O básico é básico

Nessa entrevista, Patrick Barwise nada contra a corrente e propõe que, em vez de se preocupar com a diferenciação e a criação de valor, os profissionais de marketing retornem ao fundamental: atendam às necessidades de seus clientes

Reunindo teoria e prática em marketing, o polêmico professor da London Business School Patrick Barwise vem ficando conhecido por advogar que os profissionais da área precisam concentrar-se no atendimento às aspirações básicas com mais eficácia do que a concorrência, em vez de concentrar-se na obtenção da proposta de venda única, contrariando o que pregam grandes pensadores como Rosser Reeves, Jack Trout, Al Ries e até Michael Porter, e se baseando em exemplos de empresas bem-sucedidas na adoção de uma postura de foco no cliente, como a Orange, a Daewoo, a Toyota e a Tesco.

O especialista enfatiza que não é fácil conseguir proporcionar aos consumidores o que eles esperam e sugere a proximidade com eles como meio para que os profissionais de marketing consigam compreender as experiências dos clientes. Barwise argumenta também, nesta entrevista à revista Spotlight, que tanto os resultados positivos como os negativos de uma iniciativa de marketing têm de ser partilhados e analisados, uma vez que constituem valiosas fontes de aprendizado e ponto de partida para a ação.

Em seu livro Simply Better, o sr. enfatiza que, para conquistar e conservar os clientes, os profissionais de marketing precisam superar a concorrência na hora de proporcionar o que as pessoas esperam, em vez de se concentrar na busca de uma proposta de venda única. Por que essa última tendência recebeu tanta importância nos últimos tempos?

Um pouco dessa importância decorreu da idéia de que não é possível diferenciar-se no que é básico, e, por isso, quem quer permanecer competitivo precisa concentrar-se nos demais aspectos possíveis. Em muitos mercados, acredita-se que o produto básico tornou-se quase uma commodity, o que faz perguntar quais motivos levam as pessoas a escolher uma marca em detrimento de outra.

A conclusão a que se chegou foi que, para atrair os consumidores, é preciso oferecer algo que ninguém mais oferece, ou seja, uma proposição diferenciada. Só que os fatos mostraram que essa teoria está errada.

O segundo motivo é uma confusão entre a propaganda e o produto ou serviço anunciado, entre os conceitos de construção de marca [branding] e marca propriamente dita. Não é à toa que o conceito de proposta de venda única foi desenvolvido por Rosser Reeves, um profissional de publicidade. Grandes defensores atuais, como Al Ries e Jack Trout, também começaram sua carreira na publicidade antes de se dedicar ao estudo da estratégia. Do ponto de vista da publicidade, é claro, nossa teoria de que a força propulsora da venda de um produto ou serviço deve ser sua capacidade de proporcionar o básico melhor do que a concorrência é menos atraente e divertida do que a teoria da proposta de venda única, além de mais difícil de ser comunicada –a menos que seja possível basear-se em dados de satisfação do consumidor a partir de uma fonte de credibilidade, como aconteceu com a Orange, com a revista Which? e com outras pesquisas.

É claro que a criatividade na publicidade e no branding tem importância e não somos contrários à proposta de venda única, como fica claro em nossos estudos de caso da Orange e da Tesco. Mas as inovações incrementais ou pequenas “proposições únicas de venda” que constituem boa parte do sucesso dessas empresas, e que tornam seus produtos mais baratos, melhores ou mais convenientes, não são tão “únicas” ou intensas como deveriam ser as proposições únicas de venda defendidas por Reeves. O estudioso vislumbrou inovações significativas e únicas impossíveis de ser imitadas e capazes de criar um impacto imenso na escolha da marca. Os fatos mostram que isso simplesmente não existe. Nós sustentamos que há muito mais a levar em consideração além das proposições únicas de venda.

Também não somos contrários às boas campanhas de publicidade de marca. O programa de lançamento da Orange, por exemplo, foi brilhante. A empresa adotou uma abordagem ao mesmo tempo controversa e arriscada, mas que, combinada com sua oferta de produto “simplesmente melhor”, revelou que esse novo modo de fazer publicidade acelerava o julgamento de compra e estimulava a propaganda boca a boca. Se a Orange tivesse trabalhado em um branding brilhante, mas sem fornecer um serviço de qualidade, o valor de sua comunicação de marca teria vida curta.

É preciso lembrar que o mundo do cliente e o mundo do fornecedor são bem diferentes. Quando um consumidor faz uma compra, a marca escolhida é que lucra, e ser a segunda opção não ajuda em nada. Assim, enquanto para quem compra pode ser quase indiferente escolher a marca A ou B, para os gestores de marca as diferenças entre as alternativas são essenciais. O mesmo vale para a publicidade: quem anuncia tem bem mais consciência da marca e das comunicações dela do que o consumidor.

A principal contribuição do livro Simply Better é dar ênfase na necessidade de concentração naquilo que realmente importa para o consumidor – e que nem sempre coincide com o que poderia revelar-se a partir de uma abordagem-padrão de marketing. Essa postura exige um modo de pensar que considera possível apresentar um desempenho melhor no que é básico, além do reconhecimento de todos os fatores que causam desapontamento aos clientes todos os dias.

Existem momentos em que é preciso haver uma inovação radical?

A maioria das empresas sofre de “fadiga de iniciativa”, uma conseqüência das infindáveis idéias e iniciativas novas. Os heróis anônimos, porém, são os profissionais em cargos hierárquicos inferiores, que geram ótimas novidades em produtos e serviços todos os dias. Essas são as pessoas que de fato criam valor para o acionista.

A exceção parcial a esse cenário é uma empresa em fase inicial, sem base de clientes ou marca e com poucos recursos para investir em publicidade. Uma companhia nessa situação precisa realmente descobrir algo novo para se fazer conhecer e obter bom retorno sobre o investimento.

Outras exceções são artigos como perfumes de luxo e algumas bebidas, mas são realmente casos à parte. Para 90% das organizações, a prioridade máxima deve ser procurar maneiras de melhorar o que é básico. Só depois disso é o caso de pensar em dar outros passos. A inovação radical em que se consegue “pensar fora da caixa” é positiva, mas, para dar certo, exige combinar uma boa idéia com uma excelente execução.

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Em nosso livro enfatizamos bastante a execução, pois nas escolas de administração virou moda afirmar que a estratégia é mais importante. No entanto, não existem empresas de fato bem-sucedidas que não sejam muito boas na execução, e nós acreditamos que esse aspecto quase sempre é mais determinante do que a estratégia.

Um bom exemplo disso são as empresas ponto.com. De modo geral, elas tinham uma estratégia quase óbvia, mas as poucas que sobreviveram, como a Amazon, a Yahoo!, o eBay e o Google, são aquelas que, apesar da estratégia similar às demais, apresentaram uma execução superior.

A maioria das pessoas (se não todas) é capaz de citar exemplos de produtos ruins e de péssimo atendimento ao cliente, sem falar nos “casos de horror” publicados na imprensa. Parece incrível que esse tipo de prática ainda exista, levando em conta as conseqüências para a reputação das empresas. O que isso significa?

Parece incrível, mas é preciso lembrar que, ainda que nossa mensagem sobre ser bom no que é básico possa parecer simples, é muito difícil colocá-la em prática. Por esse motivo, nosso livro inclui diversos exemplos de como algumas empresas conseguiram isso. Um grande problema nas organizações é a falta de incentivo para que as pessoas abordem os aspectos negativos – o que quer dizer que os funcionários costumam mentir para seus chefes, e estes para seus superiores, e assim por diante até o topo da pirâmide.

Obter os dados negativos custa aos profissionais mais graduados boas doses de humildade, esforço e energia. Para isso, os executivos seniores precisam aproximar-se o máximo possível dos consumidores no ponto-de-venda ou no local de prestação do serviço, visitar os clientes da empresa para ver os produtos em funcionamento, participar de grupos de discussão etc. Outra medida é atuar como consumidores anônimos dos produtos ou serviços de sua própria companhia, a fim de partilhar a experiência dos clientes.

Esse envolvimento, além de proporcionar insights valiosos, estabelece um exemplo dentro da empresa ao enfatizar a extrema importância atribuída ao cliente –ou seja, deixa claro que o foco no cliente é mais do que um slogan. Os dados de satisfação do consumidor (e em particular as fontes de insatisfação do consumidor) ainda não são objeto de análise e de ação de maneira sistemática. As empresas devem esforçar-se muito para acompanhar as reclamações dos clientes e, especificamente, os retornos dos consumidores perdidos, que costumam não ser valorizados –as más notícias deveriam ser consideradas informações preciosas, capazes de ensinar muito e de atuar como ponto de partida para a ação.

Outro problema está no fato de que, ao mesmo tempo que os mercados são competitivos, a concorrência funciona com mais lentidão do que costumamos acreditar, o que quer dizer que os consumidores podem ir devagar na hora de mudar de preferência. Isso não significa fidelidade, mas sim certa inércia, que faz com que os clientes permaneçam um bom tempo com produtos ou serviços que consideram insatisfatórios. Do ponto de vista da empresa, todas essas notícias são boas: elas significam que provavelmente há uma oportunidade para que melhorem de modo significativo, embora possa custar tempo para que os benefícios plenos se manifestem.

O sr. pode citar exemplos de empresas que foram bem-sucedidas na abordagem de “simplesmente melhor” e como isso aconteceu?

Se uma empresa decide coletar dados sobre satisfação e insatisfação dos clientes, e como insatisfação considerar a categoria e também a marca, com freqüência conseguirá identificar os caminhos da conquista do market share.

Foi o que a fabricante de automóveis Daewoo fez. A companhia estava trabalhando para o que parecia uma meta totalmente possível, que era o aumento de 1% no market share em três anos. Mas tratava-se de uma empresa desconhecida com nome engraçado, que vendia veículos produzidos na Coréia e baseados no design adotado pela General Motors uma década antes. A Daewoo não tinha nenhuma expectativa de realizar essa façanha concentrando-se em seus carros.

Por isso, ao identificar enorme descontentamento com os revendedores de veículos, adotou a estratégia de reduzir a rede e oferecer um pacote de serviços claramente superior, ou seja, melhorou de forma considerável um aspecto básico valorizado por grande número de clientes que não estavam interessados nas diferenças entre os carros, mas que atribuíam importância à qualidade do atendimento prestado pela maioria das revendedoras.

Do mesmo modo, a Tesco dedicou-se a descobrir quais as principais aspirações dos consumidores dos supermercados. A rede varejista não adotou uma clássica estratégia de posicionamento e segmentação, mas decidiu tornar-se o supermercado com melhor custo/benefício (o que não significa com preços mais baixos) e atraente para todos os clientes. Em conseqüência, a rede oferece hoje tanto itens econômicos como produtos sofisticados, em quantidades que variam de acordo com a localização das lojas.

A Tesco também disponibiliza o cartão de fidelidade Clubcard, uma abordagem de marketing direto que baseia as iniciativas de promoção e de publicidade em análises de dados. Seu posicionamento não resultou em grande distinção, mas sim no constante aperfeiçoamento consistente que a empresa almejava para superar a concorrência e ser a primeira –o que é diferente de ser pioneiro em um mercado totalmente novo.

O que a Tesco, a Toyota e a Orange têm feito para manter as vantagens em relação à concorrência é diferente de ser o primeiro a explorar nichos totalmente novos. O que essas empresas estão fazendo é manter-se em primeiro lugar em seus respectivos espaços, a fim de introduzir novos benefícios incrementais. Os benefícios de quem chega primeiro (pioneiros em novas categorias) revelaram- se bastante exagerados. Se observarmos os market shares e lucros em determinado mercado, não encontraremos uma relação consistente entre a ordem de entrada e a participação no mecado. Isso ocorre porque, na maioria dos casos, a primeira pessoa a se aventurar nem sempre leva a melhor.

Se recuperarmos a trajetória de certo produto ou serviço, em geral depararemos com uma empresa pioneira que lançou a novidade sem atingir seu potencial pleno. Talvez cinco, dez ou 15 anos depois outra empresa tenha reconhecido esse potencial, investido pesadamente e –o essencial– realizado uma boa execução. A experiência mostra que, em um mercado totalmente novo, as taxas de mortalidade das organizações pioneiras são tão elevadas que pode ser melhor ser um bom imitador (um second mover que age com rapidez).

Quais são as conseqüências para o marketing e a educação para a gestão da renovada ênfase nas expectativas do cliente?

São muitas as conseqüências tanto para o marketing como para a gestão. Ao mesmo tempo que o foco no cliente é ensinado nas escolas de administração e teoricamente implantado nas empresas, também é preciso eliminar a distância que separa a teoria da prática. Como consumidores, todos sabemos que o caminho para a satisfação das necessidades do cliente ainda é longo. É muito difícil atender a essas necessidades – a tarefa exige um esforço imenso – mas, em vez de partir do princípio de que os “pilares” representam apenas 25% do problema e que os demais 75% estão relacionados com a esfera de construção de marca, valores emocionais, proposições únicas de venda e outros itens, a realidade em geral está mais perto de ser o contrário.

Um bom começo pode ser trabalhar bem mais arduamente do que a concorrência, certificando-se de que sua empresa não deixa de fornecer o básico, para depois questionar se é o caso de levar a disputa para além dos níveis gerais do setor. Começando com essa postura, outras coisas podem vir mais tarde. Se sua organização tiver a qualidade da Tesco, da Toyota ou da Orange nos aspectos básicos, aí sim você pode preocupar-se com todas essas outras habilidades de valor agregado e extrair delas um retorno mais elevado: as iniciativas de marketing e de branding funcionarão melhor, as proposições únicas de venda virão por conta própria e você estará bem posicionado para inovações maiores e mais radicais, como a Tesco.com (maior varejista on-line do planeta) ou o Toyota Prius (um dos dois únicos veículos híbridos de gasolina e energia elétrica bem-sucedidos).

Nada disso, no entanto, pode substituir o básico. Quando sua empresa passa das fontes de insatisfação dos clientes para fontes de aprovação é ótimo. Não se trata de defender que as pessoas se limitem ao básico; o que estamos dizendo é: comece com o básico, ou seja, com o que importa para o cliente. Depois de conseguir isso, de contar com uma execução correta e de ouvir os consumidores, você terá um senso bem mais apurado para identificar e oferecer o que representa mais valor ao cliente.

Saiba mais sobre Barwise

Depois de consolidar sua carreira como executivo na IBM, Patrick Barwise tornou-se professor de gestão e marketing da London Business School, de Londres, Reino Unido. Desde 1976 na LBS, Barwise ocupou diversos cargos, entre eles o de diretor da entidade, diretor do programa de executivos e presidente do Future Media Research Programme, o programa de estudos do futuro dos meios de comunicação.

Outras atividades desenvolvidas paralelamente pelo especialista são a consultoria, a pesquisa aplicada e o desenvolvimento de executivos. Patrick também atua como conferencista e tem acompanhado diversos cases comerciais e de concorrência em Londres, Washington, Bruxelas, Paris e Milão. Entre suas atividades paralelas estão três anos de dedicação à Associação Britânica de Consumidores, no cargo de vice-presidente do conselho de administração. Atualmente, Barwise trabalha como orientador de pesquisa de audiência para o Ofcom, novo organismo britânico de regulamentação das comunicações.

Recentemente também participou de uma reavaliação feita pelo governo dos serviços de televisão digital da BBC. É autor de vários livros, dos quais o mais recente é Simply Better – Winning and Keeping Customers by Delivering What Matters Most, escrito em parceria com Seán Meehan e publicado pela Harvard Business School Press.


Fonte: Revista HSM Management