O que é identidade da marca?

A nossa primeira resposta poderia ser: aquilo que a marca “diz” aos consumidores – fazendo uma distinção entre o que a marca diz e como público a compreende. A noção de identidade da marca ainda é muito pouco utilizada por gerentes e isso é lamentável porque, em nossa opinião, oferece alguns aspectos juntos e concretos da essência do próprio fenômeno da marca.

Constitui o fundamento e o elemento de união de todas as atividades que desenhamos como manifestações da marca.

Muitas vezes há uma tendência para limitar a identidade da marca a esfera intuitiva e afetiva que os processos concretos metódicos não consegue influenciar. No entanto existem ferramentas de análise, oxigenadas no campo da semiologia, que poderiam contribuir ao menos parcialmente com uma racionalização, além de proporcionar ações concretas a respeito do gerenciamento de uma marca.

Durante nossas carreiras, tivemos a oportunidade de usá-las “em campo” do ponto de vista pragmático da atuação gerencial, atingindo resultados tangíveis.

livro pro logoEsse artigo foi publicado tendo como base o capítulo 4 do livro Pró-Logo, a partir da página 120. Nesse capítulo é descrito a importância operacional da noção de identidade da marca, com base em na experiência pessoal dos autores, apresentando algumas ferramentas simples para formalizá-la. Esse livro é de autoria de Michel Chevalier e Gérald Mazzalovo.

Evidentemente, como todo fenômeno que produz significado, uma marca representa valores múltiplos, que podem dar abertura a infinitas interpretações.

Entretanto é neste conjunto de valores que reside a fonte real da reputação passada e futura da marca. Se determinadas marcas são mais valiosas do que outras, é porque seu potencial evocativo é maior e mais facilmente mobilizado. Portanto, para gerenciar bem uma marca, temos de iniciar compreendendo em que consiste a identidade e separar sua essência das percepções variáveis presentes entre os consumidores

Um conceito ainda pouco conhecido

Embora o termo “identidade da marca” seja frequentemente citado é considerado um jargão na área, diríamos que ele é razoavelmente novo.

É provável que, atualmente, tenham sido feitas análises aprofundadas e sistemáticas da identidade de algumas marcas. Para formalizar um pouco este conceito, vejamos as definições de identidade segundo a obra Collegiate dictionary:

  1. a: igualdade de caráter essencial ou genérico em diferentes casos;
    b: igualdade em tudo o que constitui a realidade objetiva de algo: uniformidade;
  2. a:o caráter distintivo ou a personalidade de um indivíduo: individualidade;
    b: a relação estabelecida pelo aspecto psicológico
  3. condição de ser descrito ou afirmado.

A identidade da marca corresponde às definições acima, acrescidas de uma intensa dimensão humana. Entretanto, o termo é adequado às nossas finalidades, porque dois elementos necessários (embora não suficientes) estão presentes: especificidade e permanência, ou, se preferir, durabilidade.

Podemos tentar uma definição mais precisa de identidade da marca: a capacidade de uma marca ser reconhecida como única ao longo do tempo, sem confusão, graças aos elementos que a individualizam.

Pode-se pensar que os critérios de individualidade surgiriam espontaneamente na atividade dos gerentes. Mas a história das marcas revela exemplos contrários, que mostram que os elementos individuais da marca resultado da ignorância ou de uma desatenção em relação à questão da identidade.

Considere o caso da Givenchy. A Casa de Hubert James Taffin de Givenchy vestia mulheres elegantes e refinadas, com uma sofisticação marcadamente parisiense.

A atriz Audrey Hepburn, que foi musa do Criador durante 40 anos, transmitia todos os valores do criador e da marca.

Em 1996 Hubert de Givenchy aposentou-se. John Galliano o sucedeu durante apenas 1 temporada, antes de se transferir para a Christian Dior. Veio então Alexander McQueen, um designer escocês de 26 anos.

Em 2001, Julian McDonald, um jovem originário do País de Gales, o substituiu. Ele ficou por 2 anos, e agora Riccardo Tisci está no comando.

Essa substituição e troca contínuas de designers não seriam tão danosos se tivesse assistido, pelo menos, uma preocupação com o respeito aos valores originais e de prestígio da marca.

Não temos a intenção de questionar o grande talento individual desses criadores. Mas deve ser reconhecido que a “mensagem” de Givenchy ficou obscura, e sua identidade, dispersa pela ousadia e estilística sem coordenação. O capital representado pela reputação da marca, em vez de ser preservado e prolongado pelas inovações desses jovens talentos, deve agora ser reconstruído.

É possível expressar elegância, feminilidade e sofisticação e ainda ser moderno (a Ungaro faz isso muito bem), mesmo que esses três valores não sejam suficientes para definir uma identidade.

Outro exemplo ilustra a falta de consideração da identidade da marca.

O banco Sabadell é de origem catalã, extremamente dinâmico, que passou a negociar com sucesso suas ações na bolsa de Madrid.

Alguns anos atrás (em 1998), o banco decidiu transformar sua imagem corporativa, adotando uma nova identidade gráfica.

A instituição contratou Mario Eskenazi, um arquiteto argentino radicado na Espanha, ganhador de numerosos prêmios e criadores de diversos logotipos para empresas espanholas importantes.

Ele foi encarregado de criar um novo conceito gráfico com o novo logotipo a ser usado em todas as mídias de comunicação, e também de redecorar as agências do banco.

Uma vez completada a tarefa, o designer deu uma entrevista publicada pelo próprio banco. Eis um trecho:

O que a nova imagem do banco Sabadell tenta transmitir? Essa é uma pergunta difícil de responder sem enveredar por uma fraseologia excessivamente pomposa. Julgo que quando você cria uma nova imagem para uma companhia, é muito raro que considere aquilo que está tentando comunicar.

É muito difícil para uma imagem corporativa transmitir algo por si só. Seu papel consiste em facilitar uma identificação clara da companhia, e nesse sentido a nova imagem do banco Sabadell não está tentando qualquer comunicação.

Isso pode ter sido uma provocação por parte do designer, pode ter sido seu modo de afirmar a primazia de sua criatividade “intuitiva” sobre os cálculos cuidadosos dos comunicadores ou talvez fosse um modo de expressar discretamente seu desdém pela ideia de que uma marca comercial pode realmente produzir significado.

Seja qual for o caso, uma afirmativa como essa presta um desserviço ao esforço colaborativo inerente a toda a renovação de uma identidade corporativa. Ela mostra que a noção de identidade da marca não se encontra suficientemente disseminada no mundo corporativo e na comunicação corporativa.

Rreconhecemos que o logotipo criado por Mário eskenazi é original, mais moderno graficamente e é facilmente reconhecível. Tratam-se de qualidades que muitas marcas poderiam invejar. Porém o artista perde a oportunidade de refletir sobre as especificidades do banco Catalão e de criar uma imagem corporativa que produza significado.

Uma outra abordagem

Já o caso do banco francês Crédit du Nord representa um bom exemplo de reflexão cuidadosa sobre a identidade de uma marca.

Em 1984, o Crédit du Nord, classificado como o quinto grupo bancário francês na ocasião, introduziu uma nova imagem envolvendo a recriação do logotipo, a expressão gráfica do nome, a arquitetura das agências e as campanhas de propaganda e de relações públicas.

A imagem tem como base a clareza. Durante 10 anos o banco havia suportado uma imagem indistinta, relativa a um banco interiorano, antigo e sério. Sua fusão com o Banque de l’Union Parisienne, um banco comercial ativa em grandes empréstimos, não havia ajudado a esclarecer a situação.

A história detalhada do desenvolvimento do novo logotipo e de todos os elementos de comunicação, iniciando com o conceito de luz ou claridade, foi recontada em livro do semiólogo Jean-Marie Floch. Nesta obra ele explica como agência de comunicação Creative Business, com a qual ele colaborou, desenvolveu, usando ferramentas semiologicas, todos os elementos da nova comunicação do banco Crédit du Nord (iniciando com Estrela Azul que substituiu o cubo laranja como o símbolo no logotipo).

O conceito de claridade levou em consideração o tipo de relacionamento entre o banqueiro e o cliente Esse relacionamento baseia-se no reconhecimento da competência e da soberania do cliente.Desse modo a ideia de claridade cristalizou o valor que simboliza a essência da relação com um banco a: confiança.

Esse conceito levou acima de tudo a escolha de um código, isto é, um estilo: uma marca estética definitivamente clássica em natureza, na qual o logotipo tinha de contribuir para transmitir franqueza e atenção personalizadas.

A estrela foi escolhida por representar um elemento visível no espaço aberto; simbolicamente também constitui um ponto de referência que orienta.

Nos dois exemplos anteriores, duas abordagens de identidade gráfica estão em confronto: a intuição do criador isoladamente, em posição a intuição do criador contextualizada numa estrutura de um discurso.

Para evitar a formalização dos valores que devem ser expressos é preciso ter uma fé cega no designer gráfico. Mas essa situação incomoda e está longe de ser a correta para esse profissional. Isso tudo demonstra falta de reflexão sobre a identidade da marca.

Designers gráficos e consultores de comunicação sabem disso e conhecem sua pouca liberdade; em tais casos são os primeiros a reclamar da falta de substância e de conhecimento da situação de mercado, dos produtos que eles são transmitidos – se é que algo está informado.

Com muita frequência afirma que os clientes expressam intenções vagas bastante imprecisas, do tipo “nosso logotipo tem de ser jovem e agradável” ou fornecem especificações puramente técnicas, como “nosso logotipo deve ter uns seis centímetros de altura e deve refletir nossos valores”.

Instruções como essas transmitem muito pouco a respeito dos valores a serem comunicados. A função criativa, como todas as demais funções necessárias para a operação de uma marca, precisa fazer parte de uma estratégia geral.

A identidade da marca é a principal recurso para o desenvolvimento dessa estratégia. Influencia a criação e a comunicação e também a logística da produção, a distribuição, o gerenciamento dos recursos humanos e o processamento de informações.


Fonte: Livro Pró Logo, marcas como fator de progresso