Gafisa: Alternativas para o crescimento da marca

A Gafisa S/A é a terceira maior incoporadora de empreendimentos residenciais do País. Apesar de crescer a altíssimas taxas, o setor sofreu com o início da crise financeira em 2008 e as empresas tiveram de desenvolver estratégias para superá-la. No caso da Gafisa, a alternativa foi comprar sua concorrente mineira, a Tenda, que possui foco no público de baixa renda. Dessa maneira, a empresa pôde recuperar o fôlego em termos de vendas.  

Conheça nesse artigo publicado pela ESPM em 2009 a análise da situação e as ferramentas e métodos utilizados para a marca superar seus desafios.

No final do artigo, foi publicada uma atualização da análise, fornecida pela revista Exame, em que são esclarecidos alguns passos e decisões tomadas entre 2009 e 2014.

Apresentação

Wilson Amaral foi estudante de graduação do curso de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas e de pós-graduação em Marketing na ESPM. Liderou grandes empresas como Americanas.com, DHL Worldwide Express, Playcenter e Hopi Hari. Tais experiências o levaram a assumir o desafio de estar na liderança da Construtora e Incorporadora Gafisa S/A, terceira maior do País.

Integrante de um segmento que cresceu em torno de 25% em 2009, a Gafisa foi obrigada a assumir uma postura agressiva para acompanhar o desenvolvimento do setor. Os altos números de lançamentos e o contexto de crise não satisfaziam os investidores, provando que para se destacar seria necessário tomar medidas que diferenciassem a empresa da concorrência. Foi nesse contexto que o Diretor de Novos Negócios, Rodrigo Osmo, passou a estudar alternativas.

O que a Gafisa poderia propor aos investidores de inovador, que os convencesse de que a empresa estava no caminho certo? E mais importante ainda: de onde viriam os recursos empregados para desenvolver o projeto escolhido?

Contextualização histórica

Em 1954 foi criada, no Rio de Janeiro, a Construtora e Incorporadora Gomes de Almeida Fernandes, com operações nos mercados imobiliários de São Paulo e Rio de Janeiro. O grande potencial de crescimento da empresa e sua gestão familiar não tardaram a chamar a atenção do fundo de private equity GP Investimentos. Em 1997, a GP comprou participações da companhia, assumindo seu controle e injetando R$ 78 milhões para a sua reestruturação.

Nessa época, a Gomes de Almeida Fernandes se tornou Gafisa S/A. Não apenas o nome, mas toda a estratégia de crescimento, expansão e cultura corporativa da Gafisa foram herdadas do período GP. A postura agressiva dos executivos do GP foi rapidamente incorporada pelos funcionários da Gafisa. Isso ficou evidente não apenas com a compra de diversas outras empresas, que permitiu expandir o campo de atuação da empresa, mas também com a meritocracia corporativa, que se tornou marcante na cultura da Gafisa.

Em 2004, foi criada a Diretoria de Novos Negócios, responsável pela expansão da empresa pelos demais Estados do País. Essa estratégia foi aplicada desenvolvendose parcerias com sócios localizados em determinadas áreas. Tratam-se de construtoras locais que estavam familiarizadas com o mercado e os consumidores, facilitando a entrada da Gafisa na região.

Atualmente, a Gafisa está presente em 21 dos 26 Estados brasileiros, com mais de 970 empreendimentos e 11 milhões de metros quadrados construídos. Em 2005, a Equity International, grande investidora americana em empresas do mercado imobiliário fora dos Estados Unidos, comprou 32% do capital da Gafisa tornando-se a principal controladora e contribuindo com recursos para o capital da empresa. Dessa maneira, o GP pôde continuar executando sua agressiva estratégia de expansão.

Essa estratégia iniciou-se pela abertura de capital da empresa na Bovespa, pulverizando 46% das ações da empresa e contribuindo para gerar conhecimento da marca não apenas entre seus clientes, mas entre os investidores.

No final de 2006, a empresa comprou a maioria das ações da Alphaville Urbanismo, maior incorporadora de condomínios de alto padrão do País, tornando-se sua controladora. A Alphaville acrescentou à Gafisa o expertise no desenvolvimento de loteamentos com planejamento urbano, preservação ambiental e estrutura sustentável. Ainda assim, as operações foram mantidas separadas e poucos sabem que a Gafisa é a atual controladora da Alphaville.

No mesmo ano, foi criada a Gafisa Vendas, imobiliária própria do grupo. Essa tática visava garantir contato direto com os clientes, que costumava ser intermediado por empresas de venda externas. Mais tarde, foram acrescentados ao escopo da Gafisa Vendas a venda on-line e o escoamento de estoques.

Em 2007, a diretoria da empresa decidiu abrir capital na Bolsa de Nova York, conquistando ainda mais investidores. Nessa ocasião, a Equity International comprou mais ações da Gafisa, sendo detentora atualmente de 18,7% do capital da empresa. Após a abertura de capital, a GP vendeu o resto das ações que possuía, deixando o controle da Gafisa. No entanto, indicou como presidente um executivo oriundo do próprio GP, Wilson Amaral.

A Gafisa Incorporadora e Construtora possuía seu foco direcionado a empreendimentos residenciais de médio e alto padrão, com empreendimentos a partir de R$ 200 mil. Em 2007, com a evidente expansão da classe C e aumento da oferta de crédito e financiamentos, a Gafisa optou por criar uma empresa exclusivamente para este segmento, atendendo seu déficit habitacional: a Fit Residencial. A esse ponto, a Gafisa atingia uma estrutura complexa, com empresas atuando em diferentes segmentos de mercado.

A utilização do nome Gafisa para diversas empresas do grupo gerou certa confusão para o público em geral. No entanto, a empresa faz grande distinção entre sua incorporadora e sua construtora. A Gafisa Incorporadora é responsável por todos os processos relativos ao empreendimento, exceto pela construção em si.

A Incoporação inclui compra de terreno, desenvolvimento do projeto, marketing, estudos econômicos e controle de vendas.

Já a Gafisa Construtora é responsável exclusivamente pela construção do empreendimento, e pode inclusive atuar com outras incorporadoras, como a principal concorrente da Gafisa, a Cyrella.

Nessa estrutura, durante o ano de 2007 a empresa que mais se destacou foi a Fit Residencial. Em seus primeiros 18 meses de existência, a Fit já estava presente em 11 Estados diferentes, com 41% de cobertura nacional. O Núcleo de Inteligência em Construção era responsável por pesquisar novas tecnologias que gerassem economia de escala para a empresa. Essa economia era repassada ao cliente no preço final do imóvel, garantindo que ele fosse acessível.

O sucesso da Fit demonstrou à Gafisa que o segmento de baixa renda poderia ser ainda mais explorado e deu o que pensar ao corpo diretivo da Holding.

Contextualização da indústria

No ano de 2008, havia 14 companhias brasileiras do setor da construção civil listadas na Bovespa. Esse número demonstra que as empresas estavam indo ao mercado buscar recursos para investir em projetos próprios, frente ao grande crescimento acumulado dos últimos anos, conforme abaixo.

Em 2007, o setor da construção civil representou 7,32% do PIB brasileiro. Esse número pode parecer representativo, se considerarmos a importância do setor como impulsionador da economia, gerador de empregos e foco principal de políticos em ano de eleição. No entanto, se levarmos em consideração que esse número nos EUA é de 50%, a construção civil brasileira ainda tem muito o que crescer. Devido ao grande potencial de crescimento do setor, o market-share é extremamente pulverizado.

O SESC-SP estima que haja entre 60 e 80 mil construtoras no país inteiro. Dentre essas, as cinco maiores respondem por não mais que 3% do marketshare, demonstrando que ainda há espaço para atuação das pequenas construtoras.

De acordo com o relatório publicado pelo banco de investimentos Goldman Sachs, em setembro de 2009, as perspectivas de crescimento do mercado imobiliário brasileiro são extremamente favoráveis. O contexto de aumento da renda média do brasileiro, as baixas taxas de juros e o incentivo governamental impulsionaram o setor no último quadrimestre de 2009.

Apesar de o sucesso dos imóveis de alto padrão continuar limitado a determinados projetos, os empreendimentos de baixo padrão têm melhores perspectivas de crescimento, especialmente depois de os empréstimos de janeiro a agosto de 2009 terem superado os de todo o ano de 2008 em 11%.

Esse contexto economicamente favorável é extremamente importante para um setor complexo como a construção civil. A operação das empresas exige grande quantidade de capital de giro para compra de terrenos e construção de empreendimentos. Sendo assim, as construtoras são extremamente dependentes dos financiamentos bancários e por isso sofreram durante a crise em 2008 e começo de 2009.

Na realidade, o ano de 2008 foi decisivo para todas as construtoras. Com o aquecimento do setor, as empresas passaram a demandar de seus fornecedores mais material, o que causou inflações acima de 50% em produtos como cimento e aço. Além disso, com o estouro da crise, os bancos brasileiros tiveram de se capitalizar, diminuindo as linhas de crédito imobiliário e aumentando muito a taxa de juros.

Estes fatores somados ao medo da população brasileira em assumir compromissos de longo prazo, como a compra de um apartamento, fizeram com que as construtoras perdessem capital de giro, investindo pouco em lançamentos de novos empreendimentos. A mudança desse panorama em 2009 fez com que o crescimento do setor passasse a ser classificado como sustentável.

Dessa maneira, nota-se que o setor da construção civil é repleto de peculiaridades. O principal ativo de uma construtora é o seu land banking, ou banco de terrenos. Cada empresa possui uma equipe especializada em localizar, avaliar e negociar terrenos. A localização desses terrenos é parte fundamental do sucesso do empreendimento.

No entanto, as grandes construtoras brasileiras, à exceção da MRV, ainda não se prepararam em termos de land banking para o crescimento do mercado de baixa renda, conforme gráfico.

O ciclo do produto é outra característica peculiar da construção civil residencial. O processo se inicia com a compra do terreno e definição do tipo de empreendimento. Toda a comunicação do empreendimento em questão é feita antes de sua construção, através de stands e apartamentos decorados. Esta é a fase em que a maioria dos clientes costuma comprar a unidade, pois o preço “na planta” é menor que quando a unidade está pronta.

Apesar de ser uma prática comum, muitas construtoras enfrentam problemas legais, pois as obras costumam atrasar por diversos fatores, e o cliente que esperava mudar-se em um ano é obrigado a aguardar mais de dois anos em algumas ocasiões. A maioria das grandes construtoras costuma financiar o cliente até a entrega das chaves, quando o financiamento é repassado aos bancos. Por causa dos longos fluxos de pagamento – um apartamento pode ser pago em mais de 24 vezes – o financiamento do banco costuma representar 90% do preço da unidade. Por isso, o relacionamento com o cliente também não é tratado da forma convencional.

A proximidade entre cliente e empresa deve ser alta, dada a importância do produto para o cliente, ainda que a compra seja realizada na maioria das vezes apenas uma vez na vida. Percebe-se então que o papel dos bancos é fundamental para que uma construtora consiga desenvolver seus projetos. A maioria deles oferece crédito imobiliário visando conquistar os clientes das construtoras com o financiamento habitacional.

Fatos

Analisando o panorama do setor, o Diretor de Novos Negócios propôs à diretoria a estratégia de adquirir a concorrente Tenda, construtora mineira que havia se sobressaído no mercado popular por seus imóveis padronizados com preços acessíveis. Com essa ação, a Gafisa possuiria empresas que atuassem em todas as faixas econômicas da população com excelência. A decisão foi rapidamente acatada pela diretoria, mas ainda havia uma questão importante: a Gafisa possuía pouco capital disponível para realizar a compra. Por isso, foi desenvolvida uma operação completamente inovadora no mercado de capitais.

A Gafisa já possuía uma empresa voltada para o mesmo segmento em que atuava a Tenda: a Fit Residencial. A existência das duas empresas poderia gerar conflitos entre elas, afetando a receita de ambas. Dessa forma, a Gafisa se comprometeu a contribuir com 100% das ações da Fit no capital da Tenda. A primeira foi capitalizada de forma a aumentar seu capital social e seu caixa líquido, tornando-a atrativa. Assim, a Tenda continuaria a operar na bolsa com capital aberto, e a Gafisa deteria 60% de suas ações. Trata-se da primeira operação desse porte que não envolveu aporte de capital líquido da empresa compradora para finalização do negócio.

Assim, em 1º de setembro de 2008, a Gafisa anunciou a compra de 60% das ações da Tenda. A operação culminou com a incorporação da Fit pela Tenda, uma vez que a existência de duas empresas com público-alvo comum era desnecessária, sem mencionar os ganhos de escala gerados com a incorporação. A Tenda já possuía imagem consolidada na mente de seu público-alvo e uma grande estrutura de lojas próprias para venda de unidades. Assim, decidiu-se manter a marca Tenda ao invés de Fit Residencial. Pelo mesmo motivo, as operações de Tenda e Gafisa se mantiveram separadas, apenas com membros comuns no conselho e na alta direção. Ainda assim, os resultados financeiros da Tenda passaram a incorporar os demonstrativos da Gafisa.

Exatos 16 dias após o anúncio de compra, o banco americano Lehman Brothers fez seu pedido público de concordata. Estava declarado o início de uma das piores crises financeiras mundiais, que teve seu estopim na famosa bolha criada justamente no mercado imobiliário americano. Mesmo assim, a Gafisa manteve-se firme em sua proposta de compra. Ao contrário do que muitos pensavam, a crise financeira teve pouco impacto na economia brasileira. Os efeitos sentidos foram antes fruto do receio dos empresários brasileiros do que reais retrações da economia do País.

Mesmo assim, o setor da construção civil foi um dos que mais sofreu com a situação. Altamente dependente dos financiamentos dos bancos, a construção civil possuía poucas alternativas para evitar as altíssimas taxas de juros cobradas pelos bancos e a escassez de crédito imobiliário. Os números de lançamentos caíram e a Gafisa foi obrigada a desacelerar o crescimento para o qual se preparava.

No entanto, com a retomada do crescimento econômico, a estratégia da Gafisa provou-se acertada. Mais de um ano depois do anúncio da compra de 60% da Tenda, a Gafisa publicou novo fato relevante: a compra do restante das ações e a incorporação integral da empresa. Atualmente, ambas passam por um dos processos de fusão mais rápidos do País. São muitos os fatos que podem justificar a decisão da Gafisa de comprar sua concorrente Tenda.

Déficit habitacional

Déficit habitacional é a diferença entre o número de moradias existentes no país e quantas seriam necessárias para abranger toda a população. Nesse cálculo, levam-se em consideração famílias que habitam no mesmo domicílio por falta de opção, ônus excessivo com aluguel – mais de 30% da renda familiar – e excluem-se os imóveis precários.

Segundo o Ministério das Cidades, o déficit habitacional do Brasil é de aproximadamente 8 milhões de residências. Isso significa um grande mercado a ser explorado, que vem crescendo em termos absolutos.

Representatividade da baixa renda

Desses 8 milhões de habitações necessárias, 90% são representados por famílias com até três salários mínimos de renda, destacando a importância do mercado de baixa renda para o setor da construção civil residencial. Essas famílias costumam habitar em regiões distantes dos centros comerciais das grandes cidades, gerando uma necessidade diferente de land banking. No caso descrito, a Tenda possuía maior know-how nessa questão, com equipes especializadas em prospecção de terrenos com essas características.

Incentivos governamentais

O Minha Casa Minha Vida é um programa lançado pelo governo federal, que irá investir 34 bilhões de reais para a viabilização da construção de 1 milhão de moradias, para famílias com renda de até dez salários mínimos. As unidades não podem ter valor superior a R$ 130 mil, o que potencializa a favorabilidade dos empreendimentos construídos pela Tenda. Os recursos serão advindos principalmente do FGTS e distribuídos pela Caixa Econômica Federal. Como a maioria dos clientes da Tenda realiza seus financiamentos através dessa instituição, a empresa já possui um bom relacionamento, o que favorece a contratação de empréstimos.

Estabilidade do Setor Financeiro

Passada a crise financeira, momento em que os bancos brasileiros de esforçaram para se capitalizar, está chegada a hora de oferecer empréstimos. Com a queda das taxas de juros, tais empréstimos se tornaram atraentes para as empresa, especialmente do setor da construção civil, que precisam de capital abundante para desenvolver seus empreendimentos.

Oferta de crédito

A oferta de crédito foi favorável não apenas para as empresas, mas para a população em geral, que pode se aproveitar da baixa dos juros. Isso permite que o público de baixa renda contrate empréstimos e financiamentos para comprar um apartamento ou que os utilize de outra maneira, poupando renda para investir na casa própria.

O Sonho da casa própria

De acordo com pesquisa do Datafolha, em 2008, o maior sonho de 33% dos jovens brasileiros é a casa própria. Na lista das prioridades encontra-se também um bom emprego e a constituição de uma família. Todos esses são fatores que contribuem para que o jovem brasileiro procure comprar um apartamento.

Disponibilidade de recursos

Desde 2005, o faturamento bruto da Gafisa cresceu a taxas alarmantes, conforme gráfico. Esse crescimento permitiu que a empresa tivesse disponibilidade de capital para realizar operações como a compra da Tenda.

Planejamento de longo prazo

A estabilidade da economia brasileira permitiu que a família brasileira fizesse planos de longo prazo. Com a inflação controlada, não é mais necessário gastar todo o salário no início do mês. Assim, o brasileiro aprendeu a poupar e planejar suas compras, atitude fundamental para a compra de um apartamento, que pode possuir mais de 30 parcelas, com as quais o cliente se compromete.

Grau de investimento

A recente classificação do Brasil com grau de investimento e a retração das demais economias do mundo transformou o Brasil em polo de investimentos. Sendo assim, muitos estrangeiros consideram o mercado imobiliário brasileiro uma alternativa segura de investimento e optam por comprar unidades novas, que podem ser alugadas, gerando renda para o proprietário.

Questões para discussão

Frente ao óbvio crescimento do público de baixa renda presente no contexto do caso, a decisão da Gafisa de comprar sua concorrente foi aparentemente acertada. Foram levados em conta diversos fatores macroeconômicos que contribuíram para que a Tenda obtivesse ainda mais sucesso quando suportada pela Gafisa. Espera-se que essa união traga ganhos operacionais e de escala, agregando a ambas vantagens como tecnologia de construção e padronização de empreendimentos.

No entanto, outras empresas não tomaram a mesma decisão e muitas continuam crescendo a altas taxas. Que outras maneiras a empresa poderia ter encontrado para superar a crise? Que outras estratégias o diretor de Novos Negócios poderia ter proposto à diretoria, para animar os investidores?

Fonte: Central de Cases da ESPM, publicado em 2009

Nota do Autor:
Preparado pelo Prof. Alfredo Passos, da ESPM-SP. Colaboração de Lissa Maria Bayeux Lourenço, aluna do Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, da ESPM. Recomendado para as disciplinas de: Inteligência Competitiva, Gestão Estratégica, Marketing, Este caso foi escrito inteiramente a partir de informações cedidas pela empresa e outras fontes mencionadas no tópico “Referências”. Não é intenção do autor avaliar ou julgar o movimento estratégico da empresa em questão. Este texto é destinado exclusivamente ao estudo e à discussão acadêmica.


Revista Exame publica uma análise da Gafisa 5 anos após a publicação do estudo de caso acima

Quanto menor, melhor, no caso da Gafisa

5 anos depois…

A incorporadora Gafisa surfou, como poucas empresas, duas ondas do mercado de capitais. A primeira foi a das aberturas de capital de empresas do setor imobiliário.

Entre 2006 e 2007, captou 2 bilhões de reais na bolsa e saiu gastando essa dinheirama naquilo que o mercado pedia — expansão, expansão e mais expansão. Entrou em novos mercados, adquiriu concorrentes, acumulou terrenos.

A outra onda foi a moda das empresas sem controlador definido. Com a abertura de capital, os então controladores da Gafisa (o investidor americano Sam Zell e o fundo brasileiro GP) venderam boa parte de suas ações. Encantados com o modelo de governança americano, os investidores apostavam que empresas “sem dono” iriam melhor do que as demais — já que imperaria, ali, a meritocracia pura.

Num roteiro hoje (2014) para lá de conhecido, a Gafisa e muitas empresas imobiliárias cresceram demais, perderam rios de dinheiro e passaram a valer uma fração do que valiam nos tempos de ouro. Mas, no caso da Gafisa, havia um agravante.

Enquanto as empresas “de dono” tomavam as decisões difíceis, a Gafisa não atacava o problema. Em 2011, seu prejuízo beirou 1 bilhão de reais. A companhia chegou a valer na bolsa o equivalente a 35% de seu patrimônio. Na época, seus executivos diziam estar “mapeando” os problemas. Isso durou até 2012, quando um grupo de investidores decidiu organizar um plano para reerguer a Gafisa. E, para conseguir, seria preciso achar gente que pensasse e se comportasse como se fosse dono da empresa.

“Faltava alguém que perdesse o sono pela Gafisa”, diz o investidor Guilherme Affonso Ferreira, que tem 1,3% do capital da incorporadora e foi um dos líderes do movimento. Há dois anos, Ferreira, Claudio Andrade, sócio da gestora carioca Polo Capital (que tem 7% da companhia), Mauricio Pereira, diretor do fundo de pensão Funcef (dono de 5,5%), e Nelson Machado, ex-ministro da Previdência, foram eleitos pelos acionistas como conselheiros da Gafisa.

Logo eles se aliaram aos demais conselheiros e elaboraram juntos uma radical proposta de reestruturação. Passaram a agir como se estivessem num comitê de crise. As reuniões do conselho, que aconteciam a cada trimestre, tornaram-se mensais e com duração de pelo menos 6 horas cada uma. Essencialmente, vender negócios ou abandonar mercados em que a empresa havia entrado com os recursos da abertura de capital.

Por exemplo, vender a companhia de loteamentos Alphaville, o negócio mais valioso da Gafisa, e parar de construir fora do eixo Rio-São Paulo, já que a companhia não conseguia gerenciar tantas obras ao mesmo tempo e os custos subiam a cada ano. Todas as grandes incorporadoras que abriram o capital na década passada, como Cyrela e PDG, estavam seguindo um caminho parecido, mas, no caso da Gafisa, havia uma dificuldade a mais: a operação de baixa renda, concentrada na Tenda, empresa comprada em 2008.

Ali, o caos era total. Além dos problemas gerenciais do passado — alguns prédios lançados entre 2008 e 2011 custaram até 50% mais do que o previsto, e a avaliação de crédito dos clientes foi malfeita, o que levou ao cancelamento de pelo menos 20% dos contratos —, a empresa tinha um sistema de construção mais caro do que o dos principais concorrentes.

Parte dos conselheiros queria simplesmente entregar as obras em andamento e fechar a empresa. Mas um grupo de engenheiros da Gafisa propôs uma alternativa. Se os métodos de construção fossem alterados para acelerar as obras, a unidade poderia parar de perder tanto dinheiro. O conselho autorizou um teste, que deu certo, e a empresa voltou a lançar imóveis em 2013, depois de dois anos parada. A partir daí, o plano passou a ser separar as operações de Tenda e Gafisa, o que está acontecendo agora.

Separação radical

As empresas já têm presidentes diferentes e terão duas equipes até o fim do ano, com salários distintos. Na Tenda, 70% da remuneração de gerentes e altos executivos virá do pagamento de bônus por resultado. Na Gafisa, os salários são maiores, e a remuneração variável soma, no máximo, 50% do total.

“Viramos uma startup. Estamos testando um novo modelo de negócios, que precisa dar lucro”, diz Rodrigo Osmo, presidente da Tenda (que, em 2013, teve prejuízo de 118 milhões de reais). Nessa divisão de poder, Duilio Calciolari, que era presidente da Gafisa, saiu. O atual presidente da Gafisa é Sandro Gamba, que entrou na empresa como estagiário.

Pessoas próximas à companhia dizem que os salários de quem foi promovido são menores. Também faz parte do plano que Gafisa e Tenda tenham ações negociadas de forma separada na Bovespa em 2015 e que os conselhos sejam diferentes. Assim, quem hoje tem uma ação da Gafisa deve ganhar uma ação da Tenda — e os investidores poderiam, depois, escolher seguir nas duas ou em uma só (ou sair do negócio).

Segundo EXAME apurou, alguns acionistas da Gafisa apoiam a ideia justamente para, após a cisão, vender as ações da Tenda. Com a separação, a Gafisa voltará a fazer o que fazia antes de abrir o capital — ou seja, construir apartamentos para as classes média e alta em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Embora Alphaville fosse uma operação extremamente rentável, a companhia decidiu vendê-la aos fundos Pátria e Blackstone em 2013 porque não gerava ganhos de escala, já que o principal negócio da empresa ainda era a incorporação. “Foi difícil reconhecer, mas alguns negócios não tinham sinergia. Escolhemos fazer poucas coisas bem-feitas”, diz Odair Senra, hoje presidente do conselho da Gafisa. Ainda mais importante, a venda de Alphaville por 1,5 bilhão de reais ajudou a pagar 700 milhões em dívidas de curto prazo que ameaçavam a sobrevivência da Gafisa.

Depois de atingir a cotação mínima de 1,90 real em junho de 2012, as ações da Gafisa valorizaram 84%. Apesar disso, continuam 55% abaixo do valor da abertura de capital, e apenas dois dos 11 analistas que acompanham a empresa recomendam comprar. A dúvida é se a companhia vai conseguir dar a volta por cima num momento mais difícil do mercado — em São Paulo, as vendas de imóveis novos caíram 45% no primeiro trimestre.

O lucro de 867 milhões de reais de 2013 reflete os recursos obtidos com a venda de Alphaville. Sem isso, o número cairia para 27 milhões. Mesmo com esses recursos, a margem de lucro da Gafisa, de 25%, ficou longe dos 52% da Eztec, a melhor do setor. “Eles saíram do fraco para o regular, mas falta evoluir para ficar bom”, diz Luiz Mauricio Garcia, analista do banco de investimento Bradesco BBI. Para quem tem seu dinheiro aplicado na Gafisa, é cedo para dormir tranquilo.


Referências e fontes:

  • Site Gafisa – http://www.gafisa.com.br/
  • Data Folha
  • Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki
  • Gafisa Abril – http://casa.abril.com.br/ondemorar
  • Portal Exame – http://portalexame.abril.com.br
  • Época Negócios – http://epocanegocios.globo.com