Walmart: À sombra de Sam Walton

Graças a um “código genético” vencedor, o WalMart redefiniu o setor do comércio varejista nos países onde tem forte presença e impôs novas regras, tanto para os concorrentes como para os fornecedores. Mas, de acordo com o expert em WalMart William Marquard, é possível colocar limites no poder da empresa e competir com ela.  

O WalMart é famoso pelo eficiente sistema de logística, pela estrutura de custos baixos e pelo preço mais competitivo do mercado. Mas “a empresa dominante de nossa era”, como define William Marquard, tem outras características que contribuíram para transformá-la em um colosso do comércio varejista mundial: processos sólidos, o incessante ciclo de produtividade e seu “DNA”, composto por cinco elementos:

  1. foco,
  2. correção de erros,
  3. paranóia construtiva,
  4. economia e
  5. atitude baseada em “podemos fazer melhor”.

Atualmente, o WalMart opera em países que, em conjunto, representam mais de 50% da população do planeta e quase 60% do PIB mundial. Com receitas anuais de US$ 344 bilhões, sua participação é de 2,5% na economia norte-americana e de 1% na do mundo todo.

Embora a magnitude das cifras seja surpreendente, o WalMart só controla 3% do mercado varejista mundial, o que significa, simplesmente, que tem ainda muito espaço para crescer.Tem 61 mil fornecedores em 70 países, dos quais compra US$ 240 bilhões ao ano, e cada semana recebe 176 milhões de compradores em suas quase 7 mil lojas.

Em outros setores também há empresas dominantes. Como explica “Bill” Marquard nesta entrevista exclusiva a HSM Management, concorrer ou fazer negócios com elas não é um desafio titânico, e o sucesso é possível quando se tem uma estratégia adequada.

Como o sr. descreveria o que chama, em seu livro, de “mundo WalMart”?

Um mundo definido pelo esforço contínuo de reduzir os custos tanto internos como em toda a cadeia de fornecimento, o que, por sua vez, se traduz em preços mais baixos para os clientes, sejam eles do Wal-Mart ou da concorrência. Em outras palavras, a permanente busca de formas mais eficientes e de menor custo de fabricar e vender produtos não fica limitada às empresas que operam no setor varejista. Na verdade, afeta inúmeros setores industriais e de serviços.

Todos sabemos que o Wal-Mart se diferencia por uma logística impecável, baixos custos e a estratégia do “preço mais baixo, sempre”. Mas a empresa deve ter outras qualidades, desconhecidas para muitos, que a tornam uma vencedora. Quais são?

Nos bastidores está o que chamo a física, a química e a biologia do WalMart. A física é o incessante ciclo de produtividade; a química tem a ver com os processos sólidos que difundem as melhorias para todas as lojas da rede; e a biologia é o “DNA” da empresa, definido por Sam Walton, seu fundador, faz mais de quatro décadas.

Como funciona o ciclo de produtividade?

É o motor econômico do WalMart. Tem quatro passos básicos que se repetem indefinidamente: reduzir os custos, baixar os preços, aumentar as vendas e obter mais lucros para investi-los em reduzir ainda mais os custos.

O que caracteriza uma organização com processos sólidos, como os que exibe o WalMart?

Os processos são a pedra fundamental do sucesso. O WalMart, por exemplo, tem processos rigorosos e bem definidos para as compras gerais, para o controle de inventário e para a construção das lojas, entre muitos outros. O que caracteriza uma organização com processos sólidos é a velocidade e a precisão da execução. Seus líderes e funcionários desempenham suas funções de acordo com procedimentos estabelecidos. Nas empresas com processos fracos, as instruções não são seguidas ao pé da letra.

Poderíamos definir o DNA de uma empresa como as atitudes e os valores que marcam a diferença entre o desempenho médio e o excelente?

Sim, é uma boa definição. E o DNA do WalMart é composto por cinco elementos: foco, correção de erros, paranóia construtiva, economia e atitude de “podemos fazer melhor”.

Foco significa concentrar-se nas coisas de maior prioridade e ignorar o restante. A correção de erros equivale à obsessão pela melhoria contínua, ou seja, tentar identificar formas de melhorar a experiência do cliente, os produtos, os processos, a estrutura de custos, o desempenho interno. É por isso que os gerentes se perguntam constantemente como aperfeiçoar cada uma das coisas que são feitas.

Nos centros de distribuição recém-inaugurados, por exemplo, são organizadas reuniões para compartilhar experiências que permitem, na hora de abrir um novo centro, fazê-lo de modo mais eficiente. Por sua vez, os líderes da sede costumam visitar as lojas para supervisionar as operações e, no final do percurso, analisam com os gerentes possíveis melhorias da produtividade do trabalho e do serviço para o cliente. A correção de erros, porém, se concentra no problema, não na pessoa; trata-se de aprender com os erros antes de culpar aqueles que os cometeram.

A que o sr. se refere quando fala da paranóia construtiva que caracteriza o WalMart?

A equipe de liderança está permanentemente alerta; nunca descansa nem se detém na tarefa de identificar potenciais rivais que poderiam “roubar” clientes. Não só analisa a estratégia competitiva dos grandes jogadores internacionais, como Carrefour, Target e Tesco, como também estuda empresas menores cujas marcas ou produtos possam despertar o interesse dos consumidores. Em essência, a paranóia construtiva é uma atitude emocional para evitar a complacência.

É assim mesmo, até os centavos são cuidados.

O quinto e último elemento do DNA do WalMart que o sr. mencionou é a atitude de “podemos fazer melhor”. Onde ele é aplicado?

Imitou as lojas de desconto do Kmart, criou o Sam’s Club copiando as lojas atacadistas do Price Club e se baseou no que faziam Meijer e Carrefour para desenhar seus supercentros. Mas, em todos os casos, aperfeiçoou essas idéias.No formato de suas lojas, por exemplo. Nesse sentido, o WalMart nunca concebeu um conceito inovador; ao contrário, identificou as boas idéias de outras empresas e ocupouse de colocá-las em prática.

Existem empresas equivalentes ao WalMart em outros âmbitos?

Sim. Na indústria automobilística, por exemplo, a Toyota definiu os ingredientes necessários para o sucesso. Está presente em diversos países e em todos vai muito bem. Espera-se que este ano supere a General Motors em volume de vendas nos Estados Unidos. [A entrevista foi realizada em 2007. De fato, a previsão se confirmou no ano seguinte.] No ambiente dos negócios on-line, empresas como eBay, Amazon e Google impuseram as regras.

logotipo logomarca amazon

Se, como o sr. fala em seu livro, estratégia é sinônimo de eliminar opções, que tipo de decisões devem tomar as empresas que operam em setores nos quais há um jogador dominante?

Em primeiro lugar, decidir “o que não fazer”, porque, se uma empresa pretende fazer tudo para todos, a única coisa que vai conseguir é desperdiçar recursos. Em segundo lugar, “decidir o que fazer”, que equivale a definir com quem ela vai concorrer. E, finalmente, “escolher com intencionalidade”, ou seja, comprometer-se com determinado rumo para não desperdiçar a energia.

Em vez de concorrer diretamente, o segredo parece estar em fazer certas escolhas relacionadas com o jogador dominante…

Isso mesmo. É preciso decidir como se diferenciar, o que imitar e onde dominar. Para diferenciar-se, é necessário definir uma proposta de valor específica, diferente da do gigante do setor, porque nenhuma empresa poderá vencê-lo se jogar em seu território e com suas regras.

É provável que, por exemplo, diferenciar-se pelo atendimento ao cliente tire mercado do Walmart, pois nesse aspecto ele tem fraquezas. Ao colocar a ênfase em manter os preços baixos e diminuir os custos, o WalMart limita o atendimento personalizado em algumas categorias, como joalheria e farmácia.

O segundo passo é imitar os elementos da estratégia do gigante que se encaixam na proposta de valor da empresa que tenta concorrer com ele. Para seguir com o exemplo do WalMart, poderiam ser imitadas várias de suas práticas de negócios, como o ciclo de produtividade para reduzir preços ou o desenho dos processos que ajudam a melhorar a cadeia de fornecimento.

Por último, é preciso escolher as fatias do mercado nas quais o gigante não opera ou não pode fazê-lo e ocupar uma posição dominante nelas.

Se damos por certa a teoria da “cauda longa”, de Chris Anderson, segundo a qual estamos passando do mercado de massa para o mercado com milhões de nichos, players como o WalMart dominariam o mercado de massa e os concorrentes disputariam os segmentos da cauda longa?

No negócio varejista, ter uma proposta de valor diferente e se dirigir a um nicho de mercado que não é atendido pelo gigante é uma estratégia viável para algumas empresas. Mas, se quiserem crescer de forma significativa, elas têm de encontrar a maneira de atender vários segmentos ou se posicionar de tal modo que isso permita chegar a um mercado maior.

Que outras empresas mundiais aplicam uma estratégia WalMart?

Estão proliferando as empresas varejistas voltadas para consumidores de baixos recursos, como a cadeia Bodegas, no México. Nos Estados Unidos, dois exemplos são a Dollar General e a Family Dollar. Elas tentam captar como clientes as famílias que ganham menos de US$ 25 mil por ano e, com freqüência, instalam suas lojas perto dos supercentros do WalMart.

Mas o WalMart também atinge o segmento de consumidores de baixos recursos. Qual é a diferença?

As lojas da Family Dollar e da Dollar General são menores e há cinco ou seis delas em uma distância de 8 quilômetros de um supercentro WalMart. Geralmente vendem uma série limitada de produtos com marca própria, em embalagens de um único tamanho. Elas se diferenciam do WalMart porque têm mais lojas, com menos produtos e a preços menores.

Vamos para a questão dos fornecedores. Qual é a receita do sucesso para as empresas que fornecem para gigantes como o WalMart?

Há três ingredientes. O primeiro é tirar vantagem dos pontos fortes do gigante. As capacidades tecnológicas do WalMart, por exemplo, são de utilidade para alguns fornecedores para receber informação na hora sobre as vendas de seus produtos nas lojas, bem como dados de promoções e níveis de preços.

Diminuir a brecha no poder de negociação é o segundo ingrediente. Está claro que a balança costuma pender para o lado do comprador, especialmente quando é um jogador dominante, mas os fornecedores podem reverter isso se investirem dinheiro e esforços para fortalecer suas marcas, criar demanda e inovar.

O terceiro ingrediente da receita é diversificar. Se o fizer, o fornecedor ficará preso a uma relação exclusiva e estará obrigado a satisfazer todas suas exigências. Por isso, é importante desenvolver canais de venda alternativos e novas linhas de produtos para mercados dos quais o gigante não participa.

Como foi a negociação entre o WalMart e a Procter & Gamble? Qual dos gigantes impôs as regras?

A P&G também investiu em fortalecer algumas de suas marcas, como Pampers, Tide e Pringles. E, ao adquirir marcas como Clairol e Gillette, incorporou novos produtos em sua carteira que lhe permitiram diversificar seus canais de distribuição, pois eram vendidos em farmácias, pequenas lojas e bancas de revistas. A concentração de seus negócios com o WalMart, que em 2003 era de 18%, vem diminuindo cerca de 1% por ano. Mesmo assim, o WalMart ainda é o principal cliente da P&G, que tem mais de 240 funcionários dedicados a atendê-lo.A P&G manteve uma relação combativa com o WalMart. Achava que estava perdendo quando o WalMart se beneficiava com produtos a preços baixos e, por isso, forçava a barra para obter preços mais altos dos produtos que vendia. Porém, no final da década de 1980, o vínculo mudou. Começou a haver maior colaboração entre as duas empresas, e a P&G pôde obter dados sobre os produtos que eram mais vendidos nas lojas do WalMart e aqueles que não tinham saída.

Vários fabricantes de produtos de luxo foram reticentes em se tornar fornecedores do WalMart. Foi o caso da Levi Strauss, Certo? Como isso foi revertido?

Mas, por outro lado, também não queriam desperdiçar um canal que representava alto potencial de receitas.Os executivos da Levi Strauss achavam que a relação emocional com os clientes seria prejudicada se vendessem seus produtos no WalMart.

Em conseqüência, optaram por desenvolver uma versão básica de seus jeans e comercializá-la.

Na última década, as vendas do WalMart cresceram de 10% a 20% ao ano. Como manter isso em 13 países?

Acho que a expansão internacional será fundamental, especialmente porque nos últimos três anos o crescimento anual em suas lojas dos Estados Unidos foi de apenas 2% ou menos, enquanto, no exercício 2007, suas vendas nos mercados do exterior aumentaram 30% com relação ao exercício anterior, e cerca de 25% das receitas consolidadas tiveram sua origem fora dos Estados Unidos.

O WalMart tem empreendimentos conjuntos na Índia, firmou sua posição no Japão e continua crescendo na China, no México e no Brasil.

novo e antigo desenho logotipo walmart

No entanto, sua estratégia internacional sofreu alguns tropeços, como na Alemanha e na Coréia do Sul…

O WalMart tem sucesso nos países onde opera ajustando-se à cultura local e, ao mesmo tempo, colocando em prática seus pontos fortes logísticos, de distribuição e de processos. Na América Central, quando a empresa comprou uma participação majoritária na cadeia Carhco, tinha previsto, em princípio, mudar o nome das lojas. Mas, ao perceber que as marcas Pali e Hiper Paiz, entre outras, tinham alto grau de reconhecimento, as manteve e começou a trabalhar sigilosamente para incorporar gradualmente suas marcas e suas práticas operacionais.


  • Fonte: Exame.com, Youtube e revista HSM com a entrevista de Viviana Alonso.