Além da Revolução da Informação

Há 15 anos o mestre em administração de empresas Peter Drucker já alertava aos executivos que a revolução da informação estava ainda numa etapa inicial. A internet conectava menos de 30% dos negócios e empresas no início do ano 2000 e muitas decisões eram tomadas sem conhecer o panorama completo dessa nova revolução. Vamos reler esse artigo profético do mestre Drucker para analisarmos o que ocorreu após essa Revolução da Informação.

O impacto da Revolução da Informação está apenas começando. Mas a força motriz desse impacto não é a informática, a inteligência artificial, o efeito dos computadores sobre a tomada de decisões ou a elaboração de políticas ou de estratégias. É algo que praticamente ninguém previu nem mesmo se falava há 10 ou 15 anos: o comércio eletrônico –o aparecimento explosivo da Internet como um canal importante, talvez principal, de distribuição mundial de produtos, serviços e, surpreendentemente, de empregos de nível gerencial.

Essa nova realidade está modificando profundamente economias, mercados e estruturas setoriais; os produtos e serviços e seu fluxo; a segmentação, os valores e o comportamento dos consumidores; o mercado de trabalho. O impacto, porém, pode ser ainda maior nas sociedades e nas políticas empresariais e, acima de tudo, na maneira como encaramos o mundo e nós mesmos dentro dele. Setores novos e inesperados sem dúvida surgirão, e rapidamente.

Alguns já chegaram para ficar: a biotecnologia e a criação de peixes. Dentro dos próximos 50 anos a aquicultura pode nos transformar de caçadores e coletores nos mares em pastores marítimos –do mesmo modo que uma inovação semelhante transformou, há uns 10 mil anos, nossos ancestrais de caçadores e coletores em pastores e agricultores. É provável que outras novas tecnologias apareçam, criando novos e importantes setores.

Quais? É impossível adivinhar. Mas é muito provável (na verdade, quase certo) que elas vão aparecer, e logo. É quase certo também que poucas delas nascerão da área da tecnologia de computadores e informação. Como a biotecnologia e a aquicultura, cada uma emergirá de sua tecnologia singular e inesperada.

Logicamente, trata-se apenas de previsões. Contudo, elas são feitas segundo a premissa de que a Revolução da Informação evoluirá como as várias revoluções tecnológicas nos últimos 500 anos, como a revolução da imprensa de Gutenberg, em torno de 1455.

Sobretudo, a premissa é que a Revolução da Informação será como foi a Revolução Industrial no final do século XVIII e início do século XIX. E é exatamente assim que tem sido a Revolução da Informação nestes seus primeiros 50 anos.

Crise em família

A Revolução da Informação está atualmente no ponto em que a Revolução Industrial estava no início da década de 1820, cerca de 40 anos depois da primeira aplicação da máquina a vapor aperfeiçoada de James Watt, em 1785, numa operação industrial –a da fiação do algodão. E a máquina a vapor foi para a primeira Revolução Industrial o que o computador foi para a Revolução da Informação –seu gatilho e, acima de tudo, seu símbolo.

Quase todos atualmente acreditam que nada na história econômica evoluiu tão depressa nem teve tanto impacto quanto a Revolução da Informação. No entanto, a Revolução Industrial evoluiu, no mínimo, tão depressa quanto a Revolução da Informação no mesmo intervalo de tempo, e provavelmente teve um impacto igual, se não maior.

Em curto espaço de tempo, ela mecanizou a grande maioria dos processos de fabricação, começando pela produção da mercadoria manufaturada mais importante daquela época: os tecidos. A Lei de Moore afirma que o preço do elemento básico da Revolução da Informação, o microchip, cai 50% a cada 18 meses. O mesmo ocorreu com os produtos na primeira Revolução Industrial. O preço dos tecidos de algodão caiu 90% nos 50 anos seguintes à Revolução Industrial.

No mesmo período, a produção de tecidos de algodão aumentou no mínimo 150 vezes, na Inglaterra. Embora os tecidos fossem o produto mais visível nos primeiros anos, a Revolução Industrial mecanizou a produção de praticamente todos os tipos de produtos, como papel, vidro, couro e tijolos. Seu impacto de modo algum se limitou aos produtos de consumo.

A produção de ferro e derivados (por exemplo, arame) tornou-se mecanizada e movida a vapor na mesma velocidade que a dos tecidos, com os mesmos efeitos sobre custo, preço e produção. No fim das Guerras Napoleônicas, a fabricação de canhões era movida a vapor em toda a Europa. Eles eram feitos de 10 a 20 vezes mais depressa do que antes, e seu custo caiu mais de dois terços. A essa altura, Eli Whitney havia também mecanizado a fabricação de mosquetões nos Estados Unidos e criado a primeira indústria bélica de produção em massa.

Esses 40 ou 50 anos deram origem à fábrica e à chamada classe trabalhadora. As duas existiam em número muito reduzido em meados da década de 1820, mesmo na Inglaterra, mas chegaram a predominar psicologicamente (e politicamente também). Antes de haver fábricas nos Estados Unidos, Alexander Hamilton previu um país industrializado em seu Relatório sobre Manufaturas, de 1791. Uma década mais tarde, em 1803, um economista francês, Jean-Baptiste Say, viu que a Revolução Industrial mudara a economia ao criar a figura do empresário.

As consequências sociais superam em muito a fábrica e a classe trabalhadora. Como ressaltou o historiador Paul Johnson, em A History of the American People (Uma História do Povo Americano), de 1997, foi o crescimento explosivo da indústria têxtil baseada na máquina a vapor que reviveu a escravidão. Considerada praticamente morta pelos fundadores da República Americana, a escravidão ressurgiu com vigor quando se criou uma enorme demanda de mão-de-obra barata para descaroçar o algodão (logo depois uma máquina a vapor faria esse trabalho), e a criação de escravos tornou-se o negócio mais lucrativo dos Estados Unidos durante algumas décadas.

A Revolução Industrial também teve grande impacto sobre a família. Essa era a unidade de produção até então, com o marido, a mulher e os filhos trabalhando juntos na fazenda e na oficina do artesão. A fábrica, quase pela primeira vez na história, tirou o trabalhador e o trabalho de dentro de casa, deixando os membros da família para trás. De fato, a “crise da família” não começou após a Segunda Guerra Mundial. Teve início com a Revolução Industrial –e na verdade foi uma grande preocupação dos que se opunham à Revolução Industrial e ao sistema das fábricas. (A melhor descrição do divórcio entre trabalho e família, e de seus efeitos sobre ambos, é provavelmente o romance Tempos Difíceis, de Charles Dickens, de 1854.)

A estrada de ferro

Contudo, apesar de todos esses efeitos, a Revolução Industrial, em seus primeiros 50 anos, apenas mecanizou a produção de mercadorias que já existiam há muito tempo. Ela aumentou tremendamente a produção e diminuiu o custo. Criou tanto consumidores como produtos de consumo. Os produtos feitos nas novas fábricas diferiam dos tradicionais somente pelo fato de que eram uniformes, com menos defeitos do que os produzidos por um dos artesãos que não fossem os de alto gabarito.

Houve apenas uma exceção importante, um produto novo, nesses primeiros 50 anos: o barco a vapor, viabilizado pela primeira vez por Robert Fulton em 1807. Teve impacto 30 ou 40 anos depois. Até quase o fim do século XIX, transportava-se mais carga pelos oceanos do mundo em barcos a vela do que em barcos a vapor.

Mas foi só em 1829 que surgiu um produto realmente sem precedentes, que mudaria para sempre a economia, a sociedade e a política: a ferrovia. Olhando a história, é difícil imaginar por que a invenção da ferrovia demorou tanto. Os trilhos para movimentar os carrinhos já existiam nas minas de carvão havia muito tempo. O que poderia ser mais óbvio do que colocar um motor a vapor num carrinho para movimentá-lo, em vez de empurrá-lo com pessoas ou puxá-lo com cavalos?

No entanto, a ferrovia não surgiu dos carrinhos das minas, sendo desenvolvida de forma bastante independente. Ela não se destinava a transportar carga; ao contrário, durante muito tempo foi encarada apenas como uma maneira de transportar pessoas. As ferrovias se tornaram transportadoras de carga 30 anos mais tarde, nos Estados Unidos. Contudo, foram precisos apenas cinco anos para o mundo ocidental ser engolfado pela maior explosão que a história já presenciou –a explosão da ferrovia.

Marcada pelos maiores surtos da história econômica, a explosão continuou na Europa durante 30 anos, até o fim da década de 1850, época em que a maioria das ferrovias importantes atuais já estava construída. Nos Estados Unidos continuou por outros 30 anos, e em outras regiões –como Argentina, Brasil, Rússia asiática e China– até a Primeira Guerra Mundial. A ferrovia foi o elemento realmente revolucionário da Revolução Industrial. Não só criou uma nova dimensão econômica, como também mudou rapidamente o que eu chamaria de geografia mental.

Pela primeira vez na história os seres humanos realmente tinham mobilidade. Pela primeira vez os horizontes das pessoas comuns se expandiam. Os contemporâneos imediatamente perceberam que ocorrera uma mudança fundamental de mentalidade. (Pode-se encontrar uma boa descrição disso no que é, seguramente, o melhor retrato da sociedade em transição da Revolução Industrial, o romance Middlemarch – Um Estudo da Vida Provinciana, de George Eliot, de 1871.)

Como ressaltou o grande historiador francês Fernand Braudel em seu último trabalho importante, A Identidade da França (1986), foi a ferrovia que transformou esse país em uma nação e uma cultura. Antes era um aglomerado de regiões independentes, mantidas juntas apenas politicamente. O papel da ferrovia na criação do Oeste norte-americano é, sem dúvida, lugar-comum na história dos Estados Unidos.

Rotinas

Como a Revolução Industrial dois séculos atrás, a Revolução da Informação até agora – isto é, desde os primeiros computadores, em meados da década de 1940– apenas transformou processos que já existiam. Na verdade, o impacto real da Revolução da Informação não ocorreu na forma de informação. Quase nenhum dos efeitos da informação vislumbrados há 40 anos realmente se concretizou. Por exemplo, praticamente não houve mudança na forma em que são tomadas as decisões nas empresas ou governos.

A Revolução da Informação apenas transformou em rotina processos tradicionais de inúmeras áreas.

O software para afinar um piano converte um processo que tradicionalmente levava três horas para algo em torno de 20 minutos. Há software para folhas de pagamentos, para controle de estoque, para programações de entrega e para todos os outros processos de rotina de uma empresa.

O projeto das instalações internas de um grande prédio (aquecimento, hidráulica e assim por diante), de um presídio ou de um hospital antigamente envolvia, digamos, 25 projetistas altamente especializados durante 50 dias. Agora, existem programas que permitem que um projetista faça o trabalho em alguns dias, a uma fração ínfima do custo. Existe software que ajuda as pessoas a preencher a declaração de imposto de renda e software que ensina os residentes de hospital a retirar uma vesícula biliar.

As pessoas que agora especulam on-line na bolsa de valores fazem exatamente o que seus antecessores faziam na década de 1920, quando passavam horas, todos os dias, numa corretora. Os processos não mudaram nada. Eles foram transformados em rotinas, passo a passo, com uma tremenda economia de tempo e, frequentemente, de custos.

O impacto psicológico da Revolução da Informação, como o da Revolução Industrial, foi enorme. Talvez tenha sido mais forte na maneira como as crianças aprendem. Já aos 4 anos (e às vezes até antes), as crianças desenvolvem habilidades de computação, logo ultrapassando seus pais. Os computadores são seus brinquedos e suas ferramentas de aprendizado. Daqui a 50 anos, talvez concluamos que não houve nenhuma crise educacional no mundo –apenas ocorreu uma incongruência crescente entre a maneira como as escolas do século XX ensinavam e a maneira como as crianças do fim do século XX aprendiam.

Algo semelhante ocorreu na universidade do século XVI, cem anos depois da invenção da imprensa e dos tipos móveis. A Revolução da Informação, até agora, simplesmente criou uma rotina para o que sempre foi feito. A única exceção é o CD-ROM, inventado no início dos anos 1980 para apresentar óperas, cursos universitários, a obra de um escritor, de uma forma totalmente nova. Como o barco a vapor, o CD-ROM não foi um sucesso imediato.

O significado do comércio eletrônico

O comércio eletrônico é para a Revolução da Informação o que a ferrovia foi para a Revolução Industrial –um avanço totalmente novo, totalmente sem precedentes, totalmente inesperado. Fazendo uma analogia com a ferrovia de 1830, o comércio eletrônico está criando uma nova explosão, mudando rapidamente a economia, a sociedade e a política. Um exemplo: uma companhia de médio porte no Centro-Oeste industrial dos Estados Unidos, fundada na década de 1920 e agora dirigida pelos netos do fundador, possuía 60% do mercado de louça barata para lanchonetes, escolas, refeitórios de empresas e hospitais num raio de 160 quilômetros de sua fábrica. A louça é pesada e quebra fácil; assim, a louça barata normalmente é vendida dentro de uma área restrita.

Quase da noite para o dia, a companhia perdeu mais da metade de seu mercado. Em um de seus clientes, um refeitório de hospital, alguém foi navegar na Internet e descobriu um fabricante europeu que oferecia louça de qualidade aparentemente melhor a um preço mais baixo. Além disso, enviava por avião e a custo baixo. Em poucos meses os principais clientes tinham preferido o fornecedor europeu. Poucos deles, ao que parece, lembram ou se importam que o produto vem da Europa. Na nova geografia mental criada pela ferrovia, a humanidade dominou a distância. Na geografia mental do comércio eletrônico, simplesmente eliminou-se a distância. Existem somente uma economia e um mercado.

Uma consequência disso é que toda empresa deve se tornar competitiva internacionalmente, mesmo que fabrique ou venda apenas em um mercado local ou regional. A concorrência não é mais local; ela desconhece fronteiras. Toda empresa tem de se tornar transnacional na maneira em que opera. Contudo, a multinacional tradicional pode muito bem se tornar obsoleta. Ela fabrica e distribui em inúmeras geografias distintas, nas quais é uma empresa local. Entretanto, no comércio eletrônico, não existem nem empresas locais nem geografias distintas.

Qual o futuro?

Ainda não se sabe que tipo de produtos e serviços serão comprados e vendidos pelo comércio eletrônico. Isso ocorre sempre que surge um novo canal de distribuição. Por que, por exemplo, a ferrovia mudou a geografia tanto econômica quanto mental do Oeste americano, ao passo que o barco a vapor –com um impacto semelhante sobre o comércio mundial e o tráfego de passageiros– não mudou nenhum dos dois? Por que não houve a explosão do barco a vapor?

Não está claro o impacto das mudanças mais recentes dos canais de distribuição –das mercearias locais para o supermercado, do supermercado individual para a cadeia de supermercados e desta para o WalMart e outras cadeias de descontos. A mudança para o comércio eletrônico será igualmente eclética e inesperada.

Eis alguns exemplos. Em 1980, normalmente se acreditava que dentro de algumas décadas a palavra impressa seria despachada eletronicamente para as telas de computador dos assinantes individuais. Os assinantes leriam o texto na tela de um computador ou o carregariam no computador e o imprimiriam. Essa era a premissa por trás do CD-ROM. Assim, inúmeros jornais e revistas iniciaram operações on-line. Poucos, até agora, tornaram-se minas de ouro.

No entanto, em 1980, qualquer um que previsse um negócio como a Amazon.com (livros vendidos na Internet mas entregues em sua pesada forma impressa) seria ridicularizado. Entretanto, a Amazon e a Barnes & Noble fazem esse negócio no mundo inteiro. O primeiro pedido para a edição norte-americana de meu livro “Desafios Gerenciais para o Século XXI”, veio da Argentina pela Amazon.com.

Outro exemplo: em 1990 uma das principais indústrias automobilísticas do mundo realizou um minucioso estudo do impacto esperado da então emergente Internet sobre as vendas de automóveis. O estudo concluiu que a Internet se tornaria um importante canal de distribuição para carros usados, mas que os clientes ainda assim iam querer ver os carros novos, tocá-los, dirigi-los. Na verdade, pelo menos até agora, a maioria dos carros usados continua sendo comprada num pátio de venda de carros. Contudo, nos EUA no ano 2000, a compra de quase metade dos carros novos (excluindo os de luxo) já passava pela Internet em algum momento. O que isso significa para o futuro das revendas locais de automóveis, o pequeno negócio mais lucrativo do século XX?

Outro exemplo: os operadores do boom da bolsa dos EUA em 1998 e 1999 estão cada vez mais comprando on-line. Entretanto, os investidores estão se distanciando da compra eletrônica. O principal veículo de investimento dos norte-americanos são os fundos mútuos. Embora quase metade das cotas de fundos fossem, há alguns anos, compradas eletronicamente, estima-se que esse número caia para 35% este ano e 20% até 2005. Isso é o oposto do que todos esperavam em 1990.

O comércio eletrônico de crescimento mais rápido nos EUA está na área em que não havia comércio até agora: empregos para profissionais e gerentes. Quase 50% das maiores empresas do mundo recrutam pessoas por meio de Websites, e cerca de 2,5 milhões põem seu currículo na Internet e solicitam emprego por ela. O resultado é um mercado de trabalho totalmente novo. Isso ilustra outro efeito importante do comércio eletrônico: novos canais de distribuição mudam os clientes. Mudam não só sua forma de comprar, mas também o que compram. Eles mudam o comportamento do consumidor, os padrões de poupança, a estrutura industrial – em suma, toda a economia.

O cavalheiro e o tecnólogo

Os novos setores que emergiram após a ferrovia deviam pouco tecnologicamente à máquina a vapor ou à Revolução Industrial em geral. Eles não eram “filhos de sangue”, mas sim “filhos de espírito”. Eles só foram possíveis por causa da mentalidade que a Revolução Industrial criara e das capacitações que desenvolvera. Essa mentalidade aceitava –na verdade, recebia avidamente– a invenção e a inovação. Era uma mentalidade que aceitava e recebia produtos e serviços. Ela também criou os valores sociais que possibilitaram os novos setores. Acima de tudo, criou o tecnólogo.

O sucesso social e financeiro havia muito desafiava o primeiro tecnólogo importante dos Estados Unidos, Eli Whitney, cujo descaroçador de algodão, em 1793, foi tão importante para o sucesso da Revolução Industrial como a máquina a vapor. Uma geração mais tarde, o tecnólogo –ainda autodidata– tornara-se o herói popular norteamericano e era aceito e recompensado tanto social como financeiramente. Samuel Morse, o inventor do telégrafo, pode ter sido o primeiro exemplo; Thomas Edison tornou-se o mais famoso.

Na Europa, o homem de negócios por muito tempo continuou sendo um ser socialmente inferior, e o engenheiro formado em universidade, por volta de 1830 ou 1840, havia se tornado um profissional respeitado. Por volta de 1850, a Inglaterra perdia sua hegemonia e começava a ser uma economia industrial sobrepujada primeiro pelos Estados Unidos e depois pela Alemanha. Embora se mantivesse como a grande potência industrial até a Primeira Guerra Mundial –os corantes sintéticos, os primeiros produtos da moderna indústria química, foram inventados na Inglaterra, assim como a máquina a vapor–, o país não aceitou socialmente o tecnólogo. Ele nunca se tornou um cavalheiro.

Nenhum outro país considerava tanto o cientista –e, de fato, a Inglaterra conservou a liderança em física durante o século XIX, desde James Clerk Maxwell e Michael Faraday até Ernest Rutherford. Contudo, o tecnólogo continuava sendo um comerciante. (Charles Dickens, por exemplo, mostrava um desdém evidente pelo mestre-ferreiro bem-sucedido em seu romance Bleak House, de 1853.) Outro problema: a Inglaterra também não criou o investidor capitalista, que possui os meios e a mentalidade para financiar o inesperado e não-comprovado. Embora já existisse o banco comercial para financiar o comércio, não havia instituição para financiar a indústria até que dois refugiados alemães, S.G. Warburg e Henry Grunfeld, abriram um banco de negócios em Londres, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Já era tarde: nos EUA, o investidor capitalista foi institucionalizado na década de 1840 por J.P. Morgan.

O suborno do trabalhador do conhecimento

O que será necessário para impedir que os Estados Unidos se tornem a Inglaterra do século XXI? Estou convencido de que é necessária uma mudança drástica na mentalidade social, do mesmo modo que a liderança na economia industrial posterior à ferrovia exigiu a mudança drástica de comerciante para tecnólogo ou engenheiro.

O que chamamos de Revolução da Informação na verdade é uma Revolução do Conhecimento. O que possibilitou fazer a rotina de processos não foram as máquinas; o computador é apenas o gatilho. O software é a reorganização do trabalho tradicional, baseada em séculos de experiência, por meio da aplicação do conhecimento e, principalmente, de análise sistemática e lógica. O segredo não é a eletrônica, mas sim a ciência cognitiva.

O segredo para manter a liderança na nova economia e na nova tecnologia vai ser a posição social dos profissionais do conhecimento. Tratar esses profissionais como empregados tradicionais seria o mesmo que fez a Inglaterra ao tratar seus tecnólogos como comerciantes –e provavelmente com consequências semelhantes.

Atualmente, contudo, estamos tentando ficar em cima do muro –manter a mentalidade tradicional, na qual o capital é o recurso-chave e o financiador é o chefe, enquanto subornamos os trabalhadores do conhecimento dando-lhes bonificações e opções de compra de ações. No entanto, se isso vier a funcionar, só funcionará se os setores emergentes tiverem uma explosão no mercado de ações, como está ocorrendo com as empresas da Internet.

É provável que os próximos setores importantes se comportem muito mais como os setores tradicionais –isto é, crescer lenta, dolorosa e arduamente. Os primeiros setores da Revolução Industrial –tecelagens, ferro, ferrovias– foram explosivos e criaram milionários da noite para o dia, como os banqueiros investidores de Balzac. Entretanto, isso levou uns bons 20 anos, e foram 20 anos de trabalho árduo, luta, fracassos, poupança. Subornar os trabalhadores do conhecimento não vai funcionar. Os principais trabalhadores do conhecimento desses negócios seguramente esperarão compartilhar financeiramente os frutos de seu trabalho. No entanto, é provável que os frutos financeiros levem muito mais tempo para amadurecer, se é que vão.

Provavelmente, dentro de mais dez anos, tocar um negócio visando enriquecer o acionista como primeira meta e justificativa será contraproducente. Cada vez mais o desempenho nesses novos setores baseados em conhecimento dependerá de gerenciar para atrair, manter e motivar os trabalhadores do conhecimento. Isso terá de ser feito de algum modo: satisfazendo seus valores, dando-lhes reconhecimento social e poder. Isso terá de ser feito pela transformação de subordinados em colegas executivos e de empregados, por mais bem pagos que sejam, em sócios.

Lutero, Maquiavel e salmão

A ferrovia tornou a Revolução Industrial um fato consumado. O que era revolução se tornou sistema. A tecnologia do motor a vapor não acabou com a ferrovia, mas deu origem à turbina a vapor e, nas décadas de 1920 e 1930, às últimas magníficas locomotivas a vapor norte-americanas, tão idolatradas pelos fãs das ferrovias. Contudo, a tecnologia centrada na máquina a vapor e nas operações manufatureiras deixou de ter importância central. A dinâmica da tecnologia deslocou-se para setores totalmente novos que surgiram quase imediatamente após a invenção da ferrovia, nenhum deles dependente do vapor ou das máquinas a vapor.

O telégrafo elétrico e a fotografia foram os primeiros, na década de 1830, seguidos logo depois pela ótica e pelos equipamentos agrícolas. O novo e diferente setor de fertilizantes, que teve início no fim da década de 1830, em curto tempo transformou a agricultura. A saúde pública tornou-se um setor de crescimento vital e importante, com quarentenas, vacinação, abastecimento de água potável e esgotos, que pela primeira vez na história tornaram a cidade um hábitat mais saudável do que o campo.

Ao mesmo tempo surgiam os primeiros anestésicos. Com essas novas tecnologias apareceram novas instituições sociais: os correios modernos, o jornal diário, os bancos. Isso é semelhante ao que ocorreu na Revolução da Impressão –a primeira das revoluções tecnológicas que criaram o mundo moderno. Nos primeiros anos após 1455, quando Gutenberg havia aperfeiçoado a prensa e os tipos móveis com que vinha trabalhando há anos, a revolução da impressão varreu a Europa e mudou completamente sua economia e psicologia.

Contudo, os livros impressos durante os primeiros 50 anos continham praticamente os mesmos textos que os monges haviam laboriosamente copiado à mão durante séculos: tratados religiosos e o que restava dos escritos da Antiguidade. Cerca de 60 anos depois de Gutenberg, surgiu a Bíblia Alemã de Lutero –milhares e milhares de exemplares vendidos quase imediatamente por um preço inacreditavelmente baixo.

Com a Bíblia de Lutero, a nova tecnologia de impressão trouxe consigo uma nova sociedade. Ela impulsionou o protestantismo, que conquistou metade da Europa e forçou a Igreja Católica a se reformar. Ao mesmo tempo em que Lutero usava a imprensa com a pretensa intenção de restaurar o cristianismo, Maquiavel escrevia e publicava O Príncipe (1513), o primeiro livro ocidental em mais de mil anos que não continha nenhuma citação bíblica e nenhuma referência aos escritores da Antiguidade.

Em pouquíssimo tempo “O Príncipe” tornou-se o outro best seller do século XVI. Em pouco tempo havia uma abundância de trabalhos puramente seculares, o que hoje chamamos de literatura: romances e livros sobre ciências, história, política e, a seguir, economia. Não demorou muito para surgir a primeira forma de arte puramente secular, na Inglaterra –o teatro moderno. Surgiram também instituições sociais novas: a Companhia de Jesus, a infantaria espanhola, a primeira marinha moderna e, finalmente, o Estado nacional soberano.

Em outras palavras, a Revolução da Impressão seguiu a mesma trajetória seguida pela Revolução Industrial, que começou 300 anos depois, hoje seguida pela Revolução da Informação. Ninguém ainda sabe dizer o que serão os novos setores e instituições. Ninguém na década de 1520 previu a literatura secular, muito menos o teatro secular.

A única coisa que é altamente provável, se não quase certa, é que os próximos 20 anos presenciarão o surgimento de inúmeros novos setores e, quase com certeza, poucos deles virão da tecnologia da informação, do computador, do processamento de dados ou da Internet.

A aquicultura é um desses novos setores. Há 25 anos o salmão era uma iguaria. Hoje, é um produto cotidiano. A maior parte dos salmões hoje em dia não é apanhada nem no mar nem no rio, mas sim num criadouro artificial. O mesmo acontece cada vez mais com as trutas. Aparentemente, logo isso vai valer para inúmeras outras espécies de peixe.

Saiba mais sobre o autor desse artigo Peter Drucker

Chamado de “pai do management”, o austríaco Peter Drucker é, sem dúvida, considerado o maior guru dessa área no mundo. Economista de formação, ele leciona há vários anos na escola de administração de empresas da Claremont University, que leva seu nome, situada no sul da Califórnia. A maioria dos seus livros já foram lançados no Brasil. Entre os principais títulos estão Desafios Gerenciais para o Século XXI, Sociedade Pós-Capitalista e A Revolução Invisível.


A contra revolução da informação

Atualizando as profecias do mestre 16 anos depois

Amazon planeja abertura de uma rede lojas físicas, segundo o jornal Wall Street Journal – total de lojas pode chegar a 400 pontos de venda.

No artigo acima, escrito no ano 2000, vimos que o surgimento e o crescimento da Amazon era um dos ícones da revolução da informação. Sua principal característica era o comércio eletrônico, sem a presença física do consumidor em uma loja de cimento e tijolos. Mas parece que a evolução do comércio eletrônico está trazendo novas oportunidades, inclusive de fazermos a jornada inversa – trazermos os consumidores de volta para as lojas físicas.

Após conquistar parte dos consumidores dos varejistas tradicionais, a Amazon planeja concorrer diretamente contra esses varejistas usando o mesmo tipo de venda: lojas físicas. A Amazon, uma das marcas mais valiosas do mundo e gigante do varejo on-line, planeja a abertura de cerca de centenas de livrarias, lojas em shoppings centers e pontos de venda. Essa importante informação estratégica da empresa foi divulgada “quase sem querer” pelo diretor executivo da operadora de shoppings GGP em fevereiro de 2016.

O plano é ambicioso, e colocaria a Amazon como concorrente direto da Barnes & Noble, que possui 640 lojas; e a Books-A-Million, com 255 pontos de venda. A companhia de Jeff Bezos já possui uma livraria física em Seattle, além de manter quiosques em diversos shoppings, que vendem produtos e acessórios da marca, como o leitor Kindle e tablets.

A Amazon abriu a sua primeira loja física em 2015 em um shopping em Seattle. O espaço oferece livros e produtos da marca, com acervo de aproximadamente 5 mil títulos e um diferencial em relação à concorrência. O estoque é calculado de acordo com dados coletados no site da companhia.

A declaração do executivo de que a Amazon abriria novas lojas físicas de livros irritou o CEO da empresa, que prefere não revelar os detalhes da estratégia da empresa. Mas diversos sites de empregos nos Estados Unidos já exibem vagas para novas livrarias, e muitos desconfiam que se trata das novas livrarias Amazon.

Assim, enquanto não está claro se você terá uma loja Amazon Bookstore na sua cidade (nos EUA) em breve, vale a pena refletirmos sobre o que uma incursão mais profunda no varejo de tijolo e cimento poderia ser para a gigante de e-commerce, seus rivais e para os shoppings e centros comerciais. Para obter respostas sobre esta questão, pode ser interessante olhar para a localização da primeira loja da Amazon: Uma área comercial e tranquila no bairro universitário em Seattle.

O que a Amazon pode fazer melhor do que qualquer outra empresa é que eles podem olhar para os dados de vendas on-line para uma área e que podem identificar quais mercadorias armazenar para vender precisamente para esse mercado. Mesmo que as pessoas já sejam clientes, a Amazon precisa dessas pessoas comprando novamente.

Mesmo que a Amazon não seja ainda testada em grande escala no varejo físico, especialistas afirmam que Shoppings Centers (malls) desejariam a Amazon como uma inquilina, pois sua marca Amazon tem muito valor agregado e é um ponto de venda que agregaria valor ao centro de compras, direcionando o tráfego de consumidores

O fato é que o site Amazon.com vende muito mais que livros. Livros e DVDs são apenas duas das dezenas de categorias de produtos vendidos pela Amazon, existem categorias bem diferentes, desde autopeças, roupas para bebês, artigos para escritório e produtos usados para revenda indireta entre usuários. Na verdade, calcula-se que a Amazon possua mais de 100 milhões de diferentes produtos cadastrados em sua base de dados disponíveis para venda.

Dessa forma, a Amazon tem um portifolio que poderia sobrepor a Walmart, se essa fosse a estratégia dela – mas não parece ser. Na verdade, as lojas físicas da Amazon poderiam tornar-se um lugar onde os clientes poderiam retirar produtos comprados online, ou um lugar onde os membros prime são capazes de participar de lançamentos e noites de autógrafos, a exemplo do que já ocorre com outras livrarias.

Outra vantagem da loja física é a possibilidade de retornar e trocar produtos que eles compraram online – pode parecer apenas uma pequena vantagem, mas ser capaz de retornar uma compra on-line a uma loja é surpreendentemente importante para os compradores, um canal de trocas que atualmente quase não existe.

Se milhões de consumidores começarem a usar as lojas físicas desta forma, a Amazon poderia ser capaz de controlar os seus crescentes custos de envio e entrega. É uma questão de economia pegar vários produtos (retornados) dos clientes a partir de uma única loja, em vez de pagar os custos de logística para os clientes enviá-los de volta à Amazon individualmente. E, da mesma forma, é muito mais eficiente para o transporte de vários pedidos de armazéns da Amazon para uma loja, podendo oferecer descontos adicionais para os clientes que escolherem retirar suas encomendas nas lojas.

Parece que a revolução da informação que permitiu o surgimento da Amazon (virtual na internet) agora está completando um ciclo e iniciando uma nova etapa, unindo o melhor dos dois mundos: o mundo virtual e o mundo de tijolo e cimento.


Fonte: WSJ