Mais COM e menos Tele – o futuro do marketing

Nessa entrevista, Gerd Leonhard, maior futurista de mídia da atualidade, faz esta projeção sobre o futuro das empresas de telecomunicações –e de todas as empresas, de certa maneira–, chamando a atenção para o fato de que comunicação será a chave do sucesso, porque os lucros passarão a ser gerados pelo capital social.  

“Em 2010 apenas 5% da população mundial estava conectada à internet. Mas, uma vez que passarmos a ter 20% ou 25% de penetração de banda larga no planeta, o que se prevê que ocorra em três anos, a forma de fazermos negócios e de nos comunicarmos terá mudado para sempre.” (Gerd Leonhard)

Gerd Leonhard, que foi considerado o grande futurista da mídia pelo The Wall Street Journal, está seguro de que não há exagero nessa projeção. Para ele, paradigmas da gestão contemporânea, como a “cultura do atrito”, estão prestes a cair por terra, o “problema do pedágio” para conteúdo será finalmente resolvido e o “mobile” se espalhará pelo planeta.

Resultados possíveis? São diversos. Quem obtiver a atenção dos consumidores, seja um blogueiro, uma editora de livros ou uma telecom, conseguirá cobrar por isso –e bem. Capital social será o principal fator de lucro, comunicação e atenção, um item de luxo. Acesso terá mais valor que produto. Dados pessoais funcionarão como moeda de troca.

O futuro da comunicação

Muitas mudanças admiráveis (e algumas assustadoras para as empresas de comunicação e marcas) são esboçadas a seguir por Leonhard, que não hesita em apontar a transformação fundamental das empresas de telecomunicações –e, se extrapolarmos, de todas as empresas, de certa maneira: terão de esquecer a telefonia –ou deixar de ficar longe dos consumidores.

Isso porque o significado de têle em grego é “longe”, por isso as empresas devem concentrar-se em serviços de conteúdo –ou na comunicação para captar a atenção das “pessoas antigamente conhecidas como consumidores”, para usar as palavras de Leonhard.

Qual é o futuro do conteúdo móvel?
É realmente possível prevê-lo?
E como afetará as empresas?

Estamos vivendo uma economia de rede aberta. A ideia central é a de que as estruturas dos negócios no mundo estão mudando para plataformas abertas, em vez de controladas; isso significa que é necessário, antes de mais nada, compreender a economia das redes, ou seja, como as pessoas frequentemente online, e conectando-se entre si todo o tempo, estão fazendo suas transações.

Prevalecerá a partir de agora, cada vez mais, a forma de fazer negócios do Google, centrada nos usuários. O importante será resolver os problemas para as pessoas e, com isso, será possível ganhar mais dinheiro. Muda tudo: as empresas passam a ser desenvolvedoras ou criadoras de mercado, em vez de “tomadoras” de mercado.

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Mas isso que você diz tem a ver com internet e ainda é ínfima a parcela do mundo conectada…

É verdade: hoje apenas 5% da população mundial está conectada à internet. Mas, uma vez que passarmos a ter 20% ou 25% de penetração de banda larga no planeta, o que se prevê que ocorra em três anos, a forma de fazermos negócios e de nos comunicarmos terá mudado para sempre. Isso porque teremos as ferramentas para fazê-lo de maneira fácil e barata –ou até gratuita.

Quando você fala em algo ser gratuito, eu logo penso na dificuldade de fazer dinheiro. Como fica esse paradigma empresarial?

Nós nos afastamos cada vez mais da ideia de que, se estamos ganhando dinheiro, está tudo bem. Essa é a velha maneira de pensar –de empresas do tipo Disney e das grandes marcas globais–, mas não resiste aos novos tempos. Setores de atividade como os de petróleo, automobilístico e de outros bens de consumo já estão deixando de ser fornecedores de produtos –até porque todos os produtos têm virado commodities– para se tornar prestadores de serviços que atendam às necessidades de seus públicos. E esse é um caminho sem volta.

Sinto que a Sony, sua cliente, está indo no caminho exatamente oposto a esse, quando lembro que o Brasil e a Austrália estão na mesma região de DVD, mas os equipamentos da Sony, no Brasil, não reproduzem os DVDs australianos…

Isso tem nome: é a “cultura do atrito”, e essa postura não tem lugar na economia moderna. Empresas não poderão mais esperar que as pessoas aceitem uma barreira para que elas faturem mais.

Historicamente, a indústria de mídia construiu seus modelos de negócio com base em atrito, que são essas restrições. O jornal não divulgava online seu conteúdo, para proteger o impresso, por exemplo…

Ou, como ainda acontece no Brasil, uma emissora de TV não menciona uma marca no telejornal para proteger as marcas anunciantes…

Exato. O atrito precisa ser removido. Os modelos de negócio têm de mudar. Qual é a relação entre essa “network economy” e a crescente mobilidade? São fenômenos da mesma natureza; o segundo é cria do primeiro. As pessoas naturalmente se movimentam e, para manter-se conectadas em rede, precisam de equipamentos que se movimentem com elas. A comunicação através da internet móvel é o caminho para o sucesso.

O computador do tipo desktop é a antiga visão da internet –nos países desenvolvidos, poucos compram desktops; o foco são os equipamentos portáteis. E vale dizer que as marcas de equipamentos genéricas, baratas, é que terão papel principal na comunicação daqui para frente.

Em um retrospecto rápido, a adoção de aparelhos móveis começou com a difusão dos serviços de voz, por meio dos celulares. Depois vieram os serviços de texto. Então, chegou a internet móvel e trouxe desenvolvimento da área de conteúdos. Recentemente, o iPhone alavancou o mercado de aplicativos de mensagens instantâneas e redes sociais que permitem a comunicação direta das marcas com os clientes. E agora? Qual o próximo passo?

Acredito que as operadoras perderão sua “vaca leiteira”, que é a mensagem de texto, o SMS . Trata-se do esquema mais lucrativo para elas, ao lado do roaming, porque seu custo é baixo proporcionalmente a seu preço final. E, como é muito prático para o usuário, ele aceita pagar.

Mas, com os novos serviços integrados, vendidos em pacotes e baseados em participação, deixará de ser possível cobrar cada SMS do usuário. Além disso, haverá uma perda de controle por parte das empresas de telecomunicações, o usuário imporá o que quer.

Como assim?

A operadora não conseguirá mais administrar o que o usuário quer. E será forçada a fornecer mais conteúdo. Essas empresas deverão se concentrar em comunicação, facilitando-a, agregando- lhe valor com conteúdo e serviços. O tráfego de voz terá de ser só uma pequena fatia do bolo.

Portanto, o futuro das empresas de telecomunicações está mais no “com” do que no “tele”. Acontecerá no setor de telecom mais ou menos o que aconteceu na indústria da música. A venda de CDs e músicas em formato mp3 se tornou apenas uma fração do faturamento das gravadoras.

As telecoms têm escolha?

Eu diria que não. Se não passarem a oferecer serviços de conteúdo e redes sociais, estarão fadadas à extinção. E as operadoras e empresas de mobilidade encontrarão uma maneira de integrar o que o Facebook e o Google fazem em uma única plataforma conveniente para os usuários. Isso incluirá serviços baseados em localização, propaganda e suporte de conteúdo.

O ganho das telecoms não será espremido nesse processo de colaboração com Facebook e afins?

Em um primeiro momento, sim, sua receita média por usuário [ARPU, na sigla em inglês] vai diminuir, mesmo que aumente o valor das assinaturas. Elas terão de desenvolver outras formas de aumentar o ARPU.

Quais são os maiores entraves para a adoção maciça dos conteúdos móveis em um país como o Brasil?

Primeiro, o fato de não ser muito grande o número de pessoas com acesso à banda larga. Em segundo e terceiro lugares, dificuldades como a falta de infraestrutura e os impostos. Os governos deviam acabar com os impostos sobre os serviços de banda larga e garantir-lhes o custo mais baixo possível, porque já foi provado que o PIB [Produto Interno Bruto] cresce com o aumento da mobilidade e da internet. Os governos de alguns países emergentes já o entenderam, como Tailândia e Vietnã.

E o medo da perda de controle?

Ele existe, tanto da parte dos governos como da parte das empresas, algo que já falamos. Mas trata-se de fazer uma escolha: quanto mais fluido for o sistema, o que implica menor controle, maior será sua geração de faturamento, e vice-versa. Vale observar Skype, Facebook ou eBay como exemplos de sistemas fluidos.

Existe um modelo ideal para a distribuição de conteúdo móvel?

Só acharam três modos de cobrar conteúdo:

  1. O usuário paga.
  2. O provedor paga.
  3. Uma terceira parte paga.

Note que em nenhum caso o conteúdo é gratuito; apenas varia quem banca.

Na prática, poderá passar a ser uma combinação dessas três formas. E isso dependerá do país, da cultura e de uma série de aspectos e condições.

No Japão, a operadora Blyk.com fez com que os usuários aceitassem receber anúncios em seus celulares em troca de um pacote de minutos e de SMS grátis. Você vê esse caminho como factível em outras culturas?

Totalmente factível; muita gente já se dispõe a fornecer dados pessoais para manter conta gratuita de Gmail, por exemplo, ou para fazer compras na Amazon. Dados e informações pessoais serão uma forma de pagamento.

É um paradigma 100% novo, não?

Eu me arrisco a afirmar que os dados e informações sobre os consumidores são o petróleo da nova era. Acredito que dados sobre 4 bilhões de pessoas podem valer muito mais do que toda a reserva de petróleo da Terra. Redes baseadas em localização, como Google, Buzz.com, Foursquare e outras, exigirão extrema exposição e transparência dos usuários. Pessoalmente, abro mão de minha privacidade, porque gosto de navegar.

Estamos falando de uma tendência de transformar conteúdo em software. Como isso impactará as empresas?

Nem todo conteúdo se transformará em software ou será virtual. Uma escultura, por exemplo, é conteúdo e não será virtual. O principal impacto, talvez, será sentido sobre a lei da oferta e da procura. Vender uma unidade de algo não acarretará mais diminuição da oferta. Exemplificando, o fato de alguém acessar um filme por meio da computação nas nuvens não impossibilitará seu acesso de outra forma. Isso significa que o valor de um produto não será tão alto quanto o valor do acesso a ele. O maior valor estará no acesso –na capacidade de acessar o produto– e não no produto em si. Os modelos de negócio vão mudar bastante e muitas empresas passarão a utilizar uma salesforce.com [a computação nas nuvens] na forma de gerir seus negócios na facilitação do acesso.

Em sua opinião, o que as empresas podem fazer para não cometer erros em sua ansiedade por ingressar no universo mobile?

Não é possível aprender a nadar sem se molhar; portanto, as empresas não podem pensar primeiro em “monetização”. É simples: antes de quererem gerar lucro, elas precisam obter e manter a atenção dos consumidores. Não é nenhuma novidade o que estou falando. É o modelo AIDA [acrônimo para atenção, interesse, desejo e ação].

Começar perguntando-se “Como ganho dinheiro com isso?”, que é o que muito gestor faz, é o jeito errado de começar. A questão inicial é outra: “O que fazer para meu produto estar na mente das pessoas certas e merecer sua atenção?”. Mais tarde eu me pergunto como faço para o consumidor me dar dinheiro, em algum tipo de moeda.

Algum tipo de moeda? Você acha que o leque de moedas se ampliará?

Sim, o céu é o limite dos micropagamentos. Em breve, chegaremos ao ponto em que as pessoas usarão, por exemplo, créditos do Facebook para pagar o aluguel de um imóvel. Se gostar de uma imagem em um blog, a pessoa poderá usar créditos “virtuais” de diferentes sites como pagamento para adquiri-la. O capital social será transformado em dinheiro real. E, quando isso acontecer, os blogueiros de sucesso passarão a ganhar dinheiro, porque têm a atenção dos usuários. Só estamos vivendo o típico “problema de pedágio”.

O que é isso?

É o problema de definir o momento certo para começar a cobrar. Esse é um desafio, porque, de um lado, deve-se ter bastante valor para oferecer e, de outro, precisa existir uma forma de pagamento muito simples. E, com produto intangível como conteúdo, isso é complicado.

As pessoas não vão trabalhar de graça?

Não! E acredito que deva aumentar o valor do conteúdo –bom– também. As empresas intermediárias, como as editoras, também não sumirão, se aprenderem a chamar a atenção. Não é mais questão de distribuição.

A atenção vira item de luxo?

Sim, as pessoas estão cada vez mais dispersivas e obter sua atenção se tornará cada vez mais caro. O bom é que atenção será, realmente, uma base sólida para monetização.

A pergunta de US$ 1 milhão: como captá-la?

Com conteúdos envolventes. Por exemplo, se Miles Davis estivesse vivo, seus fãs não ficariam tuitando durante seu show.

Posso tuitar durante um show e gostar dele. A atenção só se mantém por 15 minutos, não é verdade?

É possível manter a atenção das pessoas por mais tempo. Os profissionais de criação serão pressionados a desenvolver conteúdos que façam isso. Não à toa há poucos blogs de sucesso no mundo; 80% são abandonados pelos criadores, que se descobrem incapazes de mantê-los atraentes. Na internet, uma farsa não dura muito tempo. É bobagem dizer que a internet baixa o padrão do conteúdo.

E será que tudo convergirá para um dispositivo único?

Não, a variedade será ainda maior.

SAIBA MAIS SOBRE LEONHARD

Alemão residente na Suíça, Gerd Leonhard é considerado, pelo The Wall Street Journal, um dos principais pensadores do futuro da mídia no mundo. Ele é membro da World Future Society e tem clientes como Nokia, Google, Sony-BMG, Telkom Indonesia, Siemens, France Telecom/Orange e Comissão Europeia, entre outros. Escreveu The Future of Music e Music 2.0, além do livro-blog The End of Control (acessado no site www.endofcontrol. com).


Fonte: Revista HSM Management