Condutas irracionais

As pessoas não são tolas, apenas agem de modo tolo com frequência. O renomado economista comportamental Dan Ariely explica, na entrevista a seguir, por que consumidores e executivos têm certas condutas, como isso ocorre e o que pode significar para gestores.

As descobertas das pesquisas de Dan Ariely deveriam fazer os executivos pensar duas vezes sobre a sabedoria das decisões que tomam regularmente – e também sobre os processos internos nos quais confiam para tomar tais decisões.

Por exemplo, por que os gestores vetariam um aumento de custos de 10% em um projeto de US$ 1 milhão, se não dão importância para um excedente de 1% sobre um orçamento de US$ 10 milhões, mesmo sendo a quantia real a mesma?

Nesta entrevista, Ariely, um dos maiores especialistas mundiais em economia comportamental, discute as implicações do comportamento na precificação de produtos e em outras medidas gerenciais.

Ele explica que o preço de um produto deve levar em conta comportamentos humanos irracionais, incluindo os princípios de ancoragem (quando o preço inicial de algo tem influência indevida em nossas decisões futuras) e relatividade (quando inferimos o valor de um produto pelo preço de ofertas similares).

Sua pesquisa sugere que, ao vender um novo produto, as empresas devem sempre compará-lo com algo com que o consumidor já esteja familiarizado, mesmo que o produto seja tão inovador que não haja nada realmente parecido no mercado. É isso mesmo?

Sim, por duas razões. A primeira é que, sem tal comparação, o “espaço” para um novo produto na mente das pessoas é mal definido. Não sabemos atribuir valor às coisas isoladamente. A segunda razão é que somos criaturas que cultivam hábitos e toda decisão nos é difícil. Avaliamos uma compra pensando menos em custo de oportunidade e confiando mais em decisões anteriores e comparações.

Somos preguiçosos?

Não sei se gosto dessa palavra. Em geral, pensar é difícil para nós, e tentamos não fazer isso demais.

Então, o truque para as empresas é descobrir com o que comparar seu novo produto, certo?

Imagine dois universos. No primeiro, o TiVo é comparado ao player de videocassete e é lançado por US$ 200. No segundo, é comparado a um computador e introduzido no mercado por US$ 1 mil. Então, imagine que, em ambos os mundos, o preço chegue a US$ 500.

No primeiro universo, as pessoas ficarão provavelmente ultrajadas e ninguém comprará o TiVo. No segundo, vão pensar que é um grande negócio. E é essa a razão pela qual o princípio de relatividade é tão importante, especialmente para os novos produtos. É difícil estimar preços.

E, comparando, definimos…

Sim, e o que é preciso entender é que essa definição vai durar muito, muito tempo. Podemos especular, por exemplo, sobre o novo iPhone. Não conversei com Steve Jobs sobre isso, mas vamos especular sobre o que ele fez. Ele lançou esse iPhone a US$ 600 e, imediatamente, o reduziu a US$ 400. Isso poderia ter sido uma besteira, mas também poderia ter sido um truque inteligente, porque a questão para o consumidor era, àquela época, qual seria o preço de comparação.

De repente, algo pode parecer um grande negócio a US$ 400 se era US$ 600 apenas algumas semanas antes. Se a Apple tivesse introduzido o iPhone a US$ 400, teria sido difícil saber se o iPhone valeria essa quantia. Mas o preço inicial de US$ 600 e depois de US$ 400 ajudou a criar um nível de preço muito alto na mente das pessoas. E, agora que o iPhone tem sido oferecido a US$ 200, parece um negócio fantástico, porque os preços altos seguem vivos na memória.

Muitos concluíram que a Apple cometera um erro ao oferecer o iPhone a US$ 600…

Podemos discutir se Jobs errou ou se foi esperto. Mas o fato é que todos se lembram dos US$ 600.

O que o sr. me diz das empresas que estabelecem um preço inicial muito baixo para algo, ou nem cobram por ele, a fim de encorajar as pessoas a usá-lo?

Continua sendo difícil perceber o valor de algo mesmo depois de você tê-lo usado. Você usa o e-mail. Quanto ele vale para você? O que as empresas não percebem é que o mapeamento da utilidade do dinheiro é muito complicado. As pessoas não dirão: “Isso é ótimo! Eu pagarei US$ 20 por isso”. Elas dirão: “Eu usei isso de graça por todo esse tempo, e agora vocês estão me cobrando? Não estou interessado”.

PREÇO COMO ATRIBUTO

Em geral, os gestores determinam o preço somando o custo a uma margem de lucro, mas o sr. está dizendo que a precificação é bem mais complexa que isso…

Sim, o preço sinaliza qualidade às pessoas, de um modo não racional.

O preço é como um atributo do produto, então?

É uma boa maneira de pensar sobre isso. E, sendo assim, todos nós fazemos inferências sobre um produto a partir de seu preço. Se algo é barato, esperamos que seja de qualidade inferior e, o que é curioso, podemos, inclusive, vivenciá-lo como inferior.

Fizemos alguns experimentos nos quais demos às pessoas analgésicos mais baratos, e veja só: em relação às pessoas que tomaram os medicamentos mais caros, as dos mais baratos sentiram mais dor. Se você é a marca dos produtos baratos e quer essa imagem, não há nenhum problema. Mas, se deseja ter uma imagem diferenciada, deve pensar muito cautelosamente suas estratégias de preço.

Vamos voltar ao exemplo da Apple. Acho que o novo preço do iPhone é baixo demais. Tenho um, e seu sistema touch screen é incrível. Mas, se a gente pode comprar o telefone por US$ 200, reduz-se o valor percebido dessa touch screen. O interessante aqui é que, se as pessoas não param para pensar no assunto, o desconto se traduz em menor eficácia. Se pensarem, o desconto não tem esse efeito.

E, já que a Apple não fez muito esforço para explicar o preço mais baixo do iPhone, os consumidores vão, de algum modo, deduzir que a qualidade está pior do que quando o produto foi lançado… É isso, pelo menos num impulso muito primitivo. As pessoas não dizem “A Apple fez um telefone pior”, mas é possível que não pensem no iPhone como o melhor. E talvez, com isso, elas não o manuseiem com tanto cuidado e, em consequência, o aparelho pode quebrar mais rapidamente.

OPÇÕES: POUCO X DEMAIS

A importância da comparação levanta uma lebre para mim: ter o monopólio do mercado é bom mesmo? Quer dizer, a Coca pode precisar mesmo da Pepsi e a Pepsi da Coca, porque uma é a referência da outra. Será que não?

Sim. Quando seu produto está sozinho, os consumidores têm dificuldade em avaliá-lo e menos pessoas o comprarão. Mas, quando há dois produtos, as pessoas podem, então, comparar, e sua participação de mercado pode aumentar.

Havia uma empresa que costumava vender pílulas anticoncepcionais em países em desenvolvimento. Ela tinha bem pouco sucesso com um de seus produtos até introduzir um segundo no mercado –de modo que tinha uma pílula barata e outra com nome que soava norte-americano e era mais cara.

O segundo produto se saiu melhor e, ao longo do tempo, também puxou para cima as vendas do primeiro, que não iam bem antes. A segunda pílula fez aumentar o tamanho total do mercado.

É a estratégia da General Motors de criar várias marcas para que os consumidores possam comparar Buicks com Chevrolets, Cadillacs, Pontiacs e outros?

Não estou certo disso, porque também não se quer deixar os consumidores confusos.

Como ajudar as empresas a enxergar essa linha divisória entre oferecer aos consumidores poucas opções e oferecer demais?

Sheena Iyengar e Mark Lepper [pesquisadores das universidades norte-americanas de Columbia e Stanford, respectivamente] realizaram um estudo sobre isso. Foram a um supermercado e instalaram um quiosque, onde apresentavam às pessoas ora seis tipos de geleias, ora 24.

Muito mais pessoas se sentiam atraídas pela maior quantidade de geleias: mais tipos, mais cores, mais burburinho. Então, elas recebiam um cupom que servia para qualquer geleia da loja [que possuía um sortimento de mais de 300 geleias].

O que eles descobriram foi que, entre as pessoas que viram apenas seis tipos de geleias, 30% acabaram comprando geleia. Entre as que viram 24 tipos, apenas 3% compraram geleia. Mesmo as geleias não sendo um produto complexo –levam açúcar e frutas apenas–, 24 tipos é muito.

As pessoas se confundem fácil…

Devemos prestar atenção a duas coisas nesse caso. Uma é se existe, ou não, um padrão de compra. Se existe, o consumidor realmente não precisa escolher. Quando as pessoas vão às compras e “geleia” consta de sua lista, elas compram geleia, não importa se veem seis ou 24 variedades. Mas a confusão é muito frequente se não existe o padrão de fazer algo, como acontece quando um item não está em sua lista de compras. O segundo fator é a quantidade de esforço que as pessoas querem despender para escolher. Geleias não importam tanto para a maioria de nós, mas prestaremos atenção a algo mais importante, apesar da confusão. Não se pode generalizar e dizer que oito produtos é muita coisa. Oito geleias podem ser muito, mas oito carros não. Tudo depende do padrão de motivação das pessoas.

Suponho que outro fator seja a facilidade de comparação. Quando as empresas de telefonia celular apareceram com seus planos de serviços era praticamente impossível compará-los…

Sim, e chamo a isso “complexidade de escolha”. Quão difícil é comparar produtos? Quanto você precisa saber para compará-los? Quão importante é a decisão, e qual é o padrão? Todos esses fatores juntos determinarão a complexidade de uma decisão. Então, por exemplo, quando se trata de escolher entre canetas, é ótimo ter, talvez, até dez opções, mas, para automóveis, o número será diferente.

AS PESSOAS CERTAS

O sr. é grande defensor dos experimentos que testam hipóteses, porque estas podem estar erradas. Mas, nos negócios, os gestores tomam decisões baseados em crenças não testadas com rigor. Quão ruim é isso?

Eu lhe darei um exemplo: o processo de entrevistas usado para contratar funcionários. Poucos anos atrás, eu andava pelos corredores do MIT e a Bain Consulting oferecia pizza grátis numa sala; entrei. Meus alunos do MBA também entraram e assistimos a uma palestra sobre o processo de entrevistas da Bain.

Então, perguntei: “Quão válido é seu teste –o processo de entrevistas?”. E o representante da Bain disse: “Crescemos 20% no último ano”. Eu disse: “Excelente notícia, mas quão válido é seu teste?”. Ele respondeu: “A McKinsey faz o mesmo”. De novo, eu disse: “Estou muito feliz por vocês, mas essa não é uma resposta”. E continuei: “Se me contratasse para aconselhá-lo, eu diria que o único recurso que você tem são seus funcionários. E que você deve saber separar as boas pessoas das ruins”. Ele ficou bravo comigo, mas o que eu defendia era o óbvio.

Então, o sr. aconselharia a Bain a realizar um experimento para testar a qualidade de seu processo de entrevistas de emprego…

Sim, acho que eles devem começar a ser mais rigorosos e sistemáticos em sua abordagem, incluindo contratar de tempos em tempos pessoas em que não apostassem. Anos atrás, Daniel Kahneman, um dos “pais” da economia comportamental, foi à Força Aérea israelense e os convenceu a aceitar, para um treinamento de pilotos, algumas pessoas que haviam sido reprovadas no teste para pilotos. É exatamente igual a contratar pessoas que você acha que não se sairão bem. Parece não fazer sentido, mas é o único modo de aperfeiçoar seu teste.

Para os executivos da Bain, o investimento em experiências pode parecer não valer a pena, por eles se verem no curto prazo…

Falando em termos genéricos, isso é parte do problema de base do mundo corporativo, ao menos nos Estados Unidos. As pessoas têm intuições, que, às vezes, estão erradas, e não se exigem testá-las rigorosamente. E os experimentos são bons apenas para o longo prazo.

DECISÕES DE GRUPO

Em relação às decisões de grupo, achei fascinante sua pesquisa sobre como as pessoas fazem seus pedidos em restaurantes. Você mostrou que, quando um garçom anota os pedidos sequencialmente, depois que a primeira pessoa pede uma entrada específica, os demais do grupo tendem a não escolher o mesmo prato, por não quererem ser tidos como copiadores. Pergunto-me se isso acontece muito nas reuniões de negócios…

Sim! É inacreditável como todos sentem a necessidade de dizer algo diferente em reuniões, mesmo que ligeiramente diferente daquilo que alguém já disse. Poucos anos atrás, criamos um software que chamamos de “antigroupware”, no MIT Media Lab. Queríamos pesquisar por que, quando você pega boas pessoas e as coloca numa sala, elas tomam más decisões como grupo. E a questão era como usar a tecnologia para evitar isso.

O que fazia esse software?

Tivemos diversas versões dele e um dos problemas que investigamos foi a presença de uma figura de autoridade. Quando seu chefe diz “Acho que deveríamos fazer tal coisa”, qual é a probabilidade de você escolher uma opção diferente? Outra questão que investigamos foi a conformidade. Se cinco pessoas dizem a mesma coisa, será mais provável que você diga o mesmo?

Assim, criamos ferramentas básicas de votação. As pessoas podiam votar anonimamente. Ou podiam votar, ver o resultado e, então, mudar seu voto, e isso poderia acontecer em algumas rodadas. Ainda tentamos fazer com que as pessoas descobrissem quanto se importavam com determinado assunto. Por exemplo, poderíamos apresentar a elas dez temas sobre os quais deveriam tomar decisões e dar a elas cem pontos, e, então, elas teriam de alocar esses pontos entre os dez assuntos –de modo que, se alguém se sentisse muito atraído pelo item 6 e não ligasse para os outros itens, poderia alocar todos os cem pontos no item 6.

O software ajudava as pessoas a evitar as diferentes armadilhas das decisões de grupo…

Sim. Os grupos são importantes para compartilhar informações, mas, quando as pessoas precisam tomar decisões, não são bons. Acreditávamos que o software fosse muito bom, porém nenhuma empresa jamais quis experimentá-lo na vida real.

Por que a relutância?

Penso que as decisões tomadas em grupo são uma daquelas coisas nas quais as empresas confiam muito. Os gestores intuem que a decisão tomada em grupo é fantástica, mas, na realidade, não o é.

NORMAS SOCIAIS

Muitas empresas têm problemas com a gestão das normas sociais não explícitas, não é verdade? Sim. As pessoas têm intuições fantásticas sobre isso na vida pessoal. Imagine que você esteja em um encontro com uma mulher. Vocês foram ao cinema e a um jantar e, enquanto a leva para casa, você se inclina para beijá-la e diz: “Curiosamente, gastei US$ 150 neste encontro até agora”. Você não disse nada que ela não soubesse, na verdade. Os preços vêm impressos nas entradas do cinema e nos cardápios. Mas, no momento em que menciona o que gastou, você altera a relação de social para financeira e desvaloriza a relação.

Acho que todo mundo entende isso na vida social, mas não na relação contratante-contratado. Parte do truque é ofuscar. Se pago um funcionário por hora ou por caracteres escritos, está muito claro que nossa relação é econômica. Mas, se o remunero mensalmente ou anualmente, então isso não fica tão claro. Se não lhe pago em dinheiro, mas faço um depósito em sua conta, então a relação é ainda menos direta. E se eu também lhe oferecer plano de saúde e benefícios do gênero?

Aliás, muitas empresas costumam deixar claro quanto gastaram em saúde com o funcionário. Imagine que eu fosse seu empregador e lhe oferecesse US$ 1.000 em espécie ou umas férias nas Bahamas. Presumivelmente, você se daria melhor pegando o dinheiro, porque talvez queira ir ao litoral da Carolina do Norte, em vez de às Bahamas. Ou poderia pular as férias e comprar um novo iPod. Então, poderia otimizar a recompensa ficando com o dinheiro.

Mas sob qual condição –o dinheiro ou as férias– você estaria mais receptivo a meu pedido de que fique até mais tarde no escritório na próxima segunda-feira? Sob qual condição você me seria mais leal? Acredito que a resposta seja “com as férias”, e este é o truque: há coisas que são ineficientes financeiramente, mas são eficientes do ponto de vista social e motivacional.

O futuro é das organizações do tipo Linux, baseadas mais na comunidade que no mercado?

O trabalho é importante para as pessoas tanto pela remuneração como pelo significado que tiram dele. Deixe-me contar-lhe sobre uma experiência na qual pedimos às pessoas para construir robôs Lego. Pagamos a elas US$ 3 pelo primeiro robô, US$ 2,70 pelo segundo, US$ 2,40 pelo seguinte, e assim foi.

Elas poderiam decidir quando parar. Na essência, estávamos perguntando qual era o valor marginal do trabalho. Para um grupo de pessoas, quando terminavam um robô, perguntávamos: “Você quer outro?”. E, se quisessem, dávamos a elas as peças novas, pegávamos o robô terminado e o colocávamos em uma caixa. Para o outro grupo, quando as pessoas terminavam um robô, nós os desmontávamos na frente delas e entregávamos suas peças de volta para reconstruírem o robô. Chamamos isso de “condição sisífica”, que vem do mito de Sísifo, do trabalho interminável.

Ambos os grupos de pessoas faziam a mesma coisa –construíam robôs por dinheiro. Mas a realidade era que as pessoas que viam seu trabalho ser destruído odiavam a tarefa. As outras foram capazes de encontrar pequenos significados em uma coisa tão trivial como os robôs Lego, e isso as mantinha no trabalho. Para mim, isso é um insight incrível.

Saiba mais sobre Ariely

Dan Ariely é um dos maiores expoentes atuais em economia comportamental, o estudo de como as pessoas realmente se comportam quando tomam decisões de negócios e financeiras. Suas pesquisas vêm provando que não somos os sensatos tomadores de decisão que acreditamos ser, e seu livro Previsivelmente Irracional (ed. Campus/ Elsevier) tornou-se um best-seller nos Estados Unidos. Ariely é professor da Duke University e ex-professor do MIT.

Fonte: Revista HSM Management – A entrevista é de Alden M. Hayashi, editor sênior da MIT Sloan Management Review.