A marca eBay: o peso da confiança

Essa reportagem mostra como uma idéia simples e forte, com um gerenciamento impecável e uma comunidade unida fizeram da eBay um grande sucesso da internet nos Estados Unidos.

logotipo logomarca ebay

Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três… Que nada! Isso é leilão do tempo da carochinha. No universo da Internet, há uma empresa que, além de inventar a si mesma, reinventou a atividade “leilão”, transformando-a em um setor inteiramente novo. E mais: encontrou a dimensão exata dos negócios eletrônicos e, ao aproveitar lições comerciais tiradas de sólidas empresas de fora da Web, cresceu enquanto os negócios virtuais desmoronavam a seu redor. Essa empresa se chama eBay.

Nascida em 1995 com o nome de AuctionWeb, a eBay foi, no início, um modesto site de leilões que Pierre Omidyar criou para satisfazer as necessidades dos colecionadores dos mais diversos objetos. Sua repercussão foi tão impressionante que logo o negócio ultrapassou todos os seus limites, superando as expectativas do fundador e convertendo-se no maior, mais popular e mais bem-sucedido mercado on-line do mundo.

A proposta de negócios da eBay congrega uma série de elementos que a diferenciam de qualquer mercado preexistente:

  • É um mercado aberto, ao qual qualquer pessoa pode ter acesso e no qual não importa a experiência anterior em atividades comerciais nem o porte da transação.
  • Podem-se fazer negócios a qualquer momento e a distância (com limitações óbvias, relacionadas ao alcance atual da Internet e à cobertura geográfica da eBay).
  • Oferece uma gama incrível de produtos (de brinquedos a equipamentos para empresas).
  • Os usuários são o coração do negócio e parte de uma grande comunidade.
  • A experiência é apresentada ao consumidor de modo dinâmico, divertido, original.
  • A confiança do usuário em um sistema embasado na interação entre pessoas que não se conhecem é a chave de sua permanência.

A empresa mudou a vida de milhões de pessoas, oferecendo-lhes um espaço onde, além de vender ou comprar todo tipo de artigo, podem comunicar-se e criar laços que ultrapassam a esfera comercial.

O impulso inicial

Interessado nas possibilidades da Internet para implementar um mecanismo de mercado mais eficiente e justo, Pierre Omidyar, graduado em sistemas na Tufts University, de Boston, Massachusetts, procurou criar um sistema que fosse acessível a qualquer pessoa e no qual os próprios compradores e vendedores estabelecessem o valor das mercadorias. Conta a lenda que Omidyar também procurou facilitar para sua mulher, colecionadora dos populares porta-pastilhas conhecidos como “Pez Dispensers”, a possibilidade de adquiri-los e trocá-los.

Em setembro de 1995, surgiu a AuctionWeb, um modesto site de leilões sem fins lucrativos, dirigido basicamente para colecionadores e pequenos comerciantes, concebido quase como um hobby por seu fundador, que trabalhava durante o dia na empresa General Magic. Era uma espécie de “mercado das pulgas” virtual.

O mecanismo idealizado por Omidyar era simples, fácil de compreender e totalmente afinado com o poder da Internet, pois consistia em esquecer o estoque e os depósitos para simplesmente criar um mercado on-line onde oferecer ou encontrar um produto.

Com a propaganda boca a boca, a proposta de um mercado de livre acesso se difundiu tão rapidamente que precisou introduzir mudanças. Começou a cobrar pequenas tarifas para pagar o site e incorporou sistematicamente novas categorias de produtos. Compreendeu, ao mesmo tempo, que precisava de colaboradores que compartilhassem seus valores e se comprometessem com a empresa.

A chegada de Meg Whitman, em 1998, estabeleceu um marco. Foi o momento em que a eBay deixou de ser um pequeno empreendimento para converter-se em uma empresa plenamente desenvolvida, dirigida em muitos aspectos com a racionalidade de uma empresa física. Poucos anos depois, o colapso da Internet iria oferecer-lhe a oportunidade de demonstrar que seu negócio era consistente e confiável.

Hoje, com cerca de 6,9 mil funcionários, faturamento anual de US$ 3,27 bilhões em 2004, o que representa um aumento de 51% em relação a 2003, lucro de US$ 778,2 milhões no mesmo ano e a expectativa de vender US$ 4,3 bilhões em 2005, é uma grande e sólida empresa que opera na Nasdaq e está presente em quase 30 países, diretamente ou por meio de parcerias, como no caso do Brasil.

Um sistema bem-sucedido

Durante 24 horas por dia, sete dias por semana, a eBay fornece um serviço que consiste em uma plataforma de comércio on-line completamente automática e fácil de usar. Os vendedores podem listar os produtos que desejam oferecer e optar pelas modalidades de leilão ou preço fixo. Os compradores podem navegar pelas listas de produtos com imensa variedade de categorias e escolher a forma pela qual querem efetuar sua experiência de compra.

O negócio da eBay se apóia no pagamento de tarifas por todas as transações, inclusive as menores. As comissões são pagas apenas pela parte vendedora, o que é feito em duas oportunidades: quando lista seu produto (a tarifa varia de acordo com a forma de apresentação) e quando a transação se concretiza (a eBay arrecada uma percentagem sobre o valor final estabelecido pelas partes).

A fórmula é bem simples: proporcionar um mercado virtualmente mundial e cobrar uma comissão sobre as transações à medida que elas se concretizem. Deixar que os compradores cheguem até onde estão os vendedores e vice-versa. E que sejam eles a decidir como querem oferecer ou adquirir os produtos, a que preço e sob que condições de pagamento e de envio.

A tarefa da eBay? Proporcionar um ambiente seguro, eficiente e prazeroso, em que os clientes se movimentem com plena liberdade. Para esse fim, o site oferece serviços adicionais como a plataforma de pagamento eletrônico PayPal, um sistema que atua como intermediário e oferece aos usuários uma forma mais segura e conveniente de enviar ou receber os pagamentos, a partir do registro de seus dados bancários.

O grande salto

Margaret Whitman estava no esplendor de seus 40 anos quando, no fim de 1997, assumiu a direção executiva do portal. Sua experiência em empresas de tecnologia era mínima, mas seus antecedentes impressionavam. Nascida em Nova York, formou-se em economia em Princeton e tinha completado um MBA em Harvard. Sua carreira teve início na Procter & Gamble, onde aprendeu muito do que aplicaria na eBay –por exemplo, que o cliente devia ocupar um lugar central. Mais tarde dirigiu o marketing da divisão de produtos de consumo da Walt Disney, trabalhou oito anos na consultoria de estratégia da Bain & Company e conduziu a divisão de pré-escolares da Hasbro Toys.

Só depois de compreender que a pequena empresa de Internet de Omidyar tinha um poder de funcionalidade único e um sentido de comunidade sem precedentes, Whitman decidiu aceitar a oferta de emprego. Ao fazê-lo, ela e sua família abandonaram Boston e retornaram à Califórnia, onde já haviam morado. Omidyar não errou em colocá-la na direção da empresa. Na mão de Meg, a eBay deu o grande salto, até converter-se na empresa mais valiosa da Internet. Em setembro de 1998, a empresa lançou sua IPO (oferta pública inicial de ações). O preço fixado para cada ação, US$ 18, triplicou durante o pregão, para terminar fechando em US$ 47. Após a bem-sucedida explosão no mercado de capitais, os executivos da eBay chegaram à conclusão de que o crescimento não podia continuar apoiado exclusivamente nos pequenos usuários de leilões. A empresa tinha de evoluir para uma verdadeira plataforma comercial.

Meg Whitman viu a oportunidade de transformá-la em um local de compra muito maior e para todos os usos. Queria que a eBay se tornasse a primeira opção na hora de fazer compras, objetivo que até então apenas uma empresa de tijolo-e-cimento como o Wal-Mart poderia pleitear.

O segredo de Meg

Longe de ser o protótipo de empresária da nova economia, Meg Whitman cultiva a simplicidade, tanto na aparência como no trato. De caráter decidido, embora tranqüilo, ama seu trabalho. Age convencida do que faz, mas é respeitosa e suave ao induzir os outros a seguila. E tem interesse genuíno em entender os membros da comunidade virtual, saber de onde provêm e averiguar o que desejam vender ou comprar.

Embora estabeleça metas ambiciosas para a eBay e assuma os riscos, ela nunca perde a modéstia. Costuma dizer que se considera uma “executiva de nível 5”, uma das categorias de administradores criadas pelo especialista Jim Collins, autor do clássico best seller Feitas para Durar. Esse nível corresponde aos líderes humildes e pouco carismáticos, mas muito decididos e que dão muito crédito a seus subordinados.

Whitman não cultua o poder, mas o entende da mesma forma que A.G. Lafley, presidente da Procter & Gamble e devotado admirador seu: poder tem a ver com a capacidade de construir um círculo de infl uência a seu redor. Ela prefere dar às pessoas oportunidades para que atuem, em lugar de dirigi-las. Aqueles que trabalham com Meg afirmam que ela irradia confiança. E é exatamente a confiança que constitui um dos fundamentos do negócio da eBay.

Meg é fanática por estatísticas, sempre propensa a medir tudo o que a rodeia. Acredita que aquilo que não pode ser medido também não pode ser controlado. Sob sua influência, a eBay utiliza uma abordagem de negócios muito disciplinada, ainda que dentro de um quadro de informalidade, típico das empresas da Internet.

Dores do crescimento

A identidade original da eBay –um mercado de colecionadores e pequenos comerciantes – foi-se transformando à medida que o negócio crescia e o portal começou a abrir-se para as grandes empresas. Isso alterou a convivência com a comunidade, dominada numérica e historicamente pelos pequenos negócios. No princípio de 2002, muitos usuários se queixavam de que já não era o lugar utópico em que todos podiam prosperar. As tarifas haviam aumentado e a empresa parecia não prestar muita atenção a seus clientes mais fiéis.

A resposta da eBay foi programar uma série de conferências para usuários, a primeira das quais se realizou em junho do mesmo ano na cidade californiana de Anaheim. Por esses contatos, a empresa ratificou seu compromisso com a comunidade de usuários e deixou claro que os interesses da empresa e de sua comunidade eram os mesmos. Também conseguiu convencê-los de que as novas iniciativas, como a incorporação de marcas e a opção de venda sob preço fixo, beneficiavam tanto os grandes como os pequenos fornecedores.

O mapa competitivo

Na época em que Meg Whitman se integrou à eBay, várias empresas, entre elas a OnSale.com, ameaçavam o negócio –até o Yahoo! e a Amazon tinham começado a promover leilões. Com o tempo, a maioria delas abandonou seus projetos e hoje a eBay não tem nenhum grande rival mundial, apenas concorrentes de nicho: o Yahoo! conseguiu posicionar-se com sucesso em leilões on-line, mas somente em alguns mercados geográficos; a Amazon se limita ao mercado dos livros usados; a AutoTrader, ao dos automóveis de segunda mão; a Ticket Master, ao da compra e venda de entradas a espetáculos, e assim outros mais. Essa ausência de concorrentes globalizados é que permite a Meg Whitman afirmar que não existe um setor de mercados on-line.

Os analistas consideram a eBay a única empresa que explorou inteligentemente o imenso potencial da Internet (correio eletrônico, diretório de mensagens, comunidades virtuais). Com uma quantidade mínima de funcionários para uma empresa de suas dimensões financeiras e geográficas e alta rentabilidade apoiada na ausência de estoque, é vista pelos próprios diretores como uma empresa do futuro. Seu modelo de negócio “generalista” é mais sustentável e consistente que a maioria dos modelos de Internet, baseados em assinaturas.

stand feira peg beauty

E o site se inspira em empresas do mundo físico. As grandes categorias (brinquedos, automóveis, itens de colecionador) são gerenciadas pela eBay tal como a Procter & Gamble administra, por exemplo, seu sabão em pó. Cada transação e cada cliente são acompanhados com o mesmo cuidado que o exercido pelos executivos do Wal-Mart.

Pierre Omidyar diz, entretanto, que a eBay não é uma empresa, mas sim um “sistema complexo adaptável” –como os mercados financeiros ou o clima–, capaz de redefinir-se permanentemente.

O valor de uma comunidade

Entre o final de 2004 e o início de 2005, a eBay alcançava as impressionantes cifras de 135,5 milhões de usuários registrados confirmados e 56,1 milhões de usuários ativos (aqueles que listaram um produto, pelo menos, nos 12 meses anteriores). Os novos usários em 2004 foram 404,6 milhões, um aumento de 43% sobre o ano anterior.

Os pequenos comerciantes continuam sendo a base dessa comunidade leal e estável, que é, para a empresa, a alma de seu negócio. Existe, por isso, a preocupação sistemática em ampliá-la e satisfazê-la e também em promover zonas de diálogo entre seus membros. Um dos mecanismos criados para fazer com que os usuários continuem confiando nesse sistema baseado na interação entre estranhos é o “Fórum de Feedback”, um espaço para resolver conflitos, receber ajuda e estabelecer vínculos.

Ali os usuários podem conferir pontos a seus companheiros comerciais, o que permite que cada membro da comunidade possua uma reputação em função de como foi avaliado pelos outros. As normas e valores que regem essa comunidade se inspiram na filosofia de vida de Omidyar, que enxerga as pessoas como boas em princípio.

O ideal da empresa é que seus membros compartilhem esses valores e consigam interagir em um ambiente franco e aberto, em que todos se respeitem e tentem se entender. Quando os diretores da eBay precisaram estabelecer seu próprio canal de comunicação com os usuários, criaram as conferências e mesas-redondas, em alguns casos com comparecimento pessoal, possibilitando aos clientes analisar a gestão da empresa e aprender sobre as técnicas de venda on-line.

A existência dessa comunidade ativa e participativa reduz os custos de apoio e de marketing, incentiva a fidelidade dos clientes e alimenta o impulso da empresa para novos mercados.

A meta da expansão

O principal objetivo da eBay é ampliar sua comunidade de usuários em um espaço geográfico cada vez mais estendido e interconectado. É o que consegue, mediante:

Criação de mercados on-line locais.

A expansão de seu negócio ocorre tanto dentro dos Estados Unidos, onde no princípio de 2000 já cobria as 50 maiores áreas metropolitanas, como no exterior. Na América Latina, a associação estratégica com o MercadoLivre possibilitou que se instalasse em oito países da região: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Uruguai e Venezuela. Na Ásia, região prioritária para a empresa, a eBay está investindo bastante, e com boas perspectivas, no mercado chinês; tenta recuperar, no Japão, a liderança perdida em 2002 para o Yahoo!; investiu na Internet Auction para ganhar o mercado da Coréia do Sul e concluiu a aquisição do mercado on-line Baazee.com, na Índia, em 2004, por US$ 50 milhões. Mas a maior oportunidade externa para a empresa continua a ser a Europa, única região do mundo com um potencial para a eBay similar ao dos Estados Unidos.

Aquisições.

Em outubro de 2002, a eBay adquiriu, por US$ 1,5 bilhão, a plataforma de pagamento eletrônico PayPal. A decisão de Meg Whitman não foi compartilhada por sua equipe de management. Entretanto, capaz de atuar às vezes contra o que aconselha o sentido comum, a presidente concretizou a operação e hoje a eBay tem como objetivo básico estender o sistema PayPal a todas suas filiais. Nesse mesmo ano, a eBay adquiriu o mercado on-line de preços fixos Half.com, para ampliar as opções de compra e venda dentro de sua comunidade.

Atualização da arquitetura de TI.

Em junho de 1999 uma sobrecarga de tráfego paralisou o site durante 22 horas. A partir de então, o diretor de operações, Maynard Webb, desempenha papel-chave na atualização da arquitetura de tecnologia da informação.

Para continuar pensando

Como explicar a dimensão do êxito da eBay? Só pela liderança de uma pessoa excepcional como Meg Whitman? Pela concepção inovadora de Pierre Omidyar de um mercado mais justo e eficiente? Pelo uso do melhor canal de comunicação (Internet) da história? Pela construção de uma poderosa comunidade de usuários, que encontram em um mercado on-line a forma de se relacionar com os outros?

Certamente o êxito da eBay não se reduz a nenhum desses elementos, mas engloba todos. Ninguém concebe hoje a empresa sem qualquer um desses pontos fortes, o maior dos quais talvez seja a presença de uma pessoa como Meg Whitman para harmonizá-los e erguer um mercado inesgotável (lembre o slogan “Se existir, está na eBay”). Por isso, muitos se perguntam o que acontecerá à eBay no dia em que Meg se for.

Entretanto, não parece haver riscos imediatos para a plataforma do maior mercado online do mundo, uma vez que o management continua atento às vozes de seus milhões de usuários. Eles, por seu lado, continuarão alimentando-a com sua fonte de energia mais valiosa, a confiança.


Fonte: Revista HSM Management – colaboradora Laura Babini