Os desafios da John Deere

Esta reportagem mostra como a Deere & Co., maior fabricante de equipamentos agrícolas dos EUA, está se reinventando, após 162 anos de existência, para superar períodos de turbulência e recessão. Essa é a história da marca John Deere.

Quando um cliente visita a representação local da Deere & Co., o vendedor lhe faz uma série de perguntas, com o objetivo de levantar todos os detalhes de seu negócio. De posse dessas informações, o vendedor envia o pedido eletronicamente a uma das unidades da empresa, que o personaliza. É mais ou menos o que a Dell Computer faz, com uma diferença: a Deere & Co. não é uma empresa da avançada indústria de computadores; trata-se de uma tradicional fabricante de equipamentos agrícolas, a maior dos EUA, por sinal.

logo john deereEsta reportagem da revista Management Review, assinada por Anita Lienert, mostra a transformação por que vem passando a Deere. Embora seus velhos hábitos e jeitos de fazer negócios não estejam mortos, ela volta-se cada vez mais para os novos conceitos de administração e marketing, como personalização em massa, cultura corporativa de proximidade com o cliente e empowerment de funcionários, busca de novos mercados e programa de excelência de processos, utilizando uma interessante e simples ferramenta, chamada de “mapeamento”. Assim ela superou a grave crise que sofreu nos anos 80 e início dos 90 e assim espera sobreviver em um setor de atividade envolto em previsões pessimistas.

Nos últimos cinco anos, a maior fabricante de equipamentos agrícolas dos EUA vem colocando em prática novos conceitos de administração e marketing que podem ajudá-la a superar o período de incertezas que vê pela frente e as pressões crescentes da concorrência mundial. Como outras empresas de capital intensivo, a Deere & Co. enfrenta o desafio de descobrir como ampliar sua participação no mercado e conquistar novos clientes.

A disposição de abandonar filosofias antiquadas e abraçar a mudança tornou-se um propulsor na Deere, empresa de 162 anos de idade e das mais antigas dos EUA. Sob o comando do presidente Hans Becherer, que assumiu o posto em 1990, vem passando por um processo de “reinvenção” nos últimos anos (veja entrevista com Becherer na página 28). Segundo Michael Fradette, autor de The Power of Corporate Kinetics (ed. Simon & Schuster) e ex-consultor externo da Deere, a meta de longo prazo agora é manter a rentabilidade mesmo quando o ciclo de crescimento for fraco. “A Deere enfrentou um período sombrio antes de se aventurar por esse caminho. Não chegava a estar no leito de morte, mas quase. E a direção teve a coragem de olhar para o mercado de maneira diferente”, ressalta ele.

Personalização em massa
A Deere está se desvencilhando da idéia de que os mercados de massa são o paraíso. Hoje, ao ir a uma representação local da Deere, o fazendeiro conta seus problemas ao vendedor, que repassa as informações a uma “oficina de personalização” dentro da fábrica. Essa oficina cria, então, um equipamento único, específico para as necessidades daquele fazendeiro. Trata-se de um produto personalizado, fabricado a partir de mais de 6 milhões de configurações possíveis. O mesmo fazendeiro, que antes não faria outra compra com a Deere nos seis ou dez anos seguintes, leva agora não apenas o equipamento principal, mas também acessórios personalizados. Ele fica satisfeito, pois a seu ver é uma despesa extra pequena. E a Deere acaba por firmar o pé em um mercado altamente lucrativo.

“Com a personalização, a Deere reinventou uma grande parte de seu negócio”, afirma Fradette. “O que a empresa fez foi mudar seu relacionamento com os fazendeiros. Para isso, ela formou uma nova equipe de vendas, preparada para lidar com fazendeiros individualmente, e reprojetou toda uma parte da fábrica para cuidar da personalização em massa.” A personalização em massa pode ser fundamental para ajudar a Deere a lidar com previsões futuras pouco animadoras. A Deere estima que a demanda em seu setor de atividade cairá 10% em 1999. Por isso, a empresa será obrigada a reduzir a produção de máquinas agrícolas nesse período. Tais previsões negativas baseiam-se principalmente na queda dos preços das commodities agrícolas. O Departamento de Agricultura dos EUA acredita que o preço da soja chegará aos níveis mais baixos desde 1986, o que deve acarretar uma redução de 15% da renda líquida do setor, deixando os agricultores com menos recursos para investir em máquinas.

Nova cultura corporativa
É nesse cenário pessimista que a Deere e seus 35 mil funcionários pretendem consolidar a mudança de sua cultura corporativa, a fim de ser uma extensão do cliente e não apenas um fabricante monolítico. Depois de uma visita à sede da empresa na cidade de Moline, no Estado de Illinois, uma coisa fica muito clara: prioridades e hábitos ultrapassados estão sendo revistos em todos os níveis da organização –ainda que alguns gerentes médios tenham literalmente ficado desnorteados quando as estruturas excessivamente hierárquicas começaram a ser desmontadas. O empowerment dos funcionários é real.

Busca de novos mercados
Becherer insiste em que a mudança e a disponibilidade para assumir riscos são os alicerces da estratégia para manter a saúde da Deere no caminho para seu terceiro século de atividades. Faz parte dessa estratégia a iniciativa da Deere de se aventurar em mercados até agora não explorados por ela –desde a comercialização de brinquedos com seu logotipo até a fabricação de motores esportivos–, promovendo assim uma das marcas mais veneradas dos EUA. “A Deere é vista como uma empresa tradicional e conservadora do Meio-Oeste americano”, diz Frederick W. Thorne, diretor da divisão Deere Trademark and Event Management (Gerenciamento de Marcas e Eventos). “Mas nosso presidente não é assim. Ele nos permitiu desenvolver uma linha de brinquedos e entrar nas pistas de automobilismo. É receptivo a novas idéias para divulgar nossa marca. Acredita, como nós, que temos de expô-la ao público em geral, não só àqueles que já nos conhecem.”

A primeira vez que a Deere abandonou a tradição foi há 13 anos, quando entrou no mercado de assistência médica, oferecendo seu plano de saúde interno a empresas clientes. Atualmente a John Deere Health Care presta serviços a 900 empresas e órgãos do governo de oito Estados norteamericanos. Essa divisão, entretanto, registrou em 1997 um significativo prejuízo devido à pressão de preços na área de assistência administrada e custos médicos superiores ao esperado. Em seus mercados tradicionais, a Deere já não pode mais depender da reputação que criou na década de 30, quando, apesar das perdas, garantiu o crédito dos fazendeiros até que eles pudessem pagar. A fidelidade gerada nesse período já dura três gerações. Mas, à medida que aumenta o tamanho da fazenda média norte-americana, a base de clientes da Deere é corroída. É por isso que Becherer promove a mudança.

Programa de excelência e mapeamento
A Deere & Co. é composta hoje de cinco operações industriais e três serviços financeiros. Em 1997, as vendas chegaram a níveis inéditos, quando o rendimento líquido aumentou 17%, registrando US$ 960 milhões. Também em 1997, a Deere iniciou um programa de excelência de processos, a fim de criar uma estrutura adequada à implementação das mudanças planejadas. Atualmente o programa conta com mais de 200 equipes que trabalham em 800 projetos dentro da Deere. Entre as metas de excelência do programa estão a redução de produtos defeituosos e o encurtamento anual de 20% nos ciclos de produção, com possibilidade de diminuição do custo e ganhos expressivos de receita.

O caminho escolhido pela Deere é simples mas significativo: dar liberdade aos funcionários para que possam reinventar as operações. Para incentivar a busca da excelência em todos os processos da empresa, a Deere utiliza um exercício chamado “mapping” (mapeamento), que tem a função de ajudar os funcionários a rastrear relações e etapas complexas ao longo das operações (veja quadro na página seguinte). O objetivo é reduzir a complexidade e simplificar tarefas. O “mapa” é criado sobre papel de embrulho, com canetas hidrográficas coloridas, bilhetes e barbante –tudo para identificar os passos que, ao final, revelarão onde se localizam as redundâncias.

Um dos defensores do mapeamento é Mark Rostvold, vice-presidente da divisão de equipamentos comerciais e de consumo, que vem acompanhando a evolução da empresa há 34 anos. “Um mapa pode parecer simplesmente um monte de lixo pendurado na parede”, diz Rostvold. “Mas, de repente, enxergam-se os problemas. Às vezes afixamos comentários de nossos revendedores tais como ‘quando chegarão meus tratores?’ E a resposta pode ser outro comentário: ‘Não sabemos’. É uma boa maneira de ver como tratamos o negócio do começo ao fim e descobrir como os problemas surgem.”

As soluções também aparecem rapidamente. No passado, a Deere costumava receber os pedidos de seus revendedores nos EUA e entregar todos os estoques até o dia 1º de março. Aos revendedores cabia simplesmente aguardar para ver que surpresas lhes reservavam a economia e a meteorologia de sua região. Agora, cada fábrica produz de acordo com os indicativos de cada estação e os caminhões de entrega da Deere visitam as revendas todas as semanas para levar os produtos encomendados. Em 1997, o Sudoeste norteamericano –do Texas à Califórnia– sofreu o segundo ano seguido de seca, e as vendas caíram. Então vieram as chuvas e, graças ao novo sistema de entregas, a Deere pôde abastecer a região com seus equipamentos, o que resultou em um aumento de vendas de 30%.

Desafiando a recessão
R.W. Porter, vice-presidente de marketing da divisão mundial de equipamentos agrícolas, afirma que o objetivo final da Deere é se transformar em uma empresa “à prova de recessão”, evitando assim que se repitam as dificuldades vividas na década de 80, um dos piores períodos da história da Deere. Porter também pratica o mapeamento, a seu estilo, com grupos formados entre os mil funcionários de sua área. Um de seus exercícios favoritos é montar um painel e propor a seguinte pergunta, escrita com canetas hidrográficas de cores fortes: “Se você fosse o presidente da Deere e pudesse começar de novo, a partir de uma folha em branco, por onde começaria?”

O exercício faz germinar novas idéias sobre tudo, desde a redução do refugo até a racionalização da estrutura gerencial. São melhorias como essas que podem ajudar a Deere a evitar uma repetição dos anos 80. Os executivos da Deere chamam o período de “a Depressão agrícola”, quando vários fazendeiros e revendedores de equipamentos agrícolas foram à falência. O crédito fiscal federal sobre equipamentos agrícolas foi derrubado no início da década, e os soviéticos, que dependiam dos grãos norte-americanos, superaram seus problemas, provocando a queda da demanda internacional. Em 1981, as vendas da Deere caíram mais de 50%. Pelo resto da década, as fábricas trabalharam com menos da metade de sua capacidade fabril e 10 mil funcionários tiveram de ser dispensados entre 1982 e 1992. Mesmo assim, a Deere foi a única fabricante de máquinas agrícolas a sobreviver aos anos 80 conservando sua estrutura organizacional. Mas, em 1991, a empresa levou outro choque, com queda das vendas da ordem de 11% e prejuízo de US$ 20 milhões. O desafio de 1999 é aproveitar as lições aprendidas em áreas da empresa –como a divisão de plantio, que adotou a personalização em massa– e aplicá-las ao restante da organização. Isso tudo para evitar o que Becherer acredita acontecer com empresas que, mesmo com história ilustre, como a Deere, não se esforçam para mudar e crescer: “Você não morre”, diz ele. “Só não brilha. E há uma grande diferença entre simplesmente existir e ser excelente.”


Fonte: Revista HSM Management com direitos de © Traduzido da Management Review, edição de dezembro de 1998