As novas realidades do marketing

Podemos afirmar com alguma convicção que o mercado não é mais o que costumava ser. Pelo contrário, ele está drasticamente diferente do que era há somente dez anos.

Principais forças sociais

Atualmente, forças sociais importantes, e em alguns casos interligadas, criaram novos comportamentos, oportunidades e desafios de marketing. Apresentamos a seguir as doze principais forças.

• Rede de tecnologia da informação.

A revolução digital criou uma Era da Informação que promete levar a níveis de produção mais precisos, a comunicações mais direcionadas e a uma determinação de preços mais consistentes.

• Globalização.

Os avanços tecnológicos em transportes, expedição e comunicação tornaram mais fácil, para as empresas, fazer negócios em outros países, e, para os consumidores, comprar produtos de empresas estrangeiras. As viagens internacionais não param de crescer à medida que mais pessoas trabalham e se divertem em outros países.

• Desregulamentação.

Muitos países desregulamentaram alguns setores para aumentar a concorrência e as oportunidades de crescimento. Nos Estados Unidos, as leis que restringiam os setores de serviços financeiros, telecomunicações e fornecimento de energia elétrica foram flexibilizadas, de modo a refletir o espírito de maior concorrência.

• Privatização.

Muitos países privatizaram empresas estatais para aumentar sua eficiência, como ocorreu com a empresa de telecomunicações Telefónica CTC, no Chile, e com a companhia aérea British Airways, no Reino Unido.

• Concorrência ampliada.

Uma concorrência intensa entre marcas domésticas e estrangeiras provoca um aumento nas despesas de marketing e uma redução nas margens de lucro. Além disso, os fabricantes de produtos de marca são fustigados por varejistas poderosos que comercializam suas próprias marcas. Muitas marcas fortes se tornaram megamarcas e se estenderam por uma ampla variedade de categorias de produtos correlatos, representando uma significativa ameaça competitiva.

• Convergência setorial.

As fronteiras entre os setores se tornam cada vez mais indistintas à medida que as empresas se dão conta de que há novas oportunidades na intersecção entre dois ou mais setores. Os setores de informática e de eletrônicos de consumo estão convergindo, por exemplo, enquanto Apple, Sony e Samsung lançam uma série de produtos para entretenimento, de tocadores de MP3 a TVs de plasma e filmadoras. A tecnologia digital tem alimentado essa convergência maciça.

• Transformação no varejo.

Varejistas que possuem lojas físicas enfrentam a concorrência crescente de empresas de venda por catálogo; empresas de mala direta; anúncios diretos ao consumidor veiculados em jornais, revistas e TV; programas de venda pela TV; e e-commerce. Reagindo a isso, varejistas com visão empreendedora estão incorporando atrações a suas lojas, como cafés, demonstrações de produtos e shows. Em vez de uma varie- dade de produtos, eles vendem uma “experiência”. A Dick’s Sporting Goods, que era uma única loja de artigos de pesca em Binghamton, Nova York, transformou-se em uma rede de 300 lojas de artigos esportivos em 30 estados. Parte de seu sucesso se deve aos recursos interativos de suas lojas. Os clientes podem testar tacos de golfe em campos de prática cobertos, experimentar sapatos em uma pista específica para isso e praticar arco e flecha.

• Desintermediação.

O extraordinário sucesso das primeiras ponto-com, como AOL, Amazon.com, Yahoo!, eBay e E*TRADE, entre outras, criou a desintermediação na entrega de produtos, ao intervir no tradicional fluxo de bens por meio de canais de distribuição. Esse processo preocupou muitos fabricantes e varejistas estabelecidos. Em resposta, empresas tradicionais iniciaram um processo de reintermediação e passaram a adotar um modelo misto de varejo real e virtual, agregando serviços on-line a suas ofertas normais. Muitas delas se revelaram concorrentes mais poderosas que as empresas puramente digitais, pois dispunham de um leque maior de recursos com que trabalhar, além de marcas fortes e bem estabelecidas.

Maior poder de compra do cliente.

Em parte por causa da desintermediação via Internet, os consumidores tiveram um aumento substancial no poder de compra. Usando o telefone de casa, do escritório ou o próprio celular, eles podem comparar preços e especificações de produtos e fazer pedidos on-line de qualquer lugar do mundo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, contornando a limitação de ofertas locais e fazendo economias significativas. Até mesmo os compradores de empresas podem executar um leilão reverso, no qual os vendedores competem para capturar seus negócios. As empresas podem facilmente se juntar a outras para agregar suas compras e obter maiores descontos por volume.

• Informação ao consumidor.

Os consumidores podem coletar informações tão abrangentes e aprofundadas quanto desejarem sobre praticamente qualquer coisa. Via Internet, podem acessar enciclopédias, dicionários, informações médicas, avaliações de filmes, relatórios de consumo, jornais e outras fontes de informação em várias línguas, a partir de qualquer lugar do mundo. Conexões pessoais e conteúdo gerado pelo usuário se multiplicam em mídias sociais como Facebook, Flickr (fotos), Del.icio.us (links), Digg (notícias), Wikipedia (enciclopédia) e YouTube (vídeo). Sites de relacionamentos sociais, tais como Dogster, para amantes de cães, TripAdvisor, para loucos por viagens, e Moterus, para motociclistas, reúnem consumidores com interesses em comum. No CarSpace.com, os apaixonados por carros falam sobre aros cromados, o último lançamento da BMW e onde encontrar um bom mecânico no local.

• Participação do consumidor.

Os consumidores passaram a ter voz ativa na hora de influenciar os colegas e a opinião pública. Em reconhecimento, as empresas passaram a convidá-los a participar da concepção e até mesmo da comercialização de ofertas para aumentar sua sensação de conexão e posse. Os consumidores veem suas empresas favoritas como oficinas a partir das quais podem extrair as ofertas que quiserem.

• Resistência do consumidor.

Hoje em dia, muitos clientes sentem que há menos diferenças reais entre os produtos e, por isso, demonstram menos fidelidade à marca e se tornam mais atentos a preço e qualidade em sua busca por valor, além de menos tolerantes a ações indesejadas de marketing. Um estudo da Yankelovich identificou níveis recordes de resistência ao marketing por parte dos consumidores; a maioria relatou opiniões negativas sobre mar- keting e propaganda e declarou evitar produtos que recorrem a um marketing excessivo.

Novas competências organizacionais

Esses importantes fatores sociais criam desafios complexos para os profissionais de marketing, mas também geram um novo conjunto de competências para ajudar as empresas a lidar com esses desafios e responder adequadamente a eles.

• As empresas podem usar a Internet como um poderoso canal de informações e vendas.

A Internet amplia a cobertura geográfica das empresas para informar consumidores e promover produtos no mundo todo. Um site pode listar os produtos de uma empresa, seu histórico, filosofia de negócios, oportunidades de trabalho e outras informações de interesse. Em 2006, uma loja de móveis usados em Montgomery, Alabama, ganhou popularidade nacional quando uma propaganda no estilo rap com o proprietário Sammy Stephens se espalhou pela Internet. Criada por US$ 1.500, a propaganda foi vista mais de 100 mil vezes no YouTube e levou Stephens ao programa de TV The Ellen DeGeneres Show. Stephens agora vende camisetas, toques para celular e outras mercadorias de marca por seu site, presta consultoria sobre propaganda a varejistas e todo mês recebe centenas de visitantes de todo o mundo em sua loja.

• As empresas podem coletar informações mais abrangentes sobre mercados, clientes atuais ou potenciais e concorrentes.

Elas também podem conduzir uma pesquisa de marketing atualizada usando a Internet para montar grupos de discussão, enviar questionários e coletar dados primários de várias outras maneiras. As empresas podem reunir informações sobre cada cliente no que se refere a compras, preferências, dados demográficos e rentabilidade. A rede de drogarias CVS usa os dados de seu cartão fidelidade para entender melhor o que os consumidores compram, com que frequência vão à loja e outras preferências de compra. Seu programa ExtraCare rendeu um extra de 30 milhões de compradores e US$ 12 bilhões de receita anual nas 4 mil lojas.

As empresas podem explorar as mídias sociais para amplificar a mensagem de sua marca.

As empresas podem alimentar os consumidores com informações e atualizações por meio de postagens em blogs e outras postagens de conteúdo, dar suporte a comunidades on-line e criar seus próprios assuntos no dinâmico mundo da Internet. A conta @DellOutlet da Dell Corporation no Twitter tem mais de 600 mil seguidores. Entre 2007 e junho de 2009, a Dell gerou mais de US$ 2 milhões em receita a partir de cupons oferecidos pelo Twitter e mais US$ 1 milhão em receita de pessoas que passaram a ser seguidoras da conta da empresa no Twitter e que depois migraram para o site da empresa para comprar um novo computador.

• As empresas podem facilitar e acelerar a comunicação externa entre clientes.

As empresas também podem criar ou aproveitar o “buzz” (burburinho) virtual ou real por intermédio de advogados da marca e comunidades de usuários. A BzzAgent, agência de marketing especializada no boca a boca, formou um exército voluntário de abrangência nacional composto por 600 mil consumidores que aderem a programas de promoção de produtos e avaliam sobre quais deles vale a pena falar.

Em 2005, a Dunkin’ Donuts contratou a BzzAgent para ajudar a lançar uma opção de café expresso, o Latte Lite. Três mil voluntários treinados (chamados BzzAgents) em 12 mercados-teste experimentaram a nova bebida, formaram suas opiniões, engajaram-se em conversas espontâneas sobre o produto e comunicaram suas impressões à BzzAgent por meio da interface de relatórios da companhia. Após quatro semanas, as vendas do produto haviam crescido mais de 15 por cento nos mercados-teste.

• As empresas podem enviar material promocional, cupons, amostras e informações a clientes que os requisitaram ou que autorizaram a empresa a enviá-los.

O marketing de microssegmentação e a comunicação bidirecional estão mais acessíveis graças à proliferação de revistas, canais de TV e notícias na Internet segmentados por interesses. As extranets que conectam fornecedores e distribuidores permitem às empresas enviar e receber informações, fazer pedidos e efetuar pagamentos com mais eficiência. A empresa também pode interagir com cada cliente individualmente para personalizar mensagens, serviços e o próprio relacionamento.

• As empresas podem alcançar consumidores em trânsito com o mobile marketing.

Utilizando a tecnologia GPS, as empresas podem identificar a localização exata dos consumidores em um shopping center, por exemplo, e enviar-lhes mensagens com cupons válidos somente naquele dia, com um lembrete de um item de sua lista de favoritos ou com um brinde relevante (compre esse livro hoje e ganhe um café na livraria). A propaganda baseada em um local é atrativa porque atinge os consumidores quando eles estão mais perto do ponto de venda. As empresas também podem anunciar em vídeos para iPods e atingir consumidores por meio de seus celulares pelo mobile marketing.

• As empresas podem fabricar e vender produtos personalizados.

Graças aos avanços em customização industrial, tecnologia da computação e software de database marketing, os consumidores podem comprar doces M&M, frascos de TABASCO ou garrafas de uísque Maker’s Mark com seus nomes impressos neles; caixas do cereal matinal Wheaties ou latas do refrigerante canadense Jones Soda com sua foto estampada; e potes de ketchup Heinz com mensagens personalizadas.

A tecnologia da BMW permite a seus clientes projetar seus próprios modelos de carro entre 350 variações, com 500 opções, 90 cores e 170 acessórios. Segundo a empresa, 80 por cento dos carros comprados na Europa e até 30 por cento nos Estados Unidos são montados sob encomenda.

• As empresas podem aperfeiçoar seus processos de compras, recrutamento e treinamento, assim como as comunicações internas e externas.

As empresas podem recrutar novos funcionários on-line e muitas delas possuem pacotes de treinamento pela Internet que podem ser baixados por funcionários, revendedores e agentes. O varejista Patagonia se juntou a Walt Disney, General Motors e McDonald’s na adoção de blogs corporativos para se comunicar com seu público e seus funcionários. O Cleanest Line da Patagonia posta notícias sobre meio ambiente, divulga os resultados dos atletas a quem patrocina e disponibiliza fotos e descrições dos espaços ao ar livre preferidos de seus funcionários.

• As empresas podem facilitar e acelerar a comunicação interna entre seus funcionários usando a Internet como uma intranet privada. Os funcionários podem consultar uns aos outros, pedir conselhos e baixar (ou carregar) informações necessárias do computador central da empresa. Em busca de um portal eletrônico unificado para funcionários que transcendesse as unidades de negócios, a General Motors lançou, em 2006, uma plataforma chamada mySocrates, composta por anúncios, notícias, links e informações históricas. A GM atribui ao portal US$ 17,4 milhões em economia de despesas até o momento.

• As empresas podem melhorar sua eficiência em termos de custos ao fazer bom uso da Internet.

Compradores corporativos podem economizar substancialmente ao fazer uso da Internet para comparar preços de fornecedores e adquirir materiais em leilões, ou postar suas próprias condições em leilões reversos. As empresas podem melhorar a logística e as operações para cortar consideravelmente os custos enquanto melhora a precisão e a qualidade do serviço.

Marketing na prática

Não surpreende que essas forças e competências de marketing tenham mudado profundamente sua administração. Em teoria, o processo de planejamento de marketing consiste em analisar oportunidades, selecionar mercados-alvo, conceber estratégias, desenvolver programas e gerenciar o esforço de marketing. Na prática, porém, nos mercados altamente competitivos que se tornaram a regra, o planejamento de marketing é mais fluido e continuamente atualizado.

As empresas têm de avançar sempre com seus programas de marketing, inovando produtos, permanecendo em contato com as necessidades do cliente e buscando novas vantagens em vez de depender dos pontos fortes do passado. Isso se aplica especialmente à incorporação da Internet aos planos de marketing.

Os profissionais de marketing devem tentar equilibrar o aumento nos gastos em ações de marketing dirigidas a motores de busca, mídia social, mala direta eletrônica e mensagens de texto/SMS com um nível adequado de gastos em comunicações de marketing tradicionais. Mas eles devem fazer isso em tempos de dificuldades econômicas, quando a cobrança de responsabilidades passou a ser uma prioridade e retornos sobre o investimento são esperados de cada atividade de marketing.


Fonte: Livro Administração de Marketing, por Philip Kotler