Coletivo de prosumidores

Nessa entrevista, o especialista em mídias Henry Jenkins, do MIT, analisa como as comunidades de consumidores agrupados em torno de interesses comuns, ainda que independentes, estão constituindo um novo canal para as empresas fomentarem a lealdade dos clientes, difundirem mensagens de marca e fazerem negócios.  Como agem os prosumidores?

Quase todos os especialistas em marketing concordam: a participação dos usuários na produção de conteúdo nos meios de comunicação é cada vez maior. Impressionadas com o poder dessas redes de consumidores que trocam informações, muitas empresas tentam controlá-las, mas seus esforços, até agora, renderam parcos resultados.

O especialista em marketing Seth Godin, “pai” da idéia-vírus, por exemplo, lembra que, como parte da campanha de promoção de seu novo sistema operacional Vista, a Microsoft deu laptops para bloggers influentes e, em vez de gerar comentários favoráveis do produto, a estratégia teve repercussão negativa –muitos se queixaram de que a companhia tentava suborná-los.

Mais do que tentar controlá-las, a chave para aproveitar a contribuição das comunidades on-line reside em inspirá-las. Nesse ponto, quem oferece as melhores lições são especialistas em mídia como Henry Jenkins, por vários motivos.

Primeiro, as fronteiras entre os diferentes canais se enfraquecem: pela internet circulam vídeos, áudios e programas de rádio, entre outros conteúdos, e cada um deles se alimenta dos demais. Segundo, os consumidores estão se transformando em produtores de conteúdo. Basta pensar no fenômeno do YouTube como exemplo paradigmático. Vários canais já podem ser identificados como mídias sociais focadas nos prosumidores.

Enriquecido por essas duas vertentes, o fluxo de idéias na sociedade se tornou mais complexo; as histórias de ficção e as verídicas e, particularmente, as informações sobre as empresas e seus produtos, circulam pela máxima quantidade de canais possível. Se, como se costuma dizer, “o meio é a mensagem”, nada melhor do que um especialista nas complexidades do primeiro para entender as sutilezas do segundo.

Nessa entrevista à revista HSM Management, Jenkins, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), reflete sobre a tendência que surpreende tanto os responsáveis de marketing como os estudiosos do comportamento do consumidor e que recebe múltiplas denominações: “era da convergência”, “inteligência coletiva” e “cultura participativa”.

Em seu livro Convergence Culture, o sr. aponta que os “conteúdos personalizados” constituíam um dos ideais da revolução digital no início da década de 1990. De acordo com o postulado naquela época, os meios de comunicação digitais nos liberariam da “tirania” dos veículos de massa, permitindo que cada indivíduo escolhesse e consumisse apenas a informação que considerasse relevante. Parece uma profecia do advento dos prosumidores.

No entanto, mais do que conteúdos personalizados, o que aconteceu foi o consumo e a produção de “conteúdos comunitários”. Poderia explicar esse fenômeno?

Há muitas comunidades –como as que promovem a responsabilidade civil–, mas só nos últimos anos tornou-se disponível a tecnologia que permite interconectá-las. A lógica das redes sociais nos levou a pensar no computador como ferramenta que nos conecta com outros antes do que para uso individual. E, como digo no livro, o desenvolvimento da web na última década não seguiu o caminho antecipado da informação personalizada, centrada nas preferências individuais. Ao contrário, a circulação de conteúdos passou a ser mais social graças à emergência de sites de conteúdos gerados por usuários, de sites de redes sociais e da web 2.0.

Nos últimos 20 anos, ficou evidente que, à medida que nossa sociedade se torna mais móvel, as pessoas se interessam menos pelas comunidades de alcance geográfico local e mais pelas comunidades globais conectadas pelas redes. Costuma haver mais conexões entre pessoas que vêem os mesmos programas de televisão do que entre os vizinhos de um prédio de apartamentos.

A Wikipedia é um exemplo dessas comunidades globais que o sr. menciona…

Sim. É um ponto de encontro de diferentes comunidades e interesses. Atrai fãs de programas de televisão, cientistas amadores, amantes de história, interessados por política, entre outros grupos que têm o afã comum de compartilhar seu conhecimento e criar um espaço que funciona como uma enciclopédia. Cada um desses grupos com interesses específicos poderia criar o próprio lugar na web em resposta a suas necessidades; no entanto, colaboram com outros e geram a Wikipedia, um site para a grande comunidade de usuários com acesso à informação.

Algo semelhante aconteceu com o Second Life. É um espaço híbrido: organizações não-governamentais, sem fins lucrativos, educacionais, ativistas de minorias; os mais diversos grupos participam do Second Life e trabalham juntos com o objetivo de preservar a infra-estrutura necessária para sua coexistência. Vários prosumidores interagiram dentro dessa mídia.

No YouTube, por exemplo, artistas de diferentes tipos compartilham conteúdos e aprendem com os demais porque têm à disposição um site para o qual enviam informação, em vez de uma série de sites especializados em distribuição de vídeos para cada comunidade específica. Não sei como denominá-los, mas Wikipedia, Second Life e YouTube são sites em que comunidades de interesses reúnem esforços e conseguem coisas que nenhuma delas, sozinha, conseguiria.

Que repercussões terá a produção coletiva de conteúdos na indústria da mídia? Os novos consumidores / produtores representam uma concorrência para os participantes tradicionais?

Existem vários aspectos a levar em conta. Primeiro, o trabalho de muitos usuários que colocam seus vídeos na web –especialmente, os fãs de programas de televisão– constitui uma espécie de marketing gratuito do conteúdo de massa que tomam por base, modificam, comentam e difundem.

Segundo, os consumidores/ produtores compõem um sistema de alimentação de conteúdos para os ambientes corporativos. Com freqüência, são os primeiros a adotar novas tecnologias e experimentar o que é possível fazer com elas; suas ações são uma mostra antecipada das coisas que o restante dos integrantes da cultura fará. Por isso, cada vez mais, as grandes cadeias de comunicação ficarão atentas às produções independentes e escolherão o conteúdo que consideram interessante para levá-lo para o mercado de massa. Além disso, os novos talentos e artistas vão primeiro surgir nos grupos de colaboração espontânea e depois se transformar em parte dos ambientes corporativos.

logo novo google

Tudo isso supõe que haveria uma mudança na produção e no consumo de conteúdos, mas não na distribuição de renda, porque o dinheiro parece ficar sempre nas mãos dos grandes meios…

Bem, quando o Google compra o YouTube, varre essa questão para cima do tapete. O YouTube pode ser visto como uma plataforma na qual os indivíduos postam livremente seus vídeos. No entanto, quando o Google paga US$ 1 bilhão para se apropriar do YouTube, evidencia a grande soma de dinheiro que muda de mãos por um site baseado no trabalho criativo não-remunerado.

O YouTube cria um espaço propício para que os consumidores compartilhem conteúdos, porém não divide os lucros com os criadores do trabalho valorizado no sistema. Cada vez mais, os críticos acadêmicos, os ativistas e o público em geral questionam essas transações e se perguntam sobre o dinheiro que geram as contribuições voluntárias e sobre as repercussões para os artistas que vivem de seu trabalho.

Não acredito que as cadeias de comunicação e as produtoras estejam em risco por causa da atividade alternativa, mas os artistas podem, sim, perder o nível de lucros que historicamente têm obtido como criadores de arte em nossa sociedade. O resultado pode ser, nesse caso, uma cultura de meios mais diversa, mais participativa e menos lucrativa.

Mais diversa e participativa porque muitos artistas, que de outra forma nunca conquistariam visibilidade, terão a oportunidade de se tornar conhecidos graças a essa nova plataforma de meios –os produtores do filme independente norte-americano Four Eyed Monsters, por exemplo, usaram o Second Life e o YouTube para mostrar trechos do filme e se basearam em redes de relacionamentos para captar público. Depois negociaram com os donos das salas de cinema de diferentes cidades, dizendo que em seus mercados havia uma quantidade “x” de pessoas que queriam ver o filme e lhes garantiam que venderiam “x” ingressos se o projetassem. Alguns artistas assim ganharão visibilidade e receberão apoio para seu trabalho, mas não podemos afirmar que manterão uma carreira no sistema.

Uma cultura de mídias mais diversificada e participativa significaria que nos dirigimos ao modelo de cauda longa nesse setor?

Acho que muitos conteúdos dirigidos a nichos do mercado vão triunfar, mas as grandes cadeias de comunicação e produtoras sempre se organizaram em torno dos sucessos de massa e, portanto, terão muitos problemas para entender como funciona esse modelo em seu setor. Sem dúvida, haverá inúmeros filmes de sucesso na rede, da mesma forma que artistas vendem suas obras direto ao público e se beneficiam da cauda longa, mas não está claro que as grandes cadeias possam operar nesse modelo, porque ainda se baseiam em despertar a atenção geral. Tenho a impressão de que nos encaminhamos para duas economias de meios diferentes.

Uma estará focada na produção de sucessos para o mercado de massa; a outra, em produções de baixo orçamento, para nichos. Alguns produtos de nicho vão avançar para o mercado de massa, como aconteceu com Harry Potter, considerado um sucesso estrondoso que começou no segmento de livros de histórias para crianças.

Contudo, em torno de Harry Potter surgiram novos produtos de nicho, como os grupos de rock Weird Sisters, inspirados na banda da ficção. Uns 200 grupos Weird Sisters deram shows em diferentes partes do mundo, e a maioria deles encontra seus consumidores no MySpace ou no FaceBook. Estima-se que produzem podcasts de música em MP3 ouvidos por meio milhão de consumidores por semana.

Algumas agências de publicidade tentam criar comunidades de clientes leais às marcas para as quais trabalham, incentivando-as a produzir conteúdos e a colocá-los em novos sites. Como inspirar os clientes a falar bem da companhia?

Há mais ou menos dois anos, a marca de biscoitos Oreo, dos Estados Unidos, organizou um concurso que incentivava as pessoas a enviar vídeos de si mesmas cantando o jingle da marca e até inventando sua versão musical e conseguiu gerar interesse pelo produto por algum tempo.

Em geral, porém, quando o público cria a própria versão de um jingle ou de um anúncio, pode citar aspectos da marca que a empresa não quer escutar e, se esta filtrar aquilo de que não gosta, a campanha publicitária perderá credibilidade.

Ao analisar a possibilidade de convidar o público a participar de seu marketing, uma companhia tem de estar consciente de que poderá gerar interesse e fazer com que as pessoas falem da marca, mas também deve levar em conta que o que dizem talvez seja usado contra ela.

Acho que essa perda de controle que sentem os responsáveis pela publicidade freia muitas iniciativas nos novos meios e os impede de abraçar a cultura participativa, a inteligência coletiva ou como se queira chamá-la. Porém é preciso admitir que nem todas as marcas despertam a paixão das pessoas. A Coca-Cola desperta comunidades, mas outros refrigerantes, não. Só as marcas que têm consumidores entusiastas vão conseguir aproveitar o conteúdo gerado pelos usuários para continuar crescendo.

coca-cola mini garrafinhas

A explicação da “pottermania”, segundo Jenkins

Todo o consumo gerado a partir da saga Harry Potter, da escritora inglesa J.K. Rowling, é um fenômeno que muitos artistas e empresas gostariam de desencadear. O que o explica? Em primeiro lugar, diz Henry Jenkins, não foi uma idéia imposta de cima para baixo; ninguém acordou um dia dizendo: “Vamos fazer de Harry Potter uma história de culto contada em livros, filmes, histórias em quadrinhos, jogos”. Começou como livro para crianças e despertou o entusiasmo dos adultos, que quiseram compartilhá-lo com outros. Em segundo lugar, trata-se de uma história muito bem construída e que acontece em um mundo fictício. Os fatos de conseguir reter a atenção das pessoas e de, ao mesmo tempo, criar um ambiente diferente acionam o funcionamento da inteligência coletiva. Em terceiro lugar, Harry Potter consiste em uma trama complexa, com enigmas, mistérios e referências cruzadas, o que dá aos leitores algo para fazer: explorar, procurar chaves nos sete volumes da série, compartilhar o que descobrem com os demais. Isso também ocorre, ainda que em outro grau, com séries de TV como Lost, 24 Horas, Desperate Housewives e Heroes, e, desdobrando o raciocínio do especialista em mídia, pode ocorrer, potencialmente, em qualquer tipo de meio ou produto relacionado com a “contação” de uma história. Jenkins explica que, em um mundo com inteligência coletiva, os conteúdos operam de duas formas:

  1. atraem pessoas que têm interesses comuns e as agrupam em torno deles, como uma rede social;
  2. oferecem a elas algo para fazer, problemas para resolver, enigmas para decifrar. Harry Potter, por exemplo, é uma série de ficção com muitos detalhes que impulsionam o leitor a montar o quebra-cabeça da história com cada novo livro publicado.

De acordo com o especialista do MIT, resta saber se Harry Potter continuará dando às pessoas algo para fazer dentro de uma década. “Estou certo de que elas continuarão lendo os livros, porque são bem escritos, mas não sei se a comunidade se manterá viva depois do encerramento total da história.”

Saiba mais sobre Henry Jenkins

Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, há mais de 16 anos e diretor do programa de estudos comparados de mídias dessa instituição, Henry Jenkins é autor de vários livros que se tornaram referência na economia do século 21, como Convergence Culture: Where Old and New Media Collide; Fans, Bloggers and Gamers: Exploring Participatory Culture (os dois, ed. New York University Press); Textual Poachers: Television Fans and Participatory Culture (ed. Routledge, Chapman and Hall), Hop on Pop: The Politics and Pleasures of Popular Culture (ed. Duke University Press) e From Barbie to Mortal Kombat: Gender and Computer Games (ed. MIT Press). Foi colunista da versão eletrônica da Technology Review, especializada em meios e mudança cultural, e se descreve como um fanático pela cultura popular. Cresceu lendo a revista Mad, histórias em quadrinhos e livros de ficção, e mais tarde fez doutorado em comunicação. Seu ponto de vista é o de um “acafã”, híbrido de “acadêmico” e “fã” dos meios, cujo objetivo é encurtar as distâncias entre os dois mundos.

O fim do controle, por Marcelo Coutinho

O maior risco das empresas, ao se aproximarem de uma comunidade, vem de uma mentalidade de “controle”, ou seja, da percepção desse novo espaço das redes sociais como apenas mais um terreno a ser conquistado, controlado e “cercado” pela comunicação tradicional. Iniciativas desse tipo geralmente são um tiro no pé. A comunicação com o consumidor não é mais controlada pela empresa, já que a evolução tecnológica permite que os consumidores se comuniquem uns com os outros com muito mais facilidade. Um bom paralelo com a situação atual é com a invenção da prensa tipográfica. Durante 500 anos uma única organização –a Igreja católica– deteve o monopólio da produção e circulação de idéias e visões da realidade na Europa. Somente ela tinha os recursos necessários para bancar uma imensa rede de comunicação e pesquisa (os padres nas paróquias) e de reprodução de conhecimento (os monges copistas nos monastérios).

Com a invenção da prensa tipográfica, esse monopólio acabou em menos de 50 anos. E o que fez a Igreja? De início, tentou “controlar” a difusão dos livros impressos com os mecanismos de que dispunha: excomunhão de impressores, destruição de gráficas, criação do “Index” de livros proibidos etc. Com o passar do tempo, contudo, viu que teria de adotar o novo meio para tentar manter sua hegemonia. Em minhas palestras, a pergunta inicial dos gestores sempre é: “como controlamos?”. E eu digo: “Esqueçam a noção de controle”. É uma idéia relacionada com “discurso”, e a comunicação com as comunidades não é “discurso”, é “diálogo”.

Trata-se de diálogo sobre a marca, sobre os valores dos consumidores, sobre a contribuição dos produtos da empresa para o consumidor. Às vezes, vejo empresas entrando com ações judiciais contra blogueiros e comunidades. É perda de tempo. Muito mais importante é monitorar as comunidades que são desfavoráveis porque elas podem apresentar reclamações justas e verdadeiras que nem sequer passam pelo filtro dos serviços de atendimento aos clientes das empresas e principalmente estimular as que são favoráveis. Tudo com transparência. * Marcelo Coutinho é diretor do Ibope Inteligência e professor da pós-graduação em comunicação da Fundação Cásper Líbero. Foi diretor de análise para América Latina do Ibope/NetRatings e pesquisador do grupo de tecnologia da informação da Harvard University.


Fonte: Revista HSM Management