A cauda longa do mercado de massa para o mercado de nicho

Uma das características predominantes da cultura norte-americana é a obsessão pelos produtos mais vendidos: os hits. Ao desenvolvê-los, selecioná-los, falar sobre eles e acompanhar sua ascensão e queda, de certo modo somos “consumidos” por eles e fugimos de um nicho de mercado. No entanto, esses sucessos já não têm a importância econômica que tiveram, devido ao fato de os consumidores não ocuparem mais um lugar fixo no mercado, mas se voltarem para os inúmeros nichos da economia, em um fenômeno que caracteriza o comércio e a cultura de nossa época.

Os consumidores encaram de uma maneira própria, a lógica convencional dos meios de comunicação em massa e do marketing. E o espaço em que isso alcança sua máxima expressão é, sem dúvida alguma, a web.

Enquanto isso, os êxitos se converteram na perspectiva por meio da qual cada um observa a própria cultura. Definimos nossa época em função das celebridades e dos produtos do mercado de massa, que constituem o tecido conectivo de nossa experiência comum. O sistema de estrelato que Hollywood implantou há oito décadas se alastrou para os demais setores de atividade, desde o de calçados até o dos chefs. Em poucas palavras, nossa vida é governada pelos produtos consagrados.

No entanto, afirma Chris Anderson, o que começa a se revelar são a experiência e a dimensão de um novo mercado de nichos. Esse novo mercado não substitui o tradicional, baseado no sucesso, mas divide, pela primeira vez, o cenário competitivo.

Os avanços tecnológicos reduziram o custo de obtenção de produtos de nicho que sempre existiram. Na era digital, os padrões de consumo e de distribuição sofreram uma transformação radical, provocada pelo avanço da internet, que absorve cada setor de atividade que atinge.

Anderson convida o leitor a refletir sobre a adolescência da época em que rádio e televisão causavam influências envolventes no quotidiano das pessoas, e que podem ser comparadas com algo como iTunes para os jovens de hoje. É provável que esses adolescentes não diferenciem os hits dos produtos de nicho e que simplesmente selecionem o que gostam em um menu infinito, e que os filmes de Hollywood e os videogames criados pelos próprios jogadores façam parte dessa mesma lista.

A REGRA DOS 98%

O autor revela que seu livro A Cauda Longa começou com um jogo de perguntas e respostas que ele não foi capaz de resolver corretamente. Robbie Vann-Adibé, presidente-executivo da Ecast, empresa que oferece downloads de música em formato digital (o que se conhece por digital jukebox), perguntou se Anderson adivinhava que porcentagem dos 10 mil álbuns disponíveis na jukebox vendia no mínimo uma faixa por trimestre. Anderson pensou que a resposta esperada seria 20%, a partir da regra 80/20 que, acredita-se, pode ser aplicada a praticamente tudo. Segundo essa regra, há 20% dos produtos que geram 80% das vendas (e geralmente 100% de lucros).

No entanto, o negócio de Vann-Adibé era o de conteúdos digitais, que é bastante diferente de qualquer outro. Consciente de que algo estava oculto na questão, Anderson apostou que mais de 50% desses álbuns vendiam no mínimo uma faixa por trimestre. A resposta estava incorreta, já que 98% vendiam pelo menos uma faixa cada três meses. “Todos cometem esse erro”, disse Vann-Adibé para tranqüilizá-lo.

À medida que a empresa incorporava mais títulos em sua coleção, superando o estoque da maioria das lojas de discos e entrando na esfera dos nichos e das subculturas, esses títulos continuavam sendo vendidos. E quantos mais títulos ela acumulava, mais vendia. A demanda de música além dos hits parecia não ter limites. As músicas não eram vendidas em grande quantidade, mas quase todas vendiam um pouco.

Vann-Adibé descobriu que o mercado agregado da música de nicho era muito amplo e, na realidade, livre. E chamou isso de “a regra dos 98%”. Em um mundo no qual o custo de packaging é quase nulo, e o acesso a quase todos os conteúdos digitais é instantâneo, o comportamento dos consumidores é uma constante: eles vêem quase tudo que lhes é oferecido.

A observação desse fenômeno levou Anderson a descobrir uma poderosa verdade sobre a nova economia no setor de entretenimento na era digital. Com uma oferta ilimitada, já não funcionam os conceitos até agora vigentes sobre a função relativa dos sucessos e dos nichos. A escassez demanda sucessos. Se somente houver alguns poucos vazios nas estantes, o mais sensato é preenchê-los com os títulos que vendem melhor; se são esses os únicos disponíveis, as pessoas os compram. Mas, o que acontece quando há muitos vazios? -pergunta Anderson. Talvez os sucessos signifiquem um modo equivocado de ver o negócio. O que aconteceria se os “não-sucessos” fossem acrescentados em um mercado tão grande ou maior que o dos sucessos? A resposta é evidente: ele se transformaria em um dos maiores mercados do mundo.

O autor embarcou, então, em um projeto de pesquisa que o conduziu até os líderes do emergente setor do entretenimento digital, da Amazon à iTunes. Anderson descobriu que a regra dos 98% era univer-sal. Os nichos estavam emergindo como um novo mercado de enormes dimensões.

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No percurso de sua pesquisa, ele teve acesso a dados sobre o comportamento dos clientes desse setor. Quando colocou essa informação em gráfico, particularmente a que foi fornecida pela empresa de música on-line Rhapsody, percebeu que a curva era diferente de tudo o que havia visto. Começava como qualquer curva de demanda; alguns poucos sucessos decaíam muitas vezes na crista da curva, e em seguida ela caía de forma pronunciada com as faixas menos populares.

Mais interessante, explica o autor, era o fato de que a curva nunca chegava a tocar o zero. Ao alcançar a faixa de 100 mil, os downloads mensais continuavam sendo milhares. E o mesmo acontecia em 200 mil, 300 mil e 400 mil. Nenhuma prateleira podia abarcar tal quantidade de música. Enquanto o autor seguia a curva, continuava encontrando demanda. Até o final, as faixas eram baixadas somente quatro ou cinco vezes por mês; ainda assim, a curva não chegava a tocar o zero. Estatisticamente, explica o autor, esse tipo de curva recebe o nome de “distribuição de longo trajeto”. Chris Anderson concentrou-se nesse “longo trajeto”, e assim nasceu o A Cauda Longa.

MERCADOS SEM FIM

Um dos aspectos mais estimulantes da resposta avassaladora que obteve o artigo original publicado na Wired foi o amplo leque de setores nos quais suas conclusões repercutiram. O ensaio havia começado como uma análise da nova economia no setor de entretenimento e nos meios de comunicação, e o autor somente mencionava que empresas como eBay (com os artigos usados) e Google (com os pequenos anunciantes) também eram negócios do tipo cauda longa. o entanto, os leitores começaram a ver a “longa trajetória” em todas as partes, desde a política até as relações públicas, e das partituras até os esportes amadores.

Ao mesmo tempo, a análise do provedor de música on-line Raphsody permitiu que Anderson observasse mais de perto o que chama de “o mundo da abundância”.

Trata-se de um site que oferece mais de 1,5 milhão de faixas. Quando as estatísticas mensais dessa empresa são colocadas em gráfico, o que se obtém é uma curva de demanda que se parece muito com a de qualquer loja de discos: um alto atrativo para as faixas principais, que diminui rapidamente quando as faixas são menos populares.

Durante o último século, o olhar dos negócios foi direcionado para a grande popularidade dos sucessos. Anderson sugere agora uma mudança de perspectiva. Ele propõe orientá-la para o lado direito da curva, onde aparentemente não haveria nada a ser visto. No entanto, observando-se detalhadamente, é possível notar que essa trajetória que prossegue até o ápice nunca chega a zero. Essa longa trajetória de milhões de faixas que individualmente não representam grandes cifras, de forma conjunta constitui um mercado significativo, no qual, quase certamente, cada uma das faixas será vendida.

Da perspectiva de uma loja do tamanho do WalMart, a área de música pode chegar a algo em torno de 60 mil faixas. Mas, para os provedores on-line como a Rhapsody, o mercado parece não ter fim.

À medida que essa empresa acrescenta faixas, as músicas encontram uma audiência em algum lugar do mundo. Isso é a “longa trajetória”, explica Anderson. E onde tudo pode ser encontrado.

De um modo ou outro, as empresas mais bem-sucedidas da internet estão tirando vantagem disso. O Google, por exemplo, obtém a maior parte de seus recursos não com os grandes anunciantes corporativos, mas com os menores (a “longa trajetória” da publicidade). Em relação à eBay, seu negócio é majoritariamente do tipo cauda longa,já que está ajustada a produtos de nicho.

Ao superar as limitações da geografia e da escala, empresas como essas não somente expandiram seus mercados existentes, mas também descobriram novos mercados. Pela primeira vez na história, os êxitos e os nichos se encontram em um patamar de igualdade econômica. Estamos deixando de ser um mercado de massa, argumenta o autor, para nos convertermos em um mundo de nichos, definido não pela geografia, mas pelos interesses particulares.

AS FORÇAS DA “LONGA TRAJETÓRIA”

O autor oferece neste ponto uma definição sintética da teoria da “longa trajetória”. Nossa cultura e nossa economia vão deixando de se concentrar em um número relativamente pequeno de hits (produtos e mercados dominantes), que constituem o ápice da curva de demanda, para se direcionar a um elevado número de nichos que compõem a trajetória da curva. Agora que os espaços já não estão restritos às gôndolas das lojas e outras restrições de distribuição foram superadas, os bens e serviços pouco solicitados podem ter um atrativo econômico similar ao daqueles que constituem a demanda habitual.

No entanto, isso não é suficiente. A presença de milhões de nichos somente é significativa quando eles são povoados por pessoas que querem explorá-los. Anderson identifica, portanto, seis temas cruciais na “era da longa trajetória”:

  1. Em praticamente todos os mercados existem mais produtos de nichos que hits. Essa proporção está se tornando exponencialmente maior, à medida que as ferramentas de produção se tornam mais baratas e mais onipresentes.
  2. Os custos para alcançar esses nichos estão caindo dramaticamente. Devido a uma combinação de forças que inclui a distribuição digital, poderosas tecnologias de busca e uma massa crítica de penetração da banda larga, os mercados on-line estão redefinindo a economia do comércio varejista. Portanto, em muitos mercados agora é possível oferecer uma variedade de produtos largamente expandida.
  3. Mas a mera oferta de maior variedade não gera, por si só, um aumento na demanda. Os consumidores devem encontrar a forma para localizar os nichos que satisfaçam suas necessidades e interesses particulares. Há uma série de ferramentas e técnicas -desde recomendações até rankings- que são eficazes para isso. Esses “filtros” são os encarregados de orientar a demanda para toda a extensão da trajetória da curva.
  4. Uma vez que a variedade de produtos se expande largamente e há filtros disponíveis para classificaria, a curva de demanda vai se tornando horizontal. Ainda continuam existindo sucessos e nichos, mas os sucessos são relativamente menos populares, enquanto os nichos são relativamente mais populares.
  5. Todos os nichos se somam. Embora nenhum deles venda grandes cifras, existem tantos produtos de nicho, que coletivamente podem competir com os produtos mais vendidos.
  6. Quando tudo está em seu lugar, a demanda mostra sua forma natural, já desprovida das deformações provocadas pelas restrições na distribuição, a escassez de informação e as opções limitadas ao espaço das estantes.

Esse modelo está muito longe de ser impulsionado pelos sucessos, como se acreditou durante tanto tempo. O que essa nova conformação da demanda mostra é que ela é tão diversa quanto a própria população.

“A ‘longa trajetória’ é simplesmente a cultura não filtrada pela escassez econômica”, ressalta Anderson. Nada do que foi apontado mais acima acontece sem um grande motivador econômico, que nesse caso é a redução do custo de acesso aos nichos. Mas, o que é que leva esses custos a diminuir? Ainda que a resposta varie de mercado para mercado, a explicação geralmente envolve segundo Anderson, uma ou mais de três poderosas forças.

A primeira delas é a democratização das ferramentas de produção. O melhor exemplo é o computador. Hoje, graças ao computador, milhões de pessoas têm condições de fazer um curta-metragem ou um álbum de música, publicar suas idéias e difundi-las para o mundo. E a grande surpresa é que muita gente o faz.

O talento não é universal, mas se estende amplamente: “Se é dada a capacidade de criar para uma quantidade suficiente de pessoas, inevitavelmente surgirão preciosidades”. Como resultado, o universo de conteúdos disponíveis está crescendo mais rápido do que nunca. E isso é o que estende a trajetória da curva para a direita, à medida que aumenta a oferta de produtos disponíveis. Em música, por exemplo, a quantidade de novos álbuns cresceu 36% em 2005, em grande parte devido à facilidade com que agora os artistas podem gravar suas músicas e lançá-las ao mercado.

Anderson refere-se a essa força como os “novos produtores” e defende que não se deve subestimar o poder dos milhões de adeptos, que, graças à tecnologia, contam com quase as mesmas ferramentas que os profissionais para criar, descobrir e inclusive se superar.

A segunda força é a diminuição dos custos de consumo devido à democratização da distribuição. Anderson afirma que o fato de que todos podem produzir conteúdo somente faz sentido se outros puderem desfrutar isso. O microcomputador converteu cada pessoa em produtora ou editora, e a internet as transformou em distribuidoras. Com a web, o custo para chegar a mais pessoas e o maior acesso a nichos tornam a trajetória da curva mais horizontal. No livro, o autor afirma que essa força permite o surgimento de novos mercados ou “captadores”, ou seja, empresas ou serviços que reúnem grande variedade de produtos, para disponibilizá-los ao público e facilitar a busca.

A terceira força é a conexão entre a oferta e a demanda, que possibilita aos consumidores ter acesso a esses novos produtos agora disponíveis e desloca a demanda do espaço dos hits para o dos nichos. Isso pode se dar por meio de buscas no Google, recomendações de iTunes, blogs, comentários de clientes ou de outras formas. O resultado para os consumidores é claro: os custos de busca de conteúdos de nicho diminuem.

Cada uma dessas forças representa um novo conjunto de oportunidades de negócios no mercado emergente da “longa trajetória”. As ferramentas de produção democratizadas estão gerando um rápido acréscimo na quantidade de produtores. Uma economia digital extremamente eficiente está guiando os consumidores para novos mercados. E, finalmente, a capacidade de se conectar com a inteligência distribuída de milhões de consumidores -para aproximar as pessoas das coisas que mais a satisfazem- está provocando um crescimento de todos os novos métodos de recomendação e marketing, que fundamentalmente se comportam como novos geradores de tendências.

A ECONOMIA DA “LONGA TRAJETÓRIA”

Anderson se pergunta se a “longa trajetória” faz crescer o bolo ou simplesmente o corta de modo diferente. Ele acrescenta que isso implica questionar se, à medida que a quantidade de produtos disponíveis se multiplica no espaço infinito das estantes das lojas virtuais, as pessoas se sentem estimuladas a comprar mais do mesmo ou a comprar o que é menos popular. Geralmente, a resposta depende do setor. Alguns parecem ter grandes oportunidades de crescimento conforme seus nichos se tornam amplamente disponíveis.

É evidente que a atenção e o poder de gasto das pessoas são finitos. No entanto, algumas formas de entretenimento, entre elas a ampla variedade de músicas, não competem com a capacidade de atenção, o que quer dizer que é possível consumi-las enquanto se faz outra coisa.

Outros formatos de comunicação, como o texto, não podem ser consumidos mais rapidamente, mas de um modo mais eficiente e com maior satisfação, por uma pré-seleção melhor. O autor destaca a capacidade das pessoas de aumentar sua “banda larga” de informação, folheando as páginas de resultados de uma busca no Google: “Talvez eu não leia mais palavras do que costumava ler, mas é provável que sejam mais significativas para mim, devido à existência de filtros muito melhores, que pré-selecionam o que leio. Portanto, dado que as palavras são mais relevantes, minha ‘banda larga’ significativa cresceu; de certo modo, minha atenção como leitor ficou mais concentrada”.

No entanto, uma vez combinadas escassez de investimento e escassez de tempo, alguns meios pouco desafiantes podem se converter em competidores potenciais. A razão que leva as pessoas a manter a televisão ligada como música de fundo é que não custa quase nada fazê-lo, afirma Anderson. Se, por outro lado, se tratasse de um vídeo pay-per-view, possivelmente essas mesmas pessoas o transformariam no centro de sua atenção. Da perspectiva do consumidor, isso ressalta as vantagens dos serviços de assinatura do tipo “busca livre”, que oferecem uma exploração sem riscos ao longo da “longa trajetória”. No livro o autor afirma que provavelmente se consome mais quando isso não envolve um custo adicional.

A partir daí, Anderson chega à seguinte conclusão: a atenção humana pode se expandir mais que o dinheiro. O efeito principal da “longa trajetória” é transferir nossas preferências para os nichos, mas, à medida que estamos mais satisfeitos com o que encontramos, é possível que acabemos consumindo mais disso. E não necessariamente gastaremos mais com esse privilégio.

PERIGOS DO “EXCESSO DE SUCESSO”

Segundo Anderson, é preciso muito tempo para desaprender as lições do século passado sobre escassez e distribuição. Mas, entre a primeira geração que cresce sob influências da web, estamos começando a fazê-lo. Em 2001, a primeira onda de “nativos digitais” alcançou a maioridade. As crianças que, em 1995, começaram a usar a internet aos 12 anos completavam 18 e ingressavam na faixa demográfica de 18-34, muito visada pelos anunciantes. Os integrantes dessa geração, diante da possibilidade de escolher entre a infinita variedade e a fácil saída que a alternativa on-line oferece, ou ficar com o que oferece a TV a cabo, descarta a segunda. Pela primeira vez em meio século, as cifras de audiência televisiva nessa faixa etária começaram a cair.

Embora a mudança ainda seja pequena, é bem real, destaca Anderson. A audiência está migrando das emissões televisivas para a internet, em que impera a economia de nichos. Havendo maior possibilidade de escolha, eles também estão dirigindo sua atenção ao que valorizam mais. Os jovens que cresceram na era digital estão começando a recuperar sua atenção, ou ao menos a valorizá-la.

Para o autor, isso evidencia uma clara escolha que deveria ser levada em conta pela indústria do entretenimento: é preciso dar às pessoas o que elas querem. Se o que querem é um conteúdo de nicho, é necessário que isso lhes seja oferecido.

É parte da natureza humana, lembra o autor, ver as coisas em termos absolutos, branco ou preto, sucessos ou fracassos. Mas o mundo é desordenado, tem nuances e está sujeito à estatística. Esquecemos que a maior parte dos produtos não é grande sucesso de vendas; eles apenas são modestamente populares. A economia dos êxitos de venda não é a única que funciona, argumenta. Os produtos que lideram as listas de best-sellers são a exceção, não a regra.

A economia de Hollywood não é a mesma que a dos vídeos da web. No entanto, afirma Anderson, quando o Congresso dos Estados Unidos estende por mais uma década os termos das leis de copyright, a pedido do lobby Disney, o que as autoridades estão fazendo é se posicionar no alto da curva.

Porque o que é bom para a Disney não é necessariamente bom para o restante dos norte-americanos. O mesmo acontece com a legislação que restringe as tecnologias que permitem download de arquivos digitais ou a transmissão de vídeos. O problema é que a “longa trajetória” não tem um lobby, portanto, o que em geral se leva em consideração são as pressões que vêm do alto da curva.

O autor menciona outras armadilhas mentais nas quais normalmente caímos, em conseqüência de um pensamento dominado pela escassez e não pela abundância:

  • Todos querem o estrelato.
  • O dinheiro é o que motiva as pessoas.
  • Se não é um êxito, é descartável.
  • O único êxito é o de massa.
  • Se a edição é feita diretamente para vídeo, isso não tem um bom significado.
  • Se há pouca venda é porque sua qualidade é baixa.
  • Se fosse bom, seria popular.

Outra das armadilhas mentais em que se costuma cair: muitas alternativas oprimem os consumidores. Nesse caso, ainda que alguns autores sugiram que o excesso de opções sufoca o consumidor, a solução, segundo Anderson, não está em limitar a escolha, mas ordená-la para que não se tome opressiva. Quando os consumidores agem independen-temente das leis de marketing, a escolha também pode ser um caminho excelente.

VIVER EM UM MUNDO DE CAUDA LONGA

A “longa trajetória” não é mais que uma escolha infinita, explica Anderson. Uma distribuição abundante e barata é sinônima de uma variedade enorme, econômica e quase ilimitada. E isso significa que a audiência tende a se distribuir de um modo tão amplo quanto a amplidão de escolha. A partir da perspectiva do setor do entretenimento e dos meios de comunicação dominantes, essa parece ser uma batalha entre os meios tradicionais e a internet. Mas o problema é que, uma vez que as pessoas transferem sua atenção para a web, não se deslocam de um lugar para outro, mas simplesmente se dispersam; a escolha infinita dá lugar à fragmentação dos consumidores.

Essa mudança do genérico ao específico não significa o final da estrutura de poder existente, não constitui a passagem definitiva para uma cultura amadora ou de nicho. Trata-se simplesmente de voltar a equilibrar a equação, deixando para trás a incompatibilidade entre a cultura dominante e as diversas subculturas, para entrar em uma era na qual os nichos e os êxitos possam conviver.

Anderson acredita que nossa cultura está se tornando cada vez mais uma combinação de “direcionamento” e “trajetória”, de sucessos e nichos, de instituições e indivíduos, de profissionais e adeptos. A cultura de massa não desaparecerá, afirma. Mas será menos de massa. E a cultura de nicho será menos obscura. O que estamos presenciando é a passagem de uma cultura de massa para outra paralela.

Ainda com o risco de não contar com a aprovação do leitor, Anderson argumenta que cada um de nós pertence, simultaneamente, a diferentes “tribos”, normalmente superpostas. Cada um de nós faz parte de um nicho em algum aspecto da vida. E tomar consciência disso é uma característica própria do novo modelo econômico e cultural que ele analisa no livro. Embora no futuro a cultura de massa possa diminuir, observa o autor, sempre haverá uma cultura comum, uma cultura que será preciso dividir com os demais, mas não com qualquer um.

OS LIMITES DA REVOLUÇÃO

Já no final do livro, o autor nos fornece exemplos do funcionamento da “longa trajetória” em empresas que não pertencem aos meios de comunicação nem ao entretenimento. Isso lhe permite estender esses princípios a setores de atividade que contribuíram para edificar a maioria das economias do mundo. Entre as empresas escolhidas pelo autor está a eBay.

Para uma empresa que começou há menos de dez anos quase como uma experiência sobre a possibilidade que a internet oferecia de vender artigos usados-, a eBay é simplesmente um fenômeno. A qualquer momento, alguns de seus 60 milhões de usuários ativos podem estar vendendo ou comprando mais de 30 milhões de artigos, fazendo da eBay uma das maiores varejistas do mundo.

No entanto, Anderson afirma que existe uma grande diferença entre a eBay e o Wal-Mart, que vende um volume quase similar de produtos. A maioria dos artigos que a eBay oferece não se encontra nas gôndolas dos grandes varejistas tradicionais, e quase todas as pessoas que os vendem também não são vendedores tradicionais.

A eBay é tanto a “longa trajetória” de produtos como a “longa trajetória” de comentários, diz Anderson. É um clássico mercado criado pelos usuários, para os quais exerce a função de facilitadora. Assim como a Amazon, a eBay se constituiu a partir da concepção de “estoque distribuído”: tudo o que oferece é um site no qual os compradores e os vendedores se encontram e estabelecem um preço. Por isso, o estoque tem um custo zero. A eBay também é um modelo de auto-serviço: os vendedores criam suas próprias listas de produtos e eles mesmos estabelecem como será a apresentação e o envio. Portanto, a eBay conseguiu desenvolver seu grande negócio com bem poucos funcionários.

A variedade de pessoas para a qual o modelo da eBay demonstrou ser eficaz supera todas as expectativas. E ela não contribui somente para diminuir as carências dos norte-americanos; também se converteu na maior agência de compra e venda de automóveis usados e no maior provedor de autopeças dos Estados Unidos. Em uma pesquisa realizada pela ACNielsen em 2005, mais de 724 mil norte-americanos reconheceram a eBay como sua fonte primária ou secundária de investimentos.

No entanto, para o autor, a eBay não é o mercado do tipo cauda longa perfeito, devido à descoberta que fez com uma equipe de estudantes da Escola de negócios da Stand Ford. Eles se perguntavam por que a eBay não contava com recomendações, comentários sobre produtos, rankings por preço e outros filtros sofisticados, como os do tipo que a Amazon possui. A resposta é que a eBay geralmente não sabe o que se vende em seu site. O que o site de fato sabe é quais são os que estão prota-gonizando a transação. Mas, como as listas de produtos são criadas pelos próprios vendedores e cada um deles descreve as coisas de uma maneira diferente, não existe nada similar a uma SKU, o número de identificação pelo qual se tem acesso à descrição de um item por estilo, cor e tamanho, largamente utilizado pelo varejo.

Por não contar com essa informação, a eBay não pode oferecer muitas das poderosas tecnologias de filtro que lhe permitam direcionar a demanda para outros provedores da “longa trajetória”. No livro se afirma que isso torna o site muito vulnerável. Segundo Anderson, o desafio para a eBay está em proporcionar melhores filtros, que ajudem os clientes a encontrar o que querem e a comprar com maior confiança não somente no vendedor mas também no produto. Caso contrário, os membros de sua comunidade continuarão voltados para os concorrentes que lhes ofereçam a informação que estiverem procurando.

AS REGRAS DA “LONGA TRAJETÓRIA”

Anderson conclui seu livro abordando as condições para criar um negócio do tipo cauda longa próspero e que se resumem em dois imperativos:

  1. Fazer com que tudo esteja disponível no mercado.
  2. Ajudar os consumidores a encontrar tudo.

O primeiro é mais fácil dizer que executar, afirma o autor. Dos 6 mil filmes apresentados cada ano no Sundance Festival, somente seis são distribuídos. A maioria dos que ficam de lado não pode ser exibida legalmente fora de um festival, por um problema de direitos de execução das trilhas sonoras. Questões similares vinculadas aos direitos autorais também mantêm sob sete chaves a música erudita e os videogames. Enquanto não houver uma maneira de resolver o problema dos direitos autorais, que afeta a totalidade de títulos dos estoques, as restrições legais continuarão sendo a principal barreira para o crescimento da “longa trajetória”.

O segundo imperativo vem se resolvendo mais rapidamente. “Captadores” inteligentes -desde os filtros até avaliações de usuários- estão aproveitando as recomendações para guiar a demanda ao longo da “longa trajetória”. Anderson destaca que nisso reside à diferença entre estimular o consumo e satisfazer a demanda real, ou entre a programação televisiva e o gosto personalizado. As empresas do tipo cauda longa tratam os consumidores como indivíduos, oferecendo a personalização em larga escala como uma alternativa ao mercado de massa.

Para o setor de entretenimento, as recomendações são uma importante forma de marketing, permitindo que filmes mais modesto e a música menos dominante cheguem a seu público. Para os consumidores, a escolha simplificada que vem de seguir uma boa recomendação estimula a exploração e pode reavivar paixões por determinadas músicas e certos filmes.

Desse modo, cria-se potencialmente um mercado do entretenimento bem maior (o cliente padrão da Netflix alugava sete filmes por mês em média, no início de suas operações, o triplo de um típico cliente de locadora naquela época). O efeito cultural benéfico é a maior diversidade, que reverte a desvantagem de um século de escassez na distribuição e acaba com a tirania do sucesso.

Anderson propõe nove regras que permitem reduzir custos e pensar do ponto de vista dos nichos e que atuam como valiosos “captadores”:

  • Regra 1: Dar mobilidade ao estoque.
  • Regra 2: Deixar que os consumidores façam o trabalho.
  • Regra 3: Gerar não um, mas múltiplos canais de distribuição.
  • Regra 4: Oferecer produtos personalizados.
  • Regra 5: Não apostar em um único preço, mas em preços alternativos.
  • Regra 6: Compartilhar a informação.
  • Regra 7: Acrescentar em vez de oferecer opções excludentes.
  • Regra 8: Confiar nos mercados on-line, que refletem a sabedoria do público.
  • Regra 9: Entender o poder do gratuito.

Em um livro em que o autor propõe analisar os efeitos de uma economia e uma cultura baseada no conceito da “longa trajetória”, não poderia faltar um epílogo.

Nos parágrafos finais, Anderson reflete sobre as possibilidades de uma máquina que considera um avanço para os produtos do tipo cauda longa do futuro: a impressora 3D Solidscape, produto cujo custo está em torno de US$ 30 mil.

Esse aparelho tem o poder de converter qualquer forma que se deseje em um objeto tridimensional de plástico duro, devido à ação do laser sobre um banho de polímero líquido. Ao transformar bits em átomos, dentro de casa, essa impressora 3D é a última tecnologia para a fabricação de objetos que farão parte da “longa trajetória”.

No universo do entretenimento e da informação, diz Anderson, a capacidade de oferta já não está restrita ao espaço das prateleiras e aos canais tradicionais. Logo será possível deixar para trás as restrições à capacidade também na produção em massa. A explosão de variedade que temos visto em nossa cultura em decorrência dos avanços da tecnologia digital se estenderá em todas as dimensões de nossa realidade.

Não deveríamos nos perguntar se o melhor é ter mais opções, mas se desejamos tê-las. Na gôndola infinita tudo é possível. O poder de decisão já não está no marketing, mas em cada um dos milhões de consumidores que serão potenciais produtores e também potenciais distribuidores de suas criações.


Fonte: Revista HSM Management – por Chris Anderson