A era do capitalismo do cliente

Nas últimas décadas, a grande prioridade de executivos foi maximizar o valor ao acionista. Mas há indícios de que o investidor ganha mais quando o cliente vem em primeiro lugar.

O capitalismo moderno pode ser dividido em duas grandes eras. A primeira, a do capitalismo gerencial, comecou em 1932 e foi definida pela tese entao radical de que toda empresa deveria ter uma gestao profissional.

A segunda, a do capitalismo do valor ao acionista, teve inicio em 1976 e é regida pela premissa de que a finalidade de toda empresa deve ser maximizar a riqueza dos acionistas. Se a iniciativa privada tiver tal meta, reza a tese, tanto acionistas como a sociedade se beneficiarão. É uma premissa tragicamente falha. E hora de abandoná-la e de inaugurar uma terceira era: a do capitalismo voltado ao cliente.

Dois marcos na administração

  1. Em 1932, Adolf A. Berle e Gardiner C. Means publicaram o clássico The Modern Corporation and Private Property. No tratado, sustentavam a tese revolucionaria de que a gestao da empresa deveria ser entregue a administradores profissionais.
  2. Quando Michael C. Jensen e William H. Meckling publicaram o artigo “Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure” no Journal of Financial Economics, em 1976, “maximizar o valor ao acionista” virou o novo mantra de empresas.

As duas primeiras eras foram, ambas, anunciadas por um influente trabalho acadêmico. Em 1932, Adolf A. Berle e Gardiner C. Means publicavam A Moderna Sociedade Anonima e a Propriedade Privada, o clássico tratado no qual sustentam que a gestão deveria ser desvinculada da propriedade.

A partir dali, o mundo empresarial americano deixaria de ser dominado por presidentes proprietários como os Rockefeller, os Mellon, os Carnegie, os Morgan. Empresas seriam tocadas por terceiros — por uma nova classe de dirigentes profissionais. Segundo Berle e Means, não havia por que temer esse movimento, que era parte de uma admirável nova era de expansão econômica (que, a bem da verdade, levaria alguns anos para começar devido a Grande Depressão).

É claro que o presidente-proprietário não desapareceu de vez. Mas a sala do presidente passou a ser dominada por executivos profissionais. Empreendedores tinham todo incentivo a criar um negócio novo, mas o sensato seria entregar a gestão a profissionais — gente mais confiável, menos volátil — assim que a empresa atingisse porte considerável.

Foi entao que, em 1976, o capitalismo gerencial recebeu uma crítica feroz: o tratado “Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure”, publicado no Journal of Financial Economics.

A obra, o mais citado artigo acadêmico sobre administração de todos os tempos, sustentava que os proprietários vinham sendo menosprezados por administradores profissionais, que priorizavam o próprio bem-estar financeiro, e não o de acionistas.

Era algo ruim para o acionista e um desperdício para a economia, Jensen e Meckling sustentaram; executivos estavam dilapidando recursos da empresa e da sociedade para rechear os próprios bolsos.

Sua crítica inaugurou a era atual do capitalismo. Presidentes de empresa rapidamente viram a necessidade de jurar fidelidade a “maximização do valor ao acionista”. Conselhos de administração logo passaram a encarar, como seu papel, alinhar os interesses da alta diretoria com os de acionistas, usando para tanto a remuneração em ações. O acionista não seria mais prejudicado — o acionista seria rei.

Os dois personagens mais cruciais do movimento pelo acionista foram, talvez, Roberto Goizueta, presidente da Coca-Cola de 1981 até sua morte, em 1997, e Jack Welch, presidente da General Electric de 1981 a 2001. Um discurso proferido por Welch no Pieire Hotel em Nova York meses após subir ao posto e visto por muitos como a verdadeira aurora da era do valor ao acionista.

Embora Welch não tenha usado essa expressão explicitamente, o discurso marcou a clara adoção de um foco primordial no lucro. Os dois executivos defendiam abertamente que a empresa se concentrasse no valor ao acionista e ambos receberam volumes jamais vistos de remuneração baseada em ações. Goizueta foi o primeiro executivo americano a ficar bilionário com a participação numa empresa que não fora fundada nem tivera seu capital aberto por ele. E calcula-se que Welch tivesse ate US$ 900 milhões em ações da GE no momento em que deixou a empresa.

Uma lógica falha

A situação do acionista realmente melhorou depois que o administrador profissional foi expulso do centro do universo empresarial? A resposta é não. De 1933 ate o final de 1976, quando o investidor supostamente era menos prioritário do que o gestor profissional, acionistas de empresas do S&P 500 tiveram retorno real composto de 7,6% ao ano.

De 1977 ao final de 2008, o resultado foi bem pior, com retornos reais de 5,9% ao ano. Se alterarmos a data inicial e final dos dois períodos, há paridade entre as taxas de desempenho resultantes. Mas nada indica que o acionista ganhou mais quando seus interesses vieram em primeiro lugar. Com base nisso, e difícil sustentar que Jensen e Meckling fizeram um grande favor ao investidor.

Para o presidente da Intel, Paul Otellini, “dar ao consumidor novas razões para comprar” é a melhor resposta a recessão. Ele não está sozinho. Pesquisa recente realizada pela Boston Consulting Group descobriu que 25% das companhias afirmam que inovação é prioridade número 1; 64% dos executivos seniores dizem que inovação é uma das três prioridades estratégicas; e 58% dos executivos planejam aumentar seus investimentos em inovação em 2009.

A pesquisa foi feita no pior momento da recessão, mostrando que as empresas finalmente sentem a importância da inovação, que estão gastando mais dinheiro em inovação. Até o presidente Barack Obama acredita nisso. Recentemente, ele disse a nação americana: “Agora que conseguimos nos afastar do pior, o desafio é descobrir como crescer de forma sustentável”. A resposta, diz Gibson, é inovação.

Contraintuitiva, essa resposta precisa vir acompanhada de uma pergunta provocativa: se o acionista era a única prioridade, pensar apenas em elevar o valor ao acionista seria a melhor maneira de garantir que esse investidor saísse ganhando?

Creio que a resposta a essa pergunta também é não. Conforme mostrarei, para gerar valor ao acionista a meta deve ser outra: maximizar a satisfação do cliente. Em outras palavras — e ninguém deve se surpreender com isso —, Peter Drucker tinha razão quando disse que o grande propósito de uma empresa é conquistar e preservar clientes.

Calma lá, diria o leitor. Por que não adotar a dupla meta de maximizar tanto a satisfação do cliente como o valor ao acionista? Infelizmente, como sustenta a teoria da otimização, não há como otimizar duas coisas distintas simultaneamente — ou seja, maximizar duas variáveis desejáveis ou minimizar duas variáveis indesejáveis. É possível maximizar o valor ao acionista dado um limiar mínimo de satisfação do cliente, ou maximizar a satisfação do cliente dado um limiar mínimo de valorização do investimento do acionista, mas não há como maximizar ambos (veja o quadro “Por que só pode haver um objetivo”).

Embora o conceito da maximização do valor ao acionista sempre tenha sido atraente em sua elegância, convertê-lo em realidade provou-se complicado para o gestor. Devido a forma como o valor ao acionista é gerado, a dificuldade e inevitável. Examinemos essa questão mais detidamente.

Não há como otimizar duas coisas distintas ao mesmo tempo — ou seja, maximizar duas variáveis desejáveis ou minimizar duas variáveis indesejáveis.

Todo acionista tem um direito residual sobre ativos e lucros da empresa, o que significa que fica com o que sobra depois que todos os demais — funcionários e seus planos de previdência, fornecedores, instâncias de arrecadação de impostos, detentores de dívida e titulares de ações preferenciais (se houver) — forem pagos. O valor de suas ações, portanto, é o valor descontado de todos os fluxos de caixa futuros após subtraídas essas obrigações.

Já que o futuro é uma incógnita, potenciais acionistas devem estimar qual será o fluxo de caixa; suas expectativas coletivas sobre o futuro determinam a cotação do papel. Qualquer acionista que achar que o valor descontado do retorno futuro das ações será menor do que a cotação presente vai vender as ações. Qualquer potencial acionista que espere que o valor descontado futuro vá superar a cotação atual vai comprar ações.

Isso significa que o valor ao acionista não tem quase nada a ver com o presente. Aliás, o resultado corrente tende a ser uma pequena fração do valor de ações ordinárias. Na ultima década, a relação preço/lucro anual média do S&P 500 foi de 27x, o que significa que o resultado corrente representa menos de 4% do valor das ações.

É claro que se as expectativas sobre o desempenho futuro de uma empresa forem otimistas o retorno ao acionista será elevado. No segundo semestre de 2009, as ações da Google foram negociadas a múltiplos próximos a 35x, pois todos achavam que a receita da empresa e sua importância continuariam crescendo.

Já as ações da Exxon Mobil eram negociadas a um múltiplo próximo a 12x, pois o investidor estava pessimista sobre o futuro a longo prazo do setor petrolífero.

Para o gestor, as implicações desse fato são claras: a única forma garantida de aumentar o valor ao acionista é elevando as expectativas sobre o desempenho futuro da empresa. Infelizmente, não há como a gestão fazer isso indefinidamente. Investidores vão olhar para os bons resultados, se animar e elevar suas expectativas a um nível que quem dirige a empresa a certa altura não terá mais como honrar.

Com efeito, já está bastante provado que o investidor fica excessivamente animado com boas perspectivas e excessivamente desanimado com perspectivas ruins. É por isso que o mercado acionário e muito mais volátil do que o resultado das empresas nele negociadas. No final de 2001, a relação preço/lucro do S&P 500 atingiu um patamar estonteante — 46x —, pois o investidor achava que o mundo empresarial chegara a um “novo paradigma”. Mas, finda a euforia, o múltiplo caiu para 19x e por ali ficou ate 2007, antes de subir para 25x as vésperas do tombo nas bolsas em 2008.

A maioria dos executivos se dá conta disso; acaba entendendo que a geração e a destruição do valor ao acionista são cíclicas e, pior ainda, fogem a seu controle. E possível promover breves saltos no valor ao acionista, mas ao fim de um certo prazo os preços cairão novamente. Muitos executivos investem em estratégias de curto prazo na expectativa de cair fora antes da queda inevitável — e, muitas vezes, criticam seu sucessor por não evitar um declínio que e predeterminado. Ou, então, derrubam as expectativas para poder aumentar o valor ao acionista por um longo período de tempo, reiteradamente (normas contábeis sobre ativos intangíveis e o goodwill tornam, no entanto, a tentativa de reduzir as expectativas extremamente onerosa; veja o quadro “Normas contábeis são parte do problema?”). Em outras palavras, por não poder vencer o jogo que é obrigado a jogar, o presidente da empresa muda o jogo para poder vencer.

É por isso que a meta da maximização do valor ao acionista e o método de remuneração que a acompanha são ruins para o acionista. O próprio executivo encarregado de atingir a meta sabe que será impossível. Um executivo de talento pode elevar a participação de mercado e as vendas, aumentar margens e empregar o capital de forma mais eficiente, mas, por melhor que seja, será incapaz de elevar o valor ao acionista se as expectativas perderem contato com a realidade. Quanto mais um presidente for pressionado a aumentar o valor ao acionista, maior será a tentação a fazer coisas que, na verdade, prejudicam o investidor.

Peguemos Jack Welch, símbolo da maximização do valor ao acionista. Um de seus feitos foi ter transformado a GE de empresa avaliada em US$ 13 bilhões em 1981 num colosso com valor de mercado de US$ 484 bilhões no ano de sua aposentadoria, 2001. Para seguir turbinando o valor ao acionista, no entanto, Welch teve de fazer a empresa crescer cada vez mais.

ge general electric logotipo

O maior motor de crescimento ao seu dispor era um braço a princípio insignificante chamado GE Capital, que ao fim de sua carreira respondia por cerca de metade do lucro da GE. Em 2009, contudo, a empresa teve de dar pesadas baixas contábeis ligadas a GE Capital; a certa altura, seu valor de mercado caiu aos US$ 75 bilhões (isso foi no início do ano, no entanto; em setembro, o valor subira para US$ 170 bilhões). Embora o aumento de US$ 471 bilhões no valor ao acionista registrado sob a tutela de Welch tenha parecido formidável a época de sua aposentadoria — sobretudo para o investidor que vendeu naquela hora —, e questionável ate que ponto o acionista se beneficiou no longo prazo.

A história de Roberto Goizueta é similar. Quando assumiu o comando da Coca-Cola, a cotação das ações vinha há 20 anos estagnada. Goizueta aumentou o valor ao acionista por um fator de mais de 40 durante seu tempo no posto.

coca-cola mini garrafinhas

O valor de mercado da empresa atingiu o pico de US$ 180 bilhões pouco apos sua saída, mas nunca voltou a esse patamar, e seus sucessores lutam para lidar de forma produtiva com o legado de rápido crescimento e aquisição frenética registrados sob seu comando.

Deixe o cliente subir ao trono

Determinar aquilo que a clientela preza e se concentrar em sempre agradá-la é uma formula de otimização melhor. Naturalmente, há óbvios empecilhos a satisfação do cliente; a empresa rapidamente iria a falência se deixasse o cliente mais satisfeito cobrando cada vez menos por algo cada vez melhor. O que a empresa devia fazer e buscar maximizar a satisfação do cliente ao mesmo tempo que garante que os acionistas tenham um retomo ajustado ao risco aceitável sobre o investimento.

logo johnson e johnson

Peguemos a Johnson & Johnson. Sua declaração de propósito — seu “credo” — e a mais eloquente do meio empresarial e não mudou desde que o lendário presidente Robert Wood Johnson fundou a empresa em 1943. Ei-lo, em versão abreviada:

“Cremos que nossa primeira responsabilidade e para com os médicos, enfermeiras e pacientes, para com as mães, pais e todos os demais que usam nossos produtos e serviços. (…) Somos responsáveis para com nossos empregados, homens e mulheres que conosco trabalham em todo o mundo. (…) Somos responsáveis perante as comunidades nas quais vivemos e trabalhamos, bem como perante a comunidade mundial. (…) Nossa responsabilidade final e para com os nossos acionistas. (…) Ao operarmos de acordo com esses princípios, nossos acionistas devem receber justa recompensa”.

Esse credo deixa bem clara qual a hierarquia: o cliente vem primeiro e, por último, o acionista. A Johnson & Johnson acredita, no entanto, que quando a satisfação do cliente esta no topo da lista, os acionistas também sairão ganhando.

Até aqui, a aposta surtiu efeito. Vejamos o modo como um ex-presidente da empresa, James Burke, lidou com a crise do Tylenol em 1982, quando sete pessoas na região de Chicago morreram envenenadas após ingerir cápsulas adulteradas de Tylenol.

A resposta da Johnson & Johnson é considerada um caso clássico de empresa que “faz a coisa certa” independentemente do impacto sobre o lucro. As mortes se concentravam na área de Chicago, mas Burke imediatamente mandou recolher o analgésico de todas as farmácias dos EUA, embora tal providência não tivesse sido exigida pelo governo e o Tylenol representasse um quinto dos lucros da empresa. Após o recall, vendas e participação de mercado despencaram.

A única forma garantida de aumentar o valor ao acionista e elevando as expectativas sobre o desempenho futuro da empresa, o que não pode ser feito indefinidamente.

Comentaristas se disseram surpresos ao ver o presidente de uma empresa de capital aberto jogar para o alto a possibilidade de lucro e louvaram o executivo pela postura moral exemplar que assumira. É só conferir o credo, no entanto, para ver que a decisão era fruto menos de sua correção moral e mais dos objetivos claramente definidos da Johnson & Johnson.

Para muitos, Burke simplesmente seguiu o credo, como presidente ciente de seus deveres. O cliente vinha em primeiro lugar e o acionista, em quarto — e Burke agiu em conformidade com isso. Não colocou a satisfação das expectativas de lucro no trimestre no topo da lista. Na verdade, colocou esse item em último lugar.

No longo prazo, a decisão não prejudicou em nada a Johnson & Johnson. Aliás, a fidelidade ao Tylenol disparou depois que a empresa demonstrou que a segurança do consumidor estava em primeiro lugar e que lançou a primeira embalagem inviolável para medicamentos vendidos sem receita. Em setembro de 2009, o valor de mercado da empresa era de US$ 167 bilhões, o nono maior do mundo. A Johnson & Johnson parece, sim, ter garantido ao investidor de longo prazo mais do que uma “justa recompensa”.

Outras empresas também fizeram um bem ao acionista ao não colocá-lo em primeiro lugar. A P&G, a maior fabricante de bens de consumo do mundo, com o oitavo maior valor de mercado do mundo em setembro, há muito colocou o consumidor no centro do seu universo. A declaração de propósito da P&G, que foi escrita em 1986, descreve uma hierarquia incrivelmente parecida a da Johnson & Johnson:

“Iremos fornecer produtos de qualidade e valor superiores que melhorem a vida dos consumidores em todo o mundo. Como resultado, o consumidor nos recompensará com a liderança de vendas, lucros e geração de valor, permitindo que nossa gente, nossos acionistas e as comunidades nas quais vivemos e trabalhamos prosperem.”

Aqui, o aumento do valor ao acionista é um dos subprodutos do foco na satisfação do cliente; nitidamente não é a maior prioridade.

Nada disso significa que as pioneiras na busca do valor ao acionista como objetivo central de uma empresa se deram mal. Certamente não foi assim. General Electric e Coca-Cola ainda estão entre as 25 maiores do mundo em valor de mercado (6º e 22ª colocações em setembro de 2012, respectivamente). Durante as eras Welch e Goizueta, o retorno ao acionista em ambas subiu bem mais depressa do que o índice S&P 500 — o retorno total ao acionista na GE cresceu a uma taxa anual composta de 12,3%, ante 10% para o S&P 500; o da Coca foi de 15%, comparado aos 10,8% do S&P 500.

Nenhuma delas, no entanto, gerou mais valor ao acionista no longo prazo do que empresas importantes que dizem ao acionista, de forma inequívoca, para se colocar no fim da fila. Johnson & Johnson e P&G criaram, em seus respectivos setores, mais valor ao acionista do que qualquer outra empresa.

E, quando comparadas diretamente com a GE no período apos Welch virar presidente, voltam a reluzir: o retorno subiu a uma taxa anual composta de 15,2% na P&G, de 14,5% na Johnson e de 12,3% na GE. O desempenho da Johnson e o da P&G foram praticamente iguais ao da Coca-Cola, com taxa de crescimento anual composta de 15% e 14,6%, respectivamente, ante os 15,1% da Coca-Cola no período apos a nomeação de Goizueta para a presidência.

Quanto mais o presidente for pressionado a aumentar o valor ao acionista, maior sera a tentação a fazer coisas que, na verdade, prejudicam o investidor.

Princípio em ação

Por que e que empresas que não pensam apenas em maximizar o valor ao acionista dão retornos tão impressionantes? Porque seu presidente fica livre para se concentrar no negócio em si, e não na gestão de expectativas de investidores.

Quando assumiu a presidência da P&G, A.G. Lafley ficou a vontade, dentro do contexto da cultura da empresa, em dizer aos acionistas que as coisas continuariam a piorar no curto prazo, pois a P&G precisava resolver uma serie de fundamentos do negócio, o que levaria tempo. A maioria dos executivos hesitaria em dar tal recado a Wall Street e tentaria soluções rápidas, em vez de significativas. E a maioria dos conselhos desencorajaria, ou ate proibiria, uma mensagem com esse teor ao público investidor.

O sinal mais revelador do novo status do acionista na P&G talvez tenha sido a decisão de Lafley de retirar as telas que exibiam a cotação das ações da empresa da sede. A parafernália tinha sido instalada por toda a matriz pelo presidente anterior para incentivar o pessoal a se concentrar na geração de valor ao acionista. Lafley não é, obviamente, o único a perceber a importância de gestos simbólicos como esse. A Research in Motion, empresa que fabrica o popularíssimo BlackBerry, fez algo semelhante (veja o quadro”Donuts e BlackBerrys”).

Outra diferença importante está na remuneração. Quando a empresa não pensa apenas em aumentar o valor ao acionista, o conselho de administração normalmente não distrai o presidente com uma remuneração baseada em ações voltada ao curto prazo ou realizada na aposentadoria.

Uma recompensa de curto prazo incentiva o presidente a administrar expectativas de curto prazo em vez de promover o progresso real. E a recompensa que depende da cotação no momento da aposentadoria faz com que o líder pense apenas nessa linha de chegada.

Se, como um maratonista, a empresa cair ao chão após cruzar essa linha, o problema já é de outro. Basta olhar para um gráfico com a evolução histórica da cotação da GE para ver o impacto da remuneração em ações de Welch (remuneração atrelada à data da aposentadoria).

É patente que seu sucessor, Jeffrey Immelt, herdou uma empresa com problemas clássicos associados à fixação na linha de chegada. Ainda que sua gestão seja excepcional, Immelt tem pouca chance (ou nenhuma até) de levar o valor ao acionista de volta a onde estava quando assumiu.

A empresa deve tentar maximizar a satisfação do cliente ao mesmo tempo em que garante um retorno aceitável para o investidor.

Já a estrutura de remuneração de Lafley na P&G indicava uma empresa cuja cultura buscava maximizar a satisfação do cliente. Cerca de 90% da remuneração total do executivo era em opções de ações ou ações restritas. Embora hoje em dia isso não seja incomum para presidentes de empresas nos EUA, essas opções tinham carência particularmente longa — três anos — e as ações só podiam ser negociadas dois anos depois disso. Lafley também decidiu manter as opções pelo dobro do tempo exigido e vender ações somente obedecendo às restrições de um programa de venda planejada.

Quanto às ações restritas, que representavam parte considerável da remuneração variável de Lafley, nenhuma podia ser exercida antes da aposentadoria ou no momento desta. O período de exercício do direito terá inicio um ano após a aposentadoria e se estendera por dez anos.

Se tivesse agido para que as expectativas do investidor chegassem ao ápice no momento de sua aposentadoria (apenas para cair em seguida), Lafley teria ferido a própria remuneração. Logo, durante todo seu mandato como presidente, teve incentives para preparar a empresa para um future longínquo, cultivar um grande sucessor e deixar a P&G em excelente condição.

Muitos executivos se oporiam a um regime de remuneração como o de Lafley, sob a tese de que seriam injustamente expostos aos erros de seus sucessores. E aí que entra a cultura.

O sistema de remuneração da P&G seria de fato injusto numa cultura na qual a remuneração é baseada em ações e voltada ao curto prazo, na qual e “cada um por si”. Já que numa cultura dessas e difícil instalar uma remuneração menos imediatista, a cultura inevitavelmente segue sendo a do “cada um por si”. No entanto, numa cultura voltada a servir o cliente, uma estrutura de compensação como a de Lafley faz muito sentido e não e difícil de instalar — e reforça condutas que geram real valor a longo prazo.

Mesmo quando a maximização do valor ao cliente é a meta maior, a cultura é a certa e há períodos bastante longos de carência na remuneração com base em ações, o canto da sereia da maximização do valor ao acionista esta sempre presente.

Na P&G, Lafley herdou um sistema que atrelava a remuneração de altos executivos ao retorno total ao acionista (RTA), definido como o aumento na cotação das ações mais dividendos (se reinvestidos em ações) durante um período de três anos. Segundo o sistema, que tinha um ano de vida, o RTA da P&G seria comparado ao de um grupo de empresas similares; se o seu estivesse situado na metade superior do grupo, os executivos receberiam um bônus.

Lafley, no entanto, rapidamente notou que um belo RTA num ano normalmente era seguido de um fraco desempenho no ano seguinte, pois um elevado retorno total ao investidor era produzido por um salto pronunciado em expectativas — algo que simplesmente não havia como repetir no ano seguinte.

Lafley concluiu que o aumento no valor ao acionista tinha pouquíssima ligação com o desempenho real da empresa e muito a ver com a imaginação fértil de investidores e toda sua especulação sobre o futuro da empresa.

Essa revelação levou Lafley a adotar outro critério para o bônus. Em vez do RTA, usaria algo chamado RTA operacional, que é baseado numa combinação de três indicadores do verdadeiro desempenho operacional: crescimento das vendas, aumento da margem de lucro e aumento da eficiência do capital.

Lafley achava que se a P&G satisfizesse seus clientes, o RTA operacional subiria e a cotação das ações avançaria por si só a longo prazo. Alem disso, o RTA operacional e um indicador que os diretores de unidades da P&G podem realmente influenciar, ao contrario do RTA definido pelo mercado.

Uma recompensa de curto prazo incentiva o presidente a administrar expectativas de curto prazo em vez de promover o progresso real.

É claro que nem toda empresa que coloca a satisfação do cliente em primeiro lugar será uma Procter & Gamble ou uma Johnson & Johnson. Mas creio piamente que se mais empresas fizessem do cliente sua maior prioridade, a qualidade das decisões da empresa melhoraria, pois pensar no cliente obriga a empresa a se concentrar em melhorar as operações e os produtos e serviços que oferece — em vez de ficar fabricando histórias para acionistas. Isso não significa abandonar a disciplina de custos; o motivo do lucro continuara aí.

O lucro agrada tanto a gestores como a investidores, pois quanto mais lucro a empresa tem, mais dinheiro há para pagar seus gestores. Em outras palavras, a necessidade de uma cotação saudável em bolsa e uma limitação natural a qualquer outro objetivo adotado. Se isso for o principal objetivo, no entanto, surge a tentação a trocar o ganho de longo prazo no valor (movido a operações) pelo ganho passageiro (movido a expectativas). Para que o presidente se concentre no primeiro, e precise reinventar o propósito da empresa.


Fonte: Revista Harvard Business Review, por Roger Martin