O modelo emergente no varejo

As empresas que operam no varejo competirão com base no valor criado para seus clientes. A Victoria’s Secret transformou um tipo de mercadoria meio sem graça, a lingerie, em algo romântico e sexy. A Starbucks fez do café um artigo da moda. A Barnes & Noble trata o comprador de livros como convidado.

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Essas são as empresas que estão construindo o novo modelo de varejo que prevalecerá no futuro não muito distante, na opinião de Leonard Berry, especialista em varejo da Texas A&M University. Neste artigo, Berry diz que os tempos da concorrência simples, baseada no preço, estão ficando para trás. Daqui para a frente os varejistas deverão se adequar, segundo ele, ao modelo de criação de valor para seus clientes, o que implica maximizar benefícios valiosos minimizando os custos e adotar algum diferencial em relação aos concorrentes, diferencial esse que esteja em mutação para não ser imitado. Os benefícios são agrupados em quatro categorias: variedade de mercadorias de primeira linha, preços justos, respeito pelos clientes e pelo tempo de que dispõem e diversão. Somados, eles formam a experiência de compra dos clientes, a qual é capaz de “construir” sua lealdade. Para complementar, um pequeno teste elaborado por Berry permite que o leitor reflita sobre se está ou não criando valor para seus clientes e uma pesquisa da Mercer Management Consulting revela os pontos comuns dos 25 varejistas líderes dos EUA.

Na hora de mencionar marcas poderosas, Nike, Coca-Cola, Microsoft e Kodak são sempre lembradas. Já Wal-Mart e Sears, ambas varejistas, não aparecem nas listas com a mesma frequência, embora seja necessário passar por elas, em boa parte das vezes, para chegar às marcas mais famosas. Em outras palavras, é preciso escolher onde comprar. A essência do varejo está justamente na construção dessa relação, que leva o consumidor a uma loja e não a outra, mesmo quando seu objetivo final é um só: comprar o que necessita, o que gosta ou o que deseja. No processo de construção de um relacionamento fiel com o varejista, o consumidor mostra a mesma exigência que tem em relação a um produto ou serviço.

Mas essa relação segue outras variáveis, segundo as quais é determinante como o consumidor percebe o varejista. Por isso, a construção de uma proposição de valor é mais complexa em empresas do setor do que em companhias industriais e, em um mercado hipercompetitivo, é condição para a sobrevivência. O melhor exercício a que um varejista pode se dedicar para explorar suas possibilidades é perguntar a si mesmo se os clientes realmente sentiriam falta de sua loja se ela desaparecesse da noite para o dia –e procurar responder com absoluta sinceridade. Se a resposta for negativa, medidas extremas deverão ser tomadas para garantir um lugar no mercado do próximo milênio. Se for afirmativa, nunca é demais rever as qualidades que contribuem para o sucesso.

A essência da criação de valor

Para começar, é preciso aceitar que “vender barato” deixou de ser a palavra de ordem. A competição com base no preço é uma daquelas velhas estratégias que alguns varejistas ainda cultivam e que apontam para o caminho da decadência. Na verdade, o varejo do futuro será construído sobre um conceito diferente, que combina os dois fatores-chave desse setor –localização e mercadoria. Trata-se do valor da experiência. E, nesse esquema, o preço é apenas parte do valor. Para o cliente, o valor equivale a todos os benefícios que ele recebe em troca do esforço representado pelo ato da compra.

Entre esses benefícios estão a qualidade da mercadoria, a atenção dos funcionários, o ambiente e a comodidade. No outro prato da balança estão os custos monetários –ou seja, o preço– e os não-monetários, tais como desconhecimento dos produtos por parte dos funcionários, lentidão dos caixas, falta de um lugar apropriado para estacionar, disposição pouco eficiente ou atraente das mercadorias. Dessa maneira, o valor resulta da totalidade da experiência do cliente no ato da compra. Se o serviço for de má qualidade e os produtos oferecidos estiverem arrumados nas prateleiras como em qualquer outra loja, a maioria dos consumidores procurará pelo preço mais baixo, pois não terá nenhuma razão para pagar mais pelo mesmo artigo. Mas se o varejista oferecer-lhe uma experiência de compra diferente, estará construindo uma empresa que tem futuro.

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É o caso de empresas como Victoria’s Secret, Home Depot, Starbucks Coffee ou mesmo a renascida Sears. Nenhuma delas concorre com base no preço. A Victoria’s Secret transformou um tipo de produto um tanto sem graça, a lingerie, em algo romântico e sexy. E a Starbucks fez do café um artigo da moda. Ao montar seu pacote de benefícios, essas empresas se perguntaram: como vamos sobressair aos olhos de nossos clientes? Ou seja, elas oferecem um conjunto de benefícios que os clientes consideram valiosos, a ponto de passarem a depender deles. Seus concorrentes poderão até igualar o preço oferecido por elas, mas nunca conseguirão copiar o conceito em sua totalidade.

Os varejistas-líderes tomaram a dianteira demonstrando sua vocação para a diferença. Nesse sentido, aqueles que conseguem consolidar marcas fortes são os “inventores”, nunca os imitadores. Eles constroem suas marcas não apenas porque mantêm o foco na estratégia, mas porque recorrem à inovação para continuar destacando-se, distanciando-se sempre da imitação. Como afirma Len Riggio, presidente da livraria Barnes & Noble: “É difícil copiar varejistas como nós porque somos conceitos em constante movimento”. Bem, o cliente avalia as várias “propostas” do mercado em função da relação custo-benefício. Essa é a equação com que qualquer varejista deve se preocupar. Como? Maximizando os benefícios valiosos para os clientes e minimizando os custos que são cruciais. É assim que se constrói valor. E, ao mesmo tempo, adotando um comportamento nãoconvencional, que desafie as premissas já consagradas.

O conjunto de benefícios

Para poder competir com base no valor, é preciso oferecer um conjunto de benefícios que podem ser agrupados em quatro categorias: variedade de mercadorias de primeira linha; preços justos; respeito pelo cliente e pelo tempo de que ele dispõe; diversão.

Variedade de mercadorias

Uma das forças mais poderosas que impulsionaram as mudanças que ocorreram no setor de varejo foi o nascimento das category killers (“assassinas ou dominadoras da categoria”), que se caracterizam por ter em estoque todas as mercadorias disponíveis no mercado na categoria em que atuam.

A CompUSA (artigos de informática) e a Office Depot (artigos para escritório) são excelentes exemplos: oferecem a seus clientes a possibilidade de comprar tudo de que necessitam em um único lugar. Além do forte impacto sobre a concorrência, as novas alternativas criadas pelas category killers elevaram as expectativas dos consumidores em relação a quais deveriam ser as melhores práticas de comercialização. Por isso, os varejistas que decidirem investir para obter a liderança de seu setor devem fazê-lo não apenas por meio da multiplicidade de produtos em quantidade e qualidade, mas também com base numa combinação de experiência sensorial, tecnologia interativa e serviços especiais.

Assim, em uma loja da Victoria’s Secret, por exemplo, o consumidor encontrará uma apresentação visualmente atraente da mercadoria em um ambiente levemente perfumado e com um suave fundo musical da Orquestra Filarmônica de Londres. A CompUSA conseguiu colocar mais de 200 títulos de software à disposição de seus clientes e não se deu por satisfeita. Criou também a Compkids, uma seção especial em que as crianças podem brincar com os computadores e testar a enorme variedade de produtos disponíveis. Além disso, se o varejista oferecer também artigos e serviços que complementam sua linha principal, terá criado uma solução total para o cliente. A Home Depot, por exemplo, vende materiais para construir um terraço, o knowhow necessário para enfrentar a obra, as plantas e os fertilizantes para transformar parte dele em um jardim.

Preços justos

O preço deve contribuir para conquistar a confiança do cliente. Isso significa, entre outras coisas, não lançar mão de promoções para levar o preço dos produtos a níveis reais, depois de os ter vendido durante algum tempo por preços acima do que valiam. Apesar de a estratégia de preço não ser suficiente, sua importância relativa aumenta quando combinada com outros benefícios. A Barnes & Noble ocupa uma posição dominante no setor de livrarias porque tem um sortimento espetacular, arquitetura e projeto inovadores em suas lojas, interiores amplos e cômodos, bom atendimento ao cliente, café excelente e, obviamente, bons preços. Respeito pelo cliente e por seu tempo O melhor estoque não valerá nada se o cliente e o tempo de que dispõe não forem respeitados. Esses são requisitos imprescindíveis para não destruir com uma mão o que foi feito pela outra.

Entre as queixas mais comuns dos clientes em relação ao varejo está, por exemplo, o atendimento do tipo “piloto automático”, um resultado indesejável dos treinamentos estereotipados, que inclui sorriso fixo, diálogo sem intercâmbio verdadeiro e movimentos robotizados. Trata-se da sensação de ausência e falta de empowerment transmitida por funcionários que não sabem ou não querem saber como responder às perguntas mais simples dos clientes. Esse é um problema que exige solução urgente, principalmente porque as pessoas estão cada vez mais conscientes do valor de seu tempo e de sua paciência. A Barnes & Noble, como acontece com outros varejistas com visão de futuro, conseguiu escapar disso, tratando seus clientes como convidados, permitindo, por exemplo, que se sentem em poltronas confortáveis e leiam um livro inteiro se quiserem. O varejista sempre deve se preocupar com detalhes que poupam tempo para seus clientes: acesso fácil à loja, um layout lógico, operações rápidas e sem inconvenientes.

A cadeia norte-americana de farmácias Walgreen captou perfeitamente esse conceito. Suas lojas sempre estão em locais centrais, contam com estacionamento, corredores largos e gôndolas com prateleiras acessíveis e boa sinalização, além de registros atualizados dos medicamentos comprados por cada cliente, para poder atendê-lo no caso de uma emergência.

Diversão

Mesmo quando suas necessidades imediatas são atendidas, os clientes exigem algo mais. Hoje em dia, quando a quantidade de estímulos sensoriais é tão grande, a mesmice pode ser causa de abandono. Os consumidores estão se acostumando a receber também um pouco de diversão em troca do dinheiro e do tempo gastos em suas compras. Na medida em que o mundo do lazer e o varejo continuem interligados, os varejistas sem atrativos terminarão no esquecimento.

Qualquer que seja o artigo, a compra deve ser uma experiência dinâmica, estimulante e divertida. Os varejistas são obrigados a inovar constantemente para que o cliente habitual acredite que sempre poderá encontrar alguma novidade. Uma aventura para os sentidos, alguma coisa aprendida inesperadamente, uma impressão desconhecida. Mais uma vez, Riggio, da Barnes & Noble, foi quem melhor resumiu o conceito ao afirmar que “o local é a mensagem principal”.

Habitualmente se dá atenção exagerada à publicidade e insuficiente à criação de um lugar memorável que, além de imaginação, exige um nível extraordinário de excelência estratégica e operacional, porque é impossível construir uma experiência especial, em um lugar diferente, se o varejista não for um bom comerciante, que conhece seu ramo de negócios perfeitamente, assim como as opções, os melhores produtos e os que não podem faltar.

O diferencial

É fundamental que as empresas varejistas tenham um comportamento não-convencional, que desafie as premissas consagradas, como a de que boa qualidade é sinônimo de preços altos. Foi o que fez a Zane’s Cycles. Essa rede de lojas de bicicletas oferece assistência técnica gratuita durante toda a vida útil das bicicletas que vende. A experiência demonstra que sua estratégia está correta. Todos os clientes utilizam a garantia durante o primeiro ano; apenas 20% a 30% apresentam reclamações no segundo ano e essa curva descendente mantém-se nos anos seguintes.

Trata-se, portanto, de um bom serviço que estreitou o relacionamento com o cliente, não foi repassado para os preços e também não influiu negativamente nos custos. O que foi exposto aqui dará forma ao varejo do futuro, voltado para o cliente, mas não limitado a lhe vender produtos ou levá-lo de promoção em promoção. Esse varejo será concebido para satisfazer as necessidades do cliente e oferecer- lhe algo mais.

Saiba mais sobre o autor Leonard Berry

Leonard Berry é um dos maiores especialistas em comércio varejista e marketing de varejo da atualidade. Diretor do Centro de Estudos sobre Varejo da Texas A&M University, nos EUA, desde 1980, tinha antes a cátedra de comércio da McIntire School da University of Virginia. Foi presidente da Associação Americana de Marketing entre 1986 e 1987. Editor de um boletim especializado em varejo, publicado pela firma de consultoria Arthur Andersen, Berry também é autor de numerosos artigos e vários livros, entre os quais se destacam Serviços de Satisfação Máxima – Guia Prático de Ação (ed. Campus)e Serviços de Marketing (ed. Maltese). O especialista já teve artigo publicado em HSM Management: Quanto custa um serviço (número 5, página 126).

PESQUISA: AS RAZÕES DO SUCESSO

Do momento em que o cliente potencial entra na loja até ele sair, com ou sem o produto ou serviço que buscava, podemos identificar três etapas distintas do processo de compra. A primeira consiste na recuperação das “informações” necessárias para justificar a decisão de compra. Somente quando já dispõe de tais informações o consumidor pode entrar na segunda etapa: a do “entretenimento”. Trata-se da experiência que pretende fazer da compra nesse estabelecimento uma coisa diferente, que gere fidelidade e estimule o cliente a voltar mais vezes. Depois desse momento especial, diferente, útil, inesquecível ou divertido, chega a fase da “transação”, crucial porque dela dependem os resultados.

Nesse contexto, e com o objetivo de identificar os principais motivos de sucesso no setor de varejo tomando como base o mercado dos Estados Unidos, a Mercer Management Consulting estudou os 25 varejistas mais bem-sucedidos da última década segundo o critério do retorno que geraram para os acionistas, em uma amostra de 300 empresas. A partir da análise comparativa de suas características, foi possível identificar quatro fatores fundamentais para o êxito desse tipo de negócio:

  1. escolha de alvo determinado;
  2. grande variedade de produtos;
  3. grande área de venda;
  4. orientação para o público da área de influência.

Em primeiro lugar, todos os 25 varejistas-líderes escolheram um alvo determinado, isto é, um segmento ou nicho específico do mercado. Um aspecto interessante foi o esforço por parte dos grandes varejistas em melhorar seu desempenho por meio da microssegmentação.

A Target, uma das principais lojas de descontos dos Estados Unidos, tem cerca de 20% de estoque variável, adaptado às exigências, características e necessidades do público consumidor que vive nas vizinhanças de seus estabelecimentos.

Em segundo lugar em ordem de importância entre os varejistas da amostra analisada apareceu a grande variedade de produtos que, graças a um bom trabalho de otimização de custos, podiam oferecer a preços que correspondiam às expectativas dos clientes quanto ao valor que esperavam receber em troca de seu dinheiro.

O interessante dessa estratégia é que, mesmo não sendo os mais barateiros, esses varejistas conseguiram obter uma equação custo-benefício equilibrada e satisfatória tanto para o negócio como para sua clientela.

A terceira característica de destaque é o tamanho dos estabelecimentos: a maioria teve de aumentar a área a fim de ter espaço suficiente para expor a ampla gama de produtos disponíveis. Apesar da importância dos demais fatores, a orientação para as necessidades e exigências básicas do público da área de influência de cada local aparece, em todos os casos, como um elemento estratégico fundamental.

Os varejistas que apresentaram os melhores resultados foram os que firmaram entre cada estabelecimento e seu grupo determinado de clientes uma relação básica, sem tentar envolver demasiadas áreas.

Elementos diferenciadores

Essa relação com o público de sua área de influência foi, por sua vez, enriquecida progressivamente por meio da incorporação de novos elementos diferenciadores e técnicas de fidelidade. O cartão de crédito próprio, as alianças estratégicas ou a oferta de outros serviços estão entre as iniciativas adotadas para aumentar o valor agregado a partir da compra.

As empresas que quiserem figurar no ranking dos varejistas mais bem-sucedidos devem, portanto, investir naquilo que é mais importante para o cliente. Se a personalização, por exemplo, for percebida como um valor, elas terão de providenciar os meios para colocá-la à disposição de seus clientes.

Uma empresa varejista decidiu aplicar esse conceito na venda de jeans. O cliente fica de pé sobre um tablado e, por meio de um mecanismo especialmente projetado, tiram-se suas medidas. A estratégia tem como público-alvo principalmente as mulheres, uma vez que são elas que apresentam maiores dificuldades na hora de conseguir uma calça que lhes caia bem.

A venda de calçados é outro dos setores em que uma abordagem desse tipo poderia funcionar. Contudo, qualquer afirmação sobre a personalização ainda é prematura. Por enquanto, os clientes parecem não estar dispostos a esperar por um par de sapatos ou uma calça sem nenhuma outra diferença em relação aos convencionais, além da medida.

Em geral, os consumidores buscam a gratificação imediata e, portanto, percorrem muitas lojas até encontrar os produtos que lhes sirvam. De qualquer forma, o importante é saber o que os clientes querem, quando e de que forma precisam dos produtos ou serviços, e atendêlos. Nem antes, nem depois, nem de outra forma. Constata-se, em todos os casos, que a geração de valor para os clientes foi o vetor da estratégia e a principal fonte de valor para o próprio varejista, muito mais do que o lucro bruto. De fato, a combinação desses fatores nos 25 varejistas-líderes demonstrou a força que possuem quando aplicados em conjunto.

A pesquisa foi analisada por Kevin Mundt, especialista de varejo da firma Mercer Management Consulting.


Fonte: Revista HSM Management, por Leonard Berry