Cuidado com o preço

Na ânsia de aumentar, respectivamente, a participação no mercado e as comissões, muitas empresas e vendedores estão criando um clima de negociação de preços com seus clientes que é prejudicial para todos: os clientes acabam ignorando o valor do produto; pensam apenas se esse é o melhor preço que podem conseguir ou, pior, se estão ganhando o jogo. Esse é o problema mais sério dos últimos tempos na área da fixação de preços.

Quem faz o alerta é Thomas Nagle, especialista em precificação aliada à estratégia e autor do livro The Strategy and Tactics of Pricing (ed. Prentice Hall). Em entrevista exclusiva a HSM Management, ele afirma que todo o poder passou para o comprador e que cabe ao fornecedor reequilibrar os pratos dessa balança, fazendo com que o preço retome sua função original: viabilizar a rentabilidade. Para isso, é necessário que a empresa se concentre em criar valor para os clientes.

Vários estudiosos têm pregado que a fixação de preços venha em primeiro lugar na definição de marketing do produto. O sr. também faz parte desse grupo, não?

Acredito que esta seja uma questão-chave na área financeira que precisa ser bem compreendida. Não se trata de fixar o preço antes de outras coisas, colocar isso no começo do processo de marketing e não no final. A fixação do preço é a última decisão que você toma, porém é a mais importante.

É como a colheita que o agricultor obtém. Evidentemente, o agricultor planta as sementes, rega as sementes, rega a planta, retira as ervas daninhas de perto da planta e depois colhe. Mas a finalidade de todas as outras coisas é conseguir uma boa colheita. Portanto, ao decidir que sementes deve plantar, ele deve estar pensando sempre: “Se eu plantar diversos tipos de sementes, qual deles me dará a melhor colheita?” Ao decidir quanta água usar, ele deve estar pensando não no que fará as plantas crescer mais depressa ou coisa parecida, mas em quando deve molhar as plantas para conseguir a melhor colheita possível. Ou seja, tudo que o agricultor faz está voltado para a colheita.

O mesmo deve acontecer com a fixação do preço. Essa não é a primeira decisão que se toma, mas ela tem de pesar em cada decisão tomada –como, por exemplo, no lançamento de um produto. Uma empresa não deve lançar um produto porque o cliente o deseja, mas por achar que pode ganhar muito dinheiro com ele. Se o produto almejado pelo cliente não for algo que lhe dê vantagem competitiva na produção, ela até poderá colocá-lo no mercado, mas assim que o fizer começará a ter prejuízo. Pode ser um ótimo produto para o mercado, mas é fruto de uma decisão muito ruim em relação à capacidade final de ganhar dinheiro com ele.

Em resumo, a idéia é que a fixação de preço não deve ser a primeira decisão, mas a primeira coisa em que você pensa ao tomar todas as outras decisões. Faça-se esta pergunta: “Que impacto todas as minhas decisões de marketing terão sobre minha capacidade de lançar o produto com lucro?”

Em outras palavras, o sr. também está dizendo que o bom marketing é o marketing rentável. Como isso deve ser incluído na estratégia geral da empresa?

Em primeiro lugar, é importante dizer que os executivos estão reconhecendo a relevância da rentabilidade na estratégia geral da empresa, e isso já é um grande avanço. As pessoas estão começando a entender que, para gerir uma empresa com rentabilidade, é preciso pensar em lucros ao tomar cada decisão, e esse é o cerne da estratégia de preços.

É preciso acabar com alguns mitos relativos à estratégia empresarial. Muitos afirmam, por exemplo, que participação no mercado leva a rentabilidade. Ora, se isso fosse verdade, a General Motors seria a empresa mais rentável do mundo. E não é. A relação é exatamente a inversa: é a rentabilidade que determina o crescimento. Portanto, não convém desesperar-se para aumentar a receita de vendas. É preciso, isto sim, encontrar uma forma de criar e captar mais valor. E, para tanto, o segredo está em buscar pontos fortes –vantagens comparativas–, e não defender-se em seus pontos fracos.

Isso vale também, por exemplo, para empresas pequenas da América Latina, em termos mundiais?

Sem dúvida. Inicialmente, precisamos compreender que parte do motivo de haver tantas empresas pequenas em termos mundiais na América Latina deve-se ao fato de os mercados terem ficado protegidos da concorrência externa por muitos anos. O que havia eram empresas pequenas e ineficientes. Após a eliminação total de barreiras comerciais, essas empresas pequenas e ineficientes devem ser substituídas pelos consumidores por empresas maiores e mais eficientes. Portanto, as empresas menores e ineficientes não devem ficar de braços cruzados e continuar sendo pequenas e ineficientes.

E quais são suas possibilidades?

Há duas alternativas para elas: ser adquiridas por empresas maiores ou identificar algo que possam fazer particularmente bem –podem modificar os custos ou fazer determinado produto que algumas pessoas considerem muito melhor do que outros. Podem concentrar- se nesse produto e crescer graças à ampliação dos mercados. Assim, no caso de uma empresa que tivesse participação de 10% no mercado argentino, ela agora poderia ter uma participação de 5% ou 3% em todo o Mercosul, e uma participação de 3% no Mercosul é muito mais do que 10% do mercado argentino.

É possível para as empresas latino-americanas que não tiveram o mesmo processo de desenvolvimento, inclusive tecnológico, das empresas norte-americanas e européias adotar uma boa estratégia de preço? É viável pular etapas e já fazer a coisa direto?

Sim. Acho que há um problema de entendimento em relação à estratégia. Existe um pressuposto de que se o Brasil, como país, não está no mesmo nível tecnológico dos EUA, por exemplo, está atrasado em competitividade. O Brasil está atrasado até em algo pior, a renda per capita, e isso não significa atraso em competitividade. Tanto isso é verdade que o conceito da vantagem comparativa diz que um país pode estar atrasado tecnologicamente em relação a outro e compensar esse fato com produtos que exijam grande utilização de mão-de-obra, porque sua mão-de-obra é mais barata.

Embora a produtividade nos Estados Unidos seja alta, qualquer coisa com muita mão-de-obra não pode ser produzida no país, porque a mão-de-obra norte-americana é muito cara. Grande parte das operações de vendas e assistência por telefone mudou-se dos Estados Unidos para a Irlanda, por exemplo, porque a Irlanda tem um custo de mão-de-obra mais baixo do que o dos Estados Unidos. Dessa maneira, se você precisar obter alguma informação sobre seu cartão de crédito ou quiser encomendar um produto anunciado num catálogo, acabará ligando para um número de discagem gratuita que o conectará à Irlanda. Portanto, a Irlanda possui uma vantagem comparativa nesse caso.

A pergunta que cada país deve se fazer é: “O que temos que ninguém mais no mundo tem?” Uma coisa que os países do Mercosul têm, por exemplo, é terra abundante em relação à população, grandes áreas de terra fértil e barata. O que se pode fazer com grandes áreas de terra fértil e barata? Há mais o que fazer além de criar gado, com certeza.

Então, indo direto ao ponto, como a fixação de preços afeta as empresas de um país em desenvolvimento?

Ela obriga essas empresas a escolher um de dois caminhos: o de obter vantagem competitiva com a redução de custos –o que está relacionado com o aumento de produtividade– ou o de adicionar valor, mesmo no caso de produtos agrícolas –basta ver os chamados produtos orgânicos, cultivados sem uso de agrotóxicos, que estão alcançando preços bem altos na Europa e nos EUA.

O sr. acha que todos os países são semelhantes no que fazem, no que diz respeito a princípios gerais de marketing, regras de fixação de preços e até nos erros que cometem?

Claro que há diferenças, mas acho que há semelhanças. O Ocidente como um todo tende a se transformar num mercado único. Quanto aos erros, esta é uma ótima pergunta, porque eu desconfio que os erros não são semelhantes apenas nos países latino-americanos, mas em todo o mundo. Todas as pessoas cometem apenas os mesmos poucos erros.

Quais são eles?

Um dos principais erros é avaliar as vendas cliente por cliente, particularmente em operações business-to-business (de empresa para empresa), nas quais, sempre que há uma chance de fazer alguma venda, todos raciocinam com base em vendas “incrementais”, dizendo: “Se fizermos essa venda, teremos mais lucro do que se não a fizermos”. E a resposta é, quase sempre: “Sim, vamos fazê-la, mesmo que seja preciso vender com desconto”. Mas o que se está ignorando é o seguinte: se essa venda for realizada, qual será o impacto dessa decisão de preço sobre o valor das vendas feitas anteriormente? Ou seja, se for dado um desconto a esse cliente, isso começará a afetar o preço que se poderá conseguir de todos os clientes.

Outro erro comum é tentar imaginar como os concorrentes reagirão a suas decisões. Vejo decisões de preço sendo tomadas a todo instante com base no argumento de que seria possível conseguir muitas vendas adicionais simplesmente reduzindo os preços em 10%. Por que achamos que os concorrentes não fariam a mesma redução, anulando completamente nossa vantagem? Isso é o que geralmente acontece: a vantagem é eliminada e os preços ficam rebaixados para sempre. E o que me impressiona é quão frequentemente as pessoas se esquecem de responder a essa pergunta.

Há um terceiro erro frequente, diferente do erro relativo às vendas, que é o de administrar de acordo com uma margem que não a de contribuição total. As pessoas me perguntam: “Qual deve ser nossa margem na empresa? Tem sido de 35%, mas nossos vendedores dizem que devemos reduzir para 30%, e estamos pensando nisso, mas o pessoal de finanças diz que devemos aumentar para 40%. O que você acha?” E minha resposta é: “Não sei”.

Não se administra uma empresa com base em margem, e sim pela contribuição total. Se você tem um cliente que pode comprar um grande volume e com certo nível de assistência, então você pode aceitar uma margem muito menor e ainda assim ganhar muito dinheiro com ele. Por outro lado, se outro cliente pagar uma margem muito grande, mas por um volume pequeno, então não está claro que isso dê lucro. Deve-se julgar cada venda pela rentabilidade, de modo que é preciso multiplicar margem por volume, calculando qual é o índice de retorno por hora de trabalho do vendedor. Deve-se estimar o índice de retorno do capital investido, a contribuição total.

Quero dizer que muitas empresas se prendem à rentabilidade dos produtos, mas o que precisam é raciocinar conforme a rentabilidade dos clientes. Reconheço que isso é muito difícil de fazer em relação à clientela como um todo, mas é possível pensar em rentabilidade por segmento de clientes.

Sob esse ponto de vista, os vendedores deveriam ser treinados de maneira muito diferente da atual, ou não?

Certamente. O treinamento dos vendedores deveria mudar, assim como os incentivos que recebem. A maioria dos vendedores recebe incentivos com base em vendas brutas, ou seja, são pagos de acordo com uma porcentagem do valor das vendas realizadas. No que isso estimula um vendedor? Primeiro, estimula-o a oferecer descontos. Se eu, vendedor, tenho uma margem de contribuição de 30% em meu produto, converso com o comprador e ele diz que meu preço é alto demais, eu corto 10% do preço e consigo fazer com que assine o pedido imediatamente. Isso me poupa tempo; se eu fosse tentar justificar o preço cheio, acabaria gastando muito mais tempo. Portanto, faz mais sentido dar desconto para maximizar o volume de vendas num dia.

O que eu digo é que os incentivos de venda, nessa situação, devem passar a seguinte mensagem ao vendedor: se você cortar o preço em 10%, num mercado em que a margem é de 30%, você perde um terço de sua comissão ou de seu crédito na realização da venda.

O segundo problema é que não damos a nossos vendedores informações comprovadas para que vendam com base no valor do produto. Dizemos a eles que devem insistir no valor de nosso produto, mas, quando os estamos treinando para fazer isso, não apresentamos provas cabais, estudos quantitativos. Isso é algo que o departamento de marketing da empresa deve fazer: entregar aos vendedores provas irrefutáveis de valor. Assim eles poderão usar essa informação com eficácia.

O sr. acha que os vendedores adotariam esse novo ponto de vista numa empresa que o implantasse? Ou eles resistiriam à idéia de se responsabilizar mais pela rentabilidade?

Alguns vendedores resistirão à mudança porque têm negociado descontos com os clientes durante a vida toda e isso é um hábito. Mas, se você pedir aos vendedores que comecem a insistir no valor do produto em vez de na maximização do volume de vendas e lhes pagar corretamente para vender desse jeito, eles acabarão aceitando. Acho até que, na maioria dos casos, os vendedores aceitarão com muito entusiasmo a idéia de vender com base no valor –de um lado, porque serão recompensados financeiramente e, de outro, porque estarão recebendo a informação que necessitam. Às vezes, descobrimos que os representantes de vendas são os defensores mais entusiásticos da fixação de preço com base no valor, desde que lhes expliquemos de que se trata.

E muda a relação entre vendedor e cliente, não é?

Sim, exatamente. Hoje há uma relação hostil entre vendedor e cliente. Este sabe que o vendedor está avaliando constantemente quanto pode tirar dele antes de decidir que preço informará, e tal relação cria uma enorme barreira entre ambos. Mas, uma vez que a empresa comunica que o vendedor não tem autoridade para alterar o preço, só resta ao vendedor mostrar uma lista de preços para o cliente escolher, dizendo: “Estes são os preços que estou autorizado a oferecer, mas cada um deles está associado a cinco produtos diferentes, ou cinco qualidades distintas, ou cinco níveis diferentes de atendimento, ou coisa parecida. Vou ajudá-lo a definir o que é mais apropriado para você”.

Numa situação dessas, quando o cliente percebe que o vendedor não tem poder para alterar esses preços e que todos estão pagando os mesmos preços, ele pode deixar de encarar o vendedor como adversário e passar a vê-lo como uma pessoa que o está ajudando a examinar as relações entre essas variáveis e a determinar o que é melhor em seu caso.

Como a comunicação/divulgação pode contribuir para a fixação do preço? Uma empresa deve apoiar sua política de preços na comunicação?

Se eu entendi sua pergunta, trata-se basicamente da questão de quando e como o preço mais alto efetivamente transmite ao consumidor a idéia de que o produto é mais desejável, de algum modo, em comparação com uma situação em que um preço mais baixo representa um produto inferior.

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Em certas situações, os clientes entendem o que o produto significa. Se posso escolher entre duas coisas para beber, estou andando na rua e vejo estabelecimentos sem nenhuma placa anunciando marcas, talvez eu compre a coisa mais cara, porque desejo o que é melhor, mais puro e não quero ficar doente. Mas, entre duas latas idênticas de Coca-Cola, comprarei aquela que tenha o preço mais baixo, porque não há diferença de qualidade.

Outra coisa importante é o fato de que há uma série de produtos cujo preço influi bastante no significado simbólico da compra. Posso ilustrar isso com um exemplo que dou em minhas aulas. Eu pergunto: “Quem gostaria de usar cupons para obter um desconto?” Vários levantam a mão. Aí digo: “Agora imaginemos que um de vocês tem um encontro com uma mulher em que está muito interessado e a leva a um restaurante maravilhoso, no qual vocês dois têm uma excelente refeição. Termina o jantar e o garçom traz a conta: vocês usariam o cupom de desconto?” Obviamente, se pagassem com ele, o encontro ficaria mais pobre. De repente, o significado de ter levado essa mulher a esse belo restaurante se reduzirá se a pessoa pagar 50% a menos. Com certos produtos, um desconto é prejudicial.

Esse caso me leva à tão falada economia da experiência, ou seja, quando se consome uma experiência, não um produto. Como estabelecer o preço de uma experiência?

Estamos trabalhando bastante nisso. No varejo, o cliente não sabe quanto deve valer essa experiência. Antes da ida à Disney, em Orlando, Flórida, EUA, você diz às pessoas que o ingresso lhes vai custar US$ 60, além da viagem de avião. Elas poderiam dizer: “De jeito nenhum pagaremos US$ 60 para ir a um simples parque de diversões”. Agora, todo mundo diz que é isso que a Disney deve custar.

Quando se lida com experiências como essa, é importante ter muita capacidade para influenciar o cliente a concluir sozinho quanto a experiência deve custar, recorrendo a uma analogia. Portanto, se você pegar uma experiência como a da Disney e fizer uma analogia com a ida a outro parque de diversões ou a um cinema, alguém poderá muito bem dizer que o preço da Disney é obviamente alto demais. Mas, se a Disney for comparada a uma amostra de uma viagem ao redor do mundo, uma analogia diferente, parecerá mais razoável. O preço perderá importância econômica e ganhará significado aos olhos do cliente.

Nesse caso, então, fica mais clara ainda a importância da fixação do preço no desenho da estratégia…

Exato. Repetindo, as empresas começam a avaliar-se pelo conceito de valor econômico agregado (EVA, na sigla em inglês), pelo retorno sobre ativos. E, para haver rentabilidade, a fixação do preço é fundamental. Quero ressaltar um exemplo difícil, que é o das empresas para as quais é muito importante operar em capacidade plena. Por exemplo, companhias aéreas que visam preencher todos os assentos do avião e para isso dão descontos. Ou restaurantes que querem lotar as mesas e fazem grandes promoções. Para tais empresas, é muito barato acrescentar mais um cliente quando estão abaixo do limite de capacidade e muito caro acrescentar um novo cliente quando ultrapassam esse limite. O que elas devem fazer? Não sair dando descontos, é claro. Elas devem compreender o conceito de custo da oportunidade –perdida– e o papel que este deve desempenhar na fixação de preços. Muitas companhias aéreas estão até mais evoluídas nesse ponto e servem de exemplo: sempre deixam alguns assentos vazios, pensando no cliente que pode aparecer no último minuto e pagar uma tarifa cheia.

Saiba mais sobre o autor: Thomas Nagle Professor de marketing da Boston University, em Boston, Massachusetts, EUA, Thomas Nagle é especialista em precificação e estratégia empresarial. Preside a firma de consultoria The Strategic Pricing Group e escreveu o livro The Strategy and Tactics of Pricing (ed. Prentice Hall), com Reed K. Holden.


Fonte: Revista HSM Management – A entrevista é de Graciela Biondo.