Hoje, ninguém negaria que a tecnologia da informação virou a espinha dorsal do comércio. A TI sustenta operações de empresas, une elos distantes de cadeias de fornecimento e, cada vez mais, liga empresas a clientes. Hoje, um dólar ou um euro dificilmente trocam de mãos sem a ajuda de sistemas de informática.

Com a expansão do poder e da presença da TI, o empresariado cada vez mais a encara como um recurso crucial para o sucesso, um fato nitidamente refletido em seus hábitos de investimento. Em 1965, segundo um estudo do Bureau of Economic Analysis do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, menos de 5% dos investimentos de capital de empresas americanas foram para a tecnologia da informação.

Com o surgimento do microcomputador no início dos anos 80, a porcentagem subiu para 15%. No início dos anos 90, havia chegado a mais de 30% e, no fim da década, batia em quase 50%. Mesmo com a recente letargia no investimento em tecnologia, empresas no mundo todo continuam a gastar bem mais que US$ 2 trilhões por ano em TI.

Mas a veneração da TI vai muito mais fundo. É evidente também na mudança de atitude da alta gerência. Vinte anos atrás, a maioria dos executivos menosprezava o computador, a seu ver uma ferramenta proletária, uma máquina de escrever e de calcular glorificada que deveria ser relegada a funcionários de baixo escalão como secretárias, analistas e técnicos. Era raro o executivo que deixava seus dedos tocarem um teclado, e mais raro ainda o que incorporava a TI a seu pensamento estratégico.

Hoje, isso mudou completamente. Presidentes de empresas agora falam rotineiramente sobre o valor estratégico da tecnologia da informação, sobre maneiras de usar a gestão de TI para ganhar vantagens competitivas, sobre a “digitalização” dos modelos de negócios.

A maioria incluiu diretores de informática na alta cúpula e muitos contrataram firmas de consultoria estratégica para trazer novas idéias sobre a alavancagem do investimento em TI para a diferenciação e a geração de vantagens.

Por trás da mudança de mentalidade reside uma premissa simples: a de que com o aumento da potência e da presença da gestão de TI aumentou também seu valor estratégico. É uma premissa razoável, até mesmo intuitiva. Mas é errada. O que torna um recurso realmente estratégico — o que o capacita a servir de base para uma vantagem competitiva sustentada — não é sua ubiqüidade, mas sua escassez. Só ganha uma vantagem sobre os rivais aquele que tem ou faz algo que os outros não têm ou não fazem. Só que as funções básicas da TI — armazenamento, processamento e transporte de dados — estão disponíveis e acessíveis a todos.

Seu poder e sua presença começam a transformá-los de recursos potencialmente estratégicos em fatores comoditizados de produção. Estão virando custos de operação que precisam ser pagos por todos mas não oferecem distinção a ninguém. O melhor é encarar a TI como a mais recente de uma série de tecnologias amplamente adotadas que remodelaram a indústria ao longo dos últimos dois séculos — da locomotiva e da ferrovia ao telégrafo e ao telefone, passando pelo gerador elétrico e pelo motor de combustão interna.

Por um breve período, enquanto eram incorporadas à infra-estrutura do comércio, todas essas tecnologias abriram oportunidades para que empresas que olhavam à frente ganhassem vantagens reais. Mas à medida que sua disponibilidade cresceu e seu custo diminuiu — à medida que se tornaram onipresentes — transformaram- se em um recurso comoditizado. Do ponto de vista estratégico, tornaram- se invisíveis, perderam a importância. É isso que ocorre hoje com a tecnologia da informação, com profundas implicações para a gestão de TI nas empresas.

Vantagem que desaparece

Muitos comentaristas traçaram paralelos entre a expansão da TI — em particular a internet — e a disseminação de tecnologias anteriores. A maioria das comparações, porém, ateve-se ao padrão de investimento ligado às tecnologias — o ciclo de expansão e decadência — ou ao papel das mesmas na reformulação de operações de setores ou mesmo economias inteiras. Pouco foi dito sobre a forma pela qual a tecnologia influencia ou não a competição no âmbito de empresas.

É aqui, porém, que a história oferece algumas de suas mais importantes lições a executivos. É preciso fazer uma distinção entre tecnologias proprietárias e aquilo que poderia ser chamado de tecnologia infra-estrutural. Uma tecnologia proprietária pode pertencer, de fato ou na prática, a uma única empresa. Um laboratório farmacêutico, por exemplo, pode ter a patente de um composto particular que serve de base para uma linha de remédios. Uma indústria pode descobrir um meio inovador de empregar uma tecnologia de processamento que a concorrência acha difícil replicar. Uma fabricante de bens de consumo pode adquirir direitos exclusivos para um novo material de embalagem que dá a seu produto uma vida de prateleira mais longa que marcas rivais. Desde que permaneça protegida, a tecnologia proprietária pode ser a base de vantagens estratégicas de longo prazo, permitindo à empresa obter lucros superiores aos de rivais.

Tecnologias infra-estruturais, por sua vez, geram muito mais valor quando compartilhadas do que quando usadas exclusivamente. Voltemos ao início do século 19. Suponhamos que, lá, uma indústria detivesse os direitos de toda a tecnologia exigida para criar uma ferrovia. Se quisesse, tal empresa poderia erguer apenas linhas proprietárias entre seus fornecedores, suas fábricas e seus distribuidores e rodar suas próprias locomotivas e vagões nos trilhos. E poderia até operar de forma mais eficaz em razão disso. Mas, para a economia de maneira geral, o valor produzido por tal arranjo seria trivial em comparação ao valor gerado pela construção de uma rede ferroviária aberta que conectasse várias empresas e vários compradores.

Características e fatores econômicos de tecnologias infra-estruturais, sejam ferrovias, linhas de telégrafo ou geradores de energia, tornam inevitável que sejam amplamente compartilhadas — que virem parte da infra-estrutura geral dos negócios. Nos estágios iniciais de sua propagação, contudo, uma tecnologia infraestrutural pode assumir a forma de tecnologia proprietária. Enquanto o acesso à tecnologia for restrito — por limitações físicas, direitos de propriedade intelectual, altos custos ou falta de padrões — uma empresa pode usá-la para ganhar vantagens sobre as rivais.

Consideremos o período entre a construção das primeiras usinas de energia elétrica, por volta de 1880, e a instalação da malha elétrica, no início do século 20. Nesse intervalo, a eletricidade permaneceu um recurso escasso. Indústrias que conseguiram aproveitar o recurso — com a construção das fábricas perto de usinas geradoras, por exemplo — muitas vezes tiveram uma vantagem importante. Não foi coincidência que a maior fabricante americana de porcas e parafusos da virada do século, a Plumb, Burdict, and Barnard, tenha instalado sua fábrica perto das Cataratas do Niágara, no Estado de Nova York, local de uma das primeiras usinas hidrelétricas de grande porte.

Outra forma de uma empresa passar o pé nas concorrentes é ter um insight melhor sobre o uso de uma nova tecnologia. A chegada da energia elétrica mais uma vez traz um bom exemplo. Até o fim do século 19, a maioria das indústrias dependia da pressão da água ou do vapor para operar seu maquinário. Naqueles dias, a energia vinha de uma fonte única e fixa — a roda d’água do moinho, por exemplo — e exigia um elaborado sistema de engrenagens para ser distribuída entre cada estação de trabalho ao longo da fábrica. Com a chegada dos primeiros geradores elétricos, muitas indústrias simplesmente adotaram a tecnologia como substituta da fonte única de energia, usando o gerador para mover o sistema de engrenagens existente.

Indústrias astutas, porém, viram que uma das grandes vantagens da energia elétrica é sua fácil distribuição. Ou seja, pode ser levada diretamente à estação de trabalho. Ao cabear as fábricas e instalar motores elétricos no maquinário, puderam dispensar o pesado, inflexível e dispendioso sistema de engrenagens, ganhando uma importante vantagem em eficiência sobre as concorrentes mais lentas. Além de viabilizar métodos operacionais novos, mais eficientes, a tecnologia infra-estrutural com freqüência provoca mudanças mais amplas no mercado. Aqui, também, a empresa que enxerga a novidade pode ficar um passo à frente de rivais míopes.

Em meados do século 19, quando os EUA se lançaram com força à expansão da malha ferroviária, já era possível transportar mercadorias por longas distâncias — centenas de navios singravam os rios do país. O empresariado provavelmente presumiu que o transporte ferroviário seguiria o modelo das embarcações a vapor, com avanços marginais. Na verdade, a maior velocidade, capacidade e penetração das ferrovias mudou fundamentalmente a estrutura da indústria americana. De repente, era econômico despachar produtos acabados, em vez de apenas matérias-primas e componentes industriais, ao longo de grandes distâncias.

Surgia o mercado de consumo em massa.

Empresas rápidas em reconhecer a oportunidade maior correram para construir fábricas de grande escala para produção em massa. As economias de escala resultantes permitiram que esmagassem fabriquetas locais que até então haviam dominado a manufatura. Só que a cilada na qual cai com tanta freqüência o empresariado é presumir que a oportunidade para obter vantagens durará indefinidamente.

Na realidade, a janela para obtenção de vantagens com uma tecnologia infraestrutural se abre apenas brevemente. Quando o potencial comercial da tecnologia passa a ser amplamente assimilado, é inevitável que nela sejam investidas enormes cifras de dinheiro e que sua propagação ocorra com velocidade extrema. Trilhos de trem, cabos de telégrafo e linhas de energia foram todos instalados num ritmo frenético (no caso das linhas ferroviárias, tão frenético que custou a vida de centenas de trabalhadores).

Nos 30 anos entre 1846 e 1876, relata o historiador Eric Hobsbawm no livro A Era do Capital, a malha ferroviária total do planeta cresceu de 17.424 quilômetros para 309.641 quilômetros. No mesmo período, a tonelagem total de navios a vapor também explodiu, de 139.973 toneladas para 3.293.072 toneladas. O sistema de telégrafos espalhou-se ainda mais rapidamente. Na Europa continental, havia apenas 2.000 milhas de cabos de telégrafo em 1849; 20 anos depois, eram 110.000. O padrão continuou com a energia elétrica. O número de centrais operadas pelas empresas do setor cresceu de 468 em 1889 para 4.364 em 1917, e a capacidade média de cada uma subiu mais de dez vezes (para uma discussão dos perigos do investimento excessivo, veja o quadro “Exagero na dose”).

Ao final da fase de propagação da infra-estrutura, a oportunidade para vantagens individuais praticamente evaporou. A corrida para investir gera mais concorrência, maior capacidade e preços em queda, tornando a tecnologia disponível e acessível em grande escala. Ao mesmo tempo, a propagação força os usuários a adotar padrões técnicos universais, tornando obsoletos sistemas proprietários. Até o jeito de usar a tecnologia começa a se padronizar com a disseminada compreensão e imitação de melhores práticas.

Muitas vezes, tais práticas acabam incorporadas à própria infra-estrutura; na esteira da eletrificação, por exemplo, todas as novas fábricas foram construídas com pontos de força bem distribuídos. Tanto a tecnologia como os modos de uso da mesma tornam- se comoditizados. A única vantagem significativa que a maioria das empresas pode esperar de uma tecnologia infra-estrutural depois de sua propagação é a vantagem de custo, e mesmo esta tende a ser muito difícil de sustentar. Isso não quer dizer que tecnologias infra-estruturais não continuem a influenciar a concorrência. Continuam, mas sua influência é sentida no nível macroeconômico, não no âmbito da empresa.

Se um dado país, por exemplo, fica para trás na instalação da tecnologia — seja uma rede ferroviária nacional, uma malha elétrica ou uma infra-estrutura de comunicações — seus setores domésticos sofrerão pesado. Na mesma veia, se uma empresa tarda a fazer uso do poder da tecnologia, correrá o risco de ser desbancada. Como sempre, o destino de uma empresa está atado a forças maiores que afetam sua região e seu setor. O ponto é, contudo, que o potencial da tecnologia para diferenciar uma empresa do resto — seu potencial estratégico — declina inexoravelmente à medida que se torna acessível e barata para todos.

A comoditização da TI

Embora mais complexa e maleável que suas predecessoras, a tecnologia da informação tem todos os traços de uma tecnologia infra-estrutural. Sua combinação de características garante uma comoditização particularmente rápida. A TI é, antes de tudo, um mecanismo de transporte — carrega a informação digital assim como uma ferrovia carrega produtos e malhas elétricas transportam eletricidade. Como qualquer mecanismo de transporte, vale muito mais quando compartilhada do que se usada isoladamente.

A história da TI nos negócios envolve interconectividade e interoperabilidade cada vez maiores, do compartilhamento de grandes mainframes a redes locais operadas por minicomputadores, indo para redes mais amplas de ethernet e daí para a internet. Cada estágio nessa progressão envolveu maior padronização da tecnologia e, ao menos recentemente, maior homogeneização de sua funcionalidade. Para a maioria das aplicações de negócios hoje, os benefícios da customização seriam amplamente superados pelos custos do isolamento.

A TI também é altamente replicável. De fato, é difícil imaginar uma commodity mais perfeita que um byte de dados — reproduzível perfeita e interminavelmente a custo próximo de zero. A escalabilidade quase inifinita de muitas funções de TI, quando combinada com a padronização técnica, condena a maioria das aplicações proprietárias à obsolescência econômica. Por que criar uma aplicação própria para edição de texto ou e-mail ou, na mesma veia, de gestão da cadeia de fornecimento quando é possível comprar uma aplicação arrojada, pronta para uso, por uma fração do custo?

Mas não é só o software que é replicável. Uma vez que a maioria das atividades e processos empresariais está hoje incorporada em software, estes se tornam replicáveis também. Quando uma empresa compra um aplicativo genérico, compra também um processo genérico. A economia e os benefícios da interoperabilidade tornam o sacrifício da distinção inevitável. O advento da internet acelerou a comoditização da TI ao criar um canal perfeito para veiculação de aplicações genéricas.

Cada vez mais, as exigências de TI de uma empresa serão satisfeitas com a simples aquisição de “serviços na web” de terceiros pagos em tarifas, de forma parecida com a que atualmente se paga por energia elétrica ou por serviços de telecomunicações. A maioria dos fornecedores de tecnologia para empresas, da Microsoft à IBM, tenta se posicionar como fornecedores de serviços básicos de TI, empresas que controlarão a oferta de uma variada gama de aplicativos empresariais no que agora é chamado, sugestivamente, de “malha”. Novamente, o resultado é uma homogeneização cada vez maior dos recursos de TI, com mais e mais empresas substituindo aplicativos customizados por genéricos.

Finalmente, e por todos os motivos já discutidos, a TI está sujeita a uma rápida queda de preços. Quando Gordon Moore afirmou, com notória presciência, que a densidade de circuitos num chip de computador dobraria a cada dois anos, ele fazia uma previsão sobre a explosão futura do poder de processamento. Mas fazia ainda uma previsão sobre a futura queda no preço da funcionalidade do computador. O custo do poder de processamento cai incessantemente: de US$ 480 por milhão de instruções por segundo (Mips) em 1978 para US$ 50 por Mips em 1985 e US$ 4 por Mips em 1995, uma tendência que continua inabalável.

Houve declínios similares no custo do armazenamento e transmissão de dados. O rápido barateamento da funcionalidade da TI não só democratizou a revolução do computador como destruiu uma das mais importantes barreiras potenciais a competidores. Mesmo os recursos mais sofisticados de TI rapidamente estão disponíveis para todos. Dadas essas características, não surpreende que a evolução da TI tenha espelhado de perto a de tecnologias infra-estruturais anteriores. Sua propagação foi tão notável quanto a das ferrovias (embora com bem menos vítimas).

Consideremos certas estatísticas. No último quarto do século 20, o poder computacional de um microprocessador aumentou 66.000 vezes. No intervalo entre 1989 e 2001, o número de computadores hospedeiros conectados à internet cresceu de 80.000 para mais de 125 milhões. Nos últimos cinco anos do século 20, o número de sites na World Wide Web cresceu de zero para quase 40 milhões. Dos anos 80 para cá, foram instalados mais de 450 milhões de quilômetros de cabos de fibra ótica, o suficiente, como observou recentemente a revista Business Week, para “circundar a terra 11.320 vezes”.

A exemplo de tecnologias infra-estruturais anteriores, a TI abriu a empresas capazes de enxergar à frente várias oportunidades para uma vantagem competitiva no início de sua propagação, quando ainda podia ser “possuída” como uma tecnologia proprietária. Um exemplo clássico é o da American Hospital Supply (AHS). Grande distribuidora de suprimentos médicos, a AHS lançou em 1976 um sistema inovador — o Analytic Systems Automated Purchasing, ou Asap — que permitia a hospitais encomendar artigos eletronicamente. Desenvolvido internamente, o Asap usava um software proprietário que rodava num computador mainframe; o pessoal de compras do hospital o acessava por meio de terminais em suas próprias instalações. Mais eficiente, o sistema de pedidos permitia aos hospitais reduzir seus estoques — e seus custos. Logo, a clientela rapidamente adotou o sistema. E como ele era exclusivo da AHS, ela conseguiu tirar as rivais da cena.

Por vários anos, a AHS foi a única distribuidora a contar com um sistema eletrônico de pedidos, uma vantagem competitiva que produziu resultados financeiros superiores durante anos. De 1978 a 1983, as vendas e os lucros da AHS subiram a médias anuais de 13% e 18%, respectivamente — bem acima das médias do setor. A AHS ganhou uma verdadeira vantagem competitiva ao capitalizar características de tecnologias infra-estruturais comuns nos estágios iniciais de sua propagação, em particular seu alto custo e falta de padronização. Só que em dez anos tais barreiras à concorrência já ruíam. A chegada do microcomputador e do software pronto para uso, aliada ao surgimento de padrões de operação em rede, tornava sistemas de comunicação proprietários pouco atraentes para seus usuários e economicamente desinteressantes para seus donos.

Numa virada irônica, porém previsível, a natureza fechada e a tecnologia ultrapassada do sistema da AHS o tornaram um ônus, e não mais um ativo. Na aurora dos anos 90, quando a AHS já se fundira com a Baxter Travenol para formar a Baxter International, a alta cúpula da empresa passou a ver o Asap como “um fardo sobre suas costas”, segundo um estudo de caso da Harvard Business School. Inúmeras empresas conseguiram vantagens importantes com a adoção inovadora da TI.

Algumas, como a American Airlines com o sistema de reservas Sabre, a Federal Express com o de rastreamento de remessas e a Mobil Oil com o de pagamento automatizado Speedpass, usaram a TI para obter vantagens operacionais ou de marketing particulares e com isso saltar à frente da concorrência num processo ou numa atividade. Outras, como a Reuters com sua rede de informações financeiras nos anos 70 ou, mais recentemente, a eBay com seus leilões na internet, tiveram um insight melhor sobre a maneira pela qual a TI alteraria fundamentalmente um setor e conseguiram garantir posições de liderança.

Em certos casos, o domínio conquistado por empresas com a inovação em TI provou-se mais duradouro que a vantagem tecnológica original. A WalMart e a Dell Computer são notórios exemplos de empresas que conseguiram transformar vantagens tecnológicas temporárias em vantagens de posicionamento duradouras. Mas as oportunidades para conquistar vantagens com base na TI estão minguando.

Hoje, práticas superiores vêm incorporadas em software ou são replicadas por outras vias. Quanto às transformações setoriais geradas pela TI, a maioria das que ocorreriam provavelmente já se concretizou ou está em vias de se concretizar. Setores e mercados continuarão a evoluir, claro, e alguns passarão por mudanças fundamentais — o futuro da indústria da música, por exemplo, continua em dúvida —, mas a história mostra que o poder de uma tecnologia infra-estrutural de transformar um setor sempre diminui quando a propagação está perto de seu ápice.

Embora ninguém possa dizer com precisão quando a fase de propagação de uma tecnologia infra-estrutural foi concluída, há muitos sinais de que a propagação da TI está muito mais próxima do fim do que do começo. Primeiro, o poder da TI está ultrapassando a maioria das necessidades comerciais que preenche. Segundo, o preço da funcionalidade básica da TI desceu ao ponto no qual é mais ou menos acessível a todos. Terceiro, a capacidade da rede de distribuição universal (a internet) alcançou a demanda — de fato, temos uma capacidade de fibra ótica consideravelmente maior do que precisamos.

Quarto, fornecedores de TI correm para se posicionar como fornecedores de commodities ou mesmo como distribuidores de um serviço básico. Por fim, a bolha de investimento definitivamente estourou no final do século 20, um indício historicamente claro de que uma tecnologia infra-estrutural se aproxima do fim de sua propagação.

Um punhado de empresas pode ainda ser capaz de extrair vantagens de aplicativos altamente especializados cuja replicação não traga sólidos incentivos econômicos. Tais empresas, porém, serão as exceções que comprovarão a regra. No ocaso dos anos 90, com a febre da internet em seu auge, tecnólogos soltavam visões grandiosas do “futuro digital” que despontava. Pode ser que, ao menos em termos de estratégia empresarial, tal futuro já tenha chegado.

Da ofensiva à defensiva

Que atitude, então, deve tomar uma empresa? Do ponto de vista prático, a lição mais importante a tirar de tecnologias infra-estruturais anteriores talvez seja esta: quando um recurso se torna essencial para a competição mas irrelevante para a estratégia, os riscos que cria passam a importar mais do que as vantagens que oferece.

Pensemos na eletricidade. Hoje, nenhuma empresa monta sua estratégia de negócios em torno do uso da eletricidade, ainda que um breve lapso no fornecimento possa ser devastador (como descobriram certas empresas na Califórnia durante a crise de energia de 2000). Os riscos operacionais associados à TI são muitos — panes técnicas, obsolescência, interrupção de serviço, fornecedores ou parceiros não confiáveis, falhas de segurança, até terrorismo — e alguns foram ampliados à medida que as empresas mudaram de sistemas proprietários, rigidamente controlados, para sistemas abertos, compartilhados.

Hoje, um distúrbio de TI pode tornar uma empresa incapaz de produzir seus bens, prestar seus serviços e conectar-se com clientes. Pode, além disso, manchar sua reputação. Mas poucas empresas agiram com rigor para identificar e amenizar sua vulnerabilidade. Pensar em possíveis percalços pode não ser uma missão tão glamourosa como especular sobre o futuro, mas é uma missão mais essencial no momento.

No longo prazo, porém, o maior risco da TI diante da maioria das empresas é mais prosaico que uma catástrofe. É, simplesmente, gastar em excesso. A TI pode ser uma commodity cujos custos cairão rápido o bastante para garantir que novos recursos sejam rapidamente compartilhados, mas o próprio fato de que compreende tantas funções da empresa significa que continuará a consumir uma grande porção do investimento corporativo. Para a maioria das empresas, o mero ato de continuar operando vai exigir grandes dispêndios em TI.

O que é importante — e isso vale para qualquer insumo comoditizado — é conseguir distinguir investimentos essenciais de gastos discricionários, desnecessários ou mesmo contraproducentes. Num âmbito superior, uma administração de custos mais sólida requer mais rigor na avaliação dos retornos esperados do investimento em sistemas, mais criatividade em explorar alternativas mais simples e baratas e uma maior abertura para a terceirização e outras parcerias. Mas a maioria das empresas pode também obter economias substanciais com a simples redução do desperdício.

O microcomputador é um bom exemplo. Todo ano, empresas compram mais de 100 milhões de PCs, na maior parte para substituir modelos anteriores. Só que a vasta maioria dos trabalhadores que usam um micro depende de um punhado de aplicações — processador de texto, planilhas, e-mail e navegação na web. Tais aplicações estão tecnologicamente maduras há anos e consomem apenas uma fração do poder computacional dos microprocessadores de hoje. Apesar disso, as empresas continuam a realizar atualizações generalizadas de hardware e software. Muito desse gasto, verdade seja dita, é movido por estratégias dos fornecedores.

Grandes empresas de hardware e software tornaram-se mestres na arte de desovar novos recursos e funções de forma a forçar as empresas a comprar novos computadores, aplicativos e equipamentos de rede com freqüência muito maior do que precisam. Chegou a hora de os compradores de TI fazerem sentir seu peso, de negociar contratos que assegurem a utilidade no longo prazo de seu investimento em PCs e de impor duros limites aos custos de atualização. Em caso de resistência dos fornecedores, a empresa deveria estar disposta a explorar soluções mais baratas, incluindo aplicativos abertos e terminais de rede básicos, ainda que isso signifique sacrificar recursos de informática. Se uma empresa precisa de pistas sobre as cifras a serem poupadas, basta conferir a margem de lucro da Microsoft.

Passivas em suas compras, as empresas foram ainda descuidadas no uso da TI. Isso vale particularmente para o armazenamento de dados, que agora representa mais de metade dos gastos com TI de muitas empresas. O grosso do que está sendo armazenado em redes corporativas tem pouco a ver com produzir bens ou servir clientes. Consiste, antes, de e-mails e arquivos guardados por funcionários, inclusive terabytes de spam, MP3 e trechos de vídeo.

A revista Computerworld calcula que até 70% da capacidade de armazenamento de uma rede Windows típica é desperdiçada — um gasto enorme e desnecessário. Restringir a capacidade do funcionário de salvar arquivos indiscriminada e indefinidamente talvez soe antipático para muitos gerentes, mas pode ter um impacto real no balanço. Agora que a TI tornou-se o investimento de capital dominante para a maioria das empresas, não há desculpa para desperdício e descaso. Dada a rápida velocidade do avanço da tecnologia, adiar investimentos em TI pode ser outra boa saída para cortar custos e, ao mesmo tempo, reduzir as chances de a empresa acabar com uma tecnologia ainda falha ou prestes a ficar obsoleta.

Muitas empresas, particularmente nos anos 90, correram para investir em TI na esperança de conquistar a vantagem de quem sai na frente ou com medo de ficar para trás. Exceto em raros casos, tanto a esperança quanto o medo eram injustificados. Os usuários de tecnologia mais astutos — aqui, mais uma vez, Dell e WalMart se destacam — ficam bem atrás da vanguarda: esperam para comprar quando padrões e melhores práticas se solidificam. São empresas que deixam as rivais impacientes arcar com os altos custos da experimentação e então pulam à frente delas, gastando menos e recebendo mais.

Certos executivos talvez temam que cortar a verba de TI prejudique sua posição competitiva. Estudos sobre o investimento empresarial em TI indicam repetidamente, porém, que gastos maiores raramente se traduzem em resultados financeiros superiores.

Antes, o oposto costuma ser verdadeiro. Em 2002, a firma de consultoria Alinean comparou o dispêndio em TI e os resultados financeiros de 7.500 grandes empresas americanas e descobriu que as de melhor desempenho tendiam a ser as que menos gastavam. As 25 empresas que tiveram os mais altos retornos econômicos, por exemplo, gastaram em média apenas 0,8% de suas receitas em TI, enquanto a média de todas as empresas foi de 3,7%.

Um recente estudo da Forrester Research também mostrou que os mais pródigos em gastar em TI raramente têm os melhores resultados. Mesmo Larry Ellison, da Oracle, um dos grandes vendedores de tecnologia, admitiu numa entrevista recente que “a maioria das empresas gasta demais (em TI) e obtém muito pouco em retorno”. Com as oportunidades para a vantagem fundada na informática em contínua retração, a punição por gastar em excesso apenas aumentará. Francamente, a gestão de TI deveria tornar-se algo enfadonho.

O segredo do sucesso, para a grande maioria das empresas, já não é buscar uma vantagem agressivamente, mas administrar custos e riscos meticulosamente. Se, como muitos executivos, você vem adotando uma postura mais defensiva em relação à TI nos últimos dois anos, gastando de forma mais comedida e pensando com maior pragmatismo, você já está no curso certo. O desafio será manter a disciplina quando o ciclo de negócios entrar numa fase boa e voltar a ser entoado o coro do valor estratégico da TI.

Exagero na dose

Como já observaram muitos, o excesso de investimento em tecnologia da informação nos anos 90 reproduz o excesso de investimento nas ferrovias da década de 1860. Em ambos os casos, empresas e indivíduos, deslumbrados pelas possibilidades comerciais aparentemente ilimitadas das tecnologias, desperdiçaram enormes cifras em negócios e produtos prematuros. Ainda pior, a enxurrada de capital provocou um excesso de capacidade, devastando indústrias inteiras.

Só resta esperar que a analogia termine aí. O boom das ferrovias do meio do século 19 (e as tecnologias bastante correlatas do motor a vapor e do telégrafo) ajudou a produzir não só um excesso de capacidade industrial generalizada, mas um salto de produtividade. A combinação armou o cenário para duas sólidas décadas de deflação. Embora a produção econômica mundial tenha continuado a crescer com força entre meados da década de 1870 e meados da de 1890, os preços desabaram — na Inglaterra, a potência econômica dominante da época, os níveis de preço caíram 40%. Os lucros das empresas, por sua vez, evaporaram. Uma empresa via o valor de seus produtos erodir durante o próprio ato de fabricá-los.

Com a instalação da primeira depressão mundial, o mal-estar econômico cobria boa parte do globo. “O otimismo quanto a um futuro de progresso indefinido deu lugar à incerteza e a um sentimento de agonia”, escreveu o historiador D.S. Landes. Naturalmente, o mundo hoje é muito diferente e seria perigoso presumir que a história se repetirá. Mas com empresas lutando para reforçar os lucros e a economia do mundo todo flertando com a deflação, também seria perigoso presumir que isso não possa acontecer.

A questão dos fornecedores

Na edição 2003 do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, o cientista-chefe e co-fundador da Sun Microsystems, Bill Joy, lançou o que para ele deve ter sido uma questão dolorosa: “E se, na verdade, as pessoas já tiverem comprado a maior parte daquilo que desejam ter?” As pessoas a quem ele se referia são, naturalmente, empresários, e o objeto do desejo é a tecnologia da informação. Com o fim da grande propagação da infra-estrutura de TI comercial aparentemente à vista, a questão de Joy é uma que todos os fornecedores de TI deveriam estar se perguntando. Há bons motivos para crer que os recursos de TI atuais de empresas satisfazem em grande parte suas necessidades e, logo, que a recente e generalizada letargia da demanda é um fenômeno tão estrutural quanto cíclico.

Ainda que seja verdade, o quadro pode não ser tão sombrio como parece para a indústria de informática, pelo menos para quem tem capacidade de enxergar adiante e habilidade de se adaptar ao novo ambiente. A importância de tecnologias infra-estruturais para as operações diárias de empresas significa que estas continuam a absorver grandes volumes de caixa mesmo depois de terem virado commodities — indefinidamente, em muitos casos. Hoje, praticamente toda empresa continua a gastar pesado com serviços telefônicos e eletricidade, por exemplo, e muita empresa manufatureira ainda gasta muito com transporte ferroviário. Além disso, a natureza padronizada das tecnologias infra-estruturais muitas vezes leva ao estabelecimento de lucrativos monopólios e oligopólios.

Vários fornecedores de tecnologia estão se reposicionando — e reposicionando seus produtos — em resposta às mudanças no mercado. A iniciativa da Microsoft de transformar o pacote de programas Office de um artigo embalado num serviço de assinatura anual é um reconhecimento tácito de que as empresas já não têm tanta necessidade de — e tanto apetite por — constantes atualizações.

A Dell conseguiu explorar a comoditização do mercado de micros e agora estende a estratégia para servidores, armazenamento de dados e até serviços (a grande sacada de Michael Dell sempre foi sua crença fria de que a TI seria comoditizada). E muitos dos grandes fornecedores de TI a empresas, como Microsoft, IBM, Sun e Oracle, lutam para se posicionar como fornecedores dominantes de “serviços na web” — para virar, na prática, fornecedores de serviços básicos. Essa guerra por escala, combinada com a contínua transformação da TI numa commodity, levará a mais consolidação em muitos setores da indústria de TI. Quem vencer se dará muito bem; quem perder desaparecerá.

Novas regras para a gestão de TI

Com as oportunidades para a conquista de vantagens estratégicas com a tecnologia da informação sumindo rapidamente, muitas empresas devem reavaliar seu método de investimento em TI e de gestão de sistemas. Como ponto de partida, eis aqui três diretrizes para o futuro:

Gaste menos.

Estudos mostram que as empresas com os maiores investimentos em TI raramente registram os melhores resultados financeiros. Com a contínua comoditização da TI, a penalidade pelo investimento inútil só vai aumentar. Está ficando muito mais difícil obter uma vantagem competitiva por meio de um investimento em TI, embora esteja ficando muito mais fácil colocar a empresa em desvantagem no quesito custos.

Em vez de liderar, siga.

A Lei de Moore garante que quanto mais se espera para fazer uma compra de TI, mais se recebe pela cifra gasta. A espera ainda diminui o risco de se comprar algo tecnologicamente falho ou condenado à rápida obsolescência. Em certos casos, estar na vanguarda faz sentido. Mas tais casos ficam cada vez mais raros à medida que cresce a homogeneização dos recursos de TI.

Pense em vulnerabilidades, não em oportunidades.

É incomum uma empresa ganhar uma vantagem competitiva graças ao uso distinto de uma tecnologia infra-estrutural madura. Já uma interrupção na disponibilidade da tecnologia, por mínima que seja, pode ser devastadora. À medida que as empresas continuarem a ceder controle de seus aplicativos e redes de TI a terceiros, incluindo fornecedores, as ameaças que enfrentam vão se proliferar. Logo, uma empresa precisa se preparar para panes técnicas, quedas no serviço e violações da segurança, transferindo sua atenção de oportunidades para vulnerabilidades.


* O termo “tecnologia da informação” é amplo. Neste artigo, é usado na acepção atual mais comum. Ou seja, refere-se a tecnologias usadas para processamento, armazenagem e transporte de dados em formato digital.


Fonte: Harvard Business Review