A nova geração do luxo

O mercado do novo luxo propõe uma oferta limitada, mas não exclusiva. Define-se por produtos e serviços que oferecem benefícios técnicos, funcionais e emocionais a seus consumidores, que pertencem às classes média e média alta principalmente. Seu mercado apresenta cifras promissoras, como garante Michael Silverstein, especialista do Boston Consulting Group em comportamento do consumidor.  

Nessa entrevista ele afirma que as empresas que nele atuam captam, na categoria de que participam, 20% dos clientes, 40% dos investimentos e 60% dos lucros.

Em que consiste o “novo luxo” e por que há oportunidades de negócios inexploradas nesse campo? Michael Silverstein, especialista em consumo do Boston Consulting Group (BCG), responde à dupla questão: “A novidade está tanto na grande quantidade de bens e serviços premium disponíveis como na maior porcentagem da população que tem acesso a eles.

De fato, o novo luxo está estreitamente relacionado com a mudança na forma de pensar do consumidor de renda média, disposto a pagar um preço mais elevado por produtos e serviços superiores em algumas categorias, enquanto em outras procura alternativas de preços mais baixos”.

Nessa entrevista a revista HSM Management, Silverstein faz uma radiografia do mercado do novo luxo: descreve as qualidades dos produtos e serviços mais destacados, as perspectivas de crescimento da demanda e as estratégias que as empresas líderes colocam em prática.

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Quais são as diferenças entre a proposição de valor do luxo tradicional e a do que se tem chamado de “novo luxo”?

O ponto-chave do velho luxo é a exclusividade. Quem compra um Rolls-Royce não quer encontrar outros iguais no estacionamento de um shopping center. Já os produtos do novo luxo são mais acessíveis que os do luxo tradicional, embora sua oferta seja mais limitada que a dos produtos convencionais, direcionados ao mercado de renda média (entre US$ 50 mil e US$ 200 mil anuais nos Estados Unidos).

A BMW, por exemplo, vendeu cerca de 213 mil automóveis nos Estados Unidos em 2001, enquanto a General Motors –o paradigma das montadoras automobilísticas para o mercado de renda média– superou os 4 milhões.

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Por isso, o desafio dos fabricantes de produtos do novo luxo é determinar o volume ótimo, para que não haja disponibilidade em excesso, como aconteceu durante algum tempo com a marca Abercrombie & Fitch. Ela tinha se posicionado como uma marca dessa nova categoria, com boa qualidade e produtos direcionados a pessoas “modernas”, entre 20 e 30 anos, mas saturou o mercado e perdeu seu consumidor original.

Outra diferença é que o luxo tradicional se dirige a uma elite, enquanto o novo não faz distinções de posição social; pelo contrário, ele dá ênfase aos valores de pessoas com diferentes níveis de renda e estilos de vida. O cliente dos produtos de beleza Aveda, por exemplo, valoriza os ingredientes naturais e o design simples, quase austero. Em poucas palavras, o mercado do novo luxo é definido pelos produtos e serviços que oferecem benefícios técnicos, funcionais e emocionais aos consumidores de classes média e média alta. Ele propõe uma oferta limitada, mas não exclusiva.

Quais são os principais participantes desse mercado emergente?

Falando em marcas norte-americanas e mundiais, posso apontar Gucci, San Pellegrino, Mercedes-Benz, BMW, Jaguar, Prada, Victoria’s Secret, Starbucks, Volvo, Callaway Golf, Porsche, os cosméticos Origins, as geladeiras Sub-Zero, os móveis Williams-Sonoma, o fabricante de alimentos para animais de estimação Eagle Pack, os sabonetes, cremes e loções da Bath & Body Works, o fabricante de fornos e geladeiras Viking, a rede de cafés e restaurantes Panera –que oferece basicamente sanduíches e saladas– e os chocolates Godiva, entre outros.

O sr. menciona desde montadoras automobilísticas até fabricantes de tacos de golfe, passando por confecção de roupa íntima e redes de cafés. Quais são as categorias com maior potencial para esse mercado, levando em conta que o consumidor de renda média paga mais por alguns produtos e serviços, mas em outros reduz drasticamente seus gastos?

Em nossa análise de mais de 30 categorias, identificamos três grandes tipos: “super premium acessível”, extensões de marcas de luxo tradicionais e “produtos de massa com prestígio”.

O primeiro grupo inclui produtos cujo preço está no extremo superior de sua categoria, ou muito próximo dele, mas são acessíveis ao consumidor de classe média, porque se trata de bens de baixo custo absoluto. Uma garrafa de vodca Belvedere, por exemplo, custa 88% mais que uma de Absolut, mas seu preço não é maior que US$ 30.

As extensões de marcas de luxo tradicionais correspondem aos produtos de menor preço de empresas cujas marcas se dirigiam, historicamente, aos ricos, como a Mercedes-Benz. Nos últimos anos, a automobilística alemã reduziu várias vezes o preço do Coupe Classe C, com o conseqüente aumento das rendas provenientes desse modelo, o mais “econômico” de sua lista.

Simultaneamente, a empresa encarou iniciativas para manter o valor “ideal” da marca e lançou o modelo Maybach, quase dez vezes mais caro que o Classe C e direcionado ao segmento mais alto do mercado. A mudança na variedade de produtos permitiu que a Mercedes-Benz estivesse ao alcance de mais compradores e, ao mesmo tempo, que conservasse seu ramo elitizado de automóveis.

Os produtos de massa com prestígio, por sua vez, têm preço superior aos convencionais, mas se encontram muito abaixo dos produtos de luxo antigo. Um exemplo são as loções e cremes para o corpo da Bath & Body Works, que custam quase 300% mais que os da marca Vaseline, mas são mais baratos que as loções de empresas de cosméticos especializadas.

Nos três casos, o denominador comum está no fato de os consumidores terem um vínculo emocional mais forte com esses produtos do que com os convencionais da mesma categoria, inclusive quando se trata de bens relativamente baratos, como a vodca. Mas é claro que o laço emocional tende a se fortalecer e a ser mais duradouro nos bens mais caros, como eletrodomésticos e automóveis.

Alguns especialistas argumentam que o vínculo emocional com o cliente é tarefa do marketing e que o luxo não tem a ver com a qualidade intrínseca do produto e sim com a história a ele associada. O que o sr. pensa a esse respeito?

Não concordo. A maioria dos produtos do novo luxo tem qualidade, design e matérias primas superiores; são melhores e duram mais. Eles têm um design diferente ou vantagens tecnológicas que contribuem para que o rendimento funcional seja superior, e isso, associado a outros fatores –como o valor da marca e o prestígio da empresa–, aumenta o compromisso emocional do consumidor.

Ou seja, as empresas do novo luxo não apenas fazem um bom marketing, como também melhoram o produto. Foi isso que Howard Schultz fez com o café da Starbucks ou, ainda, Les Wexner em relação às lingeries da Victoria’s Secret. Na realidade, aposta-se numa fórmula que vai contra a corrente: aumentam o custo em 20% e criam 100% mais de valor técnico, funcional e emocional.

Qual é a melhor estratégia para criar marcas como a Starbucks ou a Victoria’s Secret?

Existem várias etapas bem definidas. A primeira, entender tudo o que for possível sobre o usuário na categoria: como usa o produto, quais são suas preferências e suas reclamações, mas tentando ir além das insatisfações superficiais, para poder descobrir o descontentamento básico latente.

A segunda, imaginar uma opção melhor, que resolva os problemas identificados na etapa anterior. Algumas das perguntas que precisam ser respondidas nesta etapa são:

  • Que design e matérias-primas são necessários para lançar uma alternativa melhor?
  • Quais benefícios o fabricante poderia obter?

E não se trata de colocar restrições de custo à equipe de design; pelo contrário, é preciso encorajá-la a investir em nova tecnologia e modalidades de entrega.

A terceira etapa consiste em criar um protótipo e colocá-lo em funcionamento, aprimorando-o a partir do feedback. E, finalmente, lançar o produto no mercado com muito cuidado, com base numa estratégia que procure, entre outros fatores, satisfazer os usuários, criar vínculos que permitam entender o que eles pensam, considerar suas sugestões e opiniões, ampliar a distribuição e continuar investindo.

Considerando que as vantagens funcionais e técnicas têm ciclos de vida muito curtos, o mercado do novo luxo poderia parecer mais instável que o tradicional. Como isso afeta a estratégia de marca?

A chave está na inovação. Um investimento forte em pesquisa e desenvolvimento é a condição essencial para a sobrevivência.

Em seu livro Trading Up, o sr. argumenta que, para criar produtos ou serviços destinados ao mercado do novo luxo, é fundamental pensar como um outsider da categoria, alguém de fora. Por quê?

Porque esse tipo de pensamento livra o empreendedor da curva de demanda que costuma limitar os concorrentes estabelecidos. O insider está tão acostumado à fórmula padrão de “quantas unidades” podem ser vendidas e “a que preço”, que parece difícil imaginar um produto mais caro capaz de vender em grandes quantidades e com margens mais altas. Por isso, normalmente são empreendedores alheios à categoria, como Ely Callaway, que acreditam nesse tipo de produtos e serviços. Ele, por exemplo, fundou a empresa de equipamentos de golfe aos 63 anos, depois de ter passado três décadas na indústria têxtil e alguns anos no negócio de vinho.

O que o sr. recomendaria às empresas brasileiras que queiram ingressar nesse mercado? Como e onde deveriam procurar oportunidades?

Em geral, as oportunidades costumam estar em categorias com produtos similares ou indiferenciados, como acontecia na indústria de equipamentos de golfe antes de a Callaway entrar.

Surgem oportunidades também quando os consumidores não estão envolvidos emocionalmente com os produtos, e as pesquisas de mercado mostram que estão insatisfeitos. Ou quando as empresas estabelecidas deixam de lado um aspecto do negócio e privilegiam outro. Outra janela de oportunidade existe nos negócios artesanais com potencial para atrair o mercado de consumidores de renda média; e, de fato, várias empresas começaram de forma quase artesanal e logo padronizaram a oferta para produzi-la em grande escala.

Um exemplo clássico do penúltimo caso é o dos restaurantes de fast food, que costumam priorizar a rapidez e dar menor importância à qualidade. A Panera, por exemplo, aproveitou essa situação e ofereceu sanduíches com ingredientes caseiros que são vendidos a um preço muito maior que o das grandes cadeias de fast food.

O último caso é tipicamente o da Starbucks: partiu do design dos cafés italianos e conseguiu montar uma organização centralizada que hoje lhe permite manter a qualidade em grande escala.

O mundo está cheio de idéias que podem ser desenvolvidas, copiadas ou melhoradas. Muitos produtos do mercado do novo luxo são adaptações de conceitos de outras culturas. Assim, àquele que procura inspiração, recomendaria que viajasse para outros países, andasse pelas ruas, pelos mercados, falasse com as pessoas, comprasse produtos e comesse em restaurantes. Depois, o segredo está em encontrar a maneira de traduzir a experiência estrangeira para uma versão que satisfaça o gosto local.

A propósito das diferentes culturas, em que países o sr. mais vê emergir os próximos fornecedores de produtos do novo luxo?

A maioria das empresas dedicadas ao novo luxo se originou nos Estados Unidos. Mas o fenômeno se estendeu e agora há participação ativa de empresas do Reino Unido, como a Burberry; da Escandinávia, como a Saab; e também da China, Japão, México, Brasil e Argentina, entre outros países. A América Latina, e o Brasil em particular, são considerados centros de moda. As empresas latino-americanas têm grande oportunidade na exportação de produtos de arte decorativa e móveis, por exemplo.


Fontes: Youtube, Wikipedia e Revista HSM por Viviana Alonso